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Um cálculo da espessura da camada limite

A calculation of the boundary layer thickness

Resumos

Revisita-se o problema da camada limite viscosa sobre um perfil plano, derivando-se as equações de Prandtl e depois a de Blasius. Daí, através de procedimento simplificado, uma solução aproximada é obtida cuja precisão ombreia com aquela fornecida pelo conhecido método de von Kármán.


The viscous boundary layer problem over a plane is re-visited and the Prandtl system and the Blasius equation are derived. From the latter, a simplified solution is obtained which shows to be close to that generated by the well known von Kármán method.


Um Cálculo da Espessura da Camada Limite

A calculation of the boundary layer thickness

G. F. Leal Ferreira

CP 369, 13560-970, São Carlos, SP

Recebido em 15 de janeiro, 2002. Aceito em 1 de fevereiro, 2002.

Revisita-se o problema da camada limite viscosa sobre um perfil plano, derivando-se as equações de Prandtl e depois a de Blasius. Daí, através de procedimento simplificado, uma solução aproximada é obtida cuja precisão ombreia com aquela fornecida pelo conhecido método de von Kármán.

The viscous boundary layer problem over a plane is re-visited and the Prandtl system and the Blasius equation are derived. From the latter, a simplified solution is obtained which shows to be close to that generated by the well known von Kármán method.

I Introdução

Em artigo recente nesta revista [1], discutiu-se a questão do perfil de velocidade horizontal na camada limite. Para os leitores menos familiarizados com este conceito, ele foi introduzido por Prandtl no início do século passado [2] para descrever a região de contacto entre um fluido incompressível (=líquido, ou fluido simplesmente) em movimento em relação a um sólido. O líquido adere, por viscosidade, ao sólido a partir da linha de contacto e atinge, na direcão normal, a distâncias crescentes - a espessura variável da camada limite -, a velocidade do líquido não perturbada, U. Estamos já imaginando, por simplicidade, que o líquido se desloca em relacão a um plano de espessura desprezível em cuja borda de entrada a velocidade é zero. A camada limite é aí também zero, e vai crescendo (direção y) à medida que o líquido avança na direção x. Prandtl [1] admitiu que a velocidade horizontal u(x,y) é da forma Uf(), em que d(x) é a espessura da camada limite em x. A função f satisfaz certas condições de contorno [1], que serão especificadas adiante. O interesse no presente trabalho é a determinação de d(x).

II Fluxos horizontal e vertical na camada limite

Como mencionado acima, o perfil de velocidade horizontal u(x,y) é suposto da forma

sendo h = = a(x)y, ou seja, a(x) =, com f(0) = 0 e f(1) = 1.

A Fig. 1 mostra esquematicamente o fluido se aproximando da placa plana, fixa, P, com velocidade uniforme U e atingindo-a em O, a partir de onde se mede a abcissa x. A curva (em verdade, superfície) C delimita a região do fluido fortemente perturbado, contemplado na aproximação, sendo d(x), a espessura da camada limite, a grandeza que queremos calcular. No elemento dx, a velocidade horizontal do fluido u(x,y) obedece a Eq.1. É interessante notar que para y constante, a velocidade u diminui para x crescente (derivada de u para y constante) e sendo o fluido incompressível, isto significa que há também um movimento vertical, v(x,y), que em d(x) atravessa C. Pela equação da continuidade

e da Eq.1

em que o ponto significa derivada em relação a h e a linha, derivada em relação a x. Na maioria dos casos, as variáveis h e x não serão mostradas explicitamente. Da Eq.2

ou


Mas para x constante, temos y = e ¶y = e a Eq.5 integrada dá

É razoavelmente intuitivo que v(x,d(x)) deve ser bem menor que U na aproximação proposta. De outra forma, isto é, se u e v fossem da mesma ordem, nenhuma aproximação poderia ser tentada. Supondo-se ser este o caso, e 1) considerando-se os termos no parêntesis da Eq.6 como da ordem da unidade, e 2) que a(x) = , vê-se que

e, então, concluímos que

III A Equação de Prandtl

Tratando-se de escoamento viscoso, devemos usar a Equação de Navier-Stokes. Notemos, porém, que pela Eq.3

é da ordem de U, de ordem inferior a , que é da ordem de . Portanto as derivadas horizontais de u podem ser desprezadas em frente às suas derivadas verticais.

Com isso, a Equação de Navier-Stokes (sem gradiente horizontal de pressão) se simplifica, havendo no termo de força viscosa somente a derivada segunda de u em relação a y. Ela é

sendo r a densidade do líquido e m a viscosidade. Apesar de v ser bem menor que u, os dois termos no parêntesis da Eq.9 são da mesma ordem de grandeza. Isto porque, por compensação, é bem menor que . A Eq.9 foi proposta por Prandtl [3].

IV A Equação de Blasius

Blasius transformou a Eq.9 numa equação diferencial em h. Para isto, da Eq.3 temos

Da Eq.1

e

resultando para a Eq.9, com mc = m/r o coeficiente de viscosidade cinemática,

usando-se as Eqs.1,6,10-12. Notemos que ocorre cancelamento dos dois primeiros termos do lado esquerdo e que

em que se definiu K(x) uma função de x.Após um certo re-arranjo, a Eq.13 pode ser escrita assim

de onde se conclui que o lado esquerdo, função de h, e o lado direito, função de x, são iguais a uma constante, que chamaremos de K. Com

a Eq.15 torna-se

equação que Blasius procurou resolver [3]. Na verdade, por uma redefinição de g, o fator K na Eq.17 pode ser eliminado. Tomaremos, porém, aqui um outro rumo mais simples, procurando determinar K de uma forma aproximada pela Eq.17 e retornando depois à Eq.14 para a determinação de d(x).

V Determinação aproximada de K e de d (x)

Vamos determinar K impondo um perfil aproximado para f(h).Para a solução exata, a Eq.17 é satisfeita para todos os valores de h, 0 < h < 1. Com um perfil aproximado, vamos impor que a igualdade entre o lado esquerdo e direito da Eq.17 se dê em média, ou seja

No tratamento usual do problema devido a von Kármán, no qual se iguala a perda de momento do líquido com o atrito viscoso sobre a placa, usa-se o perfil proposto por Prandtl, dado por

que satisfaz as condições especificadas abaixo da Eq.1 (isto é, f(0) = 0 e f(1) = 1) e, adicionalmente, f(1) = 0, ou seja, a velocidade horizontal, Eq.1, atinge suavemente o valor U em C. Das Eqs.16 e 19 obtêm-se

e substituindo-se as Eqs.20-22 na Eq.16, obtém-se

e retornando-se à Eq.14, tem-se agora

ou seja,

O fato de d(x) ser inversamente proporcional a U e a r,este através de mc, mostra que as forças inerciais têm um papel preponderante na formação da camada, ou seja, uma maior densidade de momento do líquido impõe camada limite mais fina. A força viscosa sobre a placa deve ser, grosso modo, diretamante proporcional a U e inversamente proporcional a d(x). Vemos, então, que a força de arraste sobre a placa, de acordo com Eq.25, vai com U.

VI Comentários

A solução de von Kármán [2] leva ao coeficiente numérico 4,65 na Eq.25 (não sabemos se ela é matematicamente equivalente àquela dada acima e a diferença, 4,65 e 4,64 adviriam de aproximacões diferentes). Por outro lado, a de Blasius, a partir da equação diferencial da Eq.17 [3], por solução em série, dá o valor convencionado de 4,52.

Mesmo para escoamentos turbulentos, há formação de camada limite viscosa na região próxima de x = 0 [2]. Tomando-se escoamento de água, com mc 1,2 -2 cm2/s, com velocidade de 1 m/s, para a qual já há turbulência, a Eq.25 dá para d(x) » 5–2 10–2 cm, isto é, uma camada bem estreita.

O que aconteceria se usássemos para o perfil de velocidades f(h), Eq.19, um polinômio de ordem superior a três, mantendo-se as mesmas três condições de contorno abaixo da Eq.19, como determinado em [1]? Evidentemente, o perfil dependeria agora de um parâmetro extra, b, f(h,b). Obtidos, então, os correspondentes g, a Eq.18 forneceria uma função, vamos dizer, H(K,b) = 0. Impondo-se agora um mínimo (na verdade um extremo) para H(K,b), isto é, ¶Hb = 0, K poderá ser determinado. Quer dizer, a eventual arbitrariedade na definição do perfil pode ser eliminada 'dinamicamente ' pela Eq.18 e imposição de um mínimo em relação aos parâmetros excedententes.

Por fim, vamos testar se a condição de validade da aproximação na Eq.7¢ de fato se verifica. Temos

mostrando que para pontos próximos à borda de entrada (ponto O na Fig.1) a aproximação não é boa. Para o caso do escoamento considerado acima, isto ocorreria para x << 6,5x10–4 cm. Como a perturbacão causada pela própria borda não foi considerada, isto parece não prejudicar muito a solução, que seria válida para x suficientemente grande, eventualmente transicionando para a camada limite turbulenta, para x ainda maiores [2].

Agradecimentos

O autor agradece ao CNPq a bolsa de produtividade.

  • [1] Katia B. de Lacerda e A. E. A. Amorim, Rev. Brasil. Ensino Física, textbf23, 196 (2001).
  • [2] Victor L. Streeter, Mecânica dos Fluidos, Editora McGraw-Hill do Brasil;, Ltda.,1974,Cap.V.
  • [3] J. W. Daily e D. R. F. Harleman, Fluid Dynamics, Addison-Wesley Publ. Co. Inc., 1973, Cap.10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2002
  • Data do Fascículo
    Mar 2002

Histórico

  • Aceito
    01 Fev 2002
  • Recebido
    15 Jan 2002
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