Acessibilidade / Reportar erro

O sentido físico dos campos B e H

The physical meaning of the fields B and H

Resumos

Mostra-se que, embora seja o campo de indução <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/sbgvec.gif" align="absmiddle"> o campo fundamental, é o campo <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/shgvec.gif" align="absmiddle"> o campo magnetizante no para e no ferromagnetismo, os quais se realizam pela orientação de dipolos magnéticos. Já no diamagnetismo, cujo caso extremo ocorre nos materiais em estado supercondutor, dependente da ação da induçaão eletromagnética, o campo indutor é o de indução, <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/sbgvec.gif" align="absmiddle">. Discute-se a obtenção das relações <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/sbgvec.gif" align="absmiddle"> = <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/shgvec.gif" align="absmiddle"> + 4pi<img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/smgvec.gif" align="absmiddle"> fundamentais, e <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/sdgvec.gif" align="absmiddle"> = <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/segvec.gif" align="absmiddle"> + 4pi<img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/spgvec.gif" align="absmiddle"> e as diferenças conceituais entre elas. O efeito desmagnetizante e o statusdascorrentes de Ampère são também abordados.


It is shown that albeit the fundamental character of the induction field <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/sbgvec.gif" align="absmiddle">, it is the magnetic field <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/shgvec.gif" align="absmiddle"> the magnetizing field in para and ferromagnetism, phenomena depending on the orientation of magnetic dipoles. However, in diamagnetism, whose extreme case occurs in superconducting materials, the inducting field is <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/sbgvec.gif" align="absmiddle">. The relations <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/sbgvec.gif" align="absmiddle"> = <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/shgvec.gif" align="absmiddle"> + 4pi<img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/smgvec.gif" align="absmiddle"> e <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/sdgvec.gif" align="absmiddle"> = <img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/segvec.gif" align="absmiddle"> + 4pi<img src="http:/img/fbpe/rbef/v23n2/spgvec.gif" align="absmiddle"> are obtained and the differences between them stressed. The demagnetization effect and the status of the Amperian currents are discussed.


O sentido físico dos campos B e H

The physical meaning of the fields B and H

G. F. Leal Ferreira

guilherm@if.sc.usp.br

Instituto de Física de São Carlos, USP

CP 369, 13560-970, São Carlos, SP

Recebido em 03/01/2001. Aceito em 28/02/2001

Mostra-se que, embora seja o campo de indução o campo fundamental, é o campo o campo magnetizante no para e no ferromagnetismo, os quais se realizam pela orientação de dipolos magnéticos. Já no diamagnetismo, cujo caso extremo ocorre nos materiais em estado supercondutor, dependente da ação da induçaão eletromagnética, o campo indutor é o de indução, . Discute-se a obtenção das relações = + 4p fundamentais, e = + 4p e as diferenças conceituais entre elas. O efeito desmagnetizante e o statusdascorrentes de Ampère são também abordados.

It is shown that albeit the fundamental character of the induction field , it is the magnetic field the magnetizing field in para and ferromagnetism, phenomena depending on the orientation of magnetic dipoles. However, in diamagnetism, whose extreme case occurs in superconducting materials, the inducting field is . The relations = + 4p e = + 4p are obtained and the differences between them stressed. The demagnetization effect and the status of the Amperian currents are discussed.

I Introdução

Nos dielétricos a polarização , ou seja, o momento de dipolo elétrico por unidade de volume, é resultante da ação do campo elétrico . Para campos não muito elevados vale a relação linear = ce, sendo ce a susceptibilidade elétrica. No magnetismo a indução é considerada o campo fundamental (como o é em eletrostática) mas apesar disso a magnetização induzida é sempre expressa em termos do 'campo magnético' , campo aparentemente subsidiário, como = cm, sendo cm a susceptibilidade magnética (em geral dependente da magnitude de nos materiais ferromagnéticos). Esta tradição, segundo Poincaré [1], foi iniciada por Poisson e Maxwell [2] a considera 'a equação fundamental da magnetização induzida'.

No presente artigo pretendemos justificar a escolha de Poisson, não de forma universal, mas quando ela se aplica ao para e ao ferromagnetismo enquanto que a forma alternativa, = h, sendo h uma nova susceptibilidade, deve ser usada no diamagnetismo, inclusive para descrever o caso extremo da supercondutividade nessa linguagem de susceptibilidades.

II Obtenção das relações = + 4p e = + 4p

Será muito útil recapitularmos como a relação = + 4p é obtida e compará-la com a correspondente relação elétrica, = + 4p [3]. Consideraremos a magnetização e a polarização , como fontes de e de respectivamente. Os efeitos das correntes e das cargas reais podem ser facilmente introduzidos ao final da dedução em cada caso.

II.1 = + 4 p

Para a relação magnética partimos da expressão do potencial vetor no ponto de uma espira de momento de dipolo

escrita no CGS gaussiano. Generalizando esta expressão para uma distribuição de densidade de magnetização

(

¢), no volume

V

0, criando no ponto

o potencial vetor

(

), ver

Fig.1, tem-se

e devemos achar

como o rotacional de

. O rotacional do integrando em relação a

é do tipo Ñ × (

×

(

)) igual a (Ñ ·

(

))

- (

· Ñ)

G(

) sendo

tomado como constante. Portanto, vamos separar

em duas partes,

1 e

2, com

e


Mas Ñ · / 3 = 4pd() e, portanto,

Para

2, Eq.4, usa-se a identidade Ñ(

·

(

)) = (

· Ñ)

(

) +

× (Ñ ×

(

)) e sendo o rotacional de um gradiente nulo, podemos por

já que o integrando depende só de

¢. Notemos que

1, Eq.5, depende do valor local de

enquanto

2 =

(

) é o campo de indução criado pelos dipolos magnéticos distribuidos em

V

0. Enquanto que

1 pode ser chamado de componente local de

, e é nulo no exterior de

V

0,

, o campo magnético, Eq.6, pode ser chamado de campo distante de

e é em geral diferente de zero no interior e no exterior de

V

0. No caso de haver correntes presentes, ou outros materiais magnetizados,

incluirá o campo criado por estas. Das relações anteriores conclui-se

II.2 = + 4 p

No caso elétrico, o campo elétrico é criado pela polarização distribuida em V0 e não teríamos mais do que repetir a Eq.6, com em vez de , isto é,

Note-se que no caso elétrico só o campo chamado distante dá o campo elétrico total. Para obtermos a relação elétrica correspondente à Eq.7, é preferível trabalhar com o potencial U da distribuição de dipolos em vez do campo

e, através de truque bem conhecido, transformar a integral numa de superfície envolvendo a componente normal de

agindo como densidade superficial de carga e outra de volume, envolvendo -Ñ·

agindo como densidade volumétrica de carga, r

p. Podemos então escrever Ñ ·

= 4pr

p e logo Ñ · (

+ 4p

) e definindo o campo sem divergência

(no caso presente em que não há cargas reais), finalmente

Se cargas reais estão presentes com densidade r, a divergência de será igual a 4pr. A equivalência matemática entre e fica estabelecida além daquelas entre e e entre e . Notemos que a relação magnética, Eq.7 é mais factual do que a elétrica, Eq.10, porque na Eq.7 podemos dar sentido físico aos seus três termos, enquanto na Eq.10 o campo foi introduzido por pura conveniência matemática, em termos das grandezas físicas relevantes, e .

III Para e Ferromagnetismo

Na recapitulação da seção II.1, o ponto importante a ser realçado é o da existência da componente local de , igual a 4p, e o seu aparecimento se deve à singularidade do campo de indução de uma espira, protótipo do momento magnético, no interior da própria espira, responsável afinal pelo aparecimento da função delta no integrando da Eq.3. E com ela podemos compreender porque no para e no ferromagnetismo a indução deve relacionar a e não a : é que nestes casos os dipolos magnéticos precisam ser orientados para criar a magnetização mas a própria magnetização, campo local de , não tem nenhum efeito de orientação sobre ela mesma. Considere por exemplo o dipolo magnético no interior do meio magnético, fig.2. Como Onsager [4, 5] raciocinou, o dipolo magnetizará o meio, mas o campo de reação deste sobre o dipolo será na direção de e, portanto, não terá nenhuma ação orientadora sobre ele. Só a interação do momento magnético com o campo distante poderá gerar orientação preferencial do momento magnético na direção do próprio . Quer dizer, a componente local de não pode ter ação indutora, ficando esta para a componente distante, .


IV Susceptibilidades

Em eletrostática não temos dúvidas em por = ce, com ce, a susceptibilidade elétrica, positiva, e maior ou menor conforme responda o meio ao campo elétrico, não havendo em princípio um limite superior a se postular para ela. Vamos ver agora o que aconteceria se usássemos = a. Da relação de Poisson temos = cm = cm( - 4p) da qual podemos tirar (1 + 4pcm) = cm e então teríamos

No ferro c

m é bem grande, o que está de acordo com nossa expectativa por se tratar de material bem magnetizável. Porém, expressa a magnetização através de

= a

, a susceptibilidade a teria pela Eq.11 o valor limite de 1/4p, para o que seria difícil encontrar justificativa. Vemos pois que muito trabalho inútil foi evitado com a escolha de Poisson, ou antes, que este fez intuitivamente a escolha correta, assemelhando a magnetostática à eletrostática, apesar de não poder justificá-la completamente.

Voltando à Eq.11 vemos que, se cm é em valor absoluto pequeno, não há diferença essencial entre usar-se a ou cm, e este fato tem sido invocado para não se considerar relevante a discussão sobre qual das susceptibilidades é mais adequada [6]. Mas nem sempre é assim, como acabamos de ver. Em outro caso [7] a escolha de uma ou outra susceptibilidade é considerada matéria de convenção e deve-se então, para evitar confusão, preferir-se a de Poisson, já em uso. Seria interessante citar também Van Vleck, autor de livro específico sobre as susceptibilidades elétrica e magnética [8]. Em nota de rodapé na página 3 ele diz '...nós não procedemos a estas mudanças afim de nos conformar mais de perto à literatura existente, que considera como o vetor magnético fundamental'(!). E ao tratar no Cap.IV da teoria clássica da susceptibilidade magnética diz '...estes magnetos moleculares tenderão a se alinhar paralelamente a um campo magnético mas são resistidos pela agitação de temperatura...' O diamagnetismo tratado a seguir também segue . Portanto, Van Vleck é pouco esclarecedor para os fins perseguidos aquí.

V O diamagnetismo

As coisas se passam diferentemente com o diamagnetismo que claramente está relacionado com a indução eletromagnética e portanto ao campo de indução . Espera-se então que uma relação como = h, com h negativo, seja mais conveniente. Tomemos o caso de uma peça metálica conexa no estado supercondutor. Apesar de não ser muito esclarecedor, podemos usar o conceito de magnetização como um caso extremo de diamagnetismo [9]. E o que esperaríamos nesse caso? Não há dúvida que h deveria ser infinitamente negativo embora devesse permanecer finito. Voltando à relação =h vemos que para isso ocorrer deve ser zero fazendo o produto h finito, conclusão essencialmente correta [9]. Ao contrário do que ocorre no diamagnetismo comum, não parece razoável querermos usar aquí a Eq.7 já que seu ponto de partida, Eq.2 - baseado no modelo de momentos magnéticos distribuidos no volume -, é inadequado para a situação presente, em que as correntes induzidas na superfície do supercondutor são correntes reais, e, portanto ligadas a . Se insistirmos em usar a relação de Poisson, a Eq.11 mostra que cm agora tem o valor limite de -1/4p. Por que?

VI A equação geral da magnetização induzida

Do exposto, concluimos que a equação geral da magnetização induzida, incluindo a magnetização diamagnética e a de orientação deve ser

incluindo no lado direito da Eq.12 as contribuições dia e orientacionais. Ou

lembrando que h é negativo. Como h é em geral pequeno, a relação usual é válida.

VII O efeito desmagnetizante e as correntes de magnetização de Ampère

Pela presente análise estamos agora em condição de explicar sem dificuldades o efeito desmagnetizante. De fato, no interior de um imã, seja este uma esfera, Fig.3, e têm o mesmo sentido enquanto aponta em direção contrária. Sendo assim só a pode ser atribuída a ação desmagnetizante, o que está de acordo com a nossa conclusão de que é a parte de distante aquela capaz de agir sobre os dipolos, neste caso se opondo à própria magnetização. No caso oposto em que procuramos criar magnetização necessitamos da ação de fontes externas de , usualmente correntes, para vencer o campo desmagnetizante criado pela própria magnetização.


Outro ponto interessante de se discutir é o do status das correntes de magnetização de Ampère, às quais, por serem 'naturais', poderia ser emprestada a áurea de supercondutoras. Tomemos, por exemplo, dois discos imantados com magnetização ao longo de suas alturas h, como na Fig. 4. Podemos descrever o estado magnético dos mesmos através de correntes de Ampère, is, no perímetro dos discos, com is = Mh. Sendo a situação análoga àquela entre duas correntes reais coincidentes com is, suspeitarí amos que correntes de indução aparecessem se aproximássemos ou afastássemos os discos. Mas praticamente as imantações permanecem essencialmente as mesmas, e a razão é que as correntes de magnetização de Ampère estão relacionadas a e só efeitos ligados a geram efeitos de indução. Aliás, é o que aconteceria se os discos fossem supercondutores.


Por fim, gostaria de relatar o que o Prof. Norman F. Ramsey, Prêmio Nobel de Física 1989, nos disse em entrevista solicitada por nós para discutir o assunto. Ele disse que experiências realizadas com feixe de eletrons penetrantes em materiais ferromagnéticos (no interior dos quais e diferem significativamente) mostram que eles são desviados pela ação de e não pela de . Não temos a referência.

Agradecimentos

O autor agradece aos colegas, Osvaldo N. de Oliveira Jr. e Luiz N. de Oliveira, ao primeiro pelo estímulo recebido e ao segundo por sugestões a versão anterior deste. Ao Prof. Norman pelo contundente exemplo, que muito ajudou na organização das nossas idéias, e ao CNPq pela bolsa de produtividade.

  • [1] H. Poincaré, Électricité et Optique, Georges Carré Éditeur, Paris, 1890, p.113.
  • [2] J. C. Maxwell, A Treatise in Electricity and Magnetism, Dover Publ., N.York, 1954, Vol.II, p.50.
  • [3] J. R. Reitz, F. J. Milford e R. W. Christy, Foundations of Electromagnetic Theory, Addison-Wesley Publ. Co., Reading, 1979, p.191.
  • [4] L. Onsager, J. Amer. Chem. So., 58 (1936) 1486.
  • [5] C. J. F. Bötttcher e P. Bordewijk, The Theory of Electrical Polarisation, Vol.1, Elsevier Scien. Publ., Amsterdam, 1978, Cap.5.
  • [6] E. M. Purcell, Electricity and Magnetism, Berkeley Physics Course, McGraw-Hill Book Co., N. York, 1965, Vol.2, p.380.
  • [7] J. A. Stratton, Electromagnetic Theory, McGraw-Hill Book Co., N. York, 1941, p.12.
  • [8] J. H. Van Vleck, The Theory of Electric and Magnetic Susceptibilities, Oxford University Press, 1952.
  • [9] L. Landau e E. Lifchitz, Électrodynamique des millieux continus, Edições MIR, 1969, Cap.8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2001

Histórico

  • Aceito
    28 Fev 2001
  • Recebido
    03 Jan 2001
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br