Resenha do livro “Influência do pós-doutorado sobre produção científica da pós-graduação: o caso da USP”

Reseña del libro “Influencia del posdoctorado en la producción científica de estudios de posgrado: el caso de la USP”

CASTRO, P. M. R. . Influência do pós-doutorado sobre produção científica da pós-graduação: o caso da USP. Saarbrücken: Editora Omniscriptum; Novas Edições Acadêmicas, 2017. 80p.ISBN 978-3-330-75305-1

Palavras-chave:
Capacitação docente; Pós-graduação; Estágio Pós-doutoral

Palabras clave:
Formación docente; Postgrado; Pasantía postdoctoral

Um livro intenso: assim poderia resumir-se o teor da obra Influência do Pós-doutorado sobre Produção Científica da Pós-graduação - o caso da USP. O livro consiste basicamente em questões que tangem a capacitação docente, avaliação do ensino superior, contextos de atuação da pós-graduação, nuances da produção científica, gestão do conhecimento e cenário do pós-doutorado vivenciado pelos docentes da Universidade de São Paulo (USP).

Ao navegar despretensiosamente por livrarias virtuais e também pelo website da Amazon, deparei-me com um lançamento de uma obra que me chamou a atenção, em princípio por uma inferência plausível, não apenas por minha observância em virtude da minha condição de pesquisador, mas também porque o conteúdo da obra atrai a atenção do público acadêmico envolvido com a pós-graduação - professores universitários, alunos de mestrado e doutorado e os mais diversos atores relacionados com a avaliação, administração e condução do ensino superior como um todo.

Da motivação inicial, seguindo-se para o debruçar-se sobre a obra, o leitor tem acesso a um trabalho denso e muito interessante, desafiador, da perspectiva operacional da sua condução, e extremante reflexivo no que diz respeito a seus achados. Em uma das partes do livro, tem-se um adendo, ainda muito raro na prática acadêmica: o autor relaciona todos os artigos científicos que foram publicados, via de regra, em revistas prestigiosas e de boa pontuação na base Qualis da Capes (CASTRO e PORTO, 2008, 2010, 2012, 2016a; CASTRO, PORTO e KANNEBLEY JUNIOR, 2013), como decorrentes dos trabalhos de pesquisa, demonstrando até certo ponto que a obra é um compêndio no sentido de agregar diversos conteúdos em um só local. Mas o livro não é apenas isso.

Estruturado em cinco capítulos, os três primeiros tratam dos aspectos da preparação do trabalho de investigação. O primeiro capítulo traz aspectos gerais envolvidos com o pós-doutorado, em especial por ser uma etapa de pesquisa após a conclusão do doutorado que praticamente não existia na academia brasileira antes dos anos 90. Hoje, no entanto, a consciência da necessidade do contínuo aperfeiçoamento - cada vez mais presente na academia - provoca uma pressão por fomento e recursos, a desenhar uma evolução não equilibrada da procura (demanda) e da concessão (oferta) de bolsas para a realização de pós-doutorado.

O segundo capítulo traz pontos teóricos da Gestão do Conhecimento nas organizações, contextualiza a universidade em estudo (USP) com suas principais características na qualidade de grande instituição universitária e apresenta ao leitor um panorama maior da pós-graduação nacional desde a sua criação com o Parecer Sucupira, na década de 1960, até os dias atuais, cenário em que se considera o pós-doutorado um elemento a somar na pós-graduação brasileira. Conforme os princípios da Gestão do Conhecimento (NONAKA e TAKEUCHI, 1997), o pós-doutorado enquanto comunidade de prática configura uma qualificação docente que atua por meio da socialização entre pesquisadores, visando, a posteriori, também à externalização desse conhecimento, para que este possa vir a ser compartilhado entre os pares.

O terceiro capítulo diz respeito ao método. O autor trabalhou na perspectiva de que o pós-doutorado é, sobretudo, uma socialização presencial (não à distância e/ou via web); no entanto, não pode se encerrar na socialização entre pesquisadores. O método foi então estruturado para - por meio de uma série de índices - pontuar o panorama antes e depois do pós-doutorado realizado, a verificar se houve alguma variação em como se configurava a produção docente nos seguintes quesitos: livros, capítulos de livros, artigos científicos publicados em periódicos, trabalhos publicados em anais de eventos, prefácio, posfácio, tradução de obras e demais produções relevantes que estivessem listadas pelo pesquisador em seu currículo Lattes.

Esses quesitos de produção bibliográfica comuns na carreira docente foram utilizados tendo como objetivo comparar não somente o antes e depois relativo ao mesmo docente, mas também cotejar a produção do docente com seu par comparável (com mesmo tempo de carreira e atuante na mesma área do conhecimento), verificando se havia diferenças de desempenho entre docentes com e sem pós-doutorado.

O quarto capítulo compõe-se de uma riqueza de dados e resultados, a maioria deles contra o senso comum a respeito do pós-doutorado, podendo-se listar entre as principais a não corroboração de diversas hipóteses (p. 50). Uma, entre elas, soaria “óbvia” a qualquer leigo no assunto: a magnitude da variação do índice seria diferente no que se referisse à área do conhecimento/atuação do docente. O estudo, ao contrário, encontra um resultado de impacto mediano, mas comum a todas as áreas da universidade investigadas, sem diferenças significativas entre elas.

Outros resultados bastante relevantes precisam ser destacados:

1. A existência de uma pausa entre a conclusão do doutorado e a realização do pós-doutorado (chamado de interstício entre as qualificações) pode ser benéfica. Pelos resultados, quanto maior essa pausa, maior é a tendência do pós-doutorado gerar resultados positivos sobre a produção científica;

2. O pós-doutorado contribui para aumentar moderadamente a produção em revistas indexadas do estrato Qualis ‘A’;

3. Por meio de um estudo contrafactual de forte lastro empírico, verificou-se que os pesquisadores seniores tendem a se beneficiar mais com a realização do pós-doutorado.

Em seus capítulos finais, tem-se as considerações críticas, as análises do autor acerca do pós-doutorado, as referências utilizadas e um capítulo no qual o autor relaciona todos os artigos científicos que foram publicados relacionados à obra. O livro estruturado dessa forma, com esse adendo (de trabalhos anteriores que dão embasamento à obra), acaba por trazer um mapeamento extremamente benéfico para o entendimento macro da situação do pós-doutorado no que diz respeito aos seus outputs.

Além disso, ao cotejar-se o adendo que traz os diversos artigos publicados sobre o assunto (CASTRO e PORTO, 2008, 2010, 2012, 2016a; CASTRO, PORTO e KANNEBLEY JUNIOR, 2013) e o conteúdo do livro, nota-se claramente que este traz uma leitura mais aprazível (por exemplo, com menos enquadramento/linguagem formal em comparação com artigos), um tom que torna a sua apreensão mais agradável para o público geral, tornando mais leve a sua leitura, apesar de trazer um tema polêmico, ainda não consensual na própria academia.

O livro indica em seu conteúdo (CASTRO, 2017, p. 34) a sugestão de uma nova pontuação interáreas para o Qualis. Explica como surgiu a pontuação que todos conhecem (pontuação de zero a 100 de B5 a A1 nos diversos estratos) e assinala que a Administração foi a primeira área a adotar a ideia de “pontuações”, seguida pela Educação. Tal pontuação expandiu-se de tal forma que passou a configurar as tabelas atuais de pontuações Qualis, hoje utilizada por todas as áreas do conhecimento.

Trata-se de uma obra abrangente, que aponta a necessidade de reflexão dos vários componentes envolvidos - a enfatizar, ainda, a necessidade de uma visão mais ampla e não tão restrita à produção de artigos em periódicos, mas considerando também, nas diversas avaliações, outros critérios que podem ser muito mais amplos, como os relacionados em Castro e Porto (2016b), com base na seguinte reflexão acadêmica: o que queremos na pós-graduação: “Ensino e pesquisa e nada mais?”

Para a Gestão da Ciência, Tecnologia e Inovação, o livro contribui por fornecer subsídios para a tomada de decisões gerenciais, apontar caminhos e estratégias administrativas em termos de práticas e políticas internas das Instituições de Ensino Superior (que aparentemente precisam ser repensadas diante dos resultados encontrados), bem como contribui para o avanço do conhecimento acerca do pós-doutorado, ao trazer para o campo de pesquisa um tema ainda pouco abordado e proporcionar maior visibilidade e credibilidade ao sistema para embasamento de captação de recursos.

De uma forma geral, há que se ressaltar que dificilmente um profissional vinculado ao ensino superior ficará imune ao seu teor. Esse é o ponto mais alto da obra. O livro provoca, instiga e o tempo inteiro leva o leitor a (re)pensar do ponto de vista cognitivo diversos tópicos que não se restringem ao pós-doutorado, pois vai além e quebra tabus. É contrafactual, contracultural e contra “loci sagrados” pela força do uso corrente e de lugar comum - frases politicamente corretas, como “quanto mais rápida e acelerada a qualificação, melhor”, são questionadas. Uma pausa pode ser muito bom! É o que indica o estudo diante de uma pesquisa exaustiva, fortemente alicerçada em dados empíricos coletados na maior instituição pública do país, de qualidade reconhecida e que aponta que a práxis acadêmica certamente precisa ser (também) pesquisada, avaliada e, em especial, revista e repensada constantemente, a visar à melhoria dos resultados acadêmicos e sociais que são esperados.

REFERÊNCIAS

• CASTRO, P. M. R.; PORTO, G. S. Retorno ao Exterior Vale a Pena? A questão dos estágios pós-doutorais sob a perspectiva da produção em C&T. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 15, n. 47, p. 155-173, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1984-92302008000400009 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
  » http://dx.doi.org/10.1590/S1984-92302008000400009
• CASTRO, P. M. R.; PORTO, G. S. Análise exploratória sobre a mensuração de resultados da capacitação via estágios pós-doutorais: heterogeneidade entre grandes áreas do conhecimento? Revista de Administração (RAUSP), São Paulo, v. 45, n. 1, p. 43-56, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/S0080-2107(16)30508-8 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
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• CASTRO, P. M. R.; PORTO, G. S. Avaliação de resultados da capacitação via estágios pós-doutorais: breves notas sobre a produção científica em periódicos. Revista Ensaio, Rio de Janeiro, v. 20, n. 74, p. 51-72, 2012. Disponível em:<Disponível em:http://dx.doi.org/10.1590/S0104-40362012000100004 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
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• CASTRO, P. M. R.; PORTO, G. S.; KANNEBLEY JÚNIOR, S. Pós-Doutorado, essencial ou opcional? Uma radiografia crítica no que diz respeito às contribuições para a produção científica. Revista da Avaliação da Educação Superior, Campinas. v. 18, n. 3, p. 773-801, 2013. Disponível em:<Disponível em:http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772013000300013 >. Acesso em:18 mar. 2020.
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• CASTRO, P. M. R.; PORTO, G. S. Copo meio cheio ou copo meio vazio? Estágio pós-doutoral, face exposta, revisão crítica e agenda de pesquisa. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 32, n. 1, p. 159-184, 2016a. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-4698140410 >. Acesso em:18 mar. 2020.
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• CASTRO, P. M. R.; PORTO, G. S. Ensino e pesquisa e nada mais? Uma análise com base em currículos Lattes de pós-doutores egressos da Capes. Revista Administração Ensino e Pesquisa, Rio de Janeiro, v. 17, n. 01, p. 111-146. 2016b. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.13058/raep.2016.v17n1.355 >. Acesso em:18 mar. 2020.
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• CASTRO, P. M. R. Influência do pós-doutorado sobre produção científica da pós-graduação: o caso da USP. Saarbrücken: Novas Edições Acadêmicas, 2017. 80 p.
• NONAKA, I; TAKEUCHI, H. Criação de conhecimentos na empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Editora Campus. 1997. 358 p.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  17 Abr 2020
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2020

Histórico

• Recebido
  13 Nov 2018
• Aceito
  06 Jan 2020