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A condição paradoxal da administração de recursos humanos: entre a racionalidade instrumental e a racionalidade substantiva

The paradoxical condition of human resources administration: between instrumental rationality and substantive rationality

Resumos

Este artigo, na forma de ensaio, discute a condição paradoxal da ARH, que busca agir em função de uma perspectiva instrumental de racionalidade ao contemplar as exigências de competitividade organizacional. Entretanto, ao mesmo tempo, procura considerar os anseios dos colaboradores. Tais anseios, em uma perspectiva de emancipação do trabalhador, seriam alcançados pela racionalidade substantiva, a qual se caracteriza pelo julgamento ético, a autorrealização, a emancipação e a autonomia. As práticas organizacionais relacionadas às pessoas estão vinculadas a um contexto propriamente humano e a outro contexto altamente competitivo. Nesse sentido, os gestores da área parecem precisar agir em função de uma convergência das racionalidades instrumental e substantiva. O desafio da área é agir nessa condição paradoxal. É realizada uma discussão teórica sobre essa realidade e sobre possíveis direções para o futuro.

Racionalidade instrumental; Racionalidade substantiva; Recursos humanos; Paradoxo; Emancipação


This article, in the form of essay, discusses the paradoxical condition of human resources administration, which seeks to work from an instrumental perspective of rationality by considering the requirements of organizational competitiveness. However, at the same time, it seeks to take into account the employees' expectations. Such longing, from a perspective of worker's emancipation, could be fulfilled by means of the proposal by substantive rationality, which is characterized by ethical judgment, self-fulfillment, emancipation, and autonomy. Organizational practices related to people are linked to a specifically human context and to another highly competitive context. In this sense, managers in the area seem to need to work according to a convergence of instrumental and substantive rationalities. The challenge in the area is working under this paradoxical condition. A theoretical discussion on this reality and on possible directions for the future is conducted.

Instrumental rationality; Substantive rationality; Human resources; Paradox; Emancipation


ARTIGOS

A condição paradoxal da administração de recursos humanos: entre a racionalidade instrumental e a racionalidade substantiva

The paradoxical condition of human resources administration: between instrumental rationality and substantive rationality

Henrique Muzzio

Doutor em Administração pela Fundação Getulio Vargas/EAESP; Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (DCA/UFPE). Endereço: Departamento de Ciências Administrativas - Avenida dos Funcionários, s/n - Cidade Universitária. CEP 50740-580, Recife - PE, Brasil. E-mail: henrique.muzzio@ufpe.br

RESUMO

Este artigo, na forma de ensaio, discute a condição paradoxal da ARH, que busca agir em função de uma perspectiva instrumental de racionalidade ao contemplar as exigências de competitividade organizacional. Entretanto, ao mesmo tempo, procura considerar os anseios dos colaboradores. Tais anseios, em uma perspectiva de emancipação do trabalhador, seriam alcançados pela racionalidade substantiva, a qual se caracteriza pelo julgamento ético, a autorrealização, a emancipação e a autonomia. As práticas organizacionais relacionadas às pessoas estão vinculadas a um contexto propriamente humano e a outro contexto altamente competitivo. Nesse sentido, os gestores da área parecem precisar agir em função de uma convergência das racionalidades instrumental e substantiva. O desafio da área é agir nessa condição paradoxal. É realizada uma discussão teórica sobre essa realidade e sobre possíveis direções para o futuro.

Palavras-chave: Racionalidade instrumental. Racionalidade substantiva. Recursos humanos. Paradoxo. Emancipação.

ABSTRACT

This article, in the form of essay, discusses the paradoxical condition of human resources administration, which seeks to work from an instrumental perspective of rationality by considering the requirements of organizational competitiveness. However, at the same time, it seeks to take into account the employees' expectations. Such longing, from a perspective of worker's emancipation, could be fulfilled by means of the proposal by substantive rationality, which is characterized by ethical judgment, self-fulfillment, emancipation, and autonomy. Organizational practices related to people are linked to a specifically human context and to another highly competitive context. In this sense, managers in the area seem to need to work according to a convergence of instrumental and substantive rationalities. The challenge in the area is working under this paradoxical condition. A theoretical discussion on this reality and on possible directions for the future is conducted.

Keywords: Instrumental rationality. Substantive rationality. Human resources. Paradox. Emancipation.

Introdução

O propósito deste artigo é discutir a condição paradoxal da administração de recursos humanos (ARH) que, aparentemente, busca conciliar em suas políticas e em suas práticas visões de mundo conflitantes, voltadas para contemplar os anseios organizacionais competitivos e a expectativa de emancipação do trabalhador. Essas visões são analisadas, aqui, a partir de tipos antagônicos de racionalidade: a racionalidade instrumental e a racionalidade substantiva. A justificativa dessa discussão reside na percepção de que prevalece, na literatura, uma visão instrumental de operacionalização da ARH (ADELEYE, 2011), o que abre espaço para um debate que evidencie paradigmas alternativos e seus eventuais usos, colaborando para ampliar o escopo do campo; além disso, a análise do uso de práticas gerenciais contemporâneas pode colaborar para que acadêmicos e gestores compreendam melhor as condições em que são comuns situações paradoxais e desafiadoras para os atores da área.

A área de recursos humanos, ou gestão de pessoas, tem experimentado profundas mudanças em sua trajetória, notadamente com a ampliação de sua importância e de sua influência entre as demais áreas organizacionais (SUBRAMANIAM e YOUNDT, 2005; REES e EDWARDS, 2009). Esse enriquecimento está relacionado, por exemplo, a mudanças tecnológicas, à ampliação da concorrência e ao grau de competitividade empresarial e funcional, às mudanças institucionais, a novas regulamentações etc.

Vários são os temas de interesse no campo: flexibilização da jornada de trabalho; atividade remota; discriminação sexual, racial, de gênero e de minoria; qualidade de vida no trabalho; valorização estratégica; desenvolvimento de lideranças; remuneração estratégica; desenvolvimento de carreira; etc. Isso implica a possibilidade de inúmeras análises acadêmicas e gerenciais, a partir de diferentes perspectivas.

Um ponto de vista bastante difundido na área é a gestão estratégica de recursos humanos, definida, aqui, a partir da perspectiva da racionalidade instrumental, como o padrão de atividades e implantações planejadas de recursos humanos destinadas a permitir à empresa atingir seus objetivos, em que estão envolvidas as determinantes das decisões sobre as práticas de recursos humanos, a composição do pool de recursos de capital humano, a especificação de comportamentos de recursos humanos necessários e a eficácia dessas decisões, dadas as diversas estratégias de negócios e/ou situações de concorrência (WRIGHT e MCMAHAN, 2011).

Essa gestão estratégica de recursos humanos coloca as pessoas como condição primordial para alcançar competitividade, ao ser considerados recursos valorosos, raros e difíceis de imitar (BARNEY, 1991). Nessa ordem, o capital humano distinto é aquele que é único, difícil de imitar, insubstituível conjunto de capacidade, conhecimento, experiência e habilidade, que é específico para e controlado por uma organização em particular, capaz de levar a uma vantagem competitiva sustentável (CARMELI e SCHAUBROECK, 2005). Ou seja, a base para a competição organizacional são as pessoas.

A valorização estratégica da ARH acaba por lançar mais luzes sobre o campo, ampliando o debate sobre suas práticas, tanto em críticas como em aprovações. Diferentes prismas podem ser utilizados nesse sentido, tais como a natureza das políticas da ARH, a efetividade de suas práticas, o real interesse das decisões, o grau de impacto das decisões na qualidade de vida dos funcionários etc. Tais análises, em função da dinâmica contemporânea do mundo dos negócios, acabam configurando-se como crescente desafio para os gestores da área, bem como para os acadêmicos que buscam compreender melhor os diversos fenômenos do campo.

Uma possibilidade para realizar um debate é por meio das lentes da racionalidade instrumental e da racionalidade substantiva, que representam perspectivas paradoxais e que subsidiam parte dos embates teóricos sociológicos e, especificamente, do contexto organizacional e de sua subárea de recursos humanos.

Para alcançar o objetivo inicialmente proposto, fazendo uso de pesquisa bibliográfica, este artigo está divido em cinco partes, além desta introdução. Na próxima seção são abordados temas relativos ao campo na contemporaneidade, destacando os desafios enfrentados pelos atores da ARH. Em seguida, é apresentada uma discussão sobre a racionalidade instrumental e a racionalidade substantiva. A seção seguinte avalia o paradoxo da ARH diante das racionalidades analisadas. A próxima seção apresenta artigos que evidenciam práticas de recursos humanos relacionadas a essas duas racionalidades e, posteriormente, são tecidas as reflexões e os comentários finais.

Os Recursos Humanos e a Contemporaneidade

O contexto contemporâneo é marcado por paradoxos, dilemas, contradições etc. que desafiam tanto os teóricos quanto os praticantes. Paradoxo é a condição contraditória de elementos inter-relacionados que existem simultaneamente e persistem ao longo do tempo. Os estudos sobre paradoxo adotam, ainda, uma abordagem alternativa para as tensões, explorando como as organizações podem atender às demandas concorrentes (SMITH e LEWIS, 2011), nesse caso, os paradigmas da racionalidade instrumental e da racionalidade substantiva.

Embora a ARH tenha obtido um lugar mais destacado no ambiente político das organizações, com maior participação em seu contexto estratégico, isso não é uma unanimidade. A mais importante crise econômica em décadas, que foi desencadeada em 2008, colocou as conquistas da área em xeque (ROCHE e TEAGUE, 2012). Esses autores, por exemplo, analisaram firmas da Irlanda, um dos países mais afetados pela referida crise. Decisões de reestruturação dos departamentos de recursos humanos, de redução de seu quadro de funcionários e redução de custos foram largamente utilizadas. Os resultados demonstram que a área tem ganhado importância estratégica, como um meio para as organizações responderem aos desafios desencadeados pela recessão, porém, não de forma significativa, e ela ainda continua mostrando-se mais fragilizada em momentos de tensão.

O esforço desse campo para ganhar proeminência com o discurso de uma melhor condição humana, como observado nas ações de qualidade de vida no trabalho (QVT) ou naquelas que buscam garantir assento no nível estratégico organizacional, acaba por lançar luzes sobre as condições das pessoas no ambiente de trabalho, originando críticas de que os esforços empreendidos são voltados mais a garantir uma melhor eficiência organizacional que buscar uma melhor condição humana. Independente do real objetivo, muitas contradições ainda dão o tom nesse campo e parecem revelar um longo caminho para a consolidação da área, não no quesito estrutural/hierárquico, mas, sim, no desenvolvimento de uma condição humana no trabalho verdadeiramente satisfatória, dado o que revela parte da literatura não alinhada aos preceitos instrumentais (CHANLAT, 1996; ENRIQUEZ, 1997, DEJOURS, 2000).

Um exemplo do empenho da área para propiciar caminhos para a motivação e a satisfação individual é a meritocracia, entendida, aqui, como o esforço organizacional para retribuir de forma semelhante o esforço laboral dos indivíduos de acordo com seus esforços, independente de gênero, credo, idade etc. Tal prática, teoricamente adequada, muitas vezes é conduzida de forma simbólica e com resultados práticos contraditórios (CASTILLA e BENARD, 2010). Em um artigo que congrega três estudos, esses autores denominam paradoxo da meritocracia a situação na qual a política organizacional acaba por ampliar as discrepâncias na remuneração entre homens e mulheres com desempenhos semelhantes no mesmo emprego, com vantagem para os primeiros. Isso ocorre, dentre outros motivos, porque os indivíduos são mais propensos a expressar atitudes preconceituosas quando sentem que estabeleceram suas credenciais morais como pessoas não preconceituosas com base na política institucional (CASTILLA e BENARD, 2010).

Outro ponto com posições contraditórias é a relação entre o teletrabalho e a satisfação no trabalho. Pesquisas têm apresentado resultados conflitantes, ora demonstram um aumento da satisfação no uso do teletrabalho, ora encontram resultados de redução dessa satisfação (VIRICK, DASILVA e ARRINGTON, 2010). Situações como o aumento da autonomia, um melhor equilíbrio entre trabalho e família, uma maior flexibilidade de horário, o incremento da vida social e o não envolvimento nas intrigas políticas são fatores positivos do teletrabalho, por outro lado, a redução da interatividade com líderes e a diminuição da integração com colegas provocam um sentimento de isolamento e, por consequência, uma redução da satisfação do trabalhador.

A flexibilização do trabalho é mais um tema comumente visto em análises do campo. Ela pode ocorrer por meio da redução de carga horária ou do trabalho remoto, por exemplo, e apresenta pontos, às vezes, considerados positivos ou negativos. Dentre as consequências positivas estão um maior grau de autonomia operacional do trabalhador. No plano negativo, normalmente são relatadas condições como a desmotivação causada pelo isolamento nos trabalhos remotos (KELLIHER e ANDERSON, 2010).

A temática do respeito às diferenças também é constante no escopo da área, com discursos de defesa de práticas igualitárias. Porém, a despeito das diferenças serem reduzidas ou combatidas, vários estudos mostram que esse igualitarismo ainda não alcançou essa pretensa condição. Pesquisas constatam situações desiguais ou de discriminação em vários temas de análise, tais como, gênero e raça (CORTINA, 2008), liderança e gênero (ELSESSER e LEVER, 2011), orientação sexual (OZTURK, 2011), minoria étnica (VAN LAER e JANSSENS, 2011), idade e competência (KRINGS, SCZESNY e KLUGE, 2011), gênero e idade (ALBERT, ESCOT e FERNÁNDEZ-CORNEJO, 2011), gênero e remuneração (KULICH, TROJANOWSKI, RYAN et al., 2011).

Esses estudos exemplificam o quanto o campo é desafiador para os gestores da ARH. Embora existam ações coercitivas institucionais (DIMAGGIO e POWELL, 1983) e mesmo ações afirmativas das organizações, esses estudos empíricos revelam lacunas entre uma propagada elevação das boas condições de trabalho e as práticas cotidianas organizacionais, evidenciando uma precarização do trabalho, relacionada a adversidades físicas e mentais (HIRATA, 2011).

Ao mesmo tempo, não se deve esquecer que a ARH faz parte da estrutura da organização e, como um departamento organizacional, não deve desvincular-se de seu papel original de apoiar a efetividade das estratégias organizacionais, não podendo, ainda, abandonar questões vinculadas à instrumentalidade, tais como o controle funcional e sua relação com as metas organizacionais. Nesse sentido, não cabe à ARH apenas um papel de defensora dos trabalhadores, para isso há outros tipos organizacionais, a exemplo dos sindicatos dos empregados, que atuam de acordo com uma coerência ideológica, não discutida aqui.

A lógica produtiva tem como ponto central a concorrência econômica e sua capacidade de gerar retornos favoráveis, tais como o conforto material, mas, também, tal lógica gera problemas sociais e humanos, ou seja, o homem é tanto beneficiário como vítima do trabalho (DEJOURS, 1992). Para os profissionais da ARH, que se dizem comprometidos em ampliar a qualidade de vida no trabalho e a satisfação funcional em um cenário de elevada competitividade organizacional, as situações paradoxais significam um desafio à gestão, passíveis de análise sob o prisma paradoxal da racionalidade instrumental e da racionalidade substantiva.

Racionalidade Instrumental e Racionalidade Substantiva

O ser humano busca compreender seu mundo e atribuir um sentido àquilo que o influencia, e, ainda, procura qualificar o sentido de suas decisões a partir de parâmetros socialmente legitimados. O que qualifica o sentido da ação social é a racionalidade. A ação social pode ser determinada pela tradição ou costumes, pela afetividade ou emoção, pela racionalidade baseada em valores (éticos, religiosos, estéticos etc.) e pela racionalidade baseada nos fins, ou seja, quanto a expectativas de comportamento de objetos ou de pessoas para alcançar fins próprios, a partir de uma ponderação e de uma busca que tenha sentido (WEBER, 1999).

A racionalidade pode ser classificada como: prática, quando há uma relação entre a visão e o juízo do ator social com uma prática assumida; teórica, quando há uma relação entre conceitos abstratos precisos e a ação humana; substantiva, quando se observa uma relação entre os padrões do ator social e seu contexto, não necessariamente havendo um cálculo em relação aos fins; e formal, quando há uma relação entre a ação social e o resultado consciente de um fim ou propósito (WEBER, 1999).

Esse tipo formal está relacionado à racionalidade instrumental, que é caracterizada por: uma ação calculada, ou seja, uma ação baseada em projeções utilitárias, uma busca pela maximização dos resultados, tendo a eficiência e a eficácia predominância sobre a ética no uso dos recursos; e os fins específicos, com as ações tendo metas estabelecidas e cálculos parametrizados. Ou seja, uma racionalidade funcional ou técnica que se refere a uma série de ações organizadas que buscam alcançar objetivos pré-determinados com a máxima eficiência (SCOTT, 1998).

A racionalidade instrumental subsidiou as ideias da era moderna. Por meio do progresso da ciência e do uso da técnica, o futuro do homem caminhava para uma ordem e um progresso, o que traria prosperidade econômica, o recuo dos preconceitos, o avanço da moralidade e do bem-estar geral (LIPOVETSKY e SERROY, 2011), fato largamente evidenciado no contexto organizacional (REED, 1998). A despeito da importância da visão instrumental no cotidiano social, há alternativas a essa racionalidade instrumental: a racionalidade substantiva (GUERREIRO RAMOS, 1981) é analisada de maneira mais minuciosa posteriormente, em função do foco desenvolvido neste trabalho. As demais, que não constituem o foco principal, aqui, são: a racionalidade da ação comunicativa, que concentra sua análise antipositivista na prática comunicativa, e a racionalidade ambiental, que dirige sua crítica na parcialidade de analisar apenas fatores econômicos do desenvolvimento, em detrimento dos aspectos ambientais mais amplos (FERNANDES e PONCHIROLLI, 2011).

O homem encontra no uso da racionalidade um fator de legitimidade para suas decisões. Tal condição subsidia sua ação para ser entendida como a ação ideal. Mas essa racionalidade, a despeito dos que advogam que pode haver uma decisão ótima (viés instrumental), tem como limitações: a impossibilidade de verificação de que todas as alternativas de escolha são conhecidas; a dificuldade de conhecer as consequências totais associadas a cada alternativa de ação; a limitação do homem para obter uma completa classificação por ordem de utilidade de todas as consequências de sua decisão (MARCH e SIMON, 1981). Além dessas limitações da racionalidade, há questionamentos quanto à adequação dos pressupostos da instrumentalidade na ação humana.

A racionalidade substantiva voltada ao âmbito da análise organizacional tem em Alberto Guerreiro Ramos seu principal expoente. Ela se caracteriza pelo julgamento ético, quando a ação humana é avaliada a partir de um juízo de valor (algo que é bom ou mau); pela autorrealização, quando a ação humana está orientada para o alcance da plenitude do potencial humano; pela emancipação, quando a ação humana deve almejar um bem-estar social; e pela autonomia, quando a ação humana é realizada sob condição de liberdade de escolha (GUERREIRO RAMOS, 1981).

Prevalece na sociedade mundial uma racionalidade instrumental, na qual o sistema capitalista exacerba seus efeitos. Nela predomina uma perspectiva utilitarista em que processos autorreguladores de mercado ordenam a vida humana, sobretudo sob uma perspectiva econômica (GUERREIRO RAMOS, 1981). Nesse sentido, não é fácil a adoção de ações sociais baseadas em outras concepções racionais, principalmente com a força que as organizações detêm sobre o indivíduo (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 1987). Ainda assim, a racionalidade substantiva apresenta uma alternativa a essa concepção utilitarista.

Por meio da racionalidade substantiva, o homem tem maior consciência de seu papel no mundo, arguindo-se sobre a verdadeira lógica da ação social, quando esse indivíduo reconhece que o sistema predominante reduz sua capacidade de análise. Essa reflexão leva a um movimento emancipatório. Ao fazê-lo, o homem ficaria menos condicionado a uma lógica dominante que lhe cause problemas, tais como o individualismo, a alienação, a eliminação da cooperação e da solidariedade etc. (GUERREIRO RAMOS, 1981).

Nessa ordem, o humano é que deve ser ponto central na definição das ciências sociais e da teoria organizacional, ou seja, os sistemas sociais deveriam focar mais o indivíduo do que a sociedade, ordenando a vida social a partir da razão substantiva. Essa nova concepção de indivíduo condiz com o que Guerreiro Ramos (1972) denominou "homem parentético", que deveria substituir o "homem operacional", representativo do modelo fordista, e ao "homem reativo", relacionado ao movimento das relações humanas. Embora este último modelo apresentasse avanços em relação ao "homem operacional", ainda tinha os mesmos propósitos utilitaristas. Já o "homem parentético" seria um novo modelo de homem, construtor e derivado de uma nova realidade social, dotado de elevada consciência crítica.

Porém, o "homem parentético" não deixa de ser um produto cultural, com as relações éticas e morais de seu tempo e espaço. Há, ainda, uma forte influência da educação na condição emancipatória desse indivíduo. Esse nível educacional é reflexo de um histórico de formação familiar e escolar que foi transmitido a esse indivíduo e que é difícil de ser reordenado substancialmente (BOURDIEU, 2007). Esse contexto de formação humana foge ao escopo organizacional e, especificamente, da ARH, pois, ainda que a organização possua a obrigação de fomentar a competência funcional, teria ela a capacidade de emancipar esse indivíduo?

O Paradoxo da Racionalidade nos Recursos Humanos

No plano organizacional, a ARH é, naturalmente, um lócus privilegiado para análise das racionalidades, se estas forem consideradas a função que busca equilibrar as aspirações psicossociais do indivíduo e os objetivos organizacionais de produtividade e de eficiência. Diante da já proferida superioridade da racionalidade instrumental nas práticas sociais, trata-se de um desafio e mesmo um paradoxo para esse campo. A posição da ARH é desafiada pela dualidade de papéis que os seus gestores têm historicamente desempenhado, como representantes dos empregadores e defensores dos interesses dos empregados (VAN BUREN III, GREENWOOD e SHEEHAN, 2011).

A evidência institucional da racionalidade instrumental subsidia a necessidade do ser humano de mensurar seu desempenho, dentre outros motivos, para que possa compará-lo com o desejado e, então, tomar decisões quando não houver conformidade com aquilo que foi planejado. A atividade empresarial exerce essa mensuração por excelência como meio para melhoria contínua, dado que ela está inserida em um contexto altamente competitivo, onde a possibilidade de fracasso é algo sempre presente. Como as demais áreas, a ARH sempre procurou desenvolver técnicas e tecnologias gerenciais que permitissem comparações de desempenho para subsidiar decisões comuns à área, dentre outros, a atração de talentos, a remuneração variável, o desenvolvimento de liderança, a avaliação de desempenho, o desligamento etc. Os instrumentos de mensuração quantitativos (CARMELI e SCHAUBROECK, 2005; SUBRAMANIAM e YOUNDT, 2005), com indicadores diversos, são aliados nesse processo e apresentam elevado uso no cotidiano organizacional, embora não estejam imunes ao erro. Em avaliações qualitativas, que possuem uso reduzido no contexto empresarial, há a presença da subjetividade, o que se distancia dos padrões de certeza que o mundo instrumental deseja.

A despeito da envergadura que a ARH tem ganhando ao longo do tempo e do desenvolvimento de instrumentos ou de técnicas de mensuração, ainda é um desafio medir adequadamente o desempenho humano. Mesmo que a gestão estratégica de recursos humanos tenha ganhado popularidade, a compreensão de sua complexidade e uma medição fiel do desempenho do trabalhador não têm crescido ao mesmo ritmo (WRIGHT e MCMAHAN, 2011).

Embora a abordagem do capital humano forneça um argumento convincente em favor do investimento nas pessoas, muito poucas empresas têm incorporado ou dado séria atenção às medidas de capital intelectual em suas demonstrações financeiras (SUBRAMONY, 2006). Tradicionalmente, as práticas de gestão de pessoas estão mais baseadas no modelo racional de eficiência econômica, práticas estas estreitamente ligadas às estratégias organizacionais (GOODERHAM, NORDHAUG e RINGDAL, 1999).

Podemos fazer uma metáfora segundo a qual a ARH está entre uma versão soft e outra hard. Na primeira, os funcionários são vistos como criativos, proativos e dignos de desenvolvimento. Na segunda versão, em que a área busca alcançar os objetivos estratégicos organizacionais, os colaboradores são vistos como recursos passivos, operacionalizados conforme o necessário (VAN BUREN III, GREENWOOD e SHEEHAN, 2011).

Normalmente, as ferramentas gerenciais voltadas à ARH são aplicadas em favor da performance organizacional (BULLER e MCEVOY, 2012). Práticas de gestão de recursos humanos são utilizadas com o propósito de ampliar a competitividade empresarial (ADELEYE, 2011), tais como os estudos de recrutamento, de validação, de aptidão cognitiva e testes de habilidade, os bancos de informações biográficas, as entrevistas estruturadas, o estabelecimento de metas e as avaliações rigorosas de atividades de desenvolvimento (TERPSTRA, 1994). Todo esse ferramental gerencial está a serviço de uma lógica instrumental de racionalidade.

Como as organizações enfrentam maiores pressões competitivas, os gestores da ARH são pressionados a enfatizar as metas do empregador, muitas vezes em detrimento da defesa do bem-estar do empregado (VAN BUREN III, GREENWOOD e SHEEHAN, 2011) e menos ainda de sua emancipação.

Pesquisas têm apresentado resultados contraditórios, dentre outros, quanto à satisfação no trabalho, às práticas de relações humanas e à performance organizacional. Enquanto alguns estudos apontam um incremento dos resultados organizacionais pela introdução de práticas que ampliam a satisfação no trabalho, outras pesquisas demonstram o aumento da intensidade do trabalho em busca de uma maior produtividade, o que resulta em uma redução desse nível de satisfação no trabalho. Tais ambiguidades ocorrem mesmo com uma ampliação do escopo de pesquisa e com o crescimento da sofisticação e da complexidade dos instrumentos de pesquisa (BROWN, FORDE, SPENCER et al., 2008; GUEST, 2011).

Essas tensões evidenciam que há um discurso, e mesmo tentativas, para ampliar o que seria um experimento da racionalidade substantiva no âmbito organizacional. Preocupações com a qualidade de vida no trabalho e o bem-estar do trabalhador são exemplos disso. Porém, tais iniciativas são para um movimento emancipatório ou para consolidar ainda mais a produtividade funcional, e, consequentemente, a competitividade organizacional? É possível uma convergência entre essas duas perspectivas na qual as ações possam contemplar as exigências competitivas e as expectativas de autonomia do indivíduo? Dada a complexidade do campo da ARH, parece ser mais adequada a incorporação destas duas racionalidades (GOODERHAM, NORDHAUG e RINGDAL, 1999).

Exemplos Práticos

Um exemplo refere-se à prática difundida no âmbito internacional da fusão e aquisição de empresas como meio de ampliar a competitividade. Embora esse fenômeno possa ser avaliado sob diferentes ângulos, o predomínio é de sua análise instrumental, notadamente, a redução de custos, os ganhos de escala, a redução de atividades duplicadas etc. e, normalmente, menor preocupação com possíveis implicações negativas para os funcionários, tais como a realocação forçada, a demissão, o estresse e a ampliação do volume de trabalho. Rees e Edwards (2009) estudam o período de pós-fusão de firmas internacionais em relação aos recursos humanos. Analisou-se a força da racionalidade nesses fenômenos por meio da pressão institucional do mercado, que se direciona por resultados de eficiência e lucratividade. Para a ARH, embora haja uma oportunidade de explorar a expertise de integração cultural, por exemplo, a perspectiva instrumental tem prevalecido na condução de tais processos (REES e EDWARDS, 2009).

Gooderham, Nordhaug e Ringdal (1999) analisam as práticas de recursos humanos de firmas de seis países europeus para identificar relações entre práticas calculistas ou colaborativas. Os achados apontam uma não conformidade, tendo países com superioridade de práticas calculistas (Alemanha) e outros, com práticas colaborativas (Noruega e Dinamarca), bem como um país (Reino Unido) com uniformidade do uso dessas duas perspectivas. Segundo os autores, tais realidades são produzidas em contextos competitivos, mas, em função de realidades institucionais distintas, são possíveis práticas baseadas tanto na perspectiva calculista como colaborativa.

No contexto brasileiro, há alguns estudos que examinam as condições paradoxais entre a racionalidade instrumental e a substantiva, ou, pelo menos, uma tentativa de contraponto à racionalidade instrumental dominante. Serva (1997) investiga três organizações baianas do setor de serviços, tendo evidenciado a predominância da racionalidade substantiva em duas delas. Souza e Carrieri (2011) analisam um grupo cultural mineiro a partir das racionalidades instrumentais e substantivas e exploram as contradições intrínsecas à prática da arte contemporânea, onde coadunam as pressões da indústria cultural e o sentido transcendente da arte. Segundo os autores, evidenciam-se nas práticas discursivas dos artistas os sentidos do fazer artístico, algumas vezes ligados à racionalidade instrumental e à sobrevivência no mercado de bens culturais, e, em outras ocasiões, ligados à racionalidade substantiva e à prática orientada por ideais éticos ou estéticos.

Silva e Fernandes (2011) utilizam categorias analíticas baseadas em Serva (1997) para analisar instituições apoiadoras de crianças com câncer na cidade de Natal. Os autores concluem que prevalecem nessas instituições elementos da racionalidade substantiva, onde é possível observar que as decisões são baseadas no consenso, prevalecendo elementos substantivos, tais como: o entendimento, a autonomia, a responsabilidade e o julgamento ético.

Ladain, Costa e Salles (2012) analisam a experiência de seis empresas do Polo Spartaco (São Paulo) de economia de comunhão (EdC). Esse tipo de empresa atua a partir de princípios de comunicação, de formação e instrução, de harmonia no local de trabalho, de ética, de qualidade de vida no trabalho etc. Tais princípios são condizentes com a perspectiva de que no centro da empresa está a pessoa humana, e não o capital. Por se tratar de experiências com pequenas empresas, não há área estruturada de recursos humanos, o que levou ao estudo das práticas organizacionais em geral. As autoras concluem que as empresas investigadas, ainda que com ações pouco estruturadas, apresentam um engajamento aos princípios da EdC por meio de suas práticas de gestão de pessoas, em parceria com associações de funcionários. Os resultados indicam que, mesmo atuando em um cenário competitivo, a estratégia de partilha entre funcionários, fornecedores, concorrentes e sociedade proporciona um equilíbrio econômico para tais empresas.

No plano organizacional público, Brulon, Vieira e Darbilly (2013) analisam o programa Choque de Gestão do Estado de Minas Gerais a partir das lentes da racionalidade instrumental e da racionalidade substantiva. Com base na análise de racionalidades de Guerreiro Ramos e do paradigma multidimensional proposto por Benno Sander, os autores investigam o planejamento estratégico do modelo de gestão mineiro e concluem que, apesar de guiar-se por uma visão de futuro onde estão presentes essas duas categorias de racionalidade, as ideias que orientam as práticas são predominantemente instrumentais.

Andrade, Tolfo e Dellagnelo (2012) usam o prisma da racionalidade instrumental e da racionalidade substantiva em um ensaio que analisa os sentidos do trabalho. Para as autoras, um trabalho com sentido deve garantir, dentre outras coisas, a sobrevivência e a utilidade para a empresa, bem como condições de autonomia, satisfação, e autorrealização. Nessa ótica, podem surgir sentidos do trabalho tanto do tipo instrumental como substantivo, de modo concomitante. Muzzio (2012) analisa uma organização familiar que passa por um processo de profissionalização. O debate entre a racionalidade instrumental e a racionalidade substantiva é a base para investigar as visões conflitantes entre os gestores profissionais recém-contratados, que decidem primordialmente com base na análise instrumental, e os funcionários mais alinhados com os valores organizacionais consolidados, em que é possível observar anseios por uma ação que privilegie mais a concepção substantiva da racionalidade. A despeito de prevalecer a tese da racionalidade instrumental, a racionalidade substantiva está presente e faz contraponto à primeira.

Esses estudos empíricos, com resultados aparentemente contraditórios, mostram o quão é complexo, para a ARH, em particular, ou para os gestores, em geral, conciliar posições paradoxais entre a racionalidade instrumental e a racionalidade substantiva. Essas e outras pesquisas evidenciam que, embora haja uma predominância da primeira racionalidade, há situações em que a racionalidade substantiva emerge nas relações organizacionais. Em maior ou menor grau de intensidade, os indivíduos buscam mais autonomia e emancipação, o que, naturalmente, choca-se com os valores sociais e organizacionais prevalecentes.

Especificamente para a ARH, as contradições presentes na literatura, parte apresentada aqui, evidenciam uma condição de difícil equalização a partir do modelo social prevalecente. Em um contexto no qual o capital "dita" as principais regras, as decisões empresariais acabam por se pautar em lógicas produtivistas para fazer jus a um contexto de elevada competição. Diante do modelo social (e econômico) vigente, parece ser complexa uma mudança profunda das concepções mercadológicas e, consequentemente, das práticas organizacionais. Nessa ordem, as práticas da ARH estão mesmo a serviço do fator humano? As ações cotidianas procuram elevar a condição do homem em seu contexto de trabalho? Ou, ainda, essas práticas se voltam ao alcance da plenitude do potencial humano ou de sua emancipação (GUERREIRO RAMOS, 1981)? Tais indagações parecem orientar para uma continuidade paradoxal da área, tendo de atender a objetivos, simultaneamente estratégicos e individuais (GOODERHAM, NORDHAUG e RINGDAL, 1999).

Considerações Finais

As organizações são espaço de produção de bens e serviços que devem ser desenvolvidos sobre determinadas premissas e dentro de um jogo concorrencial, mas são, também, espaços de reprodução de sentimentos ou, ainda, um contexto carregado de simbolismo, de imaginário, de subjetividades etc., isto é, elementos importantes para a consolidação dos objetivos organizacionais. A área da organização em que é mais provável o desenvolvimento de estratégias e ações operacionais que contemplem a produção econômica e as relações simbólicas é a ARH.

Esses dois contextos podem ser interpretados sob as óticas da racionalidade instrumental e da racionalidade substantiva. O que se observa no plano organizacional é uma predominância da lógica instrumental. Para alguns, enquanto participa de um ambiente competitivo, a organização precisa pautar-se por uma coerência racional calculista. Por outro lado, por ser um espaço de interação humana, a organização também precisa contemplar os anseios, as expectativas ou os desejos emancipatórios de seus colaboradores. Entretanto, é possível uma convergência dessas duas condições paradoxais? Esse é um desafio para a ARH. O "homem parentético" (GUERREIRO RAMOS, 1972) e sua consciência crítica, não condizem com estruturas organizacionais clássicas, em que prevalecem os valores utilitaristas e onde as estruturas de poder reforçam as decisões cotidianas. Mas isso não pode ser visto como uma condição determinante e imutável, pois, ao chegar mais perto dos desejos emancipatórios, seria razoável supor que os fins organizacionais não estariam excluídos. Nessa ordem, a área poderia caminhar para contemplar as duas racionalidades, ainda que isso possa ser um grande desafio.

A julgar pela literatura, que demonstra uma superioridade do uso de práticas instrumentais (BULLER e MCEVOY, 2012), a ARH parece buscar apenas uma melhor ambiência para os atores organizacionais, mas sem vacilar nos preceitos mercadológicos e de competitividade. Embora seja observado um vasto discurso no âmbito empresarial de melhores condições de trabalho, de valorização da classe trabalhadora, de novas ferramentas gerenciais de apoio ao trabalhador, de iniciativas que melhorariam a qualidade de vida no trabalho, tudo isso não parece suficiente para que ocorra um ponto de inflexão, ou seja, a ARH parece agir mais em função da manutenção de uma condição vigente.

Diante do contexto concorrencial, parece que dificilmente a escolha poderá ser diferente, pelo menos nesse sistema social ou, ainda, em um contexto institucional que legitima essa maneira de agir (GOODERHAM, NORDHAUG e RINGDAL, 1999). Mesmo algumas mudanças na área e em seu maior escopo (SUBRAMANIAM e YOUNDT, 2005; REES e EDWARDS, 2009) ainda não foram capazes de modificar substancialmente um quadro baseado na concepção instrumental (ADELEYE, 2011). Porém, a ARH pode ser responsável por um contexto social maior que delimita práticas e estabelece condições que dificultam a emancipação humana? Provavelmente, não. Entretanto, ela não deve esquecer sua condição paradoxal. Se levarmos em consideração a importância que as organizações possuem na sociedade contemporânea, ela não pode fugir do debate e de ações práticas que contemplem, simultaneamente, as perspectivas instrumentais, quando ela é um departamento organizacional, e as perspectivas emancipatórias, quando ela atua no desenvolvimento humano.

Nesse sentido, diante de uma realidade pós-moderna altamente complexa, não seria esse departamento organizacional que seguiria imune às condições sociais fluidas. Dado que as práticas organizacionais relacionadas às pessoas estão vinculadas a um contexto propriamente humano e a outro contexto altamente competitivo, os gestores da área parecem precisar agir em função de uma convergência das racionalidades instrumental e substantiva, que seria alcançada a partir do reconhecimento da complexidade e da condição paradoxal que envolve funcionários, dirigentes e a própria organização. Uma cultura organizacional que permitisse, por exemplo, maior autonomia de decisão, valorização da participação coletiva, favorecimento da criatividade e tolerância ao erro, maior reconhecimento que a vantagem competitiva é, principalmente, oriunda das pessoas (BARNEY, 1991) tenderia a ampliar uma visão substantiva sem abandonar a necessidade de eficiência e competitividade.

Ainda que seja paradoxal, a organização nunca poderá abdicar de sua realidade humana. Competitividade, eficiência e outros conceitos instrumentais não existem por si. Assim como na cultura, o homem é, ao mesmo tempo, criador e criatura das práticas organizacionais. Parece razoável o reconhecimento de que a autonomia deve ser a humana, jamais a organizacional. Assim, como o homem e a organização são elementos indissociáveis, espera-se uma relação que possibilite, cada vez mais, a convergência de visões que leve à plenitude do alcance dos propósitos desses dois elementos.

Olhando para o futuro e partindo da premissa de manutenção das práticas sociais e institucionais vigentes, alguns desafios são colocados para a área, talvez como um caminho para a consolidação de práticas alternativas em busca dessa convergência paradoxal. Sob o ponto de vista gerencial, as pesquisas acadêmicas que exploram a racionalidade substantiva têm como desafio tornar mais visível essa perspectiva de racionalidade para a classe de executivos, dado que, na literatura gerencial, isso é limitado. O management, em geral, e a ARH, em particular, praticamente não reconhecem alternativas ao mainstream instrumental, ou seja, os gestores de recursos humanos são mais influenciados pela literatura executiva (RYNES, COLBERT e BROWN, 2002; SUBRAMONY, 2006), fato que contribui para a reduzida existência de decisões induzidas por uma legitimidade institucional substantiva, reforçando-se em um ciclo de influência.

Nesse futuro do campo, em termos de caminhos teóricos de pesquisas, estudos poderiam explorar teorias que ampliassem a convergência entre as perspectivas instrumentais e substantivas. Já as pesquisas empíricas poderiam propagar a utilização de estratégias e ações operacionais baseadas na racionalidade substantiva, como um meio de oferecer condições complementares à prática gerencial, ao mesmo tempo que seria um difusor desse tipo de racionalidade.

Artigo submetido em 8 de julho de 2013 e aceito para publicação em 25 de março de 2014.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2014
  • Data do Fascículo
    Set 2014

Histórico

  • Aceito
    25 Mar 2014
  • Recebido
    08 Jul 2013
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