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Aplicabilidade de modelos analíticos para projetos de salas não retangulares na faixa de baixas frequências

Applicability of analytical models to design non-rectangular rooms at the low-frequency range

Resumo

Para o cálculo exato e projeto acústico de salas na faixa de baixas frequências é necessário utilizar ferramentas numéricas de simulação, cujo custo e dificuldade de uso são entraves no dia a dia do projetista acústico. Com a finalidade de analisar a aplicabilidade de modelos analíticos (mais simples e de custo reduzido), a presente pesquisa compara, em modelos de escala reduzida (1:8), possíveis formatos de salas acústicas (retangulares e não retangulares) com duas metodologias de análise de baixas frequências. As comparações são feitas paraos parâmetros acústicos T 20, EDT, C 80, D 50 e T s, extraídos por modelos computacionais que usam o método de elementos finitos (FEM) e obtidos por um modelo analítico de cálculo. Este trabalho avaliou ainda, por meio do coeficiente de correlação de Pearson (r), a similaridade existente entre o modelo analítico e computacional para as curvas de decaimento energética EDC (ou Energy Decay Curve), a função resposta em frequência (FRF) H(f) e a resposta ao impulso h(t). Os resultados mostram que, para salas não retangulares, o projeto necessita de alta exatidão na análise da FRF e resposta ao impulso, o uso de métodos numéricos torna-se imprescindível.

Palavras-chave:
Projetos de salas acústicas; Baixas freqüências; Salas acústicas não retangulares; Projetos acústicos com modelos analíticos; Coeficiente de correlação

Abstract

For the exact calculation and acoustic design of rooms in the low-frequency range, it is necessary to use numerical simulation tools, whose cost and difficulty of use are obstacles faced in the daily routine of acoustic engineers/designers. In order to analyse the applicability of analytical models (simpler and cost-effective), this research study compares, in reduced-scale models (1:8), possible acoustic room formats (rectangular and non-rectangular) using two low-frequency analysis methods. Comparisons are made between the acoustic parameters T 20 , EDT, C 80 , D 50 and T s , extracted by computational models using the Finite Element Method (FEM) and obtained by an analytical model. Through Pearson’s correlation coefficient (r), this study also evaluated the similarities between the analytical and computational models for the Energy Decay Curves EDC, the Frequency Response Function (FRF) H(f), and the impulse responses h(t). The results show that for non-rectangular rooms, the project requires highly accurate FRF analysis and impulse response, the use of numerical analysis methods becomes essential.

Keywords:
Room acoustics design; Low frequencies; Non-rectangular acoustic rooms; Acoustic design with analytical models; Correlation coefficient

Introdução

Os seres humanos têm a capacidade de escutar sons com frequências que variam de 20 Hz a 20.000 Hz com pressões sonoras que variam de 20 μPa a 20 Pa (KUTTRUFF, 2017KUTTRUFF, H. Room acoustics. 6th . ed. Boca Raton: Taylor & Francis, 2017.). Quando um ser humano sente-se desconfortável com uma percepção auditiva, a esse som é atribuído o nome ruído.

Nos mais diversos ambientes, a compreensão de como sons e ruídos se propagam e afetam os seres humanos é de fundamental importância. Na concepção de um projeto acústico-arquitetônico de um teatro, de um auditório ou de uma sala de aula, por exemplo, as características construtivas e as composições materiais, que realcem as boas sensações acústicas e que permitam um uso confortável do ambiente, devem ser empregadas.

O projetista deve sempre pensar no conforto do usuário e no uso do som em cada ambiente. Salas de aula requerem um cuidado acústico especial em sons com frequências entre 80 Hz e 4.000 Hz, frequências estas que estão ligadas à inteligibilidade da fala humana. Para ambientes destinados à prática musical, essa faixa de frequência é a faixa de percepção do ouvido humano de 20 Hz a 20.000 Hz, devido à grande variedade de instrumentos e composições instrumentais que originam diferentes sensações auditivas. Existem diversos tipos de salas acústicas e com diferentes usos, estúdios de gravação de fala e de música, salas de controle de estúdios de gravação, auditórios, cinemas e salas de apresentações artísticas como teatros e salas de concerto.

A grande variedade de uso que as salas acústicas podem ter imputa uma atenção especial.Os projetos de salas acústicas que têm como finalidade a escuta crítica precisam atender critérios bastante estritos, e entre elas pode-se citar: as salas de controle de estúdios de gravação e rádio, home theaters, salas de ensaio musical, cinemas, entre outras (BRANDÃO, 2016BRANDÃO, E. Acústica de salas projeto e modelagem. São Paulo: Blucher, 2016.). A região de baixas frequências é dominada por fenômenos de interferência associados à baixa densidade modal (SCHROEDER,1987SCHROEDER, M. R. Statistical parameters of the frequency response curves of large rooms. Journal of the Audio Engineering Society , v. 35, n. 5, p. 299-306, 1987.). Em acústica de salas, a Frequência de Schroeder (f S) propõe uma frequência a partir da qual a densidade modal torna-se maior que 3 modos/Hz. Portanto, abaixo dela tem-se uma região do espectro com baixa densidade modal. A Frequência de Schroeder é dada pela Equação 1:

f S = 2000 T 60 V Eq. 1

Em que V é o volume da sala em m3 e T 60 é o tempo de reverberação da sala em segundos. Assim, em salas com pequenas dimensões, a frequência de Schroeder tende a ser mais elevada e a análise das baixas frequências necessita de atenção e cuidado em uma faixa mais ampla do espectro (TICHY, 2014TICHY, M. K. J. Acoustics of small rooms. New York: Taylor & Francis Group, 2014.). Quanto maior o T 60, menor é o amortecimento dos modos acústicos, o que resulta em uma extensão da faixa de baixa densidade modal devido a uma sobreposição modal menos intensa (BRANDÃO, 2016BRANDÃO, E. Acústica de salas projeto e modelagem. São Paulo: Blucher, 2016.).

Para a realização de um projeto acústico adequado é necessário que a estimativa do campo acústico e de seus parâmetros sejam suficientemente exatos. Para a região de alta densidade modal pode-se usar os conhecidos métodos estatísticos (e.g., formulações de Sabine, Eyring e outros) (BRANDÃO, 2016BRANDÃO, E. Acústica de salas projeto e modelagem. São Paulo: Blucher, 2016.) ou os métodos de acústica geométrica (e.g., traçado de raios, fontes virtuais ou híbridos) (SAVIOJA; SVENSSON, 2015SAVIOJA, L.; SVENSSON, U. P. Overview of geometrical room acoustic modeling techniques. The Journal of the Acoustical Society of America , v. 138, n. 2, p. 708 - 730, 2015.). No entanto, para a região de baixa densidade modal, é necessária a utilização de metodologias que façam a resolução da equação da onda.

Soluções analíticas exatas para a equação da onda estão disponíveis apenas para geometrias e condições de contorno simplificadas, como a apresentada na seção Sala retangular: modelo analítico. Outra opção é a utilização de modelos computacionais (ou numéricos), que discretizam o domínio acústico e resolvem a equação da onda com grau de aproximação pertinente ao propósito. Saarelma (2013)SAARELMA, J. Finite-difference time-domain solver for room acoustics using graphics processing units. Espoo, 2013. Dissertação (Mestradoem Engenharia Elétrica) - Aalto University, Espoo, 2013. introduz o uso do método de diferenças finitas (Finite-Difference Time-Domain, FDTD), baseado no uso de GPUs1 1 Graphics Processing Unit ou Unidade de Processamento Gráfico. . Hamilton e Bilbao (2017)HAMILTON, B.; BILBAO, S. FDTD methods for 3-d room acoustics simulation with high- order accuracy in space and time. IEEE/ACM Transactions on Audio, Speech, and Language Processing, v. 25, n. 11, p. 2112-2124, 2017. derivam esquemas de FDTD com alta ordem de acuidade no espaço e no tempo, o que resultou em uma melhora significativa na exatidão dos cálculos. No trabalho de Bilbao, Ahrens e Hamilton (2019)BILBAO, S.; AHRENS, J.; HAMILTON, B. Incorporating source directivity in wave-based virtual acoustics: Time-domain models and fitting to measured data. The Journal of the Acoustical Society of America, v. 146, n. 4, p. 2692-2703, 2019., o modelo computacional de FDTD é estendido para incluir direcionalidade das fontes sonoras. Hargreaves, Rendell e Lam (2019)HARGREAVES, J. A; RENDELL, L. R; LAM, Y. W. A framework for auralization of boundary element method simulations including source and receiver directivity. The Journal of the Acoustical Society of America , v. 145, n. 4, p. 2625-2637, 2019. basearam seu trabalho de simulação no método dos elementos de contorno (Boundary Element Method, BEM) incluindo as direcionalidades de fonte e receptor. Uma implementação open-source do método Fourier Pseudo-Spectral Time-Domain (PSTD) é demonstrada por Hornikx, Krijnen e Harten (2016)HORNIKX, M.; KRIJNEN, T.; HARTEN, L. van. openpstd: the open source pseudospectral time-domain method for acoustic propagation. Computer Physics Communications, v. 203, p. 298-308, 2016.. Outra opção é a utilização do método dos elementos finitos (Finite Element Method, FEM), que pode ser implementado nos domínios da frequência (ATALLA; SGARD, 2015ATALLA, N.; SGARD, F. Finite element and boundary methods in structural acoustics and vibration. Boca Raton: CRC Press, 2015.) ou do tempo (PIND et al., 2020PIND, F. et al. Time-domain room acoustic simulations with extended- reacting porous absorbers using the discontinuous galerkin method. The Journal of the Acoustical Society of America , v. 148, n. 5, p. 2851-2863, 2020.).

A modelagem computacional é conhecida por sua exatidão e flexibilidade. Particularmente, o método dos elementos finitos (FEM) é muito flexível no que tange à discretização da geometria e na incorporação das condições de contorno. Além disso, possui um custo computacional moderado na região de baixas frequências (ATALLA; SGARD, 2015ATALLA, N.; SGARD, F. Finite element and boundary methods in structural acoustics and vibration. Boca Raton: CRC Press, 2015.). Todavia, o custo de software comerciais ou as dificuldades de implementação/utilização de ferramentas open-source ainda são entraves no dia a dia do projetista acústico. Desse ponto de vista, a análise dos limites de exatidão de métodos analíticos simplificados é de grande interesse. Buscando compreender esses limites, o presente trabalho comparou, em baixas frequências, alguns dos parâmetros acústicos mais importantes de três maneiras distintas e em salas com diferentes geometrias:

  1. experimentalmente em modelos de escala reduzida;

  2. por meio da modelagem computacional usando FEM no domínio da frequência; e

  3. por meio da modelagem analítica, na qual uma sala com geometria qualquer é aproximada por uma sala retangular.

O trabalho é estruturado da seguinte forma: na seção Fundamentação teórica apresenta-se a fundamentação teórica para as análises e métricas do artigo, a teoria analítica para salas retangulares e uma descrição qualitativa do método FEM e do modelo experimental. Na seção Metodologia apresenta-se a metodologia de análise e as geometrias investigadas em mais detalhes. Finalmente, na seção Resultados e discussões apresentam-se os resultados e discussões, seguidos pelas conclusões da pesquisa.

Fundamentação teórica

Neste trabalho, foram consideradas medições e simulações do campo acústico em salas. Ademais, considera-se que um conjunto sala-fonte-receptor seja um sistema linear e invariante no tempo (SLIT) e que a resposta ao impulso h(t) e a respectiva função resposta em frequência (FRF) H(f), caracterizam o campo acústico entre fonte e receptor completamente (VORLÄNDER, 2008VORLÄNDER, M. Auralization: fundamentals of acoustics, modelling, simulation, algorithms, and acoustic virtual reality. Berlin: Springer, 2008.; BRANDÃO, 2016BRANDÃO, E. Acústica de salas projeto e modelagem. São Paulo: Blucher, 2016.). A partir da h(t) extrai-se a curva de decaimento energética, EDC(t) (ou Energy Decay Curve), definida por Schroeder (SCHROEDER, 1965SCHROEDER, M. R. New method of measuring reverberation time. The Journal of the Acoustical Society of America , v. 37, n. 3, p. 409-412, 1965.) e os parâmetros acústicos objetivos em função da frequência, definidos na norma ISO 3382-1 - International Organization for Standardization (INTERNATIONAL..., 2009INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 3382-1: acoustics: measurement of room acoustic parameters: part 1: performance spaces.Geneva, 2009. )2 2 Acoustics — Measurement of room acoustic parameters — Part 1: Performance spaces. , a saber:

  1. tempo de reverberação T 20 em segundos;

  2. Early Decay Time EDT em segundos;

  3. tempo central T s em segundos;

  4. clareza C te em dB; e

  5. definição D te adimensional (sem unidade).

Como os modelos são estudados em escala reduzida, o valor do tempo de análise intrínseco do parâmetro te em s é adotado para a pesquisa, de acordo com a escala do experimento. Em uma análise em uma sala ou experimento em escala real 1:1 os valores de te são, 80 ms para o parâmetro clareza e 50 ms para o parâmetro definição. Como o fator de redução é de 1:8, os valores de te (tempo em escala) adotados na pesquisa assumem os valores de te = 80/8 = 10 ms em C tee te = 50/8 = 6,25 ms em D te. Mais detalhes de como são obtidos os parâmetros estão disponíveis em Brandão (2016)BRANDÃO, E. Acústica de salas projeto e modelagem. São Paulo: Blucher, 2016..

A partir da medição de h(t) de um conjunto de pares fonte-receptor em uma dada sala, pôde-se avaliar o coeficiente de correlação de Pearson r(f) (MARTINS, 2014MARTINS, M. E. G. Coeficiente de correlação amostral. Revista de Ciência Elementar, v. 2, n. 2, p. 1-4, 2014.), que estabelece o grau de associação linear entre duas grandezas, x e y. Nesta pesquisa avalia-se o coeficiente de correlação de Pearson confrontando os dados experimentais (x) com os modelos analíticos ou numéricos (y). As grandezas confrontadas são a H(f) e as versões filtradas por um banco de filtros de ⅓ de oitava3 3 Usualmente a h(t) é medida em banda larga e sua filtragem em bandas de ⅓ de oitava permite a observação de como parâmetros acústicos variam com a frequência, sendo um procedimento padronizado na ISO 3382-1 (INTERNATIONAL..., 2009). de h(t) e das EDC(t) correspondentes. Logo, o coeficiente de correlação varia com a frequência (assim como as grandezas x e y) e pode ser expresso pela Equação 2:

r f = cov ( x f , y f ) σ x ( f ) σ y ( f ) Eq. 2

Em que cov(x(f), y(f)) representa a covariância entre dois conjuntos de dados, x(f) e y(f), com σ x (f) e σ y (f) sendo os respectivos desvios-padrão para cada frequência (ou banda de frequência). Além disso, Figueiredo e Silva Júnior (2009)FIGUEIREDO, D. B.; SILVA JÚNIOR, J. A. da. Desvendando os mistérios do coeficiente de correlação de pearson (r). Revista Política Hoje, v. 18, n. 1, p. 115-146, 2009. apresentam duas classificações oriundas do trabalho de outros autores, ligeiramente distintas, para o grau de associação linear. No trabalho os autores citam que, para o autor do livro Statistical Power Analysis for the Behavioral Science (COHEN, 1988)COHEN, J. Statistical power analysis for the behavioral sciences. New York: Routledge, 1988., valores de r entre 0,10 e 0,29 podem ser considerados de pequena associação linear; escores entre 0,30 e 0,49 podem ser considerados como médios; e valores entre 0,50 e 1,00 podem ser interpretados como grandes. Já para os autores do livro Estatística sem matemática para psicologia: usando SPSS para Windows, Dancey e Reidy (2006)DANCEY, C. P.; REIDY, J. Estatística sem matemática para psicologia: usando SPSS para Windows. Porto Alegre: Artmed, 2006. apontam para uma classificação ligeiramente diferente:

  1. r = 0,10 até 0,30 (fraco);

  2. r = 0,40 até 0,60 (moderado); e

  3. r = 0,70 até 1,00 (forte).

Para este estudo delimitou-se como 0,00 ≤ r(f) ≤ 0,30 o grau de associação é considerado fraco; se 0,31 ≤ r(f) ≤ 0,60, considera-se uma associação moderada; e se 0,61 ≤ r(f) ≤ 1,00, o grau de associação entre variáveis é considerado forte. Os coeficientes de correlação são descritos como em função da frequência r(f) pois, após a filtragem das h(t) e das EDC(t) (que são informações dependentes do tempo) em bandas de ⅓ de oitava, as informações de h(t) e das EDC(t) passam também a ser dependentes frequência. De maneira bem simplificada, uma h(t) que representa uma combinação de fonte e receptor é subdividida em outras h(t) representativas de cada banda de frequência analisada para a combinação fonte-receptor.

Sala retangular: modelo analítico

Em acústica de salas, modelos analíticos para prever o campo acústico em baixas frequências são limitados às geometrias simples, como a de uma sala retangular (ou em formato de paralelepípedo). Para uma sala de paredes rígidas com dimensões L x , L y e L z (sendo x, y, z direções ortogonais), a H(f) entre uma fonte na coordenada r⃗ 0 e um receptor na coordenada r é dada pela Equação 3 (BRANDÃO, 2016BRANDÃO, E. Acústica de salas projeto e modelagem. São Paulo: Blucher, 2016.):

H ( r , r 0 , ω ) = j ω ρ 0 Q ̃ ( ω ) V n = 1 ψ ̃ n ( r ) ψ ̃ n ( r 0 ) k 0 2 - k n 2 - 2 j k n η c 0 Eq. 3

Em que:

  1. ω é a frequência angular (ω = 2π f ) (rad/s);

  2. é a amplitude complexa da velocidade de volume da fonte (m3/s);

  3. ρ0 é a densidade do ar (kg/m3);

  4. k0 = ω/c0 é o número de onda no ar (rad/m);

  5. η representa o amortecimento modal associado ao tempo de reverberação (calculado por η = 6, 91/T60);

  6. c0 é a velocidade do som no ar (m/s); e

  7. a unidade imaginária.

Os termos e representam os valores da forma modal do n-ésimo modo avaliadas nas coordenadas da fonte e do receptor, respectivamente. Neste caso, a forma modal é dada pela Equação 4:

ψ ̃ n ( r ) = ϵ n x ϵ n y ϵ n z V cos n x L x x cos n y L y y cos n z L z z Eq. 4

Em que n(·) ∈ |N representa a ordem de um determinado modo da sala eɛn(·) = 1,0 se n(·) = 0 eɛn(·) = 2,0 caso contrário (MEISSNER, 2017MEISSNER, M. Acoustics of small rectangular rooms: analytical and numerical determination of reverberation parameters. Applied Acoustics , v. 120, p. 111-119, may 2017. ); kn é o número de onda do n-ésimo modo, cuja frequência modal é dada pela Equação 5:

f n = c 0 2 n x L x 2 + n y L y 2 + n z L z 2 Eq. 5

Uma vez computada a H(f) com a Equação 3, pode-se estimar a h(t) com uma Transformada Inversa de Fourier (LI; COX, 2019LI, F. F.; COX, T. J. Digital signal processing in audio and acoustical engineering. Roca Raton: CRC Press, 2019.) e, munido de h(t), calcula-se a EDC(t) e os parâmetros acústicos supracitados.

Modelo computacional

As principais limitações do modelo analítico referem-se à sua geometria (apenas salas em formato de paralelepípedos) e ao amortecimento distribuído, que não leva em conta a aplicação de diferentes materiais acústicos pela sala. Para analisar salas com uma geometria qualquer e com distribuição irregular da absorção sonora, modelos que usam o método dos elementos finitos (FEM) são adequados. Esse método consiste na discretização de um domínio (geometria 3D da sala) em pequenos elementos e na solução aproximada da equação da onda (para todo o domínio). A discretização do domínio respeita uma regra prática de oito elementos por comprimento de onda, tomando como base a maior frequência de análise. Devido ao alto custo computacional das simulações, a faixa de análise será restrita até 2.000 Hz, uma faixa em que os modelos em escala ainda apresentam baixa densidade modal e que pode ser considerada de baixas frequências em acústica de salas (BRANDÃO, 2016BRANDÃO, E. Acústica de salas projeto e modelagem. São Paulo: Blucher, 2016.). O amortecimento sonoro é representado por impedâncias de superfície distribuídas pela geometria da sala. Uma apresentação detalhada do método FEM não faz parte do escopo deste artigo, mas pode ser encontrada no livro-texto de Atalla e Sgard (2015)ATALLA, N.; SGARD, F. Finite element and boundary methods in structural acoustics and vibration. Boca Raton: CRC Press, 2015..

Método

Neste estudo, objetivou-se avaliar a exatidão na predição do campo acústico na faixa de baixas frequências, utilizando modelos analíticos simplificados e de menor custo. As formas geométricas estudadas são descritas na seção As formas geométricas estudadas. Ademais, ao se buscar maior exatidão nos cálculos realizados para um projeto, os modelos computacionais podem ser usados com aceitável grau de confiança. No entanto, o uso de tais ferramentas (comerciais ou open-source) introduzem algumas dificuldades para o dia a dia do projetista acústico. Assim, este artigo também busca avaliar até que ponto pode-se aproximar uma sala com uma geometria qualquer (não retangular) por uma sala em formato de paralelepípedo (retangular), de dimensões médias equivalentes à sala original e com absorção distribuída. Embora parte da literatura aponte para o uso dessa última estratégia (BALLOU, 2005BALLOU, G. Handbook for sound engineers. Oxford: Focal Press, 2005.; EVEREST, 2001EVEREST, F. A. The master hand book of acoustics. 4th. ed. New York, USA: The McGraw-Hill Companies, 2001.; KUTTRUFF, 2017KUTTRUFF, H. Room acoustics. 6th . ed. Boca Raton: Taylor & Francis, 2017.; BŁASZAK, 2008BŁASZAK, M. A. Acoustic design of small rectangular rooms: Normal frequency statistics. Applied Acoustics, v. 69, n. 12, p. 1356-1360, 2008.), uma análise formal de seus limites ainda não foi apresentada.

Tendo isso em mente, modelos computacionais e modelos analíticos aproximados são construídos, a fim de investigar sua exatidão. Neste artigo, os modelos computacionais serão referidos como MCO-X e os modelos analíticos serão referidos como MAN-X, em que X indica um número referente a um determinado modelo geométrico. Os MCO e MAN são confrontados com dados experimentais (físicos) obtidos em modelos em escala para algumas geometrias. A descrição do experimento é apresentada na seção Experimentos em modelos físicos. Os modelos físicos experimentais serão referidos como MFI-X. A Figura 1 apresenta de forma gráfica a metodologia aplicada nesta pesquisa, que será explicada em mais detalhes nas seções seguintes.

Figura 1
Metodologia de validação experimental e de avaliação das formas geométricas (FGE) estudadas

Experimentos em modelos físicos

Os aspectos gerais sobre a obtenção de dados de experimentos são discutidos nesta seção. Os modelos físicos das salas medidas foram construídos em escala 1:8 com paredes externas fabricadas com chapas de madeira de MDF (Medium-Density Fiberboard ou placa de fibra de média densidade), com 18 mm de espessura e densidade de 715 kg/m3.

Diversos pares fonte-receptor tiveram sua resposta ao impulso medidas nos modelos físicos (MFI). Para a geração e aquisição dos sinais sonoros, utilizou-se uma placa de som PreSonus Audiobox 44VSL (como interface AD/DA). Essa placa possui uma taxa de amostragem de 44100 Hz - outras especificações técnicas podem ser consultadas no seu manual (PRESONUS..., 2011PRESONUS ÁUDIO ELECTRONICS INC. AudioBox 22/44VSL: manual do usuário. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.presonus.com/products/AudioBox-44VSL/downloads . Acesso em: 21 mar. 2022.
https://www.presonus.com/products/AudioB...
). Para obtenção das respostas ao impulso e pós-processamento de sinais utilizou-se o software Matlab em conjunto com o ITA-Toolbox, este último oferece um conjunto de funções para processamento digital de sinais e foi desenvolvido pelo Institute of Technical Acoustics de Aachen na Alemanha (DIETRICH et al., 2012DIETRICH, P. et al. ITA-Toolbox: an open and source MATLAB and toolbox for acousticians. In: GERMAN ANNUAL CONFERENCE ON ACOUSTICS, 38., Darmstadt, 2012. Proceedings […] Aachen, 2012.). Como sinal de excitação utilizou-se uma varredura exponencial de senos, que possui a vantagem de isolar as não linearidades presentes na medição da resposta impulsiva do sistema (MÜLLER; MASSARANI, 2001MÜLLER, S.; MASSARANI, P. Transfer-function measurement with sweeps. Journal of the Audio Engineering Society, v. 49, n. 6, p. 443-471, 2001.). A Figura 2 demonstra um diagrama simplificado do método de medição.

Como fonte sonora, utilizou-se uma pequena caixa de som de marca X-Mini, composta por um alto-falante com diâmetro de 40 mm. Suas especificações técnicas e demais informações estão disponíveis no trabalho de Fonseca (2013)FONSECA, W. D’A. Beamforming considerando difração acústica em superfícies cilíndricas. Florianópolis, 2013. 393 f. Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.; outrossim, é importante notar que sua FRF em campo livre é relativamente plana e omnidirecional entre as bandas (de 1/3 de oitava) de 315 Hz a 2.000 Hz, faixa utilizada neste trabalho. Essa faixa de frequências abrange a manifestação do primeiro modo acústico medido, em torno de 418 Hz. A frequência do primeiro modo acústico é um fator limitante, abaixo da frequência do primeiro modo a sala não dá suporte à propagação sonora. Como microfone, utilizou-se o modelo omnidirecional de eletreto Panasonic WM-61A. O microfone possui cerca de 8,00 mm (0,30 in) de diâmetro, incluindo sua carcaça de proteção (housing), e apresenta uma FRF significativamente plana até a faixa de 5.000 Hz, estando adequado à faixa de medições usada no presente estudo. Mais detalhes sobre esse microfone são apresentados tanto em Wunderlich et al. (2018)WUNDERLICH, P. et al. Desenvolvimento de um calibrador de resposta relativa para transdutores eletroacústicos. In: ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ACÚSTICA, 28., Porto Alegre, 2018. Anais [...] Porto Alegre, 2018. quanto em Fonseca (2013)FONSECA, W. D’A. Beamforming considerando difração acústica em superfícies cilíndricas. Florianópolis, 2013. 393 f. Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013..

Nos modelos criados foram utilizadas oito combinações de fonte e receptores. As distribuições espaciais de posicionamento, dentro de cada modelo, podem ser visualizadas com mais detalhes na seção de anexos do trabalho de Russi (2020)RUSSI, D. W. Caracterização acústica em baixas frequências de modelos retangulares e não retangulares de salas em escala reduzida. Santa Maria, 2020. 218 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2020.. Mesmo diante da dificuldade imposta pela alteração do formato geométrico dos modelos, buscou-se manter a aproximação das posições relativas entre fonte e receptores, nos diferentes modelos criados.

Figura 2
Diagrama simplificado do método de medição

As formas geométricas estudadas

Doze formas geométricas (ou FGE-X) distintas foram investigadas neste trabalho. Suas plantas baixas e as áreas de piso (em m2) são mostradas na Figura 3. A fim de se ter confiança nos modelos analíticos (MAN) e computacionais (MCO), três dessas salas foram validadas experimentalmente. A construção e medição de três modelos físicos em escala real representaria uma dificuldade enorme. Assim, optou-se por avaliar experimentalmente as FGE-1, FGE-2 e FGE-4, que possuem planta baixa em formato retangular e em escala 1:8.

Inicia-se por considerar a FGE-1, que é um modelo com geometria em forma de paralelepípedo e, portanto, possui solução analítica exata apresentada na seção Sala retangular: modelo analítico. Suas dimensões internas são: Lx = 0,508 m, Ly = 0,420 m e Lz = 0,350 m. As dimensões correspondentes em uma escala 1:1 são respectivamente 4,064 m, 3,360 m e 2,800 m. Seu volume interno em escala 1:8 é V = 0,075 m3 (V = 38,4 m3 em escala 1:1), se enquadrando na classe de salas de pequeno volume (entre 5 e 50 m3) segundo Tichy (2014)TICHY, M. K. J. Acoustics of small rooms. New York: Taylor & Francis Group, 2014.. As dimensões escolhidas para a FGE-1 seguem critérios de uniformidade da distribuição dos modos no espectro de frequências, a fim de que não exista o acúmulo de energia em bandas estreitas de frequência (BRANDÃO, 2016BRANDÃO, E. Acústica de salas projeto e modelagem. São Paulo: Blucher, 2016.).

A partir da medição do T20 no MFI-1, pode-se extrair o amortecimento modal, calculado por (η = 6,91/T20) e usado nos modelos analíticos, observe a Equação 3. A FGE-4 é também uma sala com as mesmas dimensões da FGE-1, mas com um absorvedor poroso concentrado no teto, o que faz com que seu T20 diminua e seu amortecimento modal aumente.

Figura 3
Representação das áreas (em planta baixa) das formas geométricas estudadas

No caso dos modelos computacionais, as condições de contorno na sala são representadas por impedâncias complexas de superfícies. Como os modelos físicos foram fabricados em MDF, utilizou-se como ponto de partida uma impedância de superfície medida e reportada na literatura por Smardzewski et al. (2015)SMARDZEWSKI, J. et al. Sound absorption of wood-based materials. Holzforschung, De Gruyter, v. 69, n. 4, p. 431-439, 2015. . Em conseguinte, utilizando-se das H(f) medidas no MFI-1, ajustou-se a parte real da impedância de superfície a fim de que os decaimentos nos MFI-1 e MCO-1 fossem similares. Para um correto ajuste do MCO-4, foi necessário medir a impedância de superfície da amostra porosa (melamina4 4 Melamina é sintetizada comercialmente a partir da ureia. Esse material é considerado como um trímero da cianamida. Primeiramente sintetizada pelo químico alemão Justus von Liebig em 1834, começou a ser usada como isolante em cascas de navios e hoje é amplamente usada em diversas áreas da indústria. , um tipo de material polimérico, que pode se apresentar na forma de espuma acústica e é amplamente usada como tratamento em acústica de salas), , usada no teto do MFI-4. Para tanto foi utilizada uma técnica de medição in-situ proposta por Takahashi, Otsuru e Tomiku (2003)TAKAHASHI, Y.; OTSURU, T.; TOMIKU, R. In situ measurements of absorption characteristics using two microphones and environmental “anonymous” noise. Acoustical Science and Technology, v. 24, n. 6, p. 382-385, nov. 2003. . Tais impedâncias de superfície são mostradas também na Figura 4. Note que as escalas na figura são distintas para as duas amostras, já que o MDF possui uma impedância muito maior que a da melamina.

Os coeficientes de absorção sonora (α) do MDF e da melamina são mostrados na Figura 5. Note que a melamina possui um coeficiente de absorção crescente com a frequência e que o MDF possui um coeficiente de absorção sempre menor que 0,1, o que corrobora sua alta impedância de superfície.

Figura 4
Parte real e imaginária das impedâncias de superfície (normalizadas) da melamina e do MDF

Figura 5
Coeficientes de absorção sonora (α) do MDF e da melamina

A partir das formas FGE-1 e FGE-4, foram criadas dez outras formas geométricas, cujas áreas de piso e volume diferem menos que 11% do modelo original (veja Figura 3). Para a FGE-2, a geometria foi alterada pela inserção de um cubo rígido de MDF com arestas de aproximadamente 10 cm, o que teve por intuito simular a adição de mobiliário em uma quina na sala. Assim, a FGE-2 também pôde ser experimentalmente caracterizada.

Para as demais FGEs (FGE-3 e, de FGE-5 até FGE-12) foram impostas algumas alterações, como a inclinação de paredes laterais, mantendo a simetria da sala com respeito ao eixo x ou y. A única característica geométrica que não foi alterada nos modelos criados foi a altura do ambiente. Dessa forma, piso e teto de todas as formas geométricas estudadas são paralelos, de maneira que o volume das salas origina-se de uma extrusão do formato de sua área de piso. Assim, o volume é obtido multiplicando as áreas de piso por Lz = 0,350 m.

Resultados e discussões

Nesta seção apresentam-se os principais resultados deste estudo, assim como as discussões relevantes. Pode-se dividir os resultados em duas categorias:

  1. comparativo entre MFI, MAN e MCO; e

  2. comparativo entre MAN e MCO.

Comparativo entre MFI, MAN e MCO

Nesta seção apresentam-se os resultados dos modelos experimentais, analíticos e computacionais para as FGE-1 (sala retangular de paredes rígidas), FGE-2 (sala retangular com a inclusão de um cubo na quina) e FGE-4 (sala retangular em cujo teto é aplicada uma amostra absorvedora). As comparações são feitas principalmente entre os MCO (modelos computacionais, que usam FEM) e MAN (modelos analíticos desenvolvidos com rotinas de cálculo). Os MFI (modelos físicos construídos em escala reduzida) são usados como via de validação experimental das outras duas modelagens.

Na Figura 6a comparam-se as magnitudes das FRFs normalizadas obtidas pelo MFI-1, MCO-1 e MAN-1, na combinação fonte-receptor PT-45 5 Foram utilizadas na pesquisa oito posições de receptor e uma posição de fonte. A limitação de uma posição de fonte se dá pela dificuldade de sua alteração de posição. . O comportamento modal da sala é evidente a partir da primeira ressonância excitada, contida na FRF em 675 Hz. Também se pode notar um comportamento similar das FRFs obtidas pelo MFI-1, MCO-1 e MAN-1, o que implica que os modelos MAN-1 e MCO-1 são capazes de descrever o campo acústico medido em MFI-1.

Outras duas comparações são apresentadas para corroborar a assertividade dos modelos criados. As Figuras 6b e 6c apresentam respectivamente a comparação dos tempos de reverberação T20 e do parâmetro clareza (Cte ) obtidos para o mesmo ponto de análise, PT-4. O amortecimento modal (η), usado no MAN-1, consegue representar de maneira efetiva o comportamento acústico do MFI-1. Essa semelhança de resultados ocorre em virtude de que o MFI-1 representa exatamente o modelo analítico (sala retangular de paredes relativamente rígidas). Além disso, a impedância de superfície do MDF usada no MCO-1 também representa adequadamente o campo acústico no MFI-1.

A Figura 7 mostra a comparação das magnitudes das FRFs normalizadas para a mesma combinação fonte-receptor PT-4 mostrada na Figura 6, porém para a FGE-2 (com inserção do cubo de MDF). A similaridade das FRFs de MFI-2 e MCO-2 expressa novamente a assertividade dos modelos criados. Observa-se também que essa pequena alteração na geometria não leva a mudanças drásticas no campo acústico e que, assim, o MAN-2 ainda representa adequadamente o campo acústico na sala em questão.

Pode-se também avaliar como a distribuição irregular da absorção sonora impacta na habilidade do MAN e MCO em representar o campo acústico na sala. Na Figura 8a comparam-se as magnitudes das FRFs normalizadas obtidas pelo MFI-4, MCO-4 e MAN-4, na combinação fonte-receptor PT-3. No MFI-4, todas as paredes são em MDF, exceto o teto em que a amostra melamina é aplicada, fazendo com que a absorção sonora concentre-se no teto. É possível notar uma perda da exatidão na H(f) obtida por meio do MAN-4, frente às H(f) obtidas por meio do MCO-4 e MFI-4. As ressonâncias e antiressonâncias obtidas pelo MCO-4 e MFI-4 são mais amortecidas que no MAN-4. Isso é um indício de que o uso de um fator de amortecimento modal global não é suficiente para representar de maneira eficiente o campo acústico no MFI-4, mesmo que esse possua uma geometria retangular.

Na Figura 8b observa-se a comparação dos T20 obtidos pelo MFI-4, MCO-4 e MAN-4 para o ponto PT-3. Os resultados para os três modelos são similares, mas é possível observar uma melhor concordância do MCO-4 com o MFI-4. Por outro lado, os valores obtidos para o parâmetro Dte , mostrados na Figura 8c, apresentam grande diferença quando o MAN-4 é considerado e nem mesmo a tendência geral da curva é representada.

Nesse caso, como o Dte é a razão energética entre a energia contida no início da h(t) por sua energia total, o uso do amortecimento modal global não é capaz de representar adequadamente a distribuição energética na h(t). Todavia, o Dte obtido pelo MCO-4 é mais próximo ao dado experimental. O fato de MAN-4 apresentar diferentes valores para o parâmetro Dte pode estar relacionado com o fato do parâmetro estar diretamente ligado à h(t), e o fato de MAN-4 apresentar valores mais similares para o parâmetro T20 pode estar relacionado ao fato do parâmetro estar diretamente ligado à EDC(t), sendo que a EDC(t) é um pós-processamento da h(t), usado para descrever a velocidade de decaimento energético da h(t). Adiante, na Figura 10 pode ser visualizado que a correlação é muito maior para as EDC(t) do que para as h(t), fato que corrobora o exposto.

Os resultados apresentados até este ponto demonstram que o MAN é capaz de representar a resposta em frequência H(f) com exatidão apenas para o caso da sala retangular com paredes rígidas (MFI-1) ou com pequenas alterações (MFI-2). Por outro lado, os MCOs são também mais exatos na descrição do campo acústico de salas com geometria e distribuição de materiais arbitrárias (MFI-1, MFI-2 e MFI-4), fato que os tornam confiáveis na predição do campo acústico dos ambientes estudados. Assim, para os casos em que não foi possível obter um modelo experimental, considera-se o modelo computacional como um dado verdadeiro e pode-se então estender a análise da exatidão do modelo analítico aproximado para a H(f), h(t) e parâmetros objetivos.

Figura 6
Comparação entre MAN-1, MCO-1 e MFI-1 para o PT-4 (FRF, tempo de reverberação T20 e Clareza Cte)

Figura 7
H(f) obtidas para o PT-4 da FGE-2

Figura 8
Comparação entre MAN-4, MCO-4 e MFI-4 para o PT-3 (FRF, tempo de reverberação T20 e Definição Dte )

Comparativo entre MAN e MCO

Primeiramente, pode-se comparar a H(f) e o valor de parâmetros objetivos para uma dada forma geométrica. Por questões de brevidade, a análise desta seção será limitada para a FGE-11. A Figura 9a mostra um comparativo entre a magnitude da H(f) para o MCO-11 e o MAN-11. É possível identificar grandes diferenças entre as duas curvas, no que tange à localização das ressonâncias e antiressonâncias, especialmente na faixa entre 400 Hz e 800 Hz. Entretanto, quando se compara o T20, na Figura 9b, os resultados se assemelham mais. Para o Ts, na Figura 9c, o MAN-11 é capaz de representar adequadamente o comportamento geral da curva do MCO-11 e com uma discrepância maior apenas na faixa de 500 Hz.

Figura 9
Comparação entre MAN-11 e MCO-11 para o PT-8 (FRF, tempo de reverberação T20 e Tempo central Ts)

Finalmente, pode-se investigar o coeficiente de correlação de Pearson, r(f), apresentado na Equação 2. Nesta etapa, em vez de comparar H(f) ou parâmetros objetivos obtidos pelos MAN e MCO ponto a ponto, busca-se uma métrica de similaridade geral entre o MAN e o MCO. A Figura 10 mostra os r(f) em função da frequência, para as 12 geometrias estudadas. Neste caso, a correlação entre o MCO e o MAN é estudada para todos os pares fonte-receptor. Assim, tem-se uma métrica geral que estabelece a similaridade entre a resposta do modelo analítico aproximado em relação ao modelo computacional, assumindo este como o caso mais exato. Nas linhas da figura tem-se r(f) para EDC(t), H(f) e h(t), respectivamente. Já cada coluna apresenta os resultados para um grupo de quatro geometrias.

É possível notar que a correlação entre MAN e MCO é elevada para quase todas as geometrias, quando considera-se a EDC(t). A exceção é a FGE-4, que possui absorção concentrada no teto. Como visto na seção Comparativo entre MFI, MAN e MCO, o MCO-4 consegue representar adequadamente o MFI-4. No entanto, o MAN-4 não é capaz de representar com exatidão o modelo físico. A baixa correlação nesse caso é associada à consideração do MAN de amortecimento distribuído na geometria, enquanto na FGE-4 a absorção é concentrada no teto. Para as outras geometrias tem-se r(f) 0,80 para a EDC(t), o que implica que o MAN simplificado é capaz de capturar de modo concordante as características do decaimento sonoro e, por consequência, representar de forma relativamente satisfatória os valores dos parâmetros acústicos objetivos (INTERNATIONAL..., 2009INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 3382-1: acoustics: measurement of room acoustic parameters: part 1: performance spaces.Geneva, 2009. ).

Para a h(t) e H(f), o coeficiente de correlação de Pearson é r(f) 0,80 apenas para a FGE-1 e até cerca de 1.000 Hz, o que é atribuído ao formato perfeitamente retangular da sala e ao amortecimento uniformemente distribuído. Em altas frequências as diferenças nas considerações do amortecimento acústico entre o MAN e MCO levam a uma diminuição de r(f). Para as outras geometrias, r(f) tende a ser mais baixo indicando diferenças significativas entre o modelo computacional e o modelo analítico aproximado. Isso indica que o MAN aproximado não é adequado para fins de auralização, por exemplo, mas apenas como um preditor de decaimento sonoro e parâmetros objetivos.

Figura 10
Coeficientes de correlação de Pearson r(f) obtidos para as distintas FGEs

Conclusões

A presente pesquisa foi estabelecida em três etapas. A primeira etapa balizada na escolha de um modelo retangular de geometria de sala acústica e a construção de um modelo físico em escala reduzida (1:8) representativo dessa sala (MFI-1). Com a medição de MFI-1 auxiliado pelo ITA-Toolbox para Matlab, obtiveram-se as curvas de decaimento e os parâmetros que descrevem acusticamente o ambiente. Um modelo analítico MAN-1 foi elaborado com base nas equações antes descritas e com base no amortecimento modal calculado em posse do tempo de reverberação medido em MFI-1. Outro modelo computacional MCO-1 foi elaborado para avaliar essa geometria escolhida, porém esse modelo usou FEM para descrever acusticamente essa forma geométrica (FGE-1). Obtida a convergência dos valores dos parâmetros obtidos nas três metodologias a pesquisa seguiu para a segunda etapa, replicar MAN e MCO para outras duas FGEs que também foram medidas em seus MFI correspondentes. Mais uma vez obtida a convergência dos parâmetros estudados foi possível replicar MAN e MCO para as demais formas geométricas estudadas estabelecendo a terceira etapa da pesquisa.

Com base nas informações apresentadas neste estudo, é possível identificar que, nos dados obtidos para as formas geométricas FGE-1, FGE-2 e FGE-4, existe uma forte similaridade entre as H(f) obtidas nos MFIs e MCOs. Esse fato torna os MCOs uma referência de análise, pois são mais exatos para descrever os campos acústicos das geometrias estudadas. No que tange à FRF e à resposta ao impulso, é identificado que, para formas geométricas não retangulares, a correlação existente entre os MCOs e os MANs aproximados diminui significativamente. Dessa forma, os MANs aproximadosnão conseguem representar de forma exata o campo acústico de salas com geometrias não retangulares e tornam-se inadequados para fins de auralização, por exemplo. Por outro lado, os modelos analíticos aproximados se mostraram efetivos quando são usados para obtenção da EDC(t) e dos parâmetros acústicos objetivos relacionados.

Outro ponto evidenciado na pesquisa é com relação à obtenção de parâmetros acústicos que estão relacionados com as respostas ao impulso, sem pós-processamento, como o parâmetro clareza e o parâmetro definição. Os MANs aproximados não conseguem representar de forma exata o campo acústico, consequentemente não conseguem descrever corretamente as respostas ao impulso e os parâmetros dela extraídos. O pós-processamento para a obtenção das EDC(t) faz com que os erros obtidos pelos modelos analíticos sejam minimizados. Por esse motivo, os parâmetros obtidos pelos modelos analíticos, relacionados com as EDC(t), são mais próximos aos parâmetros obtidos com as outras metodologias.

Para projetistas de salas acústicas fica evidenciado que se o projeto necessita de alta exatidão na análise da FRF e resposta ao impulso, o uso de métodos numéricos de análise torna-se imprescindível. Além disso, a simplificação da geometria e o uso de modelos analíticos ainda é uma ferramenta útil como ponto de partida em um projeto de alta complexidade ou em projetos nos quais apenas se deseja uma estimativa dos parâmetros acústicos objetivos e/ou das curvas de decaimento sonoro. Logo, a análise apresentada aqui serve como uma delimitação estratégica para o projeto acústico na faixa de baixas frequências.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer à Engenharia Acústica (EAC) e ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil (PPGEC) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) pelo apoio técnico e de infraestrutura no desenvolver desse estudo.

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  • 1
    Graphics Processing Unit ou Unidade de Processamento Gráfico.
  • 2
    Acoustics — Measurement of room acoustic parameters — Part 1: Performance spaces.
  • 3
    Usualmente a h(t) é medida em banda larga e sua filtragem em bandas de ⅓ de oitava permite a observação de como parâmetros acústicos variam com a frequência, sendo um procedimento padronizado na ISO 3382-1 (INTERNATIONAL..., 2009INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 3382-1: acoustics: measurement of room acoustic parameters: part 1: performance spaces.Geneva, 2009. ).
  • 4
    Melamina é sintetizada comercialmente a partir da ureia. Esse material é considerado como um trímero da cianamida. Primeiramente sintetizada pelo químico alemão Justus von Liebig em 1834, começou a ser usada como isolante em cascas de navios e hoje é amplamente usada em diversas áreas da indústria.
  • 5
    Foram utilizadas na pesquisa oito posições de receptor e uma posição de fonte. A limitação de uma posição de fonte se dá pela dificuldade de sua alteração de posição.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2021
  • Aceito
    12 Nov 2021
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