Acessibilidade / Reportar erro

JUSTIÇA ORGANIZACIONAL PERCEBIDA POR PROFESSORES DOS ENSINOS BÁSICO, TÉCNICO E TECNOLÓGICO

ORGANIZATIONAL JUSTICE PERCEIVED BY TEACHERS OF BASIC, TECHNICAL AND TECHNOLOGICAL EDUCATION

JUSTICIA ORGANIZACIONAL PERCIBIDA POR LOS PROFESORES DE LA EDUCACIÓN BÁSICA, TÉCNICA E TECNOLÓGICA

Resumos

O conceito de justiça é um fenômeno social que penetra tanto na vida social quanto na organizacional. A percepção da justiça organizacional refere-se ao modo como as decisões são tomadas na distribuição de resultados e como a justiça é percebida em relação a estes. É por meio da justiça que os empregados determinam se foram tratados de forma justa, pois essa percepção pode influenciar subsequentes atitudes e comportamentos dos indivíduos, como comprometimento, confiança, desempenho, rotatividade e agressão. Rego (2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131. considera que alguns profissionais, como os professores, têm uma percepção distinta no que tange à dimensão distributiva da justiça organizacional e desenvolveu a escala de percepções de justiça dos professores do ensino superior, com cinco dimensões: distributiva de tarefas, distributiva de recompensas, procedimental, interpessoal e informacional. Para possibilitar sua aplicação no contexto brasileiro, este artigo teve como objetivo adaptar e validar a escala, já que ela foi desenvolvida e validada em Portugal, e analisar como os professores percebem a justiça organizacional em um instituto federal de educação, ciência e tecnologia. A escala passou por processo de adaptação transcultural como sugerido por Guillemin, Bombardier e Beaton (1993)Guillemin, F., Bombardier, C., & Beaton, D. (1993). Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. Journal of Clinical Epidemiology, 46(12), 1417-1432. e Beaton, Bombardier, Guillemin e Ferraz (2000)Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F. C., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191.. A versão adaptada do instrumento foi disponibilizada para 1.191 professores, dos quais 415 responderam ao questionário. A amostra foi submetida à análise fatorial exploratória que não confirmou a estrutura proposta pelo modelo, mas garantiu a validade de construto, reduzindo os cinco fatores a quatro. A amostra foi então submetida à análise fatorial confirmatória na qual todos os índices de ajuste apresentaram valores satisfatórios. Os resultados revelaram que os professores têm uma percepção mais positiva da justiça organizacional em suas dimensões interacional e distributiva de tarefas e que os professores substitutos percebem mais positivamente que os professores efetivos as dimensões interacional e distributiva de recompensas. Para estudos futuros, sugere-se a aplicação da presente escala de justiça entre professores do contexto privado e em outras instituições de ensino públicas, verificando a validade da escala.

Justiça organizacional; Adaptação transcultural; Validação; Professor; Percepção de justiça


The concept of justice is a social phenomenon that permeate both social life and organizational. The perception of organizational justice concerns the perception of how decisions are made regarding the distribution of results and the perceived justice in relation to these results and it is through it that employees determine whether they were treated fairly, and this perception can influence subsequent attitudes and behaviors of individuals, such as commitment, trust, performance, turnover and aggression. Rego (2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131. considers that some professionals, such as teachers, have a different perception regarding the distributive dimension of organizational justice and he developed the scale of perceptions of justice of teachers in higher education with five dimensions: distributive of task, distributive of rewards, procedural, interpersonal and informational. To allow its application in the Brazilian context, this article aims to adapt and validate the scale since it was developed and validated in Portugal To allow its application in the Brazilian context, this article aims to adapt and validate the scale since it was developed and validated in Portugal and analyze how teachers perceive the organizational justice in a public federal institution of basic education, technical and technological. The scale passed by cultural adaptation process as suggested by Guillemin, Bombardier and Beaton (1993)Guillemin, F., Bombardier, C., & Beaton, D. (1993). Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. Journal of Clinical Epidemiology, 46(12), 1417-1432. and Beaton, Bombardier, Guillemin and Ferraz (2000)Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F. C., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191.. The adapted version was made available to 1,191 teachers, and only 415 completed the questionnaire. The sample was submited to exploratory factor analysis that did not confirm the structure proposed by the model structure, but ensured the validity of the construct and reduced to four the five factors of the model. The sample was then submited to confirmatory factor analysis in which all fit indices showed satisfactory values . The results revealed that teachers have a more positive perception of organizational justice in their interactional and distributive of tasks dimensions and that the substitute teachers perceive more positively than the effective teachers the interactional and distributive of rewards dimensions. For future studies we suggest the application of this scale of justice among teachers in private context and other public educational institutions, verifying the validity of the scale.

Organizational justice; Cross-cultural adaptation; Validation; Teacher; Perception of justice


El concepto de justicia es un fenómeno social que penetra tanto en la vida social como en la organizacional. La percepción de justicia organizacional se refiere a la percepción de cómo se toman las decisiones sobre la distribución de los resultados y de la justicia percibida en relación a estos resultados y es por él que los empleados determinam si son tratados de manera justa, y esta percepción puede influir en las actitudes y conductas posteriores de los individuos, como el compromiso, la confianza, el rendimiento, la rotación y la agresión. Rego (2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131. considera que algunos profesionales como los profesores, tienen una percepción diferente en cuanto a la dimensión distributiva de la justicia organizacional y desarrolló la escala de percepción de la justicia de profesores de educación superior, con cinco dimensiones: distribución de tarea, distribución de recompensas, procedimientos, interaccional y informativa. Para permitir su aplicación en el contexto brasileño, este artículo tiene como objetivo adaptar y validar a escala, ya que fue desarrollado y validado en Portugal y analizar cómo los profesores perciben la justicia organizacional en una institución pública de educación básica, técnica e tecnológica. La escala ha pasado por el proceso de adaptación cultural como sugerido por Guillemin, Bombardier y Beaton (1993)Guillemin, F., Bombardier, C., & Beaton, D. (1993). Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. Journal of Clinical Epidemiology, 46(12), 1417-1432. y Beaton, Bombardier, Guillemin y Ferraz (2000)Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F. C., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191.. La versión adaptada del instrumento fue puesta a disposición a 1.191 profesores, y 415 completaron el cuestionario. La muestra se sometió a análisis factorial exploratorio no confirmó la estructura propuesta por el modelo, pero aseguró la validez del constructo y ha reducido los cinco factores a cuatro. A continuación, la muestra fue sometida a análisis factorial confirmatorio en el que todos los índices de ajuste mostraron valores satisfactorios. Los resultados revelaron que los profesores tienen una percepción más positiva de la justicia organizacional en sus dimensiones interaccional y de distribución de tareas y que los profesores substituto perciben más positivamente profesores efectivos las dimensiones interaccional y de distribución de recompensas. Para futuros estudios se sugiere la aplicación de esta escala de justicia entre los profesores de ámbito privado y otras instituciones educativas públicas, verificando la validez de la escala.

Justicia organizacional; Adaptación transcultural; Validación; Profesor; Percepción de justicia


1 INTRODUÇÃO

O campo de estudos sobre justiça se desenvolveu a partir da década de 1960, na psicologia social, mais especificamente em 1961, com a publicação do livro Social behavior: its elementary forms, no qual George Caspar Homans postulou que, em uma relação de troca entre indivíduos, espera-se que haja proporcionalidade entre as recompensas e os investimentos. Caso isso não ocorra, desencadeia-se a cólera no caso de desvantagem ou surge a culpa, no caso de vantagem (Homans, 1961Homans, G. C. (1961). Social behavior: its elementary forms (rev. ed.). New York: Harcourt Brace Jovanovich.).

Como apontado por Assmar (2000)Assmar, E. M. L. (2000). A psicologia social e o estudo da justiça em diferentes níveis de análise. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13(3), 497-506., há, no campo da psicologia social, uma concentração de trabalhos sobre justiça em dois níveis de análise: individual e interpessoal. O primeiro é baseado na teoria da equidade, na qual justiça é definida como equidade, ou seja, o justo é o proporcional e sua medida é feita via comparação interpessoal, mas a pesquisa é frequentemente realizada com sujeitos isolados e faz-se uma comparação com outro não identificado. Já o enfoque interpessoal é baseado na abordagem multidimensional de justiça que leva em conta os sistemas interacionais dos indivíduos.

A partir de 1987, esse conceito de justiça passou a ser aplicado e estudado também no âmbito das organizações e do trabalho por ser considerado uma área produtiva para a aplicação do conhecimento da psicologia social da justiça. O campo de justiça organizacional, expressão cunhada por Jerald Greenberg, trata, assim, do estudo sobre as percepções, as concepções e as reações ante a justiça por parte dos empregados em relação às organizações nas quais trabalham (Assmar, Ferreira, & Souto, 2005Assmar, E. M. L., Ferreira, M. C., & Souto, S. O. (2005). Justiça organizacional: uma revisão crítica da literatura. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(3), 443-453.) e tem sido objeto de estudo principalmente nas áreas de psicologia organizacional-industrial, de gestão de pessoas e de comportamento organizacional (Cropanzano & Greenberg, 1997Cropanzano, R., & Greenberg, J. (1997). Progress in organizational justice: tunnelling through the maze. In C. L. Cooper & I. T. Robertson (Eds.). International review of industrial and organizational psychology (Vol. 12). New York: John Wiley & Sons.).

O conceito de percepção de justiça organizacional refere-se ao modo como as decisões são tomadas na distribuição dos resultados e como a justiça é percebida em relação a estes (Demo, 2010Demo, G. (2010). Políticas de gestão de pessoas, valores pessoais e justiça organizacional. Revista de Administração Mackenzie, 11(5), 55-81.). Essa percepção pode ser definida como a forma utilizada pelos empregados para determinar se foram tratados de forma justa. Por meio desse tipo de percepção, é possível verificar que outras variáveis também relacionadas ao trabalho podem ser influenciadas (Moorman, 1991Moorman, R. H. (1991). Relationship between organizational justice and organizational citizenship behaviors: do fairness perceptions influence employee citizenship? Journal of Applied Psychology, 76(6), 845-855.).

Beugré (1998)Beugré, C. D. (1998). Managing fairness in organizations. Westpost: Quorum Books. identifica três razões para a importância de estudar a justiça organizacional. Em primeiro lugar, a justiça é um fenômeno social e penetra tanto na vida social quanto na organizacional. O autor também afirma que a força de trabalho é o mais importante ativo de qualquer organização, e a forma como essa força é tratada influencia subsequentes atitudes e comportamentos, como comprometimento, confiança, desempenho, rotatividade e agressão. Por fim, ele ressalta o fato de que estamos nos movendo em direção a uma força de trabalho educada e que, à medida que as pessoas se tornam mais especializadas e educadas, elas requerem não somente melhores trabalhos, mas também tratamento com respeito e dignidade no local de trabalho.

Não existe unanimidade quanto ao número de construtos relacionados à percepção de justiça organizacional, e, na literatura, é possível encontrar cinco modelos que consideram a justiça organizacional com diferentes números de dimensões: unidimensional, bidimensional, tridimensional, tetradimensional e pentadimensional.

O modelo pentadimensional foi desenvolvido por Rego (2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131. por considerar que alguns profissionais, como os professores, apresentam uma percepção distinta das dos demais trabalhadores, e, por essa razão, a forma como percebem a justiça organizacional deveria ser medida de outra maneira.

Esse modelo foi desenvolvido em Portugal, e, para possibilitar sua aplicação no contexto brasileiro, o instrumento passou por um processo de adaptação cultural. Assim, o objetivo desta pesquisa foi adaptar culturalmente a escala de percepções de justiça dos professores do ensino superior proposta por Rego (2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131. para o idioma português do Brasil.

Além desta introdução, este artigo apresenta as seguintes seções: na seção 2, faz-se uma exposição do marco teórico sobre os temas abordados; na seção 3, apresenta-se o método adotado para a adaptação da escala e o pré-teste da versão; na seção 4, apontam-se os resultados obtidos; e, por fim, apresentam-se as conclusões e recomendações.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Esta seção apresenta o referencial teórico com os principais conceitos teóricos relacionados à percepção de justiça organizacional. Este segmento se inicia com uma exposição sobre o construto de justiça organizacional e suas dimensões, além de detalhar o modelo pentadimensional. Ao final, é apresentado um resumo da metodologia adotada para a adaptação cultural da escala de Rego (2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131..

2.1 JUSTIÇA ORGANIZACIONAL

Os estudos sobre justiça têm origem no campo de psicologia social que, conforme identificou Doise (1997)Doise, W. (1997). Organizing social-psychological explanations. In G. McGarty & S. S. Haslam (Orgs.). The message of social psychology: perspectives on mind in society (pp. 63-76). Cambridge: Blackwell., apresenta quatro níveis de análise:

  • Os estudos referem-se aos processos intraindividuais, ou seja, à maneira como o indivíduo organiza suas experiências com o seu ambiente social.

  • Delineiam os processos interindividuais e situacionais, e estão apoiados nos sistemas interacionais dos indivíduos. Esses processos são vistos como intercambiáveis.

  • Consideram as distintas posições que o indivíduo pode ocupar na rede de relações de uma sociedade. As relações de poder e status entre os grupos sociais são analisadas nesse nível.

  • Utilizam-se os sistemas de crenças, representações, avaliações e normas sociais.

Para Assmar (2000)Assmar, E. M. L. (2000). A psicologia social e o estudo da justiça em diferentes níveis de análise. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13(3), 497-506., até a década de 1980, destacavam-se nos estudos sobre justiça os dois primeiros níveis de análise, predominando, portanto, o enfoque que a autora denomina microjustiça. Nesse período, surge, no campo da psicologia social, a preocupação com a expansão da perspectiva de justiça de forma a ampliar o conhecimento sobre esse tema multifacetado.

O conceito de justiça é fundamental para a compreensão do comportamento humano dentro das organizações, e seu significado tem evoluído no decorrer dos anos com interesse inicial na justiça distributiva, aquela que lida com a justiça como resultado ou produto final (Hartman, Yrle, & Galle, 1999Hartman, S. J., Yrle, A. C., & Galle, W. P., Jr. (1999). Procedural and distributive justice: examining equity in a University Setting. Journal of Business Ethics, 20, 337-351.). Isso se deve ao fato de que a percepção de justiça está ligada a resultados organizacionais como satisfação no trabalho, comprometimento organizacional, comportamento de cidadania organizacional e desempenho (Colquitt, Conlon, Wesson, Porter, & Ng, 2001Colquitt, J. A. (2001). On the dimensionality of organizational justice: a construct validation of a measure. Journal of Applied Psycholology, 86(3), 386-400.).

Não existe unanimidade quanto ao número de construtos relacionados à percepção de justiça organizacional. Jamaludin (2009)Jamaludin, Z. (2009). Perceived organizational justice and its impact to the development of commitments: a regression analysis. World Journal of Management, 1(1), 49-61. aponta como três os construtos relacionados à percepção de justiça organizacional: distributiva, de procedimentos e interacional. Gilliland e Chan (2001)Gilliland, S. W., & Chan, D. (2001). Justice in organizations: theory, methods, and applications. In N. Anderson, D. Ones, H. Sinangil & C. Viswesvaran (Eds.). Handbook of industrial, work and organizational psychology (Vol. 2, pp. 143-166). London: Sage Publications Ltd. reforçam que alguns estudos retornaram à distinção básica entre justiça de procedimentos e justiça distributiva, sugerindo que a justiça interacional seja um subcomponente da primeira, e, por essa razão, adotam o modelo de dois construtos. Rego e Souto (2004)Rego, A., & Souto, S. (2004). A percepção de justiça como antecedente do comprometimento organizacional: um estudo luso-brasileiro. Revista de Administração Contemporânea - RAC, 8(1), 151-177., por sua vez, adotam o modelo de quatro dimensões de justiça por considerarem que ele tem valia psicométrica superior ao de três dimensões. No modelo de quatro dimensões, a vertente interacional é desmembrada nas vertentes interpessoal e informacional.

Rego (2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131. e Rego, Cunha e Pinho (2009)Rego, A., Cunha, M. P., & Pinho, C. (2009). Exploring a five-factor model of organizational justice. Management Research, 7(2), 103-125. verificaram que alguns profissionais, como os professores, distinguem a justiça distributiva em duas facetas: de recompensas e das tarefas. Por essa razão, propuseram um modelo de cinco dimensões da justiça organizacional. O Quadro 1 apresenta uma síntese dos principais modelos de justiça organizacional e indica as dimensões analisadas e os principais autores.

QUADRO 1
SÍNTESE DAS DIMENSÕES DE JUSTIÇA ORGANIZACIONAL

2.2 AS DIMENSÕES DA JUSTIÇA ORGANIZACIONAL

No tópico anterior, foi exposto um breve histórico sobre o construto justiça organizacional. A seguir, apresenta-se cada uma das dimensões de justiça organizacional mencionadas anteriormente.

2.2.1 Justiça distributiva

Colquitt, Greenberg e Zapata-Phelan (2005)Colquitt, J. A., Greenberg, J., & Zapata-Phelan, C. P. (2005). What is organizational justice? A historical overview. In J. Greenberg & J. A. Colquitt (Eds.). Handbook of organizational justice (pp. 3-56). Mahwah: NJ, Lawrence Erlbaum. destacam que é inerente à natureza das relações empregatícias o fato de que nem todos os trabalhadores são tratados da mesma forma e que, por essa razão, não é surpresa que as primeiras preocupações sobre justiça nas organizações estavam interessadas na distribuição das recompensas.

Até 1975, os estudos sobre justiça organizacional preocupavam-se somente com a dimensão distributiva da justiça, definida por Gomide e Siqueira (2008)Gomide, S., Jr., & Siqueira, M. M. M. (2008). Justiça no trabalho. In M. M. M. Siqueira. (Org.). Medidas do comportamento organizacional: ferramentas de diagnóstico e de gestão (pp. 188-197). Porto Alegre: Artmed. como a crença de quão justas são as compensações recebidas pelo empregado, quando comparadas com o esforço despedido no trabalho. A maior parte das pesquisas desse período tinha como fonte o trabalho conduzido por Adams em 1965 que usava o modelo da teoria da troca social para avaliar justiça.

A teoria da inequidade de Adams (1965)Adams, J. S. (1965). Inequity in social exchange. In L. Berkowitz (Eds.). Advances in experimental social psychology (pp. 267-299). New York: Academic Press. é considerada a teoria original de justiça e se fundamenta na ideia de que os recursos e as recompensas só serão considerados justos quando forem proporcionais. Essa teoria pode ser considerada uma ampliação das ideias de Homans (1961)Homans, G. C. (1961). Social behavior: its elementary forms (rev. ed.). New York: Harcourt Brace Jovanovich., que restringiu sua discussão aos efeitos da injustiça na satisfação dos empregados, ao passo que Adams (1965)Adams, J. S. (1965). Inequity in social exchange. In L. Berkowitz (Eds.). Advances in experimental social psychology (pp. 267-299). New York: Academic Press. delineou reações mais específicas e variadas (Colquitt et al., 2005Colquitt, J. A., Greenberg, J., & Zapata-Phelan, C. P. (2005). What is organizational justice? A historical overview. In J. Greenberg & J. A. Colquitt (Eds.). Handbook of organizational justice (pp. 3-56). Mahwah: NJ, Lawrence Erlbaum.). Para Adams (1965)Adams, J. S. (1965). Inequity in social exchange. In L. Berkowitz (Eds.). Advances in experimental social psychology (pp. 267-299). New York: Academic Press., as pessoas estão preocupadas com o fato de os resultados serem justos e não com seu nível absoluto. Uma maneira para determinar se um resultado é justo é calcular a proporção das contribuições para um determinado resultado e então comparar essa relação com a dos demais.

Essa visão da justiça distributiva foi ampliada por Leventhal (1980)Leventhal, G. S. (1980). What should be done with equity theory? In K. J. Gergen, M. S. Greenberg & R. H. Willis. Social exchange: advances in theory and research (pp. 27-55). New York: Plenum.. Para o autor, um resultado justo ocorre sempre que uma norma de alocação beneficia o alcance das metas principais e quando a maioria das decisões de alocação pode ser descrita mais precisamente como concessão entre múltiplas normas de alocação (Colquitt et al., 2005Colquitt, J. A., Greenberg, J., & Zapata-Phelan, C. P. (2005). What is organizational justice? A historical overview. In J. Greenberg & J. A. Colquitt (Eds.). Handbook of organizational justice (pp. 3-56). Mahwah: NJ, Lawrence Erlbaum.). Assim, Leventhal (1980)Leventhal, G. S. (1980). What should be done with equity theory? In K. J. Gergen, M. S. Greenberg & R. H. Willis. Social exchange: advances in theory and research (pp. 27-55). New York: Plenum. expandiu o conceito de justiça distributiva de um tipo – a equidade proposta por Adams – para três, conforme apresentado no Quadro 2.

QUADRO 2
TIPOS DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

Colquitt et al. (2005) apontam que outros autores expandiram ainda mais a lista de tipos de justiça distributiva e chegaram a 17 diferentes tipos, mas a equidade permanece como conceituação dominante.

2.2.2 Justiça de procedimentos

Esse modelo considera que apenas a justiça distributiva é insuficiente para explicar a justiça organizacional e aborda um novo tipo de justiça que se refere a como as decisões são tomadas nas organizações e como são planejadas as tarefas – a justiça procedimental.

Os estudos sobre o processo na justiça foram introduzidos por Thibaut e Walker em 1975Thibaut, J. W., & Walker, L. (1975). Procedural justice: a psychological analysis. Hillsdale, NJ: Erlbaum., os quais perceberam que procedimentos de resolução de litígios de terceiros, como mediação e arbitragem, teriam tanto uma etapa de processo quanto uma fase de decisão.

A noção de justiça de procedimentos foi levada para o contexto não legal por Leventhal (1980)Leventhal, G. S. (1980). What should be done with equity theory? In K. J. Gergen, M. S. Greenberg & R. H. Willis. Social exchange: advances in theory and research (pp. 27-55). New York: Plenum. e se refere aos meios pelos quais os resultados são atribuídos, mas não especificamente aos resultados em si. Esse tipo de justiça estabelece certos princípios que especificam e regulam as funções dos participantes dentro dos processos de tomada de decisão (Cropanzano et al., 2007Cropanzano, R., Bowen, D. E., & Gilliland, S. W. (2007). The management of organizational justice. Academy of Management Perspectives, 21(4), 34-48.). Para Leventhal (1980)Leventhal, G. S. (1980). What should be done with equity theory? In K. J. Gergen, M. S. Greenberg & R. H. Willis. Social exchange: advances in theory and research (pp. 27-55). New York: Plenum., essa dimensão da justiça é focada em seis critérios aos quais um procedimento deve atender para ser entendido como justo:

  • Consistência: os procedimentos devem ser aplicados de forma consistente nas pessoas e no tempo.

  • Supressão de viés: os procedimentos não devem ser afetados por interesses pessoais e devem ser livres de preconceitos.

  • Precisão: os procedimentos devem assegurar que informações precisas sejam coletadas e utilizadas na tomada de decisões.

  • Corrigibilidade: os procedimentos devem ter algum mecanismo para corrigir decisões erradas ou imprecisas.

  • Representatividade: os procedimentos devem garantir que as opiniões dos diversos grupos afetados pela decisão sejam consideradas.

  • Ética: os procedimentos devem estar em conformidade com os padrões pessoais ou predominantes de ética ou moral.

Para Cropanzano et al. (2007)Cropanzano, R., Bowen, D. E., & Gilliland, S. W. (2007). The management of organizational justice. Academy of Management Perspectives, 21(4), 34-48., os procedimentos, quando justos, levam ao reconhecimento intelectual e emocional que, por sua vez, gera confiança e comprometimento, construindo cooperação voluntária na execução da estratégia organizacional. A justiça de procedimentos afeta a forma como os trabalhadores acreditam ser a organização. Se os empregados perceberem o processo como justo, tenderão a demonstrar mais lealdade e disposição para agir de acordo com os interesses da organização e estarão menos propensos a trair a instituição e seus líderes.

2.2.3 Justiça interacional

A justiça interacional aborda o modo como os trabalhadores são tratados por seus superiores e colegas, e foi proposta por Bies e Moag (1986)Bies, R. J., & Moag, J. S. (1986). Interactional justice: communication criteria of fairness. In R. J. Lewicki, B. H. Sheppard & M. H. Bazerman (Eds.). Research on negotiation in organizations (pp. 43-55). Greenwich: Jairpress. como uma terceira forma de justiça, separada das justiças distributiva e de procedimentos. Tal conceituação gerou controvérsia entre os pesquisadores sobre o tema, já que alguns estudiosos viam essa forma de justiça como outro componente da justiça de procedimentos. Por essa razão, a vertente interacional da justiça é considerada por alguns como extensão da justiça de procedimentos, já que os procedimentos geram interações sociais de onde surgem resultados (Rego, 2000Rego, A. (2000). Percepção de justiça dos professores: desenvolvimento e validação de um instrumento de medida. Linhas Críticas, 6(1), 131-154.).

Entretanto, Bies (2001)Bies, R. J. (2001). Interactional (in)justice: the sacred and the profane. In J. Greenberg & R. Cropanzano (Eds.). Advances in organizational justice (pp. 89-118). California: Stanford University Press. reforça que existem evidências que sugerem a manutenção da distinção entre as duas vertentes da justiça organizacional. Uma dessas evidências é a de que a preocupação com a interação transcende o contexto da tomada de decisão formal, e essa preocupação não é parcimonialmente explicada por uma simples distinção entre distribuição e procedimentos.

Rego e Souto (2002)Rego, A., & Souto, S. (2002). O modelo tetra-dimensional da justiça organizacional - uma versão brasileira. Anais do Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Salvador, BA, Brasil, 26. apresentam um interessante exemplo para ilustrar a importância da distinção. Quando se analisa uma sanção disciplinar, há três elementos: 1. a sanção propriamente dita, 2. o processo que a conduz e 3. o modo como é transmitida, explicada e justificada ao empregado. Percepções positivas e negativas coabitam e interferem umas nas outras. No que tange à sanção e ao processo de definição desta, uma percepção positiva de justiça pode se revelar concomitantemente a uma percepção de baixa justiça interacional devido à rudeza da abordagem do superior.

2.2.3.1 Justiças interpessoal e informacional

Colquitt et al. (2001)Colquitt, J. A. (2001). On the dimensionality of organizational justice: a construct validation of a measure. Journal of Applied Psycholology, 86(3), 386-400. sugerem que a vertente interacional seja dividida em duas dimensões: social/interpessoal e informacional. A vertente interpessoal diz respeito ao grau de tratamento digno e respeitador adotado pelo superior, e a informacional está relacionada com a forma como se dá o fornecimento de informações e a justificativa para as decisões tomadas pelo superior (Rego & Souto, 2004Rego, A., & Souto, S. (2004). A percepção de justiça como antecedente do comprometimento organizacional: um estudo luso-brasileiro. Revista de Administração Contemporânea - RAC, 8(1), 151-177.).

Esse desmembramento da vertente interacional não encontrou ainda consenso entre os pesquisadores, como apontado por Battistella, Schuster e Dias (2012)Battistella, L. F., Schuster, M. S., & Dias, V. V. (2012). Análise da evolução das publicações do tema justiça organizacional no Brasil: um estudo bibliométrico nos eventos da Anpad e do Semead. Estudos do Isca, 4, 1-17.. Os mesmos autores constataram que, de 2001 a 2011, as publicações que abordaram a temática da justiça organizacional utilizaram, em sua maior parte, o modelo tetradimensional (seis de 15 artigos).

Outro mapeamento da temática foi realizado por Schuster, Dias e Battistella (2013)Schuster, M. S., Dias, V. V., & Battistella, L. F. (2013). Mapeamento da temática justiça organizacional e a relação de suas dimensões com comportamento organizacional. Revista de Administração Imed, 3(1), 43-53. em publicações da base de dados internacional Scopus entre 2001 e 2012, no qual se constatou que a justiça interpessoal é associada ao relacionamento entre os colaboradores e seus chefes, resultando em algum grau de satisfação com os supervisores, a remuneração ou o trabalho como um todo.

2.2.3.2 Modelo pentadimensional

O modelo pentadimensional considera que alguns profissionais, como os professores, podem perceber a justiça distributiva em duas perspectivas: distribuição das tarefas e das recompensas (Rego, 2001; Rego et al., 2009).

A dimensão distributiva de recompensas refere-se ao grau em que o indivíduo considera que as recompensas são justas, e a dimensão distributiva de tarefas está relacionada ao grau em que o indivíduo considera que a distribuição de tarefas é justa. Rego et al. (2009)Rego, A., Cunha, M. P., & Pinho, C. (2009). Exploring a five-factor model of organizational justice. Management Research, 7(2), 103-125. sugerem que é importante distinguir essas dimensões não pela razão de elas serem de tipos diferentes, mas sim pelo fato de que podem vir de fontes diferentes, como os professores em alguns contextos.

Rego (2000)Rego, A. (2000). Percepção de justiça dos professores: desenvolvimento e validação de um instrumento de medida. Linhas Críticas, 6(1), 131-154. ressalta que um volume substancial de teoria e evidência empírica não delimita com clareza as fronteiras entre as duas categorias, mas afirma que não se devem desprezar as indicações de que esse tratamento diferenciado merece ser considerado. Após a aplicação do instrumento a uma amostra de professores de instituições portuguesas de ensino superior, os resultados sugeriram boas propriedades psicométricas do instrumento, mas o autor ressalvou a necessidade de novas pesquisas com o objetivo de continuar os testes de validação.

Foi realizada uma busca, nos contextos nacional e do exterior, por pesquisas que utilizaram a escala pentadimensional. Além dos estudos realizados por Rego (2000Rego, A. (2000). Percepção de justiça dos professores: desenvolvimento e validação de um instrumento de medida. Linhas Críticas, 6(1), 131-154., 2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131. e Rego et al. (2009)Rego, A., Cunha, M. P., & Pinho, C. (2009). Exploring a five-factor model of organizational justice. Management Research, 7(2), 103-125., foram encontrados dois estudos (Mendonça, Pereira, Tamayo, & Paz, 2003Mendonça, H., Pereira, C. R., Tamayo, A., & Paz, M. G. T. (2003). Validação fatorial de uma escala de percepção de justiça organizacional. Estudos, 30(1), 111-130.; Borges & Simões, 2012Borges, S. C. M. L., & Simões, D. S. (2012). Satisfação profissional e saúde mental: estudo empírico com uma amostra de docentes do ensino superior. International Journal of Developmental and Educational Psychology Infad-Revista de Psicología, 1(4), 447-455.).

Mendonça et al. (2003)Mendonça, H., Pereira, C. R., Tamayo, A., & Paz, M. G. T. (2003). Validação fatorial de uma escala de percepção de justiça organizacional. Estudos, 30(1), 111-130. realizaram um estudo com o objetivo de verificar como as cinco dimensões da justiça propostas por Rego (2001) explicam o comprometimento afetivo de professores do ensino superior de instituições portuguesas. Os resultados demonstraram que o comprometimento afetivo tende a aumentar com a percepção da justiça nos procedimentos e nas interações.

Rego et al. (2009)Rego, A., Cunha, M. P., & Pinho, C. (2009). Exploring a five-factor model of organizational justice. Management Research, 7(2), 103-125., ao aplicarem o modelo pentadimensional em professores do ensino superior em Portugal, demonstraram que estes distinguem as cinco dimensões, sendo a justiça de procedimentos o melhor preditor da satisfação dos professores universitários com a organização.

Outro estudo que buscou relacionar a satisfação profissional às cinco dimensões da justiça organizacional propostas por Rego (2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131. foi realizado por Borges e Simões (2012)Borges, S. C. M. L., & Simões, D. S. (2012). Satisfação profissional e saúde mental: estudo empírico com uma amostra de docentes do ensino superior. International Journal of Developmental and Educational Psychology Infad-Revista de Psicología, 1(4), 447-455.. O estudo incluiu professores de duas instituições portuguesas de ensino superior e verificou a existência de correlações positivas e significantes entre a satisfação profissional e as percepções de justiça dos professores.

Nota-se que os estudos mencionados foram todos realizados com professores portugueses. A natureza específica dessas amostras é destacada por Rego et al. (2009)Rego, A., Cunha, M. P., & Pinho, C. (2009). Exploring a five-factor model of organizational justice. Management Research, 7(2), 103-125., para os quais os resultados encontrados não podem ser extrapolados a outros países ou tipos de organização e, por essa razão, ressaltam a importância de estudos em diferentes contextos. A mesma consideração é realizada por Mendonça et al. (2003)Mendonça, H., Pereira, C. R., Tamayo, A., & Paz, M. G. T. (2003). Validação fatorial de uma escala de percepção de justiça organizacional. Estudos, 30(1), 111-130., que ressaltam que diferenças culturais podem influenciar a forma como o trabalhador percebe a justiça.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O objetivo desta seção é descrever como se deu o procedimento de adaptação e validação da escala de percepções de justiça dos professores do ensino superior, já que, para Manzi-Oliveira, Balarini, Marques e Pasian (2011)Manzi-Oliveira, A. B., Balarini, F. B., Marques, L. A. da S., & Pasian, S. R. (2011). Adaptação trans-cultural de instrumentos de avaliação psicológica: levantamento dos estudos realizados no Brasil de 2000 a 2010. Psico-USF, 16(3), 367-381., é importante que os artigos cujo objetivo seja a adaptação de instrumentos de avaliação psicológica para o Brasil tenham a preocupação de apresentar seus procedimentos. Por essa razão, será detalhado a seguir o processo de adaptação da escala.

3.1 DESCRIÇÃO DA AMOSTRA

A versão adaptada do instrumento foi disponibilizada via internet para 1.191 professores de um instituto federal de educação, ciência e tecnologia. Desse total, 415 responderam ao questionário após terem concordado com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A amostra apresentou média de idade de 28,48 (DP = 18,28) e média de tempo de serviço na organização de 4,42 anos (DP = 8,61), sendo 67,47% do sexo masculino, 67,47% casados(as), 48,19% com mestrado e 77,59% em regime de trabalho de 40 horas com dedicação exclusiva à organização.

3.2 INSTRUMENTO

A escala de percepções de justiça dos professores do ensino superior é composta de 17 itens e cinco dimensões com alfas de Cronbach que variam de 0,69 a 0,97 por fator e apresenta o formato Likert de seis pontos.

A adaptação da escala seguiu o procedimento proposto por Guillemin et al. (1993)Guillemin, F., Bombardier, C., & Beaton, D. (1993). Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. Journal of Clinical Epidemiology, 46(12), 1417-1432. e Beaton et al. (2000)Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F. C., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191. que é dividido em cinco etapas: 1. tradução, 2. síntese das traduções, 3. retrotradução por pessoal qualificado, 4. comitê especialista de revisão e 5. pré-teste para equivalência usando técnicas adequadas. Os autores também sugerem a submissão da documentação aos desenvolvedores da escala ou ao comitê coordenador para avaliação do processo de adaptação. Como o instrumento original se encontra em português de Portugal, a fase de tradução não foi necessária, mas alguns dos itens foram adaptados para o português do Brasil, dadas as diferenças culturais entre os países. Nesses casos, Beaton et al. (2000)Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F. C., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191. sugerem que seja executada somente a adaptação cultural de forma a tentar garantir uma consistência no conteúdo e confrontar a validade entre as versões original e adaptada do instrumento.

Alguns itens da versão portuguesa do questionário foram adaptados ao português do Brasil por um pesquisador brasileiro que já havia vivido em Portugal e por um graduado em Letras-Português e mestre em Linguística. As duas versões dos itens foram analisadas pelas autoras e sintetizadas em uma única versão que foi enviada para um comitê de revisão composto por cinco pesquisadores, sendo três da área de administração e dois da área de psicologia. Como membros do comitê, os pesquisadores avaliaram a clareza, a pertinência e a equivalência dos itens traduzidos, seguindo as recomendações de Beaton et al. (2000)Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F. C., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191..

Após análise das sugestões apresentadas pelo comitê de revisão, foi redigida uma nova versão que, em seguida, passou por revisão de português e então aplicada a professores do Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT), Instituto Federal da Bahia (IFBA) e Instituto Federal Baiano (IFBaiano). O convite também foi enviado para alguns pesquisadores de outras instituições de ensino superior, para que avaliassem a clareza e a compreensão dos itens. Vinte e dois professores responderam ao instrumento on-line e cinco pesquisadores avaliaram e comentaram os itens (debriefing).

Os comentários dos respondentes demonstraram que os itens apresentam clareza. Entretanto, foi sugerido que se especificasse melhor quem deveria ser considerado como superior. Assim, optou-se por substituir nos itens a palavra “superior” por “superior direto”, ressaltando serem estes o coordenador de curso e o gerente de ensino. Outra modificação resultante das sugestões dos participantes do pré-teste diz respeito à palavra “recompensas”. Alguns professores confundiram recompensa com salários e outros questionaram o que seriam essas recompensas. Assim, depois dos esclarecimentos necessários sobre a palavra “recompensas”, foi explicitado o que os respondentes deveriam considerar ao interpretarem o item.

Além das modificações especificadas, um dos pesquisadores avaliadores sugeriu a inserção de mais dois itens que dissessem respeito aos critérios de definição da natureza das disciplinas e da carga horária e/ou do número de disciplinas atribuídas aos professores. Foram incluídos então dois novos itens não constantes no instrumento original: “Sou consultado sobre a natureza das disciplinas que leciono” e “Os critérios usados para a distribuição da carga horária/ número de disciplinas é justo”. A versão original dos itens e a versão final são apresentadas no Quadro 3.

QUADRO 3
ESCALA DE PERCEPÇÕES DE JUSTIÇA DOS PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR: ORIGINAL E VERSÃO FINAL

3.3 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Um dos métodos de análise de dados mais importante no processo de validação de um instrumento é a análise fatorial, técnica multivariada usada com o objetivo de sintetizar as relações observadas entre um conjunto de variáveis inter-relacionadas e, assim, identificar fatores comuns (Fávero, Belfiore, Silva, & Chan, 2009Fávero, L. P., Belfiore, P., Silva, F. L. da, & Chan, B. L. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para a tomada de decisões. Rio de Janeiro: Campus.).

Não existe um consenso quanto ao número mínimo de observações da amostra para aplicação desse método. Comrey e Lee (1992)Comrey, A. L., & Lee, H. B. (1992). A first course in factor anallysis (2nd ed.). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. consideram amostras com 200 observações como razoáveis, com 300 observações como boas, com 500 observações como muito boas e com mil observações como excelente. Hair, Black, Babin, Anderson e Tatham (2009)Hair, J. F., Jr., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Porto Alegre: Bookman. sugerem que se deve utilizar um número mínimo de cinco vezes mais observações do que o número de variáveis do banco de dados, mas recomendam que esse valor seja de dez observações por variável. Tabachnick e Fidell (2007)Tabachnick, B. G., & Fidell, L. S. (2007). Using multivariate statistics (5th. ed.). Boston: Pearson. recomendam que a amostra deve ter, pelo menos, 300 observações. A amostra utilizada neste estudo, com 415 observações, atende aos requisitos. Optou-se por realizar a análise fatorial exploratória e a análise fatorial confirmatória com a mesma amostra, considerando ser essa a prática mais utilizada no Brasil, segundo levantamento realizado nas publicações dos periódicos mais bem avaliados. Além disso, Isakssona, Wallmana, Göranssona e Gustafssona (2008)Isakssona, A., Wallmana, M., Göranssona, H., & Gustafssona, M. G. (2008). Cross-validation and bootstrapping are unreliable in small sample classification. Pattern Recognition Letters, 29(14), 1960-1965., ao avaliarem a confiabilidade da técnica de validação cruzada, técnica utilizada para verificar a estabilidade da estrutura em diferentes grupos na qual a amostra é separada aleatoriamente em dois ou mais grupos, concluíram que a validação cruzada não é confiável para tamanhos de amostra comumente encontradas em aplicações do mundo real.

Outros critérios também devem ser observados para o uso da análise fatorial a fim de garantir valores de correlação entre as variáveis altos o suficiente para justificar a utilização dessa técnica. Outro aspecto diz respeito ao fato de que as correlações observadas entre as variáveis podem ser reduzidas por desvios na normalidade e na linearidade, o que é prejudicial à solução (Hair et al., 2009Hair, J. F., Jr., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Porto Alegre: Bookman.). Entretanto, Pasquali (2004)Pasquali, L. (2004). Análise fatorial para pesquisadores. Petrópolis: Vozes, 2004. contesta essa suposição, pois, para ele, a análise fatorial é robusta à violação da normalidade. As análises iniciais revelaram que os dados da amostra atendiam aos pressupostos para proceder à análise fatorial (Pasquali, 2004Pasquali, L. (2004). Análise fatorial para pesquisadores. Petrópolis: Vozes, 2004.; Tabachnick & Fidell, 2007Tabachnick, B. G., & Fidell, L. S. (2007). Using multivariate statistics (5th. ed.). Boston: Pearson.; Hair et al., 2009Hair, J. F., Jr., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Porto Alegre: Bookman.).

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta seção, são apresentados os resultados obtidos na presente pesquisa. Em um primeiro momento, apontam-se os resultados da validação da escala no contexto brasileiro e, em seguida, as análises dos resultados, bem como as reflexões acerca dos resultados.

4.1 VALIDAÇÃO DAS PROPRIEDADES PSICOMÉTRICAS DA ESCALA

Na análise fatorial exploratória, utilizou-se a fatoração de eixos principais com eigenvalue maior que 1 e método de rotação oblíquo (oblimin), já que, para Hair et al. (2009)Hair, J. F., Jr., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Porto Alegre: Bookman., a definição do método deve ser feita de acordo com as necessidades particulares do problema de pesquisa. No que diz respeito ao método de rotação adotado, optou-se pela rotação oblíqua, já que esta deve ser usada para obter fatores teoricamente significativos e representa o agrupamento de variáveis com maior precisão (Hair et al., 2009Hair, J. F., Jr., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Porto Alegre: Bookman.).

O resultado não revelou a mesma estrutura apresentada por Rego (2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131.. Como pode ser visualizado no Gráfico 1, a análise mostrou quatro componentes com eigenvalue superiores a 1.

Gráfico 1
GRÁFICO SCREE PLOT PARA DETERMINAÇÃO DO NÚMERO DE FATORES

Uma segunda análise exploratória foi efetuada com quatro fatores (fatoração de eixos principais com eigenvalue maior que 1 e rotação oblimin) que explicavam 73,92% da variância das respostas aos itens. Entretanto, observou-se para essa solução que um dos fatores continha somente um item com valor de MSA muito inferior ao padrão das demais variáveis, e, por essa razão, esse indicador foi excluído.

Foi efetuada então uma nova análise fatorial exploratória, e, apesar de o critério de eingenvalue superior a 1 indicar a extração de três fatores, o critério de screeplot mostrava uma parcela não aleatória de variabilidade, o que foi explicado por um quarto fator, conforme pode ser visualizado no Gráfico 2.

Gráfico 2
GRÁFICO SCREEPLOT PARA DETERMINAÇÃO DO NÚMERO DE FATORES (SEGUNDA ANÁLISE)

A aplicação da rotação demonstrou uma estrutura fatorial mista entre fatores, ou seja, o fator continha indicadores de diferentes construtos como pertencentes a uma única dimensão. Foi realizada uma limpeza sistemática de indicadores incongruentes e que não convergiam a seus respectivos fatores.

O indicador JP2 apresentou carga em somente um fator com valor de carga inferior a 0,500, sem significância prática, e, por essa razão, foi eliminado. O mesmo ocorreu com o indicador JP3 (carga de 0,355), que também foi excluído. O indicador JP1 carregou uma dimensão bastante distinta contendo somente indicadores de JR, além de apresentar carga com pequena significância prática (-0,501), e, por essa razão, também foi eliminado. Em mais uma análise, o indicador JF4 carregou junto aos indicadores de JT5 e JT4, com pequena carga (0,495), o que poderia ser explicado pela presença de artefatos do método dada a proximidade dos itens (Podsakoff, MacKenzie, & Podsakoff, 2003Podsakoff, P. M., MacKenzie, S. B., & Podsakoff, N. P. (2003). Common method biases in behavioral research: a critical review of the literature and recommended remedies. Journal of Applied Psychology, 88(5), 879-903.), resultando em sua exclusão. Na Tabela 1, é apresentado o resultado da análise fatorial exploratória descrita.

TABELA 1
ANÁLISE FATORIAL EXPLORATÓRIA DA ESCALA DE JUSTIÇA

Finalizada a fase exploratória, foi efetuada a análise fatorial confirmatória por meio de modelagem de equações estruturais utilizando o programa Amos 20. Os parâmetros dos itens que alcançaram maior carga fatorial na etapa exploratória foram fixados em 1. Os índices de ajuste alcançados são apresentados na Tabela 2.

Nota-se que, da maneira como foi estimado, o modelo apresenta índices de ajuste satisfatórios. Assim, não foi necessário adotar modificações para permitir uma melhor aderência dos dados.

TABELA 2
ESTRUTURA FATORIAL DA ESCALA DE PERCEPÇÕES DE JUSTIÇA DOS PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR

4.2 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Os dados das dimensões de justiças interacional, distributiva de recompensas, de procedimentos e distributiva de tarefas, e as correlações lineares de Pearson entre as dimensões da justiça são apresentados na Tabela 3, em que é possível perceber que as correlações entre as dimensões de justiça são sempre significativas e indicam correlação moderada entre elas.

TABELA 3
MÉDIAS, DESVIOS PADRÃO E CORRELAÇÕES

Os professores da amostra possuem percepções mais elevadas nas dimensões de justiças interacional e distributiva de tarefas. A percepção na justiça distributiva de recompensas foi a mais baixa, mas, em todas as dimensões da justiça organizacional, as percepções foram superiores ao ponto médio (3).

Com o objetivo de verificar se há diferenças entre as médias das percepções com base no tempo de serviço, foi realizada comparação de médias para amostras independentes, teste t de Student. Como em 2008 a carreira de professor da organização passou por reestruturação, dividiu-se o grupo em “ingresso anterior a 2008” com 99 professores e “ingresso a partir de 2008” com 316. Os resultados são apresentados na Tabela 4.

TABELA 4
COMPARAÇÃO DAS MÉDIAS DA PERCEPÇÃO DE JUSTIÇA ORGANIZACIONAL ENTRE PROFESSORES POR TEMPO NA ORGANIZAÇÃO

Como pode ser observado, o resultado do teste t de Student não indica diferenças significativas entre as médias dos pesos dos professores que ingressaram antes de 2008 e a partir de 2008, demonstrando que não há diferença quanto ao tempo de serviço.

Quando se realizou a mesma comparação entre o grupo de professores substitutos (47 professores) e efetivos (368), verificou-se que o teste t de Student indica diferença estatisticamente significativa entre professores efetivos e substitutos para as dimensões de justiças interacional e distributiva de recompensas (Tabela 5).

TABELA 5
COMPARAÇÃO DAS MÉDIAS DA PERCEPÇÃO DE JUSTIÇA ORGANIZACIONAL ENTRE PROFESSORES EFETIVOS E SUBSTITUTOS

Nas dimensões interacional e distributiva de recompensas, as médias dos professores substitutos foram maiores que a dos efetivos, retratando que aqueles percebem de forma mais positiva as interações no ambiente de trabalho. O mesmo é observado na dimensão distributiva de recompensas, ou seja, os professores substitutos consideram a distribuição de recompensas mais justa do que os efetivos.

No que diz respeito ao gênero, o teste não indica diferenças significativas entre as médias de homens e mulheres para nenhuma das quatro dimensões da percepção de justiça organizacional.

5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O modelo de percepção de justiça organizacional proposto por Rego (2001)Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131. considera que professores podem apresentar uma percepção de justiça diferente dos demais profissionais e propõe um modelo com cinco dimensões. O modelo nada mais é do que o modelo tetradimensional com o desmembramento da vertente distributiva em distributiva de tarefas e distributiva de recompensas. Esse desmembramento é justificado pelo fato de os professores apresentarem fontes diferentes para tarefas (superiores diretos) e recompensas (direção/governo).

O objetivo deste artigo foi adaptar culturamente e validar essa escala para o contexto brasileiro, e, sendo o construto justiça organizacional antecedente de outros construtos relevantes como comprometimento organizacional, cidadania organizacional, satisfação no trabalho e percepção de suporte organizacional, sua adaptação ao contexto brasileiro é de grande relevância para os estudos que pretendem compreender a dinâmica desses construtos entre professores.

Este trabalho procurou seguir o rigoroso processo de adaptação com base nos procedimentos propostos por Guillemin et al. (1993)Guillemin, F., Bombardier, C., & Beaton, D. (1993). Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. Journal of Clinical Epidemiology, 46(12), 1417-1432. e Beaton et al. (2000)Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F. C., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191., ao adotar a recomendação de Manzi-Oliveira et al. (2011)Manzi-Oliveira, A. B., Balarini, F. B., Marques, L. A. da S., & Pasian, S. R. (2011). Adaptação trans-cultural de instrumentos de avaliação psicológica: levantamento dos estudos realizados no Brasil de 2000 a 2010. Psico-USF, 16(3), 367-381. de que instrumentos de avaliação psicológica oriundos de outras culturas devem passar, impreterivelmente, por procedimentos científicos e técnicas para garantir qualidade na adoção no contexto brasileiro. Após a redação da versão final da escala, esta foi aplicada a uma amostra composta por 415 indivíduos, todos professores de um instituto federal de educação, ciência e tecnologia.

A amostra foi submetida à análise fatorial exploratória que não confirmou a estrutura proposta pelo modelo, mas garantiu a validade de construto, reduzindo os cinco fatores a quatro (interacional, procedimental, distributiva de tarefas e distributiva de recompensas), verificando a esfericidade, adequabilidade e comunalidade. Os resultados revelaram que a escala apresenta 81,89% da variância explicada. O valor dos alfas de Cronbach dos fatores variou de 0,82 a 0,95, o que sugere uma boa consistência interna e boa confiabilidade. A amostra foi então submetida à análise fatorial confirmatória, na qual todos os índices de ajuste apresentaram valores satisfatórios.

As diferenças encontradas corroboram a observação realizada por Mendonça et al. (2003)Mendonça, H., Pereira, C. R., Tamayo, A., & Paz, M. G. T. (2003). Validação fatorial de uma escala de percepção de justiça organizacional. Estudos, 30(1), 111-130. de que a escala poderia não obter o mesmo êxito no caso de ser aplicada a outras faixas de escolaridade ou outras culturas. Por essa razão, Rego et al. (2009)Rego, A., Cunha, M. P., & Pinho, C. (2009). Exploring a five-factor model of organizational justice. Management Research, 7(2), 103-125. já haviam alertado para a necessidade de novos estudos serem realizados em outros contextos devido às diferenças entre os sistemas de ensino superior em diferentes países e até mesmo por causa de diferenças entre os sistemas de instituições públicas e privadas.

Este estudo confirmou que, como apontado por Rego (2001) e Rego et al. (2009), os professores da amostra distinguem a justiça distributiva em duas dimensões (recompensas e tarefas), entretanto não foi possível extrapolar esse resultado para outras organizações.

O desmembramento da dimensão interacional em dimensões interpessoal e informacional não ocorreu, conforme sugerido por Colquitt et al. (2001)Colquitt, J. A., Conlon, D. E., Wesson, M. J., Porter, C. O., & Ng, K. Y. (2001). Justice at the millennium: a meta-analytic review of 25 years of organizational justice research. Journal of Applied Psychology, 86, 424-445.. Tal resultado encontra respaldo teórico, já que um mapeamento realizado por Battistella et al. (2012)Battistella, L. F., Schuster, M. S., & Dias, V. V. (2012). Análise da evolução das publicações do tema justiça organizacional no Brasil: um estudo bibliométrico nos eventos da Anpad e do Semead. Estudos do Isca, 4, 1-17. constatou que não é possível vislumbrar um consenso entre os pesquisadores quanto ao desmembramento da dimensão interacional.

Em relação aos resultados encontrados, pode-se concluir que os professores participantes desta pesquisa percebem positivamente a justiça organizacional, com médias em todas as dimensões superiores ao ponto médio, sendo essa percepção mais forte para as dimensões interacional e distributiva de tarefas, ou seja, os professores percebem como justo o tratamento adotado pelos superiores e colegas, bem como o grau em que seus superiores fornecem e justificam as decisões que afetam as pessoas no ambiente de trabalho e a forma como as tarefas são distribuídas entre todos.

Quando comparadas as médias entre professores efetivos e substitutos, verificou-se que os professores substitutos percebem mais positivamente as dimensões interacional e distributiva de recompensas. Esse resultado pode ser justificado pelo fato de que os professores substitutos permanecem menos tempo no ambiente de trabalho e são menos suscetíveis às decisões dos superiores (somente distribuição de carga horária) e pelo fato de serem avaliados somente por seu desempenho em sala de aula, ao passo que os professores efetivos têm como atribuições pesquisa, extensão e atividades administrativas (como participação em comissões e órgãos colegiados).

Para estudos futuros, sugere-se a aplicação da presente escala de justiça entre professores do contexto privado e em outras instituições de ensino públicas, a fim de verificar a validade desse instrumento, pois os resultados encontrados na presente pesquisa não permitem a generalização para o contexto brasileiro. Vale ressaltar a relevância da escala de percepção de justiça organizacional para professores, por abordar especificidades inerentes dessa categoria profissional, além de apresentar boas propriedades psicométricas, bem como sua aplicação em amostras maiores que possibilitem o uso de validação cruzada.

Sugere-se também a análise da relação da escala de percepção de justiça como antecedente do comprometimento organizacional. Outra sugestão de pesquisa consiste na percepção de justiça organizacional como variável mediadora entre políticas de gestão de pessoas e comprometimento organizacional.

REFERÊNCIAS

  • Adams, J. S. (1965). Inequity in social exchange. In L. Berkowitz (Eds.). Advances in experimental social psychology (pp. 267-299). New York: Academic Press.
  • Assmar, E. M. L. (2000). A psicologia social e o estudo da justiça em diferentes níveis de análise. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13(3), 497-506.
  • Assmar, E. M. L., Ferreira, M. C., & Souto, S. O. (2005). Justiça organizacional: uma revisão crítica da literatura. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(3), 443-453.
  • Battistella, L. F., Schuster, M. S., & Dias, V. V. (2012). Análise da evolução das publicações do tema justiça organizacional no Brasil: um estudo bibliométrico nos eventos da Anpad e do Semead. Estudos do Isca, 4, 1-17.
  • Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F. C., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191.
  • Beugré, C. D. (1998). Managing fairness in organizations Westpost: Quorum Books.
  • Bies, R. J. (1987). The predicament of injustice: the management of moral outrage. In L. L. Cummings & B. M. Staw (Eds.). Research in organizational behavior (Vol. 9, pp. 289-319). Greenwich, CT: JAI Press.
  • Bies, R. J. (2001). Interactional (in)justice: the sacred and the profane. In J. Greenberg & R. Cropanzano (Eds.). Advances in organizational justice (pp. 89-118). California: Stanford University Press.
  • Bies, R. J., & Moag, J. S. (1986). Interactional justice: communication criteria of fairness. In R. J. Lewicki, B. H. Sheppard & M. H. Bazerman (Eds.). Research on negotiation in organizations (pp. 43-55). Greenwich: Jairpress.
  • Borges, S. C. M. L., & Simões, D. S. (2012). Satisfação profissional e saúde mental: estudo empírico com uma amostra de docentes do ensino superior. International Journal of Developmental and Educational Psychology Infad-Revista de Psicología, 1(4), 447-455.
  • Byrne, B. M. (2001). Structural equation modeling with Amos: basics concepts, applications, and programming New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.
  • Colquitt, J. A. (2001). On the dimensionality of organizational justice: a construct validation of a measure. Journal of Applied Psycholology, 86(3), 386-400.
  • Colquitt, J. A., Conlon, D. E., Wesson, M. J., Porter, C. O., & Ng, K. Y. (2001). Justice at the millennium: a meta-analytic review of 25 years of organizational justice research. Journal of Applied Psychology, 86, 424-445.
  • Colquitt, J. A., Greenberg, J., & Zapata-Phelan, C. P. (2005). What is organizational justice? A historical overview. In J. Greenberg & J. A. Colquitt (Eds.). Handbook of organizational justice (pp. 3-56). Mahwah: NJ, Lawrence Erlbaum.
  • Comrey, A. L., & Lee, H. B. (1992). A first course in factor anallysis (2nd ed.). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.
  • Cropanzano, R., Bowen, D. E., & Gilliland, S. W. (2007). The management of organizational justice. Academy of Management Perspectives, 21(4), 34-48.
  • Cropanzano, R., & Greenberg, J. (1997). Progress in organizational justice: tunnelling through the maze. In C. L. Cooper & I. T. Robertson (Eds.). International review of industrial and organizational psychology (Vol. 12). New York: John Wiley & Sons.
  • Demo, G. (2010). Políticas de gestão de pessoas, valores pessoais e justiça organizacional. Revista de Administração Mackenzie, 11(5), 55-81.
  • Deutsch, M. (1975). Equity, equality, and need: what determines which value will be used as the basis of distributive justice? Journal of Social Issues, 31(3), 137-149.
  • Doise, W. (1997). Organizing social-psychological explanations. In G. McGarty & S. S. Haslam (Orgs.). The message of social psychology: perspectives on mind in society (pp. 63-76). Cambridge: Blackwell.
  • Fávero, L. P., Belfiore, P., Silva, F. L. da, & Chan, B. L. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para a tomada de decisões Rio de Janeiro: Campus.
  • George, D., & Mallery, P. (2003). SPSS for Windows step by step: a simple guide and reference. 11.0 update (4th ed.). Boston: Allyn & Bacon.
  • Gilliland, S. W., & Chan, D. (2001). Justice in organizations: theory, methods, and applications. In N. Anderson, D. Ones, H. Sinangil & C. Viswesvaran (Eds.). Handbook of industrial, work and organizational psychology (Vol. 2, pp. 143-166). London: Sage Publications Ltd.
  • Gomide, S., Jr., & Siqueira, M. M. M. (2008). Justiça no trabalho. In M. M. M. Siqueira. (Org.). Medidas do comportamento organizacional: ferramentas de diagnóstico e de gestão (pp. 188-197). Porto Alegre: Artmed.
  • Guillemin, F., Bombardier, C., & Beaton, D. (1993). Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. Journal of Clinical Epidemiology, 46(12), 1417-1432.
  • Hair, J. F., Jr., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Porto Alegre: Bookman.
  • Hartman, S. J., Yrle, A. C., & Galle, W. P., Jr. (1999). Procedural and distributive justice: examining equity in a University Setting. Journal of Business Ethics, 20, 337-351.
  • Homans, G. C. (1961). Social behavior: its elementary forms (rev. ed.). New York: Harcourt Brace Jovanovich.
  • Isakssona, A., Wallmana, M., Göranssona, H., & Gustafssona, M. G. (2008). Cross-validation and bootstrapping are unreliable in small sample classification. Pattern Recognition Letters, 29(14), 1960-1965.
  • Jamaludin, Z. (2009). Perceived organizational justice and its impact to the development of commitments: a regression analysis. World Journal of Management, 1(1), 49-61.
  • Kline, R. B. (2011). Principles and practice of structural equation modeling (3rd ed.). New York: The Guilford Press.
  • Leventhal, G. S. (1980). What should be done with equity theory? In K. J. Gergen, M. S. Greenberg & R. H. Willis. Social exchange: advances in theory and research (pp. 27-55). New York: Plenum.
  • Manzi-Oliveira, A. B., Balarini, F. B., Marques, L. A. da S., & Pasian, S. R. (2011). Adaptação trans-cultural de instrumentos de avaliação psicológica: levantamento dos estudos realizados no Brasil de 2000 a 2010. Psico-USF, 16(3), 367-381.
  • Mendonça, H., Pereira, C. R., Tamayo, A., & Paz, M. G. T. (2003). Validação fatorial de uma escala de percepção de justiça organizacional. Estudos, 30(1), 111-130.
  • Moorman, R. H. (1991). Relationship between organizational justice and organizational citizenship behaviors: do fairness perceptions influence employee citizenship? Journal of Applied Psychology, 76(6), 845-855.
  • Pasquali, L. (2004). Análise fatorial para pesquisadores Petrópolis: Vozes, 2004.
  • Podsakoff, P. M., MacKenzie, S. B., & Podsakoff, N. P. (2003). Common method biases in behavioral research: a critical review of the literature and recommended remedies. Journal of Applied Psychology, 88(5), 879-903.
  • Rego, A. (2000). Percepção de justiça dos professores: desenvolvimento e validação de um instrumento de medida. Linhas Críticas, 6(1), 131-154.
  • Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-131.
  • Rego, A., Cunha, M. P., & Pinho, C. (2009). Exploring a five-factor model of organizational justice. Management Research, 7(2), 103-125.
  • Rego, A., & Souto, S. (2002). O modelo tetra-dimensional da justiça organizacional - uma versão brasileira. Anais do Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Salvador, BA, Brasil, 26.
  • Rego, A., & Souto, S. (2004). A percepção de justiça como antecedente do comprometimento organizacional: um estudo luso-brasileiro. Revista de Administração Contemporânea - RAC, 8(1), 151-177.
  • Schuster, M. S., Dias, V. V., & Battistella, L. F. (2013). Mapeamento da temática justiça organizacional e a relação de suas dimensões com comportamento organizacional. Revista de Administração Imed, 3(1), 43-53.
  • Tabachnick, B. G., & Fidell, L. S. (2007). Using multivariate statistics (5th. ed.). Boston: Pearson.
  • Thibaut, J. W., & Walker, L. (1975). Procedural justice: a psychological analysis Hillsdale, NJ: Erlbaum.
  • Ullman, J. B. (2007). Structural equation modeling. In B. G. Tabachnick & L. S. Fidell. Using multivariate statistics (5th ed., pp. 676-780). Boston: Pearson.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2014
  • Aceito
    30 Out 2014
Editora Mackenzie; Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo - Coordenação da RAM, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - cep 01302-907 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.adm@mackenzie.br