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INTEGRANDO O CUSTEIO BASEADO EM ATIVIDADES COM A TEORIA DAS RESTRIÇÕES: A APLICAÇÃO DO ABC OPERACIONAL EM UMA ODONTOCLÍNICA

INTEGRATING THE ACTIVITY BASED COSTING WITH THE THEORY OF THE CONSTRAINTS: THE APPLICATION OF THE OPERATIONAL ABC IN A CLINIC OF TOOTH TREATMENT

RESUMO

O custeio baseado em atividades (ABC) tem sido criticado por sua incapacidade de dar suporte às decisões de produção baseadas no curto prazo, sendo, por isso, considerado uma sistemática de alocação de custos para o longo prazo. Robert Kee, no artigo “Evaluating the economics of short-and long-run production decisions”, desenvolve um modelo de ABC, denominado operacional, que incorpora custos flexíveis de recursos de atividades e restrição de capacidade para decisões de mix ótimo de produção no curto prazo. Ao apresentar um exemplo numérico hipoté- tico, Kee mostra que seu modelo de ABC operacional apresenta, no curto prazo, resultados superiores ao modelo de ABC tradicional e a outro modelo de ABC que leva em conta tão-somente a restrição de capacidade. O presente artigo analisa o modelo proposto por Kee (2001) mediante sua aplicação em uma odontoclínica da administração pública federal, comparando os resultados obtidos pela referida sistemática com os encontrados pelo ABC tradicional e pela teoria das restrições (TOC), aplicados à mesma organização, concluindo pela superioridade do modelo de Kee.

PALAVRAS-CHAVE
Teoria das restrições; ABC operacional; Custos flexíveis; Curto prazo; Mix

ABSTRACT

The activity based costing (ABC) has been criticized for its incapacity to give has supported to the based decisions of production in the short-stated period, being, therefore, considered as a systematic of allocation of costs for the long-stated period. Robert Kee, in the article, “Evaluating The Economics of Shorts Long-Run Production Decisions” develops an ABC model, called operational, that incorporates flexible costs of resources of activities and restriction of capacity for decisions of mix excellent of production in the short-stated period. When presenting a hypothetical numerical example, Kee sample that its operational ABC model presents in the short-stated period, superior results to the model of traditional ABC and another ABC model that so only takes in account the capacity restriction. The present article analyzes the model considered for Kee (2001), through its application in a clinic of tooth treatment of the federal public administration, comparing the results gotten for the systematic related one with the found ones for the traditional ABC and the theory of constraints (TOC), applied to the same organization, concluding for the superiority of the model of Kee.

KEYWORDS
Theory of constraints; Operational ABC; Flexible costs; Short-stated period; Mix

1 INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos, diversas pesquisas têm sido desenvolvidas com o objetivo de identificar quais as vantagens e/ou desvantagens quanto à utilização dos pressupostos conceituais que dão apoio ao Custeio Baseado em Atividades (Activity Based Costing - ABC) e à Teoria das Restrições (Theory of Constraints - TOC), no que se refere à tomada de decisão a fim de obter o mix ótimo de produtos/serviços gerados por uma empresa.

Assim, originou-se uma discussão sobre a superioridade de uma metodologia em relação à outra; porém, mais recentemente, houve o surgimento de uma corrente de pensamento que veio a fazer que vários trabalhos procurassem combinar os pontos fortes tanto do ABC quanto da TOC.

Cabe ressaltar que os objetivos principais de ambas as metodologias são os mesmos; ou seja, influenciar os gestores das organizações para a tomada das melhores decisões, visando à sua continuidade.

Segundo FU (apud COGAN, 2005aCOGAN, S. Modelo de custeio baseado-em-atividades aplicado a decisões de produção de curto prazo. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS, 9, 2005a, Florianópolis. Anais... CD- ROM.), os estudos voltados à integração do ABC com a TOC dividem-se em dois grupos principais.

O primeiro grupo defende que a diferença entre o ABC e a TOC reside sob o aspecto do horizonte temporal, em que o ABC é a ferramenta indicada para o longo prazo e a TOC é a ferramenta indicada para o curto prazo, conforme MacArthur (1993); Holmen (1995); Fritzch (1997) e Kaplan e Cooper (1998).

O segundo grupo é subdividido por autores cujos trabalhos usam informações de atividades do ABC com a noção de restrição (SPOEDE et al., 1994; SALAFATINOS, 1995; BAXANDALE et al., 1998; COKINS, 2000); e por autores que desenvolvem aplicações específicas com a utilização do ABC e da TOC (CAMPBELL, 1995; CAMPBELL et al., 1997; HALL et al., 1997; KEE, 2001KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001.).

A Administração Pública Gerencial, também conhecida como Nova Administração Pública (NAP), implementada no Brasil pelo antigo Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare), que em janeiro de 1995 apresentou o Plano Diretor da Reforma do Estado, tinha como uma das suas principais recomendações a utilização por parte dos gestores públicos das idéias e ferramentas utilizadas no setor privado, feitas as adaptações necessárias.

Segundo Bresser-Pereira (1998)BRESSER-PEREIRA, L. C. Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado. In: BRESSER-PEREIRA, L. C.; SPINK, P. (Orgs.). Reforma do Estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998., a NAP diferencia-se da administração pública burocrática por seguir os princípios do gerencialismo, enfatizando a profissionalização e o uso de práticas de gestão do setor privado.

Nesse sentido, diante de necessidades crescentes e recursos cada vez mais escassos, a qualidade do gasto público deve ser discutida sob o enfoque da otimização do uso dos recursos disponíveis, visando evitar desperdícios e aumentar a produtividade.

Em princípio, pode parecer que o pensamento contido na NAP no que se refere à utilização de ferramentas de gestão do meio privado na área pública não seja pertinente, posto que organizações públicas e privadas têm objetivos distintos. Entretanto, segundo Dias Filho et al. (2003)DIAS FILHO, J. M. et al. Propostas para aprimoramento da política de compras do setor público: uma abordagem da gestão estratégica de custos. In: CONGRESSO USP DE CONTROLADORIA E CONTABILIDADE, 3, 2003, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: USP, 2003. Disponível em: <http://usp.br>. Acesso em: 14 set. 2006.
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do ponto de vista gerencial é inegável que as duas categorias de entidades só podem cumprir seus objetivos de forma sustentável e eficaz mediante o uso racional dos recursos econômicos de que dispõem.

Diante dos resultados obtidos por meio de trabalhos realizados por autores componentes do segundo grupo identificado por FU (2000) e corroborando o pensamento contido na NAP, que ao longo dos últimos anos tem se fortalecido dentro do governo federal, o presente artigo tomará por base o modelo desenvolvido por Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001., denominado ABC Operacional, com o objetivo de aplicá-lo a uma organização prestadora de serviços hospitalares, no setor público, a fim de tentar demonstrar que o citado modelo de integração entre o ABC e a TOC apresenta resultados superiores em relação à utilização das citadas metodologias em separado, contribuindo dessa forma para a tomada das melhores decisões.

A organização escolhida para a pesquisa foi uma odontoclínica pertencente à Administração Pública Federal, tendo em vista a grande demanda existente pelos seus serviços, que em algumas situações excede a capacidade de atendimento aos usuários, criando-se “gargalos” que dificultam, em parte, o cumprimento da missão da referida organização.

A relevância do estudo encontra respaldo no pensamento de Guerreiro et al. (2003)GUERREIRO, R.; CAMACHO, R. R. Teoria das restrições aplicada na prestação de serviços - o caso de uma entidade hospitalar. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS, 8, 2003, Punta Del Este. Anais eletrônicos... Disponível em: <http://iem.efei.br>. Acesso em: 28 out. 2006.
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O sucesso da administração hospitalar reside em aproveitar da melhor forma possível os recursos estruturais, humanos e de clientes, notadamente os restritivos, requerendo para tal intento que cada estratégia operacional seja direcionada no sentido do alcance da meta da empresa.

Diante do exposto, o presente artigo tem por objetivo geral analisar os resultados obtidos pela aplicação do modelo de ABC Operacional de Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001. em uma organização prestadora de serviços médico-odontológicos, comparando-os com os resultados apresentados pela aplicação do ABC e da TOC individualmente. Como objetivos específicos: (a) confirmar os resultados encontrados no exemplo hipotético utilizado por Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001.; (b) efetuar uma revisão bibliográfica, buscando as contribuições dos pesquisadores sobre ABC e TOC, bem como a integração entre ambos; e (c) apresentar uma nova abordagem quanto à gestão estratégica de custos, no que se refere às organizações públicas prestadoras de serviços de saúde (médicos e odontológicos)

Em relação à estrutura deste artigo, além desta Introdução, há outras seis seções. Na seção 2, trata-se dos aspectos teóricos com ênfase no sistema ABC e na TOC, por constituírem-se nas pedras basilares da pesquisa. Na seção 3, são abordados os aspectos metodológicos de acordo com os quais a pesquisa foi delineada. Na seção 4, busca-se evidenciar as características do modelo de ABC operacional apresentado por Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001.. Na seção 5, realiza-se o estudo empírico mediante a aplicação do modelo de Kee (2201) em uma organização real. Na seção 6, faz-se a análise dos resultados obtidos mediante a aplicação do ABC operacional na organização escolhida para o estudo. Por fim, na seção 7, formulam-se as considerações finais.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 CUSTEIO BASEADO EM ATIVIDADES

Shank e Govindarajan (1997)SHANK, J. K.; GOVINDARAJAM, V. A revolução dos custos: como reinventar e redefinir sua estratégia de custos para vencer em mercados crescentemente competitivos. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997. afirmam que o intuito principal do ABC é a atribuição de uma parcela das despesas gerais (ou custos indiretos) aos produtos, com base na proporção de cada atividade que causem. Tal abordagem, segundo os referidos autores, rejeita a noção de que toda a alocação de custos indiretos é arbitrária, e assim não vale a pena tentar melhorá-la. Dessa forma, admite-se que uma significativa alocação de custos fixos é possível e que vale a pena ser feita.

Para entender melhor a metodologia do sistema ABC, é de fundamental importância conhecer os conceitos de “processos”, “atividades” e “direcionadores de custo”.

Segundo Nakagawa (1995)NAKAGAWA, M. ABC: custeio baseado em atividades. São Paulo: Atlas, 1995., entende-se processo como “uma cadeia de atividades relacionadas entre si, interdependentes e ligadas pelos produtos que elas intercambiam”. Para exemplificar, o autor menciona o “processo de compras”, que abrange as atividades de previsão de vendas, planejamento de material, controle de inventário, recebimento, inspeção, sistema de informação gerencial e contas a pagar; dessa forma, é possível perceber que o processo inicia-se na tomada de decisão da compra, terminando com o pagamento da fatura ao fornecedor.

De acordo com Kaplan e Cooper (apud WERNKE, 2005WERNKE, R. Custeio Baseado em Atividades (ABC) aplicado aos processos de compra e venda de distribuidora de mercadorias. Revista Contabilidade e Finanças - USP, São Paulo, n. 38, p. 74-89, maio/ago. 2005.), atividades são descritas por verbos e seus objetos associados, como: programar produção, transferir materiais, inspecionar itens, responder aos clientes, lançar novos produtos etc. Os mesmos autores destacam que “as atividades são unidades básicas de acúmulo de custos nos sistemas ABC”, podendo ser agregadas para que os gerentes possam identificar o custo total de execução de um processo de negócios.

Direcionador de custo, segundo Sakurai (1997)SAKURAI, M. Gerenciamento integrado de custos. São Paulo: Atlas, 1997., “é qualquer fator que cause uma alteração no custo de uma atividade”. O mesmo autor afirma ainda que o direcionador de custo “é um fato causal que influencia a quantidade de trabalho (e, portanto, custo) numa atividade”. Os acadêmicos concordam, portanto, que os direcionadores de custo são elos que representam uma relação de causa e efeito entre a execução de uma atividade e o consumo dos recursos necessários a essa atividade.

Kaplan e Cooper (apud WERNKE, 2005WERNKE, R. Custeio Baseado em Atividades (ABC) aplicado aos processos de compra e venda de distribuidora de mercadorias. Revista Contabilidade e Finanças - USP, São Paulo, n. 38, p. 74-89, maio/ago. 2005.) afirmam que os direcionadores utilizados no ABC podem ser classificados em três tipos:

  • direcionadores de transação - são os que se referem ao número de operações repetitivas, como o número de set-up, número de pedidos, número de veículos descarregados etc.

  • direcionadores de duração - são os que se relacionam com o tempo de execução de uma atividade e são empregados quando há grandes variações no tempo de realização de uma atividade, em função do produto ou serviço.

  • direcionadores de intensidade - são os que consideram diretamente a quantidade de recursos necessária para realizar a atividade, sendo utilizados principalmente quando a realização da atividade for muito complexa ou específica.

O custeio ABC difere do enfoque do custeio tradicional pela forma como os custos são acumulados. Enquanto o sistema tradicional utiliza um modelo de acumulação de dois estágios, mediante a acumulação dos custos por função ou departamento (primeiro estágio) e rateio desses custos pelos produtos mediante um fator volumétrico de medição (segundo estágio), o custeio ABC parte do princípio de que os recursos indiretos e de apoio (administrativo e de vendas) fornecem capacitação para o desempenho de atividades, em vez de gerarem custos para serem alocados.

Assim, o ABC tem como foco os recursos e as atividades como geradores de custos, enquanto o custeio tradicional focaliza os produtos como geradores de custos.

O sistema ABC parte, portanto, da suposição de que as atividades causam custos, e de que produtos e clientes geram demandas por atividades.

Nesse sentido, Holmen (apud COGAN, 2005bCOGAN, S. Modelo de custeio baseado-em-atividades levando em conta a existência de recursos restritos e de custos de atividades não proporcionais. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS, 9, 2005b, Florianópolis. Anais... CD-ROM.) enumera seis hipóteses que sustentam o sistema ABC.

A primeira é de que atividades consomem recursos, e recursos adquiridos criam custos. A segunda, de que produtos ou clientes consomem atividades. Uma terceira suposição com relação ao ABC é de que modelos de ABC consomem, em vez de gastarem. Essa consideração é deveras importante e possivelmente mais que todas. Para que os custos reduzam é necessária uma mudança nos gastos. O ABC, entretanto, não mede o gasto e sim o consumo. No curto prazo, uma mudança na atividade irá ter pequeno ou nenhum impacto no consumo dos recursos. No longo prazo, entretanto, ajustes poderão ser feitos para trazerem os gastos em alinhamento com o consumo.

Segundo Kaplan et al. (apud COGAN, 2005bCOGAN, S. Modelo de custeio baseado-em-atividades levando em conta a existência de recursos restritos e de custos de atividades não proporcionais. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS, 9, 2005b, Florianópolis. Anais... CD-ROM.), o sistema ABC mede o custo dos recursos usados (ou, alternativamente, os custos dos recursos das atividades realizadas) para produtos individuais, serviços e clientes. A diferença entre os recursos realmente usados representa a capacidade de recursos não utilizados para o período, traduzido pela seguinte equação fundamental:

Recursos Supridos = Recursos Usados + Capacidade Não Utilizada

A quarta suposição, relacionada muito de perto com as duas seguintes a ela, é de que existem numerosas causas para o consumo dos recursos. Uma outra consideração implícita na quarta suposição é de que uma grande quantidade de atividades pode ser identificada e medida, tais atividades servem de ligação entre o custo dos recursos e o custo dos objetos. Essas ligações ativam a utilização de múltiplos centros de custos, e não apenas um único, refletindo uma relação de causa e efeito.

O custeio tradicional tem utilizado algumas medições de atividades para ratear os custos aos produtos. Com freqüência o fator usado tem sido horas de mão-de-obra direta. O maior avanço do ABC foi reconhecer que, em adição ao uso de muitas medições de atividades, essas medições poderiam ser organizadas numa hierarquia que Cooper et al. (apud COGAN, 2005bCOGAN, S. Modelo de custeio baseado-em-atividades levando em conta a existência de recursos restritos e de custos de atividades não proporcionais. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS, 9, 2005b, Florianópolis. Anais... CD-ROM.) apresentaram assim:

  • Atividades em nível de unidades, que ocorrem cada vez que uma unidade é produzida.

  • Atividades em nível de lote, que ocorrem cada vez que um lote de mercadorias é produzido.

  • Atividades em nível de produto (projeto), que ocorrem como suporte no projeto de produção de cada diferente tipo de produto.

  • Atividades em nível de facilidades, que ocorrem com as facilidades que dão suporte a um processo geral de fabricação.

A quinta suposição do ABC é que os centros de acumulação dos custos em atividades são homogêneas, o que significa que em cada centro de custos de atividades só existem atividades de cada um dos quatro níveis que acabaram de ser apresentados.

A sexta e última suposição do ABC é de que todos os custos em cada centro de atividades funcionam como se variáveis fossem (mantendo proporcionalidade com a respectiva atividade). Dessa forma, quando essa consideração é acoplada com a anterior, da homogeneidade dos centros de atividades, torna-se aparente que somente os custos considerados fixos, no sentido tradicional do termo, seriam os correspondentes às atividades em nível de facilidades. É interessante consignar a observação de Kaplan et al. (apud COGAN, 2005bCOGAN, S. Modelo de custeio baseado-em-atividades levando em conta a existência de recursos restritos e de custos de atividades não proporcionais. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS, 9, 2005b, Florianópolis. Anais... CD-ROM.) que diz textualmente: “alguns clamam, incorretamente, que o custeio ABC assume que quase todos os custos de uma empresa são variáveis”. Isso, contudo, não invalida essa sexta consideração em que custos acumulados em cada centro de atividade são homogêneos, apresentando despesas de um dos quatro níveis da hierarquia de Cooper, e mantendo uma proporcionalidade com essas atividades, mensurada por meio de compreensíveis relações de causa e efeito ditadas por direcionadores de custos de base causal.

O sistema ABC, portanto, visa minimizar as distorções causadas pelo sistema de custeio tradicional, possibilitando não só a identificação de critérios mais adequados de alocação de custos indiretos, mas permitindo, também, em alguns casos, a atribuição direta desses gastos, por meio de direcionadores de custo (cost drivers) a produtos específicos. Com isso, torna-se possível uma melhor visualização dos custos mediante a análise das atividades executadas dentro da organização e suas respectivas relações com os objetos de custos.

Nesse sentido, é possível afirmar que no ABC os custos tornam-se visíveis, passando a ser alvos de programas para a sua redução e de aperfeiçoamento dos processos, contribuindo, assim, para que as organizações sejam mais eficientes, pois, com seu poder de acusar as “causas” que dão origem aos custos, o ABC permite aos gestores uma atuação mais efetiva sobre o comportamento dos custos da organização.

2.2 TEORIA DAS RESTRIÇÕES

A TOC é uma filosofia de operação que tem como foco a gestão de atividades que restringem o desempenho da organização, visando ao alcance de um processo de melhoria contínua da gestão.

Ao desenvolver e divulgar essa filosofia, no início dos anos 1980, Eliyahu Goldratt teve como idéia básica a identificação dos recursos que limitam a capacidade produtiva e, conseqüentemente, o ganho das empresas.

Para o citado autor, o constante combate às restrições norteia o processo de melhoria contínua da empresa, aumentando sempre seu ganho, que é a sua meta; ou seja, na busca pela sua meta, toda empresa terá sempre uma ou mais restrições, caso contrário seus lucros seriam infinitos.

Goldratt e Cox (1994)GOLDRATT, E. M.; COX, J. A meta. São Paulo: Educador, 1994. afirmam que restrição é algo que não temos o suficiente a ponto de limitar o desempenho de toda a empresa.

Segundo Guerreiro (1996)GUERREIRO, R. Os princípios da teoria das restrições sob a ótica da mensuração econômica. Caderno de Estudos - USP, São Paulo, n. 13, jan./jun. 1996., pode-se classificar as restrições em dois grupos:

  • restrições de recursos: englobam mercado, fornecedor, máquinas, materiais, pedido, projeto e pessoas; e

  • restrições políticas: formadas pelas normas, procedimentos e práticas usuais do passado.

Admitindo-se como premissa básica que a meta da empresa é ganhar mais dinheiro, e sempre haverá uma ou mais restrições no processo de alcance dessa meta, é possível concluir que os gestores das organizações deveriam estar concentrados no gerenciamento das restrições e não somente na redução dos custos.

Assim, a TOC oferece, além do modelo decisório, algumas medidas globais de medição de desempenho e uma série de princípios para a otimização da produção que minimizam o impacto das restrições existentes, contribuindo para que a organização alcance a sua meta.

Goldratt (1991)GOLDRATT, E. M. A síndrome do palheiro. São Paulo: Instituto de Movimentação e Armazenagem de Materiais, 1991., ao criticar as medidas de desempenho adotadas pela contabilidade de custos, desenvolveu suas próprias medidas para avaliar se a organização está caminhando na direção da sua meta. Segundo o autor, essas medidas servem para responder a três perguntas básicas, para as quais todos os administradores deveriam ter resposta, são elas:

  1. Quanto a empresa gera de dinheiro?

  2. Quanto de dinheiro é capturado pela empresa?

  3. Quanto de dinheiro temos que gastar para operar a empresa?

Como resposta às perguntas anteriores, Goldratt e Cox (1989)GOLDRATT, E. M; FOX, R. E. A corrida. São Paulo: Instituto de Movimentação e Armazenagem de Materiais, 1989. já haviam apresentado as três medidas que se constituem na pedra basilar da TOC: ganho, inventário e despesas operacionais.

Ganho (G) corresponde ao índice no qual o sistema gera dinheiro por meio das vendas, representando a diferença entre as vendas reais e o custo do material direto, que nesse modelo é considerado o único custo variável. Como afirmam Dugdale e Jones (apud RICCIO et al., 1999RICCIO, E. L. et al. Uma análise comparativa entre a “Contabilidade de ganhos - Thoroughput accounting” e o “Método do custeio variável”. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CUSTOS, 6, 1999, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: FEA/USP. Disponível em: <http://usp.br>. Acesso em: 28 out. 2006.
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), esse conceito está bastante relacionado com a idéia tradicional de margem de contribuição: receitas de vendas menos os custos variáveis.

Inventário (I) corresponde a todo dinheiro que o sistema investe na compra de coisas que pretende vender. Tal definição foge das definições tradicionais de inventário, uma vez que exclui o valor adicionado de mão-de-obra e despesas gerais, ou seja, atribui-se ao produto acabado em estoque apenas o preço pago aos fornecedores pelo material utilizado nesse produto, não existindo valor acrescido ao produto pelo próprio sistema. Segundo Corbett Neto (1996)CORBETT NETO, T. Uma comparação entre Activity-Based Costing e Teoria das Restrições, no contexto da contabilidade gerencial. São Paulo, 1996. Dissertação (Mestrado em Administração) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas., o valor atribuído ao estoque em processo e acabado é igual ao seu Custo Totalmente Variável (CTV), com o objetivo de eliminar a geração de “lucros aparentes”, pelo processo de alocação de custos.

Despesa Operacional (DO) corresponde a todo dinheiro que o sistema gasta para transformar inventário em ganho. A DO compreende todos os custos de conversão, incluindo todos os custos com empregados, quer diretos quer indiretos.

Segundo Riccio et al. (1999)RICCIO, E. L. et al. Uma análise comparativa entre a “Contabilidade de ganhos - Thoroughput accounting” e o “Método do custeio variável”. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CUSTOS, 6, 1999, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: FEA/USP. Disponível em: <http://usp.br>. Acesso em: 28 out. 2006.
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, as três definições anteriores estabelecem os seguintes relacionamentos:

Lucro Líquido (LL) = Ganho - Despesa Operacional

Retorno sobre o Investimento (RSI) = (Ganho - Despesa Operacional)/ Inventário

De acordo com Corbett Neto (apud RICCIO et al., 1999RICCIO, E. L. et al. Uma análise comparativa entre a “Contabilidade de ganhos - Thoroughput accounting” e o “Método do custeio variável”. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CUSTOS, 6, 1999, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: FEA/USP. Disponível em: <http://usp.br>. Acesso em: 28 out. 2006.
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):

A TOC afirma que qualquer coisa pode ser classificada numa dessa três medidas, e que as três são suficientes para fazermos a ponte entre o LL e o RSI com as ações diárias dos gerentes. [...]. Com essa três medidas (G, I e DO) conseguimos saber o impacto de uma decisão nos resultados finais da empresa. O ideal é uma decisão que aumente o G e diminua I e DO. Porém, qualquer decisão que impacte positivamente o RSI é uma decisão que nos leva na direção da meta do sistema. O juiz final, quem decide se é ou não uma boa decisão, é o RSI, isto é, esse método possibilita que cada um tome suas decisões como se fosse o acionista.

Após analisarmos os principais conceitos referentes à TOC, abordaremos a seguir seu modelo decisório, composto por cinco passos a serem observados para o alcance da meta de uma organização.

1º Passo - Identificar as restrições do sistema

Nesta primeira etapa devem-se identificar as restrições existentes no sistema, tendo em vista que não há como aumentar o desempenho do sistema sem a identificação do seu ponto mais fraco.

Corbett Neto (1997)CORBETT NETO, T. Contabilidade de ganho: a nova abordagem gerencial de acordo com a Teoria das Restrições. São Paulo: Nobel, 1997. classifica como Recurso com Restrição de Capacidade (RRC) aquele recurso que estabelece o fluxo máximo de produção, destacando que o RRC só é a restrição da empresa quando o mercado estiver disposto a comprar mais do que o RRC consegue produzir.

Identificando-se o recurso restritivo, é preciso tirar o melhor proveito dele, o que será visto no próximo passo.

2º Passo - Decidir como explorar as restrições do sistema

Aqui, o objetivo é a maximização do desempenho do sistema, considerando-se a restrição, isto é, atingir o melhor resultado possível dentro dessa condição. Se, por exemplo, a restrição do sistema fosse a matéria-prima, explorar essa restrição significaria fabricar os produtos que gerassem a melhor margem de contribuição unitária por matéria-prima consumida, que, no exemplo, seria o gargalo da produção. Para Corbett Neto (1997)CORBETT NETO, T. Contabilidade de ganho: a nova abordagem gerencial de acordo com a Teoria das Restrições. São Paulo: Nobel, 1997., é necessário ter sempre um estoque de segurança no ponto que antecede ao recurso restritivo para que ele não pare por falta de material.

Após decidir como administrar os recursos restritivos, é preciso tratar da questão de como fazer com os demais recursos (não restritivos), que são a grande maioria em qualquer organização. Isso será visto no próximo passo.

3º Passo - Subordinar qualquer outro evento à decisão anterior

Como o desempenho global do sistema é determinado pelos recursos restritivos, os demais recursos devem trabalhar no ritmo da restrição, ou seja, nem mais rápido nem mais devagar. Isso significa que os recursos não restritivos não podem deixar que falte material para a restrição trabalhar, bem como não devem produzir mais do que a restrição consegue processar, a fim de que não haja aumento do nível de estoque de produtos em processo.

4º Passo - Elevar as restrições do sistema

As restrições limitam a capacidade da organização sob o aspecto do processo de melhoria contínua, portanto devem ser eliminadas ou minimizadas. No segundo passo, bem como no terceiro, busca-se o funcionamento do sistema com melhor eficiência ao levar-se em consideração a otimização da utilização dos recursos escassos disponíveis. Assim, segundo Guerreiro (1996)GUERREIRO, R. Os princípios da teoria das restrições sob a ótica da mensuração econômica. Caderno de Estudos - USP, São Paulo, n. 13, jan./jun. 1996., se após o terceiro passo permanecer alguma restrição, deve-se elevar ou superar a restrição, acrescentando-se maior quantidade do recurso escasso no sistema. Tal ação significa investir mais na restrição, pela aquisição de mais uma máquina, contratando mais pessoas, aumentando turnos etc. Dessa forma, a restrição será quebrada e o desempenho da organização subirá até certo limite, quando será limitado por algum outro fator, significando que a restrição foi mudada, passando a existir um novo recurso restritivo a limitar o desempenho da organização.

5º Passo - Se num passo anterior uma restrição foi quebrada, voltar à primeira etapa, mas não deixar que a inércia cause uma restrição no sistema

Partindo-se da premissa de que sempre surgirá uma nova restrição, após o quarto passo deve-se voltar ao primeiro passo e reiniciar todo o ciclo. Cabe ressaltar a importância de que a inércia não se torne uma restrição do sistema.

Guerreiro (1996)GUERREIRO, R. Os princípios da teoria das restrições sob a ótica da mensuração econômica. Caderno de Estudos - USP, São Paulo, n. 13, jan./jun. 1996. afirma que

A inércia dentro das organizações gera restrições políticas, ou seja, em muitas situações podem não existir restrições físicas de capacidade de produção, de volume de materiais, de demanda do mercado, porém o sistema opera de forma ineficiente em função de políticas internas de produção e logística.

Os cinco passos apresentados explicam a TOC, de forma geral, e eles têm por objetivo voltar à atenção dos gestores das organizações para os recursos restritivos existentes, uma vez que esses se configuram como inibidores do crescimento do lucro. Ao aprender como conviver com as suas restrições, reconhecendo-as e administrando-as, a organização tem uma oportunidade para alavancar o seu negócio.

2.3 O MODELO DE ABC OPERACIONAL PROPOSTO POR KEE (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001.

Como integrante da corrente de pesquisadores que defendem a integração do ABC com a TOC, Robert C. Kee, em seu artigo “Evaluating the economics of short and long-run production-related decisions”, toma por base os pensamentos de Woods (1992), Christensen e Sharp (1993) e Kaplan e Atkinson (1998), para sugerir um novo modelo de ABC.

Por meio do referido modelo, denominado então como ABC Operacional, Kee buscou suplantar as limitações do ABC, na sua concepção tradicional, quanto à avaliação das implicações econômicas das decisões operacionais.

Para tanto, o citado autor separa os custos dos recursos das atividades, no curto prazo, em seus componentes flexíveis e comprometidos (sunk cost), conforme proposto por Kaplan e Atkinson (apud KEE, 2001KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001.), fazendo que o novo modelo de ABC reflita somente os custos flexíveis, tendo em vista que nesse horizonte temporal os custos comprometidos de uma atividade (sunk cost) são irrelevantes para a tomada de decisão quanto ao mix ótimo de produção.

A diferença no modelo proposto por Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001. reside, porém, no fato de que, além das medidas já citadas, ele incorpora os efeitos da “atividade-gargalo”, medindo a lucratividade dos produtos com base no uso do recurso mais restrito.

De acordo com Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001., no curto prazo, a capacidade de suporte e produção da firma é fixa. Assim, a atividade mais restrita é o gargalo que limita suas operações e determina as oportunidades de produção disponíveis na empresa. Se a organização procura minimizar seu inventário e não existe uso alternativo para atividades relacionadas à produção, um gargalo restringe o uso de recursos nas atividades-não gargalo, originando a existência de capacidade não usada. Os recursos não usados representam gastos que aumentam o custo das operações, diminuindo a lucratividade. Por conseguinte, a seleção de um mix de produtos e sua lucratividade, no curto prazo, está fortemente influenciada pela capacidade das atividades de suporte e de produção da empresa.

Nesse sentido, segundo o autor, as citadas modificações permitem que o ABC passe a refletir os custos flexíveis no curto prazo, bem como o de oportunidade, sendo eles relevantes para a tomada de decisão quanto à alocação de recursos nesse horizonte de tempo.

Para Cogan (2005a)COGAN, S. Modelo de custeio baseado-em-atividades aplicado a decisões de produção de curto prazo. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS, 9, 2005a, Florianópolis. Anais... CD- ROM., o modelo proposto de ABC Operacional reduz-se à TOC, quando todos os custos de mão-de-obra e custos indiretos são custos comprometidos no curto prazo.

3 METODOLOGIA

Quanto aos aspectos metodológicos e meios de investigação, de acordo com a taxonomia desenvolvida por Vergara (2003)VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em Administração. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003., pode-se afirmar que o artigo foi realizado mediante uma pesquisa exploratória e descritiva, quanto aos fins; bibliográfica, documental e de campo, quanto aos meios. Exploratória, porque visou buscar avaliações iniciais sobre a aplicação do modelo de ABC Operacional em uma organização prestadora de serviços médico-odontológicos do setor público federal, fato esse não constatado anteriormente. Descritiva, pois buscou expor as

características fundamentais do modelo proposto por Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001.. Bibliográfica, pois sua fundamentação teórica foi realizada pela análise de várias abordagens de autores que tratam do assunto, em que se buscou explorar os aspectos conceituais do ABC, da TOC e da integração entre ambos. Documental e de campo, porque tomou por base relatórios internos e dados primários coletados no âmbito da organização.

A pesquisa bibliográfica, referente ao presente trabalho, compreendeu uma leitura de reconhecimento dos materiais coletados visando à escolha dos que tratassem dos temas relacionados com a situação-problema. Para tanto, as fontes de pesquisa foram artigos, livros e dissertações.

Nas pesquisas documental e de campo, o universo escolhido foi a clínica de próteses de uma organização prestadora de serviços odontológicos. A coleta de dados foi realizada mediante a análise de relatórios e documentos internos, além de entrevistas pessoais com o encarregado do setor contábil e com o chefe da clínica de prótese da organização.

Cabe ressaltar que o conhecimento de um dos autores sobre alguns aspectos identificados na pesquisa foi fundamental na sua operacionalização, em razão da existência de um vínculo indireto com a organização objeto deste estudo.

O ABC OPERACIONAL APLICADO À ODONTOCLÍNICA

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO

Primeiramente, é importante fazer uma breve caracterização da organização na qual o estudo empírico foi realizado, a fim de proporcionar uma melhor contextualização do caso em lide.

A referida organização possui onze clínicas, dentre as quais destacamos: cirurgia e traumatologia buço-maxilo-faciais; dentística; disfunção temporomandibular e dor orofacial; endodontia; implantodontia; odontogeriatria; prótese dentária e odontologia para pacientes com necessidades especiais. Além disso, ainda presta os seguintes serviços: estomatologia e patologia bucal; imaginologia dento-maxilo-facial; odontologia preventiva; enfermagem e pronto atendimento.

As principais tarefas previstas para a organização são as seguintes: (a) prestar assistência odontológica de natureza preventiva, curativa e reabilitadora, em níveis secundário e terciário, sem internação; (b) planejar e executar programas de prevenção odontológica; e (c) desenvolver pesquisas ligadas à área odontológica de interesse da instituição à qual a odontoclínica está subordinada.

Cabe ressaltar que essa organização, apesar de ser do setor público federal, atende exclusivamente servidores da instituição à qual está subordinada, bem como seus dependentes, sendo regida por uma sistemática específica.

A citada sistemática prevê a cobrança dos serviços prestados por meio do faturamento contra a instituição superior à organização, que faz o pagamento da referida fatura com recursos orçamentários, tomando por base os valores apurados pelo sistema de contabilidade de custos utilizado pela organização prestadora do serviço.

A mesma sistemática permite, ainda, que haja um resultado líquido favorável limitado ao valor de 5% do faturamento bruto, destinado a cobrir possíveis perdas de material e de mão-de-obra, bem como obter uma margem de retorno que permita a realização de pequenos investimentos na organização.

4.2 OS DADOS NUMÉRICOS

Os dados apresentados são referentes ao mês de outubro/2006 da clínica de prótese dentária, conforme já mencionado. Com o propósito de simplificação, serão analisados apenas três “serviços” executados na referida clínica. A Tabela 1 apresenta os custos, a estrutura operacional e o preço de venda dos produtos analisados. É possível observar também que, na referida tabela, os custos flexíveis (CF) estão destacados em separado dos custos totais (CT). Cabe aqui ressaltar que, por questões de simplificação do presente trabalho, deixa-se de detalhar como os recursos das atividades foram distribuídos para os produtos, ressaltando-se, porém, que se seguiu à sistemática do custeio ABC. Os produtos ora analisados foram apontados pelos membros da organização que participaram da pesquisa como os de maior demanda, são eles: bloco (BL), ponte móvel (PM) e prótese total (PT).

TABELA 1
CUSTOS, ESTRUTURA OPERACIONAL E PREÇOS

Os custos de material direto foram considerados em sua totalidade flexíveis, já os custos de mão-de-obra direta são em sua totalidade considerados comprometidos. Os demais custos possuem uma parcela flexível, e outra, maior, de custos comprometidos.

No período em análise, a disponibilidade para a execução dos serviços era de 875 HH, e para atender à demanda apresentada seriam necessárias 1.400,6 HH disponíveis. A Tabela 2 apresenta o valor necessário de HH para a execução de cada serviço, bem como o lucro ou ganho unitário obtido pelos três modelos, conforme consta na Tabela 1. Ainda na Tabela 2, estão as demandas de cada serviço e sua classificação em termos de lucratividade. O mix do ABC Operacional foi obtido ao dividir-se o lucro unitário de cada produto, baseado nos custos flexíveis, pelo recurso-gargalo, que é o HH da mão-de-obra direta, sendo a ponte móvel considerada de maior lucratividade, seguida pela prótese total e, em último lugar, o bloco.

TABELA 2
SELEÇÃO DE MIX ÓTIMO E CAPACIDADE NÃO USADA

Pode-se observar que o mesmo mix foi encontrado para a TOC. Em relação ao ABC tradicional, o mix selecionado apontou a prótese total como o maior lucro porcentual em relação ao preço de venda, sendo seguida pelo bloco e, em último lugar, a ponte móvel.

A Tabela 3 apresenta as receitas líquidas obtidas para cada modelo utilizado, levando em consideração a ocorrência de recursos comprometidos não-utilizados, referentes à mão-de-obra direta, conforme exposto na Tabela 2. Os valores foram encontrados multiplicando-se as quantidades encontradas nos mix selecionados por cada modelo pelos valores de preço e custos apresentados na Tabela 1, bem como a capacidade não-usada, constante na Tabela 2. O valor do HH em termos de custo é de R$ 45,30.

TABELA 3
RESULTADO LÍQUIDO NO CURTO PRAZO

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Os resultados obtidos demonstram que o modelo proposto por Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001. leva à seleção de um mix de produção mais lucrativo, no curto prazo, do que o encontrado pelo ABC tradicional. Ao desmembrar os custos flexíveis dos custos totais, utilizando o enfoque de gerenciamento dos gargalos de acordo com o preconizado pela TOC, Kee conseguiu, de certa forma, elevar o ABC como ferramenta útil para a tomada de decisão no curto prazo. O valor de R$ 1.969,10, encontrado como receita líquida pela aplicação do modelo de ABC Operacional, é consideravelmente superior aos R$ 1.539,78, obtidos pelo modelo tradicional de ABC, confirmando, dessa forma, o pensamento dos autores que defendem sua limitação no referido horizonte de tempo.

Quanto à comparação com o modelo da TOC, os resultados alcançados foram iguais, ressaltando-se, porém, que a referida teoria, por não calcular custos, deixa de agregar ao material direto os demais custos flexíveis que, conforme já mencionado, são variáveis no curto prazo. Caso tal prática fosse adotada os resultados seriam outros, tendo em vista que o cálculo do ganho de cada produto seria menor, fato que poderia vir a retirar a primazia da TOC como melhor ferramenta para o curto prazo. Por esse motivo, para Cogan (2005a)COGAN, S. Modelo de custeio baseado-em-atividades aplicado a decisões de produção de curto prazo. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS, 9, 2005a, Florianópolis. Anais... CD- ROM., o modelo ABC operacional de Kee é a melhor ferramenta para o curto prazo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos últimos anos, o sistema ABC, baseado na contabilidade de custos, tem sofrido várias críticas quanto à sua incapacidade de contribuir para a tomada de decisão no curto prazo, sendo a TOC, baseada na contabilidade dos ganhos, apontada como a melhor ferramenta para as decisões no referido horizonte de tempo.

Ao separar os custos flexíveis dos custos totais, no horizonte temporal do curto prazo, e somando-se a esse fato a utilização do enfoque de restrição proposto pela TOC, o estudo de Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001. procurou quebrar o paradigma de que o sistema ABC é incapaz de dar suporte adequado às decisões de curto prazo. Assim, o referido autor denominou o novo modelo proposto como ABC Operacional, em que os custos comprometidos (sunk cost) não são encarados como relevantes para a tomada de decisão no curto prazo, quanto ao mix ótimo de produção, uma vez que já estão contratados.

No presente trabalho aplicou-se o modelo desenvolvido por Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001. na clínica de prótese dentária de uma organização prestadora de serviços odontológicos, encontrando-se resultados compatíveis com os do exemplo hipotético apresentado por Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001..

O estudo empírico apresentou o mesmo resultado líquido, tanto para a aplicação do ABC Operacional quanto para a aplicação da TOC. A aplicação do ABC tradicional apresentou o pior resultado líquido, confirmando que tal sistema, em sua concepção “pura”, não é a ferramenta mais indicada para a tomada de decisão no curto prazo.

Conforme já exposto, a contabilidade de custos tradicional preocupa-se com medidas de eficiência locais, considerando que a otimização das diversas áreas da organização leva à otimização do seu resultado final.

A contabilidade dos ganhos afirma, entretanto, que a otimização das partes não necessariamente gera a otimização global. Conforme cita Guerreiro e Camacho (2003)GUERREIRO, R.; CAMACHO, R. R. Teoria das restrições aplicada na prestação de serviços - o caso de uma entidade hospitalar. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS, 8, 2003, Punta Del Este. Anais eletrônicos... Disponível em: <http://iem.efei.br>. Acesso em: 28 out. 2006.
http://iem.efei.br...
, a máxima da Teoria das Restrições é: “a soma dos ótimos locais não é igual ao ótimo total”.

Analisando o referencial teórico apresentado no item n. 2 do presente artigo, é possível concluir que a utilização da TOC é realmente mais indicada para o curto prazo, enquanto o ABC é mais indicado para o longo prazo; contudo, pode-se afirmar que o ideal seria levar em conta as limitações de cada metodologia, combinando seus pontos fortes a fim de alcançar uma sistemática mais avançada.

Nesse sentido, ao propor o modelo de ABC Operacional, Kee (2001)KEE, R. C. Evaluating the economics of short and long run production-related decisions. Journal of Managerial Issues, Summer, v. 13, Issue 2, p. 139-158, 2001. contribuiu para o avanço dos estudos sobre a efetividade da integração entre o ABC e a TOC, apesar de o seu modelo apresentar o mesmo resultado líquido obtido pela aplicação da TOC. Tal afirmativa se justifica pelo fato de o ABC Operacional levar em consideração os custos flexíveis que, em última análise, são custos variáveis, mas que, em razão dos pressupostos conceituais da TOC, não são assim considerados, excetuando-se os referentes ao material direto.

Diante de exposto, é possível defender a superioridade do ABC Operacional em relação à TOC no curto prazo, tendo em vista que a citada teoria, ao não considerar uma parcela dos custos flexíveis, pode levar à tomada de decisão equivocada quanto ao mix ótimo de produção. Tal entendimento encontra respaldo em Cogan (2005a)COGAN, S. Modelo de custeio baseado-em-atividades aplicado a decisões de produção de curto prazo. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS, 9, 2005a, Florianópolis. Anais... CD- ROM., ao afirmar que

o presente trabalho comparou o modelo de ABC operacional de Kee com os resultados obtidos com a tomada de decisão da TOC, e conclui pela superioridade do modelo de Kee, uma vez que a TOC, como não determina custos, não consegue captar os custos flexíveis que ocorrem no curto prazo podendo incidir em erros.

Cabe ressaltar que para uma organização de saúde do setor público que, na maioria das situações, possui uma demanda maior do que a sua capacidade de atendimento, o modelo de Kee pode vir a contribuir para tomada de decisões que visem otimizar a aplicação dos recursos escassos, ao permitir uma análise mais coerente de quais serviços priorizar, tendo como referência a margem líquida pelo fator restritivo, em circunstâncias em que haja gargalos para a execução de qualquer um dos serviços a serem realizados, configurando-se, dessa forma, em uma alternativa adequável para a racionalização dos gastos públicos.

O tema em questão não é, porém, conclusivo. Por esse motivo, sugere-se a realização de futuras pesquisas visando expandir a aplicação do ABC Operacional em organizações de saúde, a fim de confirmar os resultados aqui apresentados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2007

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2007
  • Aceito
    30 Maio 2007
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