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A GESTÃO DE COMPETÊNCIAS E A OBTENÇÃO DE VANTAGEM COMPETITIVA SUSTENTÁVEL EM ORGANIZAÇÕES BANCÁRIAS

COMPETENCY-BASED MANAGEMENT AND SUSTAINABLE COMPETITIVE ADVANTAGE IN BANKING ORGANIZATIONS

RESUMO

Um dos principais desafios atuais às organizações é a manutenção no mercado com vantagem competitiva sustentável. A identificação de competências essenciais e a gestão de pessoas com base nas competências vêm se apresentando como uma forma de conseguir diferenciação de produtos e serviços ante a concorrência. Este artigo aborda conceitos relativos ao desenvolvimento e potencialização dos conhecimentos, habilidades e atitudes (competências) voltadas para o trabalho de funcionários. O foco do estudo está em organizações bancárias, dado que elas passaram por profundas transformações em seus métodos e processos nos últimos anos, com aumento nas demandas por trabalhadores cada vez mais capacitados e com alto potencial de crescimento. Para obter respostas mais rápidas e precisas às freqüentes transformações econômicas, sociais, políticas e tecnológicas do ambiente em que estão inseridas, essas organizações têm buscado continuamente criar condições favoráveis para desenvolver, validar e mobilizar as competências de seus funcionários.

PALAVRAS-CHAVE
Gestão de competências; Organizações bancárias; Desenvolvimento de competências

ABSTRACT

One of the main challenges organizations face today is maintaining a sustainable competitive advantage and surviving in the marketplace. Identifying core competencies and competency-based management has been emerging as a way to competitively improve products and services. This article discusses concepts regarding the development and application of employee’s knowledge, skills and attitudes (competencies). The focus is specifically on banking organizations, which, in recent years, have been undergoing profound methodological and procedural changes, resulting in an increased demand for more capacitated workers who demonstrate a high potential for growth. In order to quickly obtain precise information regarding the frequent economic, social, political and technological transformations of the environment, organizations have been seeking to create favorable conditions to develop, to validate and to apply their employee’s competencies.

KEYWORDS
Management of competencies; Banking organizations; Development of competencies

1 INTRODUÇÃO

A nova dinâmica mundial, caracterizada pela globalização dos mercados e pelas rápidas mudanças, apresenta desafios constantes para as organizações contemporâneas que querem sobreviver e obter vantagem competitiva. A gestão das empresas tem passado por profundas transformações, visando a acompanhar as tendências do mercado. Na década de 1990, houve maior alinhamento das políticas de gestão de pessoas às estratégias empresariais, com a incorporação do conceito de competência ao modelo de gerenciamento de pessoas (FLEURY e FLEURY, 2000Estratégias empresariais e formação de competências: um quebra-cabeça caleidoscópico da indústria brasileira. São Paulo: Atlas, 2000.).

As competências individuais, que são relativas aos conhecimentos (saber), habilidades (saber fazer) e atitudes (saber ser), compõem o perfil do profissional talentoso, almejado atualmente pelas organizações. Essas competências, no entanto, não estão restritas aos conhecimentos acadêmicos ou profissionais, mas incluem também a capacidade dos indivíduos de mobilizá-los na solução de problemas e no enfrentamento de situações inauditas e inusitadas no ambiente de trabalho. Na gestão de pessoas por competências, as organizações passam a demandar profissionais com características cada vez mais diferenciadas, como a polivalência, a multifuncionalidade, a iniciativa, a capacidade de cooperar e assumir co-responsabilidade, de ir além das atividades prescritas e de compreender e dominar novas formas de trabalho (ZARIFIAN, 2001ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas , 2001.; LE BOTERF, 2003LE BOTERF, G. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.).

A gestão de competências tem permitido que muitas organizações permaneçam no mercado com vantagem competitiva sustentável. A atuação voltada para o desenvolvimento das competências individuais e coletivas dos trabalhadores, com vistas a mobilizar saberes, capacidades e criatividade, em vez de simplesmente gerir os conhecimentos das pessoas para alcançar os objetivos organizacionais, pode significar maior benefício em termos de resultados. Então, um dos grandes desafíos atuais para as organizações e para os seus gestores é o desenvolvimento e a potencialização dos conhecimentos, habilidades e atitudes de seus funcionários.

As organizações bancárias têm reagido à competitividade por meio de profundas transformações em seus métodos e processos desde o final do século XX. A instalação de novas tecnologias, a concorrência acirrada e a diminuição dos quadros funcionais demandam trabalhadores cada vez mais capacitados e com alto potencial de crescimento. Em função disso, os bancos passaram a propor estratégias de gestão favoráveis ao desenvolvimento, à validação e à mobilização das competências de seus funcionários, com vistas a obter respostas mais rápidas e precisas para as freqüentes transformações econômicas, sociais, políticas e tecnológicas do ambiente em que estão inseridas.

2 COMPETÊNCIAS

O conceito de competências vem sendo rearticulado, desde as últimas décadas do século XX, por diversos autores, que o formulam com base em diferentes abordagens. As várias interpretações não levam a uma uniformidade conceitual, mas apontam para uma certa unanimidade em relação ao fato de que a gestão de competências é um aspecto importante para a obtenção de vantagem competitiva no atual cenário em que as organizações estão inseridas e, um norteador da gestão de pessoas.

O debate sobre competências teve inicio na década de 1970, quando McClelland publicou um paper intitulado Testing for competence rather than intelligence. Nele, a competência era tratada como uma característica subjacente ao indivíduo, que está ocasionalmente relacionada ao desempenho superior na realização de uma tarefa ou em uma determinada situação. Já na década de 1980, Richard Boyatzis identificou um conjunto de características e traços que definem o desempenho superior por meio da análise de vários estudos sobre as competências gerenciais. A partir daí, vários autores trouxeram valiosas contribuições, e o conceito de competências passou a ser elaborado, pela maioria deles, como o conjunto das capacidades humanas que proporcionam um alto desempenho, embasado na inteligência e na personalidade do indivíduo (FLEURY e FLEURY, 2001FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L. Construindo o conceito de competência. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 4, edição especial, 2001, p. 183-196.).

Dutra, Hipólito e Silva (1998)HIPÓLITO, J. A. M.; SILVA, C. M. Gestão de pessoas por competências. ENANPAD, 22, 1998, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu: ANPAD, 1998. 1 CD-ROM. articulam que, para os americanos (MCCLELLAND, 1972; BOYATZIS, 1982; SPENCER e SPENCER, 1993), principais precursores do tema, as competências estão relacionadas com as qualificações que, no seu conjunto, possibilitam o resultado superior no trabalho. Às organizações interessa definir um quadro de qualificações desejáveis que, quando bem planejadas e sistematizadas, se reverterão em resultados internos. Em outra perspectiva, há autores que formaram uma abordagem mais “à européia”, a partir dos anos 80, especialmente Zarifian (1994), e que contribuem com questionamentos tanto sobre o aspecto ideológico da noção de competência quanto sobre relatividade do fato de que uma pessoa que detém competências necessariamente as coloque em prática na organização.

A palavra competência tem assumido significados variados no “mundo do trabalho”, e alguns deles estão mais voltados para as pessoas (conhecimentos, habilidades e atitudes) e outros para as tarefas (resultados). Brandão e Guimarães (2001)BRANDÃO, H. P.; GUIMARÃES, T. de A. Gestão de competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo construto? Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 9-15, jan./mar. 2001. classificam as competências como humanas (relacionadas com o indivíduo ou com o grupo de trabalho) e organizacionais (relativas à organização em sua totalidade). King, Fowler e Zeithaml (2002)KING, A. W.; FOWLER, S. W.; ZEITHAML, C. P. Competências organizacionais e vantagem competitiva: o desafio da gerência intermediária. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 42, n. 1, p. 36-49, jan./mar. 2002. corroboram que as competências podem estar vinculadas tanto aos conhecimentos e às habilidades dos funcionários quanto aos sistemas físicos e gerenciais da empresa.

Na literatura há indicações de que a ascensão do modelo de competência ocorreu com a submersão do modelo de qualificação (TOLFO, 2000TOLFO, S. da R. Macrotendências de organização do trabalho epossibilidades de crescimento humano: práticas, limites e perspectivas em uma empresa do setor cerâmico de Santa Catarina. 2000. 340 f. Tese (Doutorado em Administração) - Programa de Pós-Graduação em Administração, UFRGS, Porto Alegre, 2000.). Diversos autores têm tratado da questão e indicam tanto improcedência quanto complementaridade entre as duas questões. Dubar (1996)DUBAR, C. La sociologie du travail face à la qualification et à la compétence. Sociologie du Travail, Paris, v. 38, n. 2, p. 179-194, 1996. enfatiza que o modelo de competência não é mais novo nem mais racional do que outros. Sua especificidade está pautada em uma concepção de projeto do trabalho e de organização que valoriza a empresa e o contrato individual de trabalho. A qualificação está mais relacionada com o projeto de administração fordista, enquanto a competência dá suporte a um novo modelo de gestão alinhado com as mudanças na forma de organizar o trabalho e as relações de trabalho, refletindo a “[...] emergência de um novo paradigma produtivo [...]” (HIRATA, 1994HIRATA, H. Da polarização das qualificações ao modelo da competência. In: FERRETTI, C. J. et al. (Org.). Novas tecnologias, trabalho e educação. Petrópolis: Vozes, 1994.:128) que leva à redução da força do sindicalismo e da negociação coletiva. Dubar (1996)DUBAR, C. La sociologie du travail face à la qualification et à la compétence. Sociologie du Travail, Paris, v. 38, n. 2, p. 179-194, 1996. afirma que, enquanto a qualificação tem implicações para a negociação coletiva, a competência tende a ignorar que o salário é resultante de um raport social dinâmico e não do face-a-face instantâneo entre o indivíduo munido de competências e da empresa que o “decifra e o converte” em resultados quantificáveis.

Para Fleury e Fleury (2000Estratégias empresariais e formação de competências: um quebra-cabeça caleidoscópico da indústria brasileira. São Paulo: Atlas, 2000., 2001)FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L. Construindo o conceito de competência. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 4, edição especial, 2001, p. 183-196., a qualificação relaciona-se com a posição ou o cargo e com os conhecimentos adquiridos no sistema educacional. A competência, no entanto, vai além desses conhecimentos e das tarefas executadas pelos indivíduos. Desaumers (1993)DESAUMERS, J. B. R. Formação, ou qualificação, ou competência... Veritas, Porto Alegre, v. 38, n. 149, p. 103, mar. 1993. relaciona a qualificação aos saberes interiorizados, ao somatório de saber-fazer e à detenção de títulos escolares associados à experiência profissional. A competência, por seu lado, vai além dos saberes relacionados com as atividades do trabalho, implicando o saber-ser. Inclui a aprendizagem de diversas formas, a sua utilização em amplas situações de trabalho e o aproveitamento do conhecimento tácito, formas que não se reduzem ao conhecimento adquirido com a formação.

A análise do exposto permite nomear alguns motivos que explicam as razões para a contraposição entre os dois conceitos. Entre eles estão a tentativa de demarcar as diferenças entre habilidades requeridas anteriormente e as necessárias com o atual avanço tecnológico, a globalização e a competitividade, as novas demandas em relação ao desempenho do trabalhador (polivalência, flexibilidade, autocontrole, autonomia), a ênfase na capacidade cognitiva, as exigências de diversos saberes em contraposição ao conhecimento uniforme (formação) e o enfraquecimento da representação dos trabalhadores, permitindo que as negociações individuais minimizem as negociações coletivas (TOLFO, 2000TOLFO, S. da R. Macrotendências de organização do trabalho epossibilidades de crescimento humano: práticas, limites e perspectivas em uma empresa do setor cerâmico de Santa Catarina. 2000. 340 f. Tese (Doutorado em Administração) - Programa de Pós-Graduação em Administração, UFRGS, Porto Alegre, 2000.).

O interesse no desempenho superior, em termos de resultados tanto da organização quanto dos indivíduos, está no centro da preocupação dos autores que tratam da gestão de competências. Para Fleury e Fleury (2000:21)Estratégias empresariais e formação de competências: um quebra-cabeça caleidoscópico da indústria brasileira. São Paulo: Atlas, 2000., a competência está associada “[...] a verbos como saber agir, mobilizar recursos, integrar saberes múltiplos e complexos, saber aprender, saber se engajar, assumir responsabilidades, ter visão estratégica”. As competências devem agregar valor econômico para a organização e valor social para o indivíduo. Ruas (1999RUAS, R. A problemática do desenvolvimento de competências e a contribuição da aprendizagem organizacional. Seminário Internacional Competitividade Baseada no Conhecimento. São Paulo, 1999.) afirma que as competências devem ser tratadas como uma dimensão coletiva e de caráter dinâmico relacionado com a ação. O autor enfatiza que a noção de competência pressupõe a articulação do saber (conhecimento) com o saber fazer (habilidades) e o saber agir (atitudes). Por meio da relação entre essas três dimensões, os indivíduos desempenham papéis e assumem responsabilidades no desempenho de suas funções (BRANDÃO e GUIMARÃES, 2001BRANDÃO, H. P.; GUIMARÃES, T. de A. Gestão de competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo construto? Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 9-15, jan./mar. 2001.). A importância das competências, segundo Flannery, Hofrichter e Platten (1997FLANNERY, T. P.; HOFRICHTER, D.; PLATTEN, P. E. Pessoas, desempenho e salários: as mudanças na forma de remuneração nas empresas. São Paulo: Futura, 1997.), está associada à busca de desempenho superior, que pode ser alcançado por meio da combinação adequada de um conjunto de conhecimentos, habilidades, capacidades e comportamentos.

Para Zarifian (2001ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas , 2001.), o indivíduo demonstra as competências por meio da capacidade de ser proativo e de assumir responsabilidades que são colocadas em prática em situações de trabalho. Como decorrência, ele se envolve plenamente com o trabalho que está desenvolvendo, dá respostas adequadas aos eventos inesperados que acontecem no dia-a-dia e assume a responsabilidade de avaliar e agir diante das situações apresentadas. Vieira e Luz (2003VIEIRA, A.; LUZ, T. R. da. Do saber aos saberes: confrontando as noções de qualificação e de competência. ENANPAD, 27, 2003, Atibaia. Anais... Atibaia: ANPAD, 2003. 1 CD-ROM.) associam competência à flexibilidade e à adaptabilidade constantes. Para as autoras, atributos como a autonomia, a responsabilidade de comunicação e a polivalência são mais valorizados, pois o controle do trabalho passa a depender dos próprios trabalhadores. O modelo baseado nas competências pressupõe maior ênfase na subjetividade por meio da atenção às atitudes, aos comportamentos e aos saberes tácitos.

As competências também estão ligadas às dimensões cognitivas e compreensivas pelo fato de que as pessoas apóiam-se em seus conhecimentos, e devem estar abertas a contestações e novas aprendizagens, para o entendimento prático das diversas situações com que se deparam constantemente. À medida que as situações são mais complexas, os indivíduos tendem a gerar mobilização conjunta, unindo suas competências, assumindo responsabilidade pessoal e co-responsabilidade (ZARIFIAN, 2001ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas , 2001.). Nesse contexto, o trabalho em equipe, a cooperação, o intercâmbio de idéias e conhecimentos e o desenvolvimento das competências coletivas começam a ser enfatizados pelas organizações, com vistas a enfrentar os problemas e os eventos cada vez mais complexos com que elas se deparam constantemente. As competências representam as contribuições das pessoas para a capacidade de as organizações interagirem com o meio ambiente extremamente dinâmico e turbulento em que estão inseridas, proporcionando maior vantagem competitiva (DUTRA, 2001aDUTRA, J. S. Gestão de pessoas com base em competências. In: DUTRA, J. S. (Org.). Gestão por competências. São Paulo: Gente, 2001a.). A adoção dos princípios que compõem o conceito de competência possibilitou que a gestão de pessoas assumisse delineamentos mais condizentes com o atual contexto de atuação das organizações, com ênfase no desenvolvimento das competências individuais e coletivas das pessoas. Com base nos aspectos salientados pelos autores, verifica-se a ênfase que contempla a gestão de pessoas alinhada aos princípios de competitividade das organizações.

Prahalad e Hamel (2000:59)PRAHALAD, C. K.; HAMEL, G. A competência essencial da corporação. In: ULRICH, D. (Org.). Recursos humanos estratégicos: novas perspectivas para os profissionais de RH. São Paulo: Futura , 2000. abordam a temática das competências pessoais ao estudarem a questão da competência essencial - core competence. O pressuposto é de que as habilidades, que juntas formam a competência essencial,

[...] devem florescer em torno de indivíduos cujos esforços não sejam estreitamente focalizados, para que eles consigam reconhecer as oportunidades para combinar suas habilidades técnicas com as de outros a partir de novas e interessantes maneiras.

Atrair pessoas que detenham as competências desejadas não implica, entretanto, que elas mobilizarão essas competências na organização. Segundo Dutra (2001a)DUTRA, J. S. Gestão de pessoas com base em competências. In: DUTRA, J. S. (Org.). Gestão por competências. São Paulo: Gente, 2001a., o fato de as pessoas deterem conhecimentos, habilidades e atitudes não significa que a organização se beneficiará diretamente com isso. Para ele, é imprescindível que haja entrega, ou seja, que o indivíduo tenha capacidade de entregar-se, de agregar valor para a empresa e para o negócio. O compartilhamento passou, então, a ser uma condição fundamental para o alcance dos resultados empresarias.

A mobilização das competências dos indivíduos não pode ser imposta ou prescrita, ou seja, a organização não pode obrigar que seus funcionários sejam competentes ou desenvolvam suas competências. A motivação representa uma condição e um efeito da utilização e do desenvolvimento das competências à medida que o indivíduo as mobiliza em situações reais de trabalho (ZARIFIAN, 2001ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas , 2001.). Para Le Boterf (2003)LE BOTERF, G. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003., a competência somente existe no ato, na mobilização dos conhecimentos e das habilidades individuais em contextos profissionais. O autor destaca que a mobilização das competências por parte do profissional ocorre em função de um projeto que tenha uma significação para ele e ao qual ele dá um sentido. Não é por acaso que há uma preocupação contemporânea na psicologia quanto ao sentido e ao significado que as pessoas atribuem ao trabalho. A compreensão dos comportamentos individuais e organizacionais passa a adquirir, então, mais relevância.

A revisão da literatura acerca do desenvolvimento de competências mostra a complexidade teórica e prática, o que vai ao encontro de uma perspectiva pós-moderna em que diversidade e fragmentação são uma realidade (BRANDÃO e GUIMARÃES, 2001BRANDÃO, H. P.; GUIMARÃES, T. de A. Gestão de competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo construto? Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 9-15, jan./mar. 2001.). Por outro lado, as críticas à abordagem reforçam a tese de que a valorização das pessoas como centrais para o alcance de objetivos amplamente compartilhados pela organização apresenta limites bem circunscritos. As exigências intermináveis de desenvolvimento de competências foram tratadas por Tanguy (1997:184)TANGUY, L. Competências e integração social na empresa. In: ROPÉ, F., TANGUY, L. (Org.) Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. Campinas: Papirus, 1997. da seguinte maneira:

[...] uma gestão fundada nas competências encerra a idéia de que um assalariado deve se submeter a uma validação permanente e dar constantemente provas de sua “adequação ao posto”, de seu direito a uma promoção ou a uma mobilidade promocional. Tal gestão pretende conciliar o tempo longo das durações de atividades dos assalariados com o tempo curto das conjunturas do mercado, das mudanças tecnológicas, tendo em vista que qualquer ato de classificação pode ser revisado.

Diante do exposto, concorda-se com Le Boterf (apud FLEURY e FLEURY, 2000) ao asseverar que se trata de um conceito em construção.

3 DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS

As organizações em geral, e em especial aquelas que adotam modelos de gestão baseados nas competências, têm demonstrado preocupação constante com o desenvolvimento dos indivíduos que fazem parte de seus quadros funcionais. O desenvolvimento reflete, na concepção de Dutra (20013:30)DUTRA, J. S. Gestão de pessoas com base em competências. In: DUTRA, J. S. (Org.). Gestão por competências. São Paulo: Gente, 2001a., “[...] a capacidade de uma pessoa de assumir e executar atribuições e responsabilidades de maior complexidade”. Para que esse desenvolvimento ocorra efetivamente, algumas organizações começam a criar sistemas educacionais, como as Universidades Corporativas, que privilegiam o desenvolvimento de atitudes e habilidades e não somente do conhecimento (EBOLI, 2001EBOLI, M. Um novo olhar sobre a educação corporativa - Desenvolvimento de talentos no século XXI. In: DUTRA, J. S. (Org.). Gestão por competências . São Paulo: Gente, 2001.).

Le Boterf (2003)LE BOTERF, G. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003. afirma que a aquisição de capacidades, conhecimentos ou competências supõe uma atividade de aprendizagem, um envolvimento pessoal. O desenvolvimento das pessoas pressupõe operações cognitivas diferenciadas, reordenamento das próprias representações, ampliação do saber-fazer técnico e articulação de conhecimentos e habilidades. O desenvolvimento de competências nas organizações, por meio da aprendizagem (FLEURY, 2001FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L. Construindo o conceito de competência. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 4, edição especial, 2001, p. 183-196.), ocorre em três níveis:

  • 1) o individual é o que acontece primeiro, ocorrendo por meio dos diversos caminhos percorridos pelo indivíduo em sua trajetória pessoal;

  • 2) o grupal é o processo social partilhado pelas pessoas do grupo, necessitando de um gerenciamento adequado; e

  • 3) o organizacional ocorre por meio dos dois processos anteriores, resultando em diversos artefatos organizacionais, como estrutura, regras etc. O foco do aprendizado não inclui somente o desenvolvimento da capacidade analítica, mas também processos, valores e comportamentos. Portanto, é necessário ampliar processos que potencializem a capacidade de desenvolver habilidades diferenciadas por parte das equipes (PRAHALAD, 1999PRAHALAD, C. K. Reexame de competências. HSM Management, São Paulo, n. 17, p. 40-46, nov./dez. 1999.).

De acordo com Senge (1990)SENGE, P. M. A quinta disciplina: arte, teoria e prática da organização de aprendizagem. São Paulo: Best Seller, 1990., as organizações que aprendem estão continuamente expandindo sua capacidade de criar seu próprio futuro. Para elas, não basta apenas sobreviver, mas sim desenvolver a aprendizagem de sobrevivência, mais conhecida como aprendizagem de adaptação ou generativa, que estimula a capacidade de criar. O autor afirma ainda que os melhores resultados das organizações no futuro estarão associados à mobilização do empenho e da capacidade de aprender das pessoas que fazem parte de todos os níveis organizacionais. Para Ruas (1999)RUAS, R. A problemática do desenvolvimento de competências e a contribuição da aprendizagem organizacional. Seminário Internacional Competitividade Baseada no Conhecimento. São Paulo, 1999., na abordagem da Aprendizagem Organizacional, o comportamento de aprender é relativo à capacidade permanente de transformação decorrente de complexos processos individuais e organizacionais, de modo que o aprendizado coletivo é viabilizado por meio da interação entre as pessoas da empresa. Dessa forma, a competência de uma empresa não se resume à soma das competências de seus membros. O desenvolvimento das competências coletivas é resultado das articulações e trocas fundadas nas competências individuais, fazendo com que a organização e o funcionamento da empresa ocorram por meio da conjugação da rede de competências de seus atores (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, G. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.). O aprendizado coletivo é um “processo de alinhamento e desenvolvimento da capacidade de um grupo de criar os resultados que seus membros realmente desejam” (SENGE, 1990SENGE, P. M. A quinta disciplina: arte, teoria e prática da organização de aprendizagem. São Paulo: Best Seller, 1990.:213).

Segundo Le Boterf (2003)LE BOTERF, G. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003., a construção das competências resulta da reunião de condições favoráveis ao saber agir, ao poder agir e ao querer agir. A construção das competências, portanto, não é função apenas do indivíduo, mas compartilhada entre três atores: o indivíduo, o gestor e o formador/gerenciador de recursos humanos. Por meio do desenvolvimento do saber agir, do encorajamento do querer agir e da oportunidade de fazer com que o funcionário possa agir, a organização cria condições favoráveis à construção das competências, proporciona o desenvolvimento dos indivíduos e ajuda-os a articular e relacionar seus saberes. A combinação desses fatores aumenta a capacidade de transposição dos conhecimentos adquiridos tanto na formação quanto nas situações profissionais.

O pressuposto de que a empresa competente aprende mais rápido e melhor do que as suas concorrentes tem levado a maiores investimentos e apoio ao desenvolvimento contínuo dos funcionários. Os próprios indivíduos estão percebendo a necessidade de aperfeiçoamento constante como condição fundamental para sua inserção e manutenção no mercado (DUTRA, 2001bGestão do desenvolvimento e da carreira por competência. In: DUTRA, J. S. (Org.) Gestão por competências. São Paulo: Gente, 2001b.). Os bancos são exemplos de organizações preocupadas com o desenvolvimento das competências de seus profissionais como estratégia para gerar diferenciação em um contexto de grande competitividade.

4 ORGANIZAÇÕES BANCÁRIAS: EVOLUÇÃO E CONTEXTO ATUAL

O desenvolvimento econômico da sociedade primitiva está associado ao surgimento das intermediações financeiras. No Brasil, essas intermediações tiveram início com a transferência da família real para o País, em 1808, ano da criação do primeiro banco brasileiro, o Banco do Brasil. Após esse período, criaram-se outras instituições e órgãos incumbidos de fiscalizá-las, o que, segundo Lopes e Rossetti (1983)LOPES, J. do C.; ROSSETTI, J. P. Moeda e bancos: uma introdução. São Paulo: Atlas, 1983., foi decorrência da própria evolução da estrutura econômica interna do País. Na década de 1960, o computador foi introduzido nas organizações bancárias, que, até então, não passavam de empresas de pequeno e médio porte, contando com poucas agências (ACCORSI, 1992ACCORSI, A. Automação bancária e seus impactos: o caso brasileiro. Revista de Administração, São Paulo, v. 27, n. 4, p. 39-46, out./dez. 1992.). Para Rodrigues et al. (1988)RODRIGUES, S. B. et al. O impacto da informática no consumidor de serviços bancários. ENAN-PAD, 12, 1988, Natal. Anais..., Natal: ANPAD, 1988., a modernização dessas organizações surgiu devido ao interesse de expansão tanto geográfica quanto dos serviços de transação financeira.

A partir da década de 1970, o setor financeiro mundial passou por mudanças importantes, principalmente com o aumento da valorização da capacidade de inovação para atender às demandas cada vez mais diferenciadas e com a utilização de novas tecnologias que permitiram estabelecer um novo tipo de relacionamento com o cliente (ANDIMA, 2001ANDIMA. O novo perfil do sistema financeiro. Relatório Econômico. Rio de Janeiro, 2001.). Bilichi e Neto (1995)BILICHI, F.; NETO, A. A. Modelo de gestão da qualidade em bancos comerciais. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 1, n. 7, p. 27-43, set. 1995., ao caracterizarem a gestão da qualidade nos bancos comerciais, destacam que as agências bancárias passaram a desempenhar um papel complementar aos serviços eletrônicos disponibilizados. Com a globalização, algumas organizações passaram por fusões e aquisições, enquanto outras buscaram a especialização. Diante disso, os sistemas financeiros, tanto nacionais quanto internacionais, começaram a atuar em uma

[...] estrutura bimodal, marcada pela coexistência (e competição) de instituições de grande porte, voltadas para o suprimento de serviços variados a um grande número de clientes em mercados geograficamente diversificados, e empresas especializadas na produção de serviços de alto valor, em mercados mais sofisticados [...] (ANDIMA, 2001ANDIMA. O novo perfil do sistema financeiro. Relatório Econômico. Rio de Janeiro, 2001.:43).

O processo de globalização também levou muitas organizações bancárias a internacionalizar suas atividades. Elas deixaram de atender apenas ao seu mercado doméstico para atender aos mercados de outros países, especialmente pelo fato de que as operações internacionais passaram a representar mais uma modalidade de serviço para atender aos clientes, que apresentam um perfil cada vez mais exigente (FERNANDES, 1996FERNANDES, B. H. R. A internacionalização recente de bancos brasileiros. ENANPAD, 20, 1996, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 1996.).

Na década de 90, as novas tecnologias foram disseminadas rapidamente pela adesão maciça dos bancos à informática. Surgiu o home banking, uma ferramenta de interação instantânea do cliente com o banco, que possibilitou fornecer informações a respeito de produtos e serviços de forma individual, confidencial e inovadora, com agilidade e segurança. Essa ferramenta representou um diferencial competitivo, especialmente pela facilitação da relação banco-cliente (LUCE, ALBANESE e ZINGLER, 1993LUCE, F. B.; ALBANESE, M. T.; ZINGLER, I. E. O papel do “home banking” no relacionamento banco-cliente. ENANPAD, 17, 1993, Salvador. Anais... Salvador: ANPAD, 1993.). A maioria dos produtos, que era oferecida por funcionários, passou a ser disponibilizada por meio digital (PIRES e MARCHETTI, 1997PIRES, P. J.; MARCHETTI, R. Z. O perfil dos usuários dos caixas-automáticos em agências bancárias na cidade de Curitiba. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 1, n. 3, p. 5776, set./dez. 1997.).

Oferecer serviços semelhantes aos da concorrência e de forma idêntica representava uma receita para a estagnação no setor bancário. Preocupado com essa possibilidade, o Bank of America, em 1999, formou uma equipe interna de pesquisa que conduziu uma série de experimentos formais, por meio da transformação de algumas agências em laboratórios, para criação de novos conceitos de serviços de banco de varejo. Foram testados serviços com clientes reais no horário normal de funcionamento das agências, medidos os resultados e comparados com os das agências estabelecidas como de controle. As inovações consideradas mais atraentes foram aplicadas em todo banco (THOMKE, 2003THOMKE, S. P&D chega aos serviços: experimentos revolucionários do Bank of America. Harvard Business Review, Chile, v. 81, n. 4, p. 54-63, abr. 2003.). A experiência permitiu ao Bank of America gerar idéias criativas sobre as atividades bancárias em uma agência. Para que a “pesquisa” fosse bem-sucedida e replicada em outras organizações bancárias, foi necessária a gestão de pessoas no sentido de proceder à avaliação das aprendizagens ocorridas com base nas próprias experiências, com as melhores práticas de outros e com os próprios erros. A geração de aprendizagem com base na experiência foi o aspecto mais importante que proporcionou vantagem competitiva sobre a concorrência (THOMKE, 2003THOMKE, S. P&D chega aos serviços: experimentos revolucionários do Bank of America. Harvard Business Review, Chile, v. 81, n. 4, p. 54-63, abr. 2003.).

O caso citado e outras experiências demonstram que, no atual contexto dinâmico e competitivo em que as organizações bancárias estão inseridas, todas as ações devem visar à diferenciação por meio da distribuição inovadora de produtos e serviços que atendam às necessidades dos mais diversos perfis de clientes. Como está sendo salientado neste artigo, é com base nas pessoas que é possível gerar diferenciação relativa ao conhecimento. Qualquer inovação tecnológica é passível de aquisição pelos concorrentes que detenham capital para tanto, enquanto os conhecimentos tácitos são desenvolvidos com base no saber-fazer que é construído diuturnamente e que não é facilmente replicável. O mesmo ocorre com as competências, pois conhecimentos, habilidades e atitudes individuais, que são constituintes de uma organização e contribuem para o estabelecimento de sua core competence, são únicos. Nesse sentido, o fato de que os bancos estão sujeitos a novas realidades competitivas e precisam de adaptação a elas para sobreviver faz com que, além de utilizarem novas tecnologias, também tenham que manter em seus quadros funcionais profissionais capazes de desenvolver constantemente suas competências para atender às novas demandas organizacionais e às expectativas dos clientes.

5 COMPETÊNCIAS DOS PROFISSIONAIS BANCÁRIOS

A partir da introdução da automação e da racionalização nas organizações bancárias, as competências exigidas dos seus profissionais passaram por transformações. Até então, o contador era considerado uma figura tão importante para o banco quanto o gerente. Os funcionários precisavam conhecer basicamente rotinas administrativas internas e contabilidade, e o critério básico para as promoções era o tempo de serviço (ACCORSI, 1992ACCORSI, A. Automação bancária e seus impactos: o caso brasileiro. Revista de Administração, São Paulo, v. 27, n. 4, p. 39-46, out./dez. 1992.). Após a década de 1970, a figura do contador cedeu lugar para a do gerente administrativo. Com a padronização e automatização dos serviços, a substituição do profissional bancário ficou facilitada, crescendo a rotatividade, rompendo o encarreiramento interno e tornando a ascensão mais difícil (ACCORSI, 1992ACCORSI, A. Automação bancária e seus impactos: o caso brasileiro. Revista de Administração, São Paulo, v. 27, n. 4, p. 39-46, out./dez. 1992.).

Com as mudanças tecnológicas e socioorganizacionais, o bancário, avesso ao risco e que privilegiava a segurança, foi substituído pelo executivo mais dinâmico e ousado, capaz de atender às necessidades específicas de cada grupo de clientes (ANDIMA, 2001ANDIMA. O novo perfil do sistema financeiro. Relatório Econômico. Rio de Janeiro, 2001.). Teve início a configuração de uma nova realidade nas organizações bancárias, que levou à demanda por profissionais com um domínio superior de competências que possibilitassem a geração de diferenciação em um contexto em evolução para a elevada competitividade. O bancário foi levado à condição de parceiro para atuar de maneira ativa na obtenção de vantagem competitiva para a organização em que trabalha e para ser educado e treinado com ênfase na qualidade e na proatividade - especialmente com a introdução do conceito de qualidade nos bancos (BILICHI e NETO, 1995BILICHI, F.; NETO, A. A. Modelo de gestão da qualidade em bancos comerciais. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 1, n. 7, p. 27-43, set. 1995.). Essa nova postura foi reflexo das mudanças na forma de organizar o trabalho e nas relações de trabalho que levaram à emergência do modelo de gestão de competências nas organizações.

Atualmente, a atração e a retenção de profissionais com competências diferenciadas são uma demanda manifesta por muitas organizações. Essas competências diferenciadas são descritas por Zarifian (2001)ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas , 2001. e Le Boterf (2003)LE BOTERF, G. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003. e foram demonstradas em estudo realizado por Brandão (1999)BRANDÃO, H. P. Gestão baseada nas competências: um estudo sobre competências profissionais na indústria bancária. 1999. 172 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Faculdade de Estudos Sociais Aplicados, Universidade de Brasília, Brasília, 1999. com base nas competências profissionais da indústria bancária. Segundo o autor, as tendências em relação ao papel do profissional bancário sugerem que, em um futuro próximo, ele atuará como um consultor financeiro, desempenhando um papel profissional bem diferente do atual. O novo profissional bancário deverá ter novas qualificações e um perfil profissional caracterizado pela polivalência e pela capacidade de criar e inovar no trabalho. Exemplo dessa demanda por profissionais com perfis diferenciados já pode ser observado na Caixa Econômica Federal. Por meio do Programa Gestão por Competências Caixa, são definidas as competências requeridas dos gestores da organização: orientação ao cliente, orientação aos resultados, negociação, gestão de pessoas e especialização. Essas competências demonstram que habilidades para negociação e para lidar com pessoas, que no passado não eram consideradas relevantes, atualmente são imprescindíveis. Dos gestores de recursos humanos, a organização também demanda uma atuação de consultoria organizacional por meio do acompanhamento da implementação de políticas de RH e da gestão das equipes de trabalho de forma versátil (MORASSUTTI e GRISCI, 2002MORASSUTTI, A. P. M.; GRISCI, C. L. I. Competências gerenciais em tempos de reestruturação do trabalho bancário: o caso Caixa. READ, maio/2002. Disponível em: <http://read.adm.-ufrgs.br/read26/artigos/Artigo2.pdf >. Acesso em :24 abr. 2004.
http://read.adm.-ufrgs.br/read26/artigos...
). Gramigna (2002)GRAMIGNA, M. R. Modelo de competências e gestão dos talentos. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2002. descreveu aspectos similares e peculiares quanto às principais competências exigidas dos profissionais que atuam em organizações financeiras: criatividade, dinamismo, flexibilidade, comunicação, liderança, motivação, negociação, relacionamento interpessoal, tomada de decisão e visão sistêmica. Essa matriz de competências permite aos bancos fundamentarem suas decisões na gestão das pessoas e fazerem a opção por projetos que ampliem o domínio de competências dos indivíduos. Isso permite, conforme Dutra (2001a)DUTRA, J. S. Gestão de pessoas com base em competências. In: DUTRA, J. S. (Org.). Gestão por competências. São Paulo: Gente, 2001a., que a gestão de pessoas assuma delineamentos mais condizentes com o contexto de atuação das organizações.

O profissionalismo também tem adquirido uma importância cada vez maior no mercado de trabalho. Os profissionais de todas as categorias, inclusive a bancária, começam a investir na empregabilidade, que pressupõe não somente adaptabilidade a um posto de trabalho, mas também a capacidade da pessoa de desenvolver competências pertinentes às suas atividades (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, G. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.). A empregabilidade passa a ser de responsabilidade tanto da pessoa quanto da organização em que ela atua. Desenvolver e encorajar a empregabilidade pressupõe o reconhecimento, a criação, a manutenção e o desenvolvimento de competências.

Uma das ferramentas criadas pelas organizações para buscar o desenvolvimento das competências das pessoas, por meio de um sistema de aprendizagem contínuo, são as Universidades Corporativas (UC). Algumas organizações bancárias já começam a apostar nas UC. A Boston School, inaugurada em 1999, é a Universidade Corporativa do BankBoston, que está vinculada à Fundação vinculada ao mesmo Banco, entidade sem fins lucrativos e de cunho social, que oferece treinamento aos familiares dos funcionários e à comunidade. Nesse caso, as diretrizes são determinadas pelo departamento de Recursos Humanos do Banco, que atua em parceria com instituições de ensino.1 1 IBMEC, PUCRJ, FGV e USP (GRISCI e DENGO, 2003). O Banco do Brasil também lançou, em 2002, a Universidade Corporativa BB, sendo um dos destaques o BB MBA, que é um programa para executivos e técnicos que atuam no banco e em outras organizações. O BB MBA é elaborado em parceria com instituições de ensino de excelência do País.2 2 Fundação Getulio Vargas, Universidade de São Paulo, Fundação Dom Cabral, entre outras. De 1993 a 2003, foram 298 turmas, com 7.928 funcionários e 2.201 participantes de outras organizações (BANCO DO BRASIL, 2004BANCO DO BRASIL. Universidade Corporativa Banco do Brasil. Disponível em: <www.bb.com.br>. Acesso em: 17 abr. 2004.
www.bb.com.br...
). A criação de Universidades Corporativas reflete a preocupação das organizações bancárias em desenvolver tanto o conhecimento técnico e instrumental quanto atitudes, posturas e habilidades dos funcionários que fazem parte de seus quadros funcionais, como destacado por Eboli (2001)EBOLI, M. Um novo olhar sobre a educação corporativa - Desenvolvimento de talentos no século XXI. In: DUTRA, J. S. (Org.). Gestão por competências . São Paulo: Gente, 2001.. Esse sistema de aprendizagem permite que toda organização aprenda e trabalhe com novos processos e soluções, despertando o empenho e a capacidade de aprender das pessoas.

A criação de Universidades Corporativas representa o investimento das organizações bancárias para alcançar vantagem competitiva sustentável por meio da atuação dos talentos que fazem parte de seus quadros funcionais. As mudanças substanciais nas relações banco-cliente, advindas especialmente pela disseminação de novas tecnologias, fizeram com que essas organizações passassem a investir na gestão de competências para sobreviver e expandir sua capacidade de criar seu próprio futuro.

6 CONCLUSÕES

As mudanças no contexto sociopolítico e econômico ocorridas a partir da década de 1980 geraram transformações no “mundo do trabalho” e nas organizações. As formas anteriores de gerir as organizações e os trabalhadores deixaram de apresentar a eficiência e a eficácia necessárias para acompanhar o processo de globalização. A preocupação com a gestão de competências adquiriu relevância no bojo das exigências de que a organização recrute, selecione e mantenha indivíduos que contribuam com desempenhos superiores para a geração de competências organizacionais diferenciadas. As competências individuais e coletivas, quando mobilizadas de maneira efetiva na organização, permitem agregar valor ao patrimônio organizacional e, conseqüentemente, gerar vantagem competitiva sustentável. A construção de competências transformou-se, então, em uma prioridade das organizações focadas na competitividade, pois permite alcançar a alta performance das pessoas por meio do desenvolvimento de características, como criatividade, iniciativa, empreendedorismo e capacidade de trabalhar em equipe.

A atuação em um ambiente de grande competitividade tem levado a gestão de organizações bancárias a adotar a gestão de competências como um modelo (métodos e técnicas) eficaz para atender às novas demandas organizacionais e, principalmente, às expectativas dos clientes. Para inovar em produtos e serviços e prestar um atendimento de excelência a uma clientela que apresenta um perfil cada vez mais diferenciado e exigente, essas organizações precisam, acima de tudo, de funcionários com competências relacionadas ao que é central para os negócios. A demanda por profissionais com competências diferenciadas, capazes de gerar resultados sustentáveis, e o investimento no desenvolvimento das competências dos funcionários transformaram-se em prioridade para muitas organizações bancárias. Exemplo disso são as Universidades Corporativas, criadas como uma estrutura capaz de gerar diferenciação por meio do desenvolvimento de competências e de aprendizagem contínua. Com base na Educação Corporativa, as organizações bancárias buscam nos indivíduos o suporte para suas estratégias e para obter e manter vantagem competitiva ao longo do tempo.

A revisão da literatura adotada permite verificar que, embora a temática das competências esteja em voga, o estudo do fenômeno de profissionais bancários ainda constitui um campo de conhecimento relativamente novo. Alguns autores abordam a temática, mas geralmente os conhecimentos sistematizados sobre competências tratam de diferentes categorias com pouco grau de demonstração dos resultados. A abordagem acerca das competências dos profissionais bancários pode ser relevante do ponto de vista social e científico, dada a perspectiva de que resulte na oferta de serviços mais em conformidade com as aspirações dos clientes, na avaliação das necessidades de competências individuais e coletivas à organizações e na formulação de definições que evitem alguns equívocos conceituais encontrados atualmente na literatura.

  • 1
    IBMEC, PUCRJ, FGV e USP (GRISCI e DENGO, 2003).
  • 2
    Fundação Getulio Vargas, Universidade de São Paulo, Fundação Dom Cabral, entre outras.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2004

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2004
  • Aceito
    28 Out 2004
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