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Investimento em Capital Humano: Parâmetros para a Determinação de uma Política de Desenvolvimento Econômico

1 A EDUCAÇÃO E O INVESTIMENTO EM CAPITAL HUMANO

O investimento em Capital Humano propicia um aumento na produtividade, causando também uma melhoria no perfil da distribuição de renda em longo prazo.1 1 Em alguns países, em razão de suas particularidades, a melhoria da distribuição da renda deve vir acompanhada de medidas específicas de gestão de política econômica ou de ampliação do grau de liberdade do mercado. Esses casos serão analisados mais adiante.

Um aumento no investimento em educação, vem geralmente acompanhado por maiores gastos na saúde e na boa nutrição, os quais, mais tarde, resultam em maior desempenho socioeconômico do país. Os resultados mais evidentes são os seguintes:

  • maior produtividade;

  • maior mobilidade da força de trabalho para setores dinâmicos;2 2 No Brasil, alguns grupos empresariais vêm exigindo, nas negociações com sua mão-de-obra, maior flexibilização nas relações jurídico-trabalhistas, sem, contudo, oferecer maiores investimentos em Capital Humano, como, por exemplo, em programas de treinamento e qualificação. Trata-se de um mero aproveitamento, por parte do setor empresarial, da crise recessiva que atravessa o país.

  • menor pressão demográfica, mediante redução da taxa de fertilidade.

Uma proposta de ação que conduza a um aumento dos investimentos no Capital Humano torna-se, portanto, de oportunidade inquestionável, pois eleva o padrão de vida da comunidade. Contudo, é sempre aconselhável analisar algumas condicionantes dessas possibilidades.

A primeira delas está ligada ao fato de que o rendimento dos investimentos em Capital Humano varia de acordo com o estágio de desenvolvimento de cada país, isto é, há sempre um tipo de inversão melhor recomendada para cada economia, que leva em consideração as particularidades do crescimento nacional.

O Banco Mundial (1995) indica que nos países onde o Produto Nacional per capita é considerado pequeno (entre 1 a 3 mil dólares), os gastos com saúde e nutrição propiciam melhores resultados na produtividade nacional do que os investimentos feitos diretamente no sistema formal de ensino. Já em países onde o Produto Nacional per capita é considerada de tamanho médio (entre 4 a 10 mil dólares), a taxa de retorno dos investimentos em educação se apresenta mais alta.

Nas regiões onde a escolaridade formal é baixa, os melhores resultados surgem com a expansão da rede escolar e com a melhoria da qualidade do ensino básico. Nos países onde o ensino está melhor estruturado, os investimentos educacionais, nos níveis médio e superior, proporcionam os melhores retornos.

A segunda condicionante está relacionada com as variáveis socioeconômicas, dependendo das diferentes políticas de desenvolvimento traçadas de país para país. As taxas de retorno dos investimentos em Capital Humano, considerando esses aspectos, são maiores quando:

  • há sustentação no nível da atividade econômica, com equilíbrio de mercado;

  • há continuidade nas ações de política econômica governamental, com prioridade para o funcionamento do livre mercado; e

  • há integração do país com os mercados mundiais.

Pode-se considerar ainda, nesse cenário, que os investimentos no Capital Humano direcionados para as mulheres produzem resultados superiores àqueles direcionados para os homens. A razão é simples: o aumento da escolaridade nas mulheres resulta em uma maior contribuição para a geração de profissionais nas áreas da saúde e da nutrição, além de propiciar uma redução na taxa de fertilidade, que tem impacto direto no tamanho da população e na melhoria da renda per capita da comunidade.

No Brasil, praticamente não existem estudos específicos envolvendo o relacionamento entre o nível de saúde e nutrição com a capacidade de gerar renda monetária. No entanto, alguns coeficientes de correlação simples têm sido calculados e, em todos os casos, são constatados uma forte relação inversa entre o nível de renda familiar e o grau de nutrição.3 3 Ver CARVALHO, José Luiz. Nutrição, Saúde, Fecundidade e Capacidade de Gerar Renda: Um argumento a favor da nova economia doméstica. Rio de Janeiro, 1981. Tese (Livre Docência). Universidade Federal Fluminense. Um impacto importante sobre a renda per capita aparece relacionado com o tamanho da família no país. As pesquisas nacionais e as do Banco Mundial mostram que um aumento no nível de escolaridade, particularmente nas mulheres que desempenham o papel de chefe de família, associa-se com a melhoria do nível de saúde, nutrição e renda do núcleo familiar.

Nos países com grande desigualdade social, proveniente da alta concentração de renda, especialmente entre grupos étnicos e nas áreas rurais, é preferível o investimento no Capital Humano direcionado para os pobres, pois além de aumentar o bem-estar social, como resultado da melhoria da renda per capita, faz crescer também a produtividade da força de trabalho.

A maior limitação dessa possibilidade está associada ao tempo de maturação requerido para a gestação dos investimentos no Capital Humano. Poucos desses investimentos apresentam resultados de efeito imediato sobre a produtividade, a distribuição da renda e a redução da pobreza, embora sejam capazes de produzir altas taxas de retorno.

Nesse cenário, o investimento em Capital Humano por meio do treinamento parece ser uma exceção, pois há fortes indicações de que seu retorno ocorra em prazo bem mais curto, embora seja recomendável proceder a uma análise cuidadosa dos efeitos do treinamento, de região para região.

2 SAÚDE, NUTRIÇÃO E INVESTIMENTO EM CAPITAL HUMANO

Ao longo dos últimos anos, os economistas têm mostrado um interesse especial pelos gastos sociais no processo de Desenvolvimento Econômico, em particular, para melhor conhecer seus impactos na determinação da renda nacional. A posição doutrinária que motiva esse interesse está baseada na teoria do Capital Humano, que considera os investimentos feitos no homem capazes de render melhores resultados pecuniários ao longo do tempo do que aqueles feitos no capital físico, tais como em máquinas, equipamentos e instalações.

Valoriza-se, nesse conjunto de possibilidades, os anos a mais de experiência no trabalho, como mais um elemento formador do Capital Humano. Admite-se, por exemplo, que a experiência profissional seja capaz de compensar parcialmente o baixo nível de escolaridade do indivíduo, embora também se saiba que, nas atividades profissionais em que a experiência é mais requerida, o conteúdo do Capital Humano seja geralmente maior.

A saúde e a nutrição ocupam, ao lado da educação, lugar de destaque no conjunto dos investimentos em Capital Humano. Esses gastos se apresentam como despesas sociais altamente vinculadas com a formação do homem detentor de eficiência econômica e sintetizam os meios da teoria do Capital Humano.

No Brasil, as pesquisas realizadas nas áreas da saúde e da nutrição são pouco freqüentes. Quando ocorrem, constatam, de forma geral, a existência de condições sociais bastante precárias, particularmente nas regiões do interior do país.

Nos centros urbanos, a situação também é precária, pois essas localidades registram muitas carências nas áreas sociais, sobretudo, nas periferias das grandes cidades. Em São Paulo, por exemplo, estudos do DIEESE4 4 DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), 1973. mostraram que o trabalhador paulista possui profundas deficiências nutricionais por causa de seu baixo nível calórico e vitamínico.5 5 O DIEESE constatou fortes carências nutricionais no trabalhador paulista de calorias, vitamina A, Tiamina(B1), Riboflavina e vitamina C. Resultados parecidos foram observados em pesquisas conduzidas pela Escola Paulista de Medicina, associada com o Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo. No caso, verificouse que o trabalhador paulista e sua família eram portadores de deficiências calóricas, de ferro e de vitamina A, cujo grupo mais comprometido era o das crianças com até 5 anos.

Outra pesquisa realizada pelo departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, para a região do Estado de São Paulo, mostrou que a desnutrição protéico-calórica, além de ser uma deficiência comum entre as crianças com até 4 anos de idade, assumia proporções consideráveis no interior do Estado, associando-se mesmo à existência de outras carências nutricionais, como as de vitamina A e ferro.

Essas pesquisas revelaram que no interior do Estado do de São Paulo 42% das crianças com 4 anos de idade apresentavam baixa estatura, correspondente às encontradas nas crianças de 2 anos. Em outra estratificação, as pesquisas indicaram que 41% das crianças com 3 anos idade tinham estatura e peso de crianças de 1 ano de idade.

A situação nutricional da cidade de São Paulo não se apresentou diferente daquela encontrada no restante do Estado. A explicação para essa carência na metrópole mais rica do país foi atribuída ao rápido crescimento industrial, vivido nos anos 60 e 70, que transformou a região metropolitana no maior pólo de empregos do Brasil, provocando, em conseqüência, um crescimento desordenado dessa cidade. Além disso, o contingente de imigrantes que se incorporou à São Paulo, nesse período, era composto de pessoas de baixa escolaridade e renda, fato que agravou ainda mais as precárias condições gerais de saúde e alimentação das famílias paulistanas carentes.

O setor público do Município de São Paulo, sem recursos suficientes para enfrentar o problema do crescimento urbano desordenado e para promover a criação de investimentos em infra-estrutura, se viu impossibilitado de atender à demanda social em itens como saneamento, educação, saúde e habitação. Rodrigues (1987) confirma essa limitação: “a cidade cresceu desordenadamente em extensão, com as populações mais carentes de recursos concentrando-se nas zonas periféricas, justamente onde as condições de infra-estrutura eram mais precárias.”

A Fundação Getúlio Vargas–IBRE6 6 FGV – IBRE. constatou também, em pesquisa realizada na cidade do Rio de Janeiro, deficiências nutricionais próximas daquelas registradas na cidade de São Paulo. Isso mostrou que problemas de ordem nutricional são comuns no Brasil, mesmo nos seus grandes centros urbanos.

Vale enfatizar que o ponto de convergência de todas essas pesquisas foi a constatação da existência de uma relação muito forte entre o nível de deficiência nutricional e a baixa renda familiar. Pôde-se confirmar, com base nos resultados apurados, que a renda confirmava-se como a variável de maior relevância na explicação do estado nutricional da família, vindo a seguir, na ordem de importância, o nível de educação da mãe.

Outros aspectos que comprometeriam o estado nutricional do indivíduo são:

  • o número médio de componentes na família;

  • o espaçamento de idade entre os filhos;

  • o nível educacional dos pais.

3 BASES PARA A CRIAÇÃO DE UM PROGRAMA DE SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR

Apresentamos, abaixo, as condições ideais para um “Programa de Suplementação Alimentar”, que teve como subsídio informações colhidas nas pesquisas IPE-USP/INPEP,7 7 IPE-USP/INPEP. cuja finalidade foi avaliar as condições de saúde e hábitos alimentares da população paulistana:

  • Primeiro - As pesquisas mostraram que o grupo social mais vulnerável do ponto de vista nutricional, na cidade de São Paulo, foi o das famílias de baixa renda, com grande número de filhos, cujo espaçamento entre eles era de 22 a 23 meses. Nesse grupo, foi encontrado o maior número de crianças na fase escolar, para as quais, no nosso entender, devem ser direcionados os esforços de um programa de suplementação alimentar, como, por exemplo, criar novos mecanismos similares aos do programa nacional de merenda escolar.

  • Segundo – Constatou-se que as famílias pertencentes às classes de baixa renda, localizadas mais próximas da base da pirâmide social, gastavam apenas 30% de seu orçamento para criar uma boa base alimentar. Em nossa opinião, esse percentual caracteriza um estado de carência nutricional, em virtude do nível de renda absolutamente baixo. Esse quadro pode ser contornado com a criação de programas de suplementação alimentar, como o da “Cesta Básica”, que tem mostrado resultados eficazes nessas condições.

  • Terceiro – Constatou-se que o aleitamento materno é uma prática amplamente disseminada entre a população de baixa renda. Cerca de 75% das crianças são amamentadas durante os primeiros meses de vida, mas apenas 23% das crianças continuam a sê-lo até o 6° mês, época considerada ideal para o interromper o aleitamento. A amamentação reduz muito a possibilidade de certos tipos de doenças nas crianças, e por isso deve ser alvo de um amplo programa de orientação familiar, conduzido preferencialmente pelos médicos, que são respeitados e ouvidos pela comunidade em geral. Vale dizer que, na pesquisa realizada na cidade de São Paulo, o fato da mãe trabalhar fora do lar não foi apontado como causa principal para o desaleitamento antes do 6° mês, mas sim pelos postos de saúde recomendarem o aleitamento apenas até o 3° mês de vida.

  • Quarto – Um hábito alimentar freqüente e salutar identificado junto à família paulistana de baixa renda foi o da população adicionar regularmente amido ao leite. Isso sugere que uma maior parcela da população pode ser preparada para suprir suas deficiências de calorias e ferro, sem contrariar as preferências e hábitos alimentares já consagrados, somente adicionando amido ao leite, orientadas por intermédio de uma política governamental ativa.

  • Quinto – Verificou-se também um outro fenômeno de comportamento, ligado a má distribuição intrafamiliar de alimentos, que mostra a existência, nas camadas de baixa renda, de uma tendência em privilegiar a alimentação destinada à manutenção da força de trabalho, em detrimento dos grupos mais vulneráveis, como os das crianças. Portanto, um programa de suplementação alimentar deveria começar pelo atendimento das carências nutricionais das crianças pertencentes a essas famílias.

Além desses parâmetros extraídos da realidade nacional para orientar um programa de suplementação alimentar, vale conhecer como se estrutura o Capital Humano para criar rendimentos, quando associado a variáveis como nutrição, saúde e fecundidade.

O Capital Humano, nesse aspecto, pode ser considerado de acordo com a capacidade adquirida pela pessoa para criar renda monetária ao longo da sua existência. De um ponto de vista mais amplo, o Capital Humano é aceito como sendo uma síntese da capacidade física, psíquica e intelectual do indivíduo.

Esses atributos reforçaram a importância de se conhecer melhor as condições natas e adquiridas dos seres humanos, em particular como essas condições podem ser influenciadas pelos investimentos sociais e quais seus impactos sobre a taxa de fecundidade.

Os atributos natos seriam aqueles que nascem com o indivíduo, tais como as características hereditárias, as capacidades e as vantagens comparativas. Estes seriam passíveis de melhoria ou, ao contrário, poderiam ser retardados durante o processo de formação humana. Os atributos adquiridos seriam aqueles produzidos no ambiente familiar ou coletivo, mas com capacidade para mudar os atributos natos.

Como os seres humanos possuem capacidade para realizar investimentos em si próprios, isto é, podem aumentar seus atributos adquiridos, isso significa reconhecer que os atributos natos correspondem a características individuais ao nascer, mas que são afetadas pelos atributos adquiridos.

Nessas condições, os investimentos sociais realizados em educação, saúde e nutrição podem estimular ou desestimular, por intermédio dos atributos adquiridos, os atributos natos, os quais acabam influenciando a qualidade do Capital Humano existente.

Interessa, portanto, identificar qual o fator que determina no indivíduo o aumento de seus atributos adquiridos e, por conseqüência, qualifica o seu Capital Humano.

O fator apontado como o de maior importância é a condição socioeconômica do indivíduo, da família ou da coletividade. Estudos teóricos realizados por diversos autores são unânimes em apontar a correlação existente entre a renda pessoal, familiar e nacional, com os gastos sociais, os quais influenciam a qualidade do Capital Humano ou, em outras palavras, aumentam os atributos adquiridos no ser humano.

Em termos práticos, considera-se que a renda constitui-se na grande restrição orçamentária imposta às famílias para a aquisição de bens e serviços, em especial com relação aos serviços que representam investimentos diretos na formação do ser humano. Na família, a renda provém do Capital Humano das pessoas economicamente ativas no lar, isto é, a renda familiar depende da escolaridade, das condições de saúde e nutrição, refletidas na produtividade das pessoas que trabalham.

Este raciocínio, se levado ao limite, revela a existência de um círculo vicioso de caráter perverso, isto é: como a alta renda do clã familiar geralmente está associada ao elevado conteúdo de Capital Humano de seus membros, a ligação entre renda e gastos sociais com educação, saúde e nutrição determina, para as famílias de baixa renda, a perpetuação da pobreza e da miséria. Alguns estudiosos classificam esses encadeamentos como característicos do chamado “círculo vicioso da pobreza e da miséria”.8 8 Este circulo vicioso atinge o trabalhador e os membros de sua família. Os filhos dos trabalhadores pobres tendem também a continuar pobres, pois sua famílias não tem capacidade financeira para proporcionar-lhes os meios materiais necessários ao desenvolvimento de seus atributos natos e, desse modo, aumentar-lhes o conteúdo de Capital Humano.

4 O COMBATE DA POBREZA POR INTERMÉDIO DO MERCADO DE CAPITAIS HUMANOS

Os conceitos relativos à teoria do Capital Humano são muito úteis para orientar novas políticas de ação pública contra a pobreza, criando até condições metodológicas para a classificação e a avaliação dos resultados alcançados em campos sociais específicos.

Como se sabe, os indivíduos, ao longo da vida, podem adquirir um certo conteúdo de Capital Humano, que influencia diretamente seu desempenho pecuniário. Aqueles com baixo conteúdo de Capital Humano têm baixa produtividade e, por esse motivo, tendem a ser pessoas malsucedidas economicamente, em comparação com os indivíduos de alto conteúdo de Capital Humano.

A produtividade, nesse sentido, encontra-se relacionada com o nível de remuneração pessoal, que determina a capacidade do indivíduo consumir mais e melhor, em especial para consumir bens e serviços ligados à educação, à saúde e à nutrição, que aumentam diretamente seu conteúdo do Capital Humano.

Esse círculo vicioso, no nosso entender, necessita ser interrompido. Isso torna-se possível quando os indivíduos, por algum mecanismo institucional, obtêm financiamento para seus gastos em educação, para liquidação futura, após a formatura, com rendas pecuniárias maiores provenientes do trabalho mais eficiente e melhor remunerado.9 9 No momento em que o indivíduo decide pela realização de um investimento em Capital Humano, para ampliar suas possibilidades pecuniárias, percebe que a estrutura socioeconômica existente não contempla canais que propiciem recursos para as pessoas de baixa renda. Nesse sentido, algo pode ser feito para atender a essas pessoas socialmente desassistidas. Nossa proposta é criar um “Mercado de Capitais Humanos”, utilizando a mesma estrutura de funcionamento para operar o ”Mercado de Capitais Fixos”. O detalhamento desta idéia se encontra no corpo do texto em desenvolvimento.

Antes de formular essa possibilidade, contudo, é preciso considerar que a grande dificuldade para se investir em Capital Humano acontece justamente no momento em que o indivíduo deseja promover maiores gastos sociais consigo mesmo, no processo econômico de incorporação humana de valor.

Considerando as limitações operacionais existentes no Mercado de Capitais para a realização de investimentos em pessoas, nota-se grande diminuição das oportunidades para qualificar os indivíduos mais pobres, pela falta de recursos, e no dia-a-dia do mercado financeiro não se apresentam alternativas de longo prazo para a obtenção de fundos necessários ao financiamento em seres humanos.

Nesse cenário, a idéia que se deseja defender é a de aproveitamento da atual estrutura do Mercado de Capitais para a criação de uma fonte de financiamento para os investimentos em seres humanos, criando-se o Mercado de Capitais Humanos. Esse Mercado de Capitais Humanos, portanto, poderia ser entendido como aquele que ocuparia a atual estrutura das Bolsas de Valores, para atender, além do capital fixo, os investimento em seres humanos, com repercussão direta na performance do indivíduo em relação à sua produtividade e aumento de seus rendimentos.

A maior dificuldade dessa proposta ficaria circunscrita ao fato de, aparentemente, o investidor bursátil (financiador) não conseguir uma garantia patrimonial para determinado investimento feito no Capital Humano, comparativamente ao investimento realizado em capital fixo. Ante essa preocupação há uma saída relativamente fácil de implementar, a qual será a seguir considerada.

No caso do capital fixo, o acionista torna-se proprietário de uma fração patrimonial do empreendimento físico. Com essa fração patrimonial, chamada ação, o investidor tem como expectativa obter rendimentos provenientes da distribuição de lucros, de dividendos e bonificações, ou, então, simplesmente realizar operações de compra e venda de ações em curto prazo, para obtenção de lucros extraordinários em razão de uma alta de preços ou, ainda, por uma necessidade inesperada de recomposição de liquidez. Contudo, a regra geral para os investidores que operam no Mercado de Capitais é de esperar resultados somente em longo prazo.

Voltando a questão central desta tese, convém indagar como se daria esse tipo de negociação considerando um mercado de capitais estruturado para operar também investimentos em seres humanos. Quais seriam as garantias patrimoniais ou reais possíveis?

Para obter essas respostas, é indispensável considerar o detalhamento do Mercado de Capitais para seres humanos, relacionado a seguir.10 10 O valor econômico do Capital Humano depende fundamentalmente do fluxo de renda que poderá ser gerado ao longo da vida produtiva. O Capital Humano de cada indivíduo corresponde aos atributos natos e aos atributos adquiridos mediante investimentos feitos preferencialmente em Educação, Saúde e Nutrição. Essa alternati va de funcionamento da Bolsa de Valores, colocada em termos práticos, tornaria factível às pessoas de baixa renda obter capital de financiamento para investimento em si próprias, em longo prazo, com custo relativamente baixo. Vejamos:

  • Os indivíduos interessados em obter financiamento para a continuidade de seus estudos poderiam buscá-los nas Bolsas de Valores, que passariam a operar também o Capital Humano.

  • Para obter financiamento, o Capital Humano seria cadastrado e ofereceria, ao julgamento dos potenciais investidores, sua performance escolar pregressa. O histórico escolar serviria para essa finalidade e equivaleria, no caso do Capital Humano, ao balanço contábil das empresas requerido para o capital fixo.

  • O período ideal para a obtenção de financiamento para o Capital Humano seria o primeiro ano do grau universitário. Assim como as empresas só ingressam no Mercado de Capitais depois de um certo porte financeiro ou uma determinada consolidação do capital fixo, o mesmo ocorreria com o Capital Humano, que ingressaria no Mercado de Capitais após o início do grau universitário.11 11 Essa questão deve ser bem avaliada. Não se pretende criar aqui qualquer espécie de discriminação com os graus de escolaridade mais baixos. No caso analisado, entendemos que deveria ser de exclusiva responsabilidade do governo o ensino, de boa qualidade, oferecido aos pobres, nos níveis fundamentais do primeiro e segundo graus. Paralelamente, seria ideal que o governo criasse sólidos programas sociais, voltados para a melhoria da Saúde Pública e da Nutrição. Vale, nesse contexto, considerar como medida emergencial a proposta criada por Suplicy, no chamado Programa de Renda Mínima.

  • O investidor potencialmente interessado em financiar o Capital Humano se interessaria por esse negócio se ele fosse concretamente rentável, de modo alternativo à rentabilidade do capital fixo ou das aplicações financeiras de primeira linha disponíveis no Mercado Financeiro.

  • O Capital Humano poderia acertar com o investidor uma taxa mínima de atratividade (rentabilidade), a qual se mostraria competitiva com as demais modalidades de aplicações disponíveis no mercado financeiro.

  • Haveria para esses financiamentos no Capital Humano a emissão de um título, de responsabilidade pessoal ao portador, negociável no pregão diário da Bolsa de Valores.

  • O título emitido pelo Capital Humano seria para resgate único ou desdobrado, para amortizações sucessivas após doze meses da plena formação universitária.

  • Como não seria possível o estabelecimento de uma garantia real, assim como oferecem as empresas quando negociam com ações, os títulos do Capital Humano seriam garantidos integralmente pelo governo central.

  • A relação do Capital Humano com o governo central seria concretizada com a interveniência da Secretaria da Receita Federal, que garantiria ao investidor o resgate do empréstimo na sua totalidade.

  • A Receita Federal, por sua vez, se garantiria pelo controle da situação patrimonial e de renda do Capital Humano, isto é, pelo Imposto de Renda de Pessoa Física, ao longo do tempo de financiamento.

  • Como os investimentos em Capital Humano apresentam longo prazo de maturação, mas sem comprometimento de suas altas taxas de retorno, os títulos decorrentes dessas operações seriam aceitos para operarem na Bolsa de Valores, o que lhes permitiria obter liquidez pela negociação diária no pregão.

  • O governo seria obrigado a criar um fundo de sustentação de liquidez, por intermédio de uma agência operadora, a fim de garantir a perfeita negociação e sustentação dos preços dos títulos, em qualquer época, para seus possuidores.

Embora a criação do Mercado de Capitais para operar investimentos em seres humanos seja extremamente útil para aumentar o conteúdo de conhecimento e renda das pessoas pobres, a quebra do círculo vicioso da pobreza deve ser esperada somente no longo prazo dos acontecimentos.12 12 Os Mercados Futuros ou de Contratos Futuros, como são conhecidos, podem se constituir em uma boa opção às Bolsas de Valores, nas negociações com o Capital Humano. Em uma operação a Futuro, as duas partes intervenientes realizam a compra e a venda de um Derivativo, por um preço acordado entre elas, para liqüidação em data futura, podendo cada parte, contudo, negociar livremente o contrato nos pregões diários. Segundo Lemos (LEMOS, Maria Luiza Ferreira de. Mercados futuros. São Paulo: UNIBANCO, 1999), “já não se contratam Futuros apenas de Mercadorias ou Produtos Primários, evolui-se para negociações com Ouro e Metais Preciosos, Obrigações e Títulos Governamentais, Moedas Estrangeiras, Petróleo e outros Hidrocarbonetos, Índices etc., mas de todos os bens, Ativos ou Indicadores, que se revistam das características técnicas exigidas pelos negócios a Futuro. Por isso, não se falam mais em Mercadorias ou Commodities e sim em FUTUROS ou DERIVATIVOS.”

A intervenção do Estado, nesse projeto, é indispensável para sua concretização. Esse engajamento público é justificado, primeiramente, pela criação de externalidades positivas provocadas sobre o nível da produção nacional, saúde e distribuição da renda, representando uma melhoria para a camada mais pobre da população. Segundo, pela possibilidade das pessoas, as quais têm apenas Capital Humano potencial, poderem momentaneamente se beneficiar do Mercado de Capitais para financiar seus projetos pessoais e, mais tarde, amortizar suas dívidas. Em outras palavras, tornaria mais democrática a alocação dos recursos disponíveis para investimentos dentro do sistema financeiro nacional.

Além disso, vale lembrar que o Estado tem como justificativa para a criação de uma política favorável aos recursos humanos o acúmulo de evidências empíricas constatadas nos mais diversos países do mundo, mostrando que os ganhos dos investimentos no Capital Humano são superiores aos retornos dos investimentos em capital fixo.13 13 Apesar das evidências empíricas sobre a importância de se investir em Capital Humano, muitos países continuam a discriminar essa forma de capital. No Brasil, por exemplo, não se leva suficientemente em conta o impacto negativo do desemprego sobre o trabalhador, isto é, as condições de emprego do Capital Humano estão sujeitas a maiores exigências que aquelas que condicionam o emprego do capital fixo. Uma constatação desse fato se verifica com relação às restrições de acesso a várias profissões que disputam o mercado de trabalho, em especial quando essas profissões exigem registros em conselhos de classe ou sindicatos. Outra evidência está no tratamento fiscal e tributário diferenciado para o Capital Humano e o capital fixo. A legislação da maioria dos países trata o Capital Humano diferentemente, para efeitos fiscais, ou seja, o capital fixo é subvencionado, no aspecto contábil, através de reservas para depreciação, ao passo que a depreciação do Capital Humano é completamente ignorada.

Na realidade, tudo se resume em aceitar, com vontade política, o desafio de viabilizar mais uma proposta para reduzir a pobreza, que traz a marca de um novo tempo com todos os predicados necessários à uma Política de Desenvolvimento Econômico.

5 A RESPONSABILIDADE PÚBLICA NO INVESTIMENTO EM CAPITAL HUMANO

As políticas de desenvolvimento voltadas para estrutura de longo prazo encontram nos investimentos em Capital Humano um facilitador do processo de ajustamento econômico, pois esses investimentos melhoram a qualidade dos seres humanos e também os níveis de produção, emprego e renda, que passam a se adaptar melhor à economia internacional e a promover o crescimento sustentado no país.

O crescimento está quase sempre associado à existência de uma população com maior nível de instrução, que está melhor capacitada para explorar e adotar inovações tecnológicas e de mercado, propiciando, aos seus membros, condições eficazes para o aproveitamento dos benefícios do desenvolvimento.

Uma política de desenvolvimento econômico encontra sólidas razões para obter maior apoio do setor público nos investimentos em Capital Humano, mas é preciso considerar que parte dos benefícios alcançados são apropriados pelo setor privado (externalidades privadas). Assim, os administradores públicos devem considerar quais são as políticas mais atraentes do ponto de vista social e traçar metas claras de ação.

Nesse cenário, é importante identificar em que proporção os benefícios sociais do Capital Humano superam os benefícios privados. Por exemplo, as políticas de aumento de produtividade do capital fixo não devem receber apoio indiscriminado do setor público. A prioridade deve ser direcionada para a elevação dos gastos sociais no Capital Humano.

Indicamos, a seguir, como é possível melhorar os investimentos públicos e ao mesmo tempo obter altas taxas de retorno no Capital Humano, considerando modificações relativamente pequenas nas áreas da educação, saúde e treinamento profissional:

  • maior volume de livros e material didático nas escolas;

  • criação de variados programas de treinamento profissional;

  • aproximação dos programas de treinamento às necessidades dos empregadores;

  • garantia de que os programas de treinamento sejam os mais gerais possíveis e estruturados sob uma base de educação geral;

  • criação de um plano de saúde pública para promover a imunização geral das crianças;

  • qualificação dos programas de atendimento e cuidado materno infantil;

  • aumento do uso de medicamentos de amplo espectro;

  • melhoraria da análise e da coleta de informações sobre os fatores determinantes do desenvolvimento humano.

Essas oportunidades não são exclusivas, mas não devem ser desperdiçadas quando se apresentam. Os ganhos tenderão a ser maiores com a execução de reformas sociais, que devem incluir políticas que tornem os serviços mais sensíveis aos incentivos públicos, orientando-os mais para as falhas de mercado. A elaboração dos incentivos pode ser conduzida por meio da coleta de informações de dados baseados na criação de valor adicionado dos serviços sociais.

6 DETERMINANTES DE UMA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BASEADA NA VALORIZAÇÃO DO CAPITAL HUMANO

A erradicação da pobreza e o desenvolvimento humano constituem o objetivo central de qualquer política de desenvolvimento econômico, pois realizam o potencial de bem-estar das pessoas.

As economias que contam com mais investimento em Capital Humano estão mais adaptadas para enfrentar essas transformações sociais, além de melhor preparadas para tratar das questões econômicas advindas dos mercados mundiais e das inovações tecnológicas. Contudo, para que os investimentos em Capital Humano apresentem altas taxas de retorno, são necessários: estabilidade no plano macroeconômico; uso eficaz dos mercados locais e internacionais; reformas e investimentos do setor público para alcançar um maior grau de produtividade.

A capacidade do Capital Humano e a elevação da produtividade são facilitadores dos programas nacionais de desenvolvimento econômico. Nessa perspectiva, é útil sintetizar quais são os investimentos e as gestões administrativas que aumentam o conteúdo do Capital Humano e, ao mesmo tempo, permitem a implantação de uma Política de Desenvolvimento Econômico para eliminar a pobreza e aumentar a renda per capita do país. Vejamos:

  • Os investimentos em Capital Humano são sensíveis à qualidade dos serviços públicos de caráter social. A qualidade dos serviços públicos varia bastante, ficando na maioria das vezes abaixo das expectativas. Poderia haver, contudo, benefícios significativos para a melhoria dos serviços se fossem adotadas pequenas medidas, tais como aumentar a disponibilidade de livros didáticos e material escolar nos níveis iniciais de escolaridade, além de maior oferta de medicamentos nos postos de saúde pública.

  • Os investimentos em Capital Humano respondem bem às expectativas com relação às taxas de retorno. Isso significa que as opções de investimentos em recursos humanos devem ser sensíveis à natureza específica dos mercados e às percepções sobre os estágios de desenvolvimento das economia.

  • Deve-se considerar que existem importantes relações e interações de complementariedade nos investimentos realizados em Capital Humano. No setor da saúde, por exemplo, as opções de ação dependem da composição dos investimentos em educação, e os investimentos escolares dependem da saúde da criança. Um outro aspecto relevante dessa questão mostra que nos programas mais eficazes de saúde pública, relativamente a custos, as necessidades de pessoal não se aplicam tanto aos médicos, mas sim aos técnicos de nível intermediário, administradores de serviços e especialistas em saúde pública em geral.

  • Devem ser evitados os investimentos altamente subsidiados nos serviços de educação e saúde, pois eles tendem a estimular a baixa qualidade, oferecendo geralmente benefícios limitados às camadas mais pobres da população. Isso significa que a qualidade dos serviços para os ricos é melhor, além do impacto negativo provocado pelos subsídios no déficit público. A saída para os pobres está no aumento de sua renda per capita alcançado, por um programa consistente de desenvolvimento econômico baseado no aumento do Capital Humano.

  • Devem ser feitos esforços para o estabelecimento de serviços públicos compatíveis com as inversões de recursos e subsídios, assim como deve ser considerada a possibilidade de privatização em certos serviços para atender à demanda privada e facilitar a descentralização do processo decisório.

  • Deve-se considerar que o julgamento sobre a qualidade do Capital Humano enfrenta problemas de informação. As entidades privadas não contam com incentivos para prestar informações socialmente úteis, embora detenham dados que se constituem em um bem público. Assim, é essencial que na privatização e na descentralização o governo estimule a coleta, a análise e a divulgação de informações relevantes.

  • Os investimentos em Capital Humano são realizados normalmente em um ambiente em que as mudanças tecnológicas e da economia mundial ocorrem com grande rapidez. Isso torna recomendável que os investimentos em recursos humanos sejam mais flexíveis e não se vinculem demasiadamente às atividades específicas da produção corrente.

7 CONCLUSÕES

A presente pesquisa efetuou uma ampla investigação dos impactos decorrentes dos investimentos em Capital Humano para aumentar o grau de desenvolvimento econômico do país e melhorar a qualidade de vida da população.

O termo Capital Humano contempla o entendimento de que o homem é um ser que necessita de investimentos sociais e privados para criar valor adicionado e proporcionar desenvolvimento econômico. A escolaridade ampla, a boa saúde e a nutrição, consideradas no início do processo de desenvolvimento, significam melhor desempenho mais tarde. Os resultados mais evidentes são: aumento da produtividade na força de trabalho; mão-de-obra com mobilidade para setores dinâmicos; menor pressão demográfica; renda per capita maior e investimentos recorrentes em pessoas. Ressalte-se que, entre os elementos que determinam a produtividade do trabalhador brasileiro, estão a educação, o treinamento, a tecnologia e o própria contribuição do capital fixo.

Além disso, com base nas avaliações gerais desta pesquisa e nos estudos do Banco Mundial, pôde-se concluir que um país com o perfil de desenvolvimento econômico do Brasil tem que se voltar muito mais para a educação básica do que para outras opções de investimento no Capital Humano. É muito alto o índice de analfabetismo funcional no país, onde 32% dos trabalhadores brasileiros acumulam apenas quatro anos de escolaridade. Isso nos situa negativamente na economia mundial. Pelos padrões internacionais, quatro anos de estudo é pouco, já que estamos em uma economia baseada na tecnologia.

É preferível ter uma boa alfabetização e uma educação básica forte para depois aumentar a escalada dos investimentos na formação secundária e superior. No Brasil, ocorre o contrário, a estrutura de gastos educacionais contempla o ensino superior em detrimento do ensino básico. Não há dúvida, contudo, da necessidade de melhorias paralelas nas áreas da saúde pública e da nutrição direcionadas para os pobres.

Uma proposta interessante para fortalecer o ensino básico é aquela em que o governo se obriga a arcar com os estudos das crianças pobres, com uma certa quantia em dinheiro. No caso, o governo fornece às famílias dessas crianças Vouchers equivalentes a um certo valor pecuniário por ano. As escolas privadas disputariam esses Vouchers. Com a competição criada com essa disputa, a qualidade do ensino básico poderia melhorar e o sistema se tornaria estruturalmente menor.

Um problema crônico da escola pública no Brasil é que ela se transformou em um agente monopolista do ensino básico para os pobres, oferecendo um serviço de baixa qualidade. Como se sabe, não se consegue obter eficiência e alta qualidade fortalecendo qualquer tipo de monopólio, público ou privado.

Já no campo do ensino superior, o problema é de outra ordem. Os alunos que ingressam na universidade são francamente subsidiados pela gratuidade do sistema de ensino público, embora os estudantes dessas instituições sejam, na maioria das vezes, pessoas bem aquinhoadas socialmente. Esses indivíduos, ao saírem das universidades, vão receber, em média, os melhores salários, refletindo a existência de um sistema perverso de geração de benefícios, tanto do ponto de vista da eficiência alocativa dos fundos públicos quanto do que é justo. Seria melhor que o governo emprestasse o dinheiro gasto para qualquer indivíduo que tivesse qualificação para cursar uma faculdade. Dessa forma, todos teriam acesso ao nível superior. Depois que saíssem da universidade, pagariam o empréstimo com uma percentagem de seus rendimentos.

Outra alternativa considerada nesta tese foi a criação de um “Mercado de Capitais Humanos”, no qual o governo participaria muito mais como um avalista de última instância dos estudantes universitários do que propriamente como um financiador, ocupando fundos públicos. O detalhamento dessa proposta foi apresentada na seção 4, mostrando quais são as condições necessárias para que se faça uma imediata avaliação prática de seus desdobramentos no mercado de capitais.

Uma outra constatação desta pesquisa revela que a educação não exige, como muitos defendem, uma fatia larga do orçamento público. Os países desenvolvidos costumam gastar entre 6% e 7% do PNB. Esse percentual mostra que é fácil realocar recursos para o setor educacional. Alguns pontos percentuais a mais e as necessidades do setor educacional se resolvem, digamos, elevando de 4% ou 5% para 7% do PNB. Essa é uma mudança suficiente em direção à valorização do Capital Humano e na busca do desenvolvimento econômico.

Mudanças percentuais dessa ordem não significam que o governo vá gastar mais. Podem ser feitos cortes em outras áreas do dispêndio público. No Brasil, por exemplo, as privatizações podem ser intensificadas, em particular no setor financeiro, onde se encontram instituições como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e as Caixas Estaduais. Essa é uma maneira fácil de se obter recursos e atender aos investimentos sociais, além de colocar as empresas em mãos privadas para uma administração de maior eficiência.

Um outro ponto a considerar no conjunto das ações de desenvolvimento econômico é o papel do Estado como agente estimulador das crianças para que freqüentem a escola básica. Isto é, na área da educação, da saúde e nutrição, o governo tem responsabilidade para com as crianças e os pobres, quando a sociedade e o mercado não resolvem certos problemas.

Uma política de desenvolvimento econômico que tenha por objetivo valorizar a criança carente deve tentar, em primeiro lugar, atrair os pais dessas crianças, para que eles as conduzam à escola e lhes dêem melhor alimentação. Mais especificamente, o que o governo deve fazer é criar um programa em que os pais recebam uma quantia em dinheiro ao comprovarem que seus filhos freqüentam a escola em bases regulares. Muitas famílias pobres dependem do ganho das crianças, que se encontram algumas vezes envolvidas em atividades ilegais, como em roubos e tráfico de drogas. Com um incentivo financeiro por parte do governo, as famílias teriam um substituto para esses ganhos infantis e poderiam mandar seus filhos à escola.

No Brasil, por exemplo, existem leis que não funcionam. Uma delas é a que torna o estudo das crianças compulsório, porque elas simplesmente não aparecem às aulas. Por isso, o estímulo financeiro às famílias pobres é a forma certa de tratar a questão, embora naturalmente essa idéia não funcione com as crianças que não têm família.

Se as crianças não têm casa, o governo deve arrumar moradias onde elas possam viver em grupos, dar-lhes escola e tirá-las das ruas. De qualquer forma, o governo não pode se furtar à responsabilidade para com essas populações. Uma situação como essa, sem uma solução de longo prazo, é ruim para o país, compromete a dignidade do cidadão e o próprio significado do desenvolvimento econômico.

No mundo contemporâneo, nenhum país livre pode acabar completamente com a pobreza, mas todos têm a possibilidade de torná-la mais tolerável com a realização de investimentos que promovam a valorização do homem e a criação de programas de desenvolvimento pautados nos princípios da teoria do Capital Humano.

  • 1
    Em alguns países, em razão de suas particularidades, a melhoria da distribuição da renda deve vir acompanhada de medidas específicas de gestão de política econômica ou de ampliação do grau de liberdade do mercado. Esses casos serão analisados mais adiante.
  • 2
    No Brasil, alguns grupos empresariais vêm exigindo, nas negociações com sua mão-de-obra, maior flexibilização nas relações jurídico-trabalhistas, sem, contudo, oferecer maiores investimentos em Capital Humano, como, por exemplo, em programas de treinamento e qualificação. Trata-se de um mero aproveitamento, por parte do setor empresarial, da crise recessiva que atravessa o país.
  • 3
    Ver CARVALHO, José Luiz. Nutrição, Saúde, Fecundidade e Capacidade de Gerar Renda: Um argumento a favor da nova economia doméstica. Rio de Janeiro, 1981. Tese (Livre Docência). Universidade Federal Fluminense.
  • 4
    DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), 1973.
  • 5
    O DIEESE constatou fortes carências nutricionais no trabalhador paulista de calorias, vitamina A, Tiamina(B1), Riboflavina e vitamina C.
  • 6
    FGV – IBRE.
  • 7
    IPE-USP/INPEP.
  • 8
    Este circulo vicioso atinge o trabalhador e os membros de sua família. Os filhos dos trabalhadores pobres tendem também a continuar pobres, pois sua famílias não tem capacidade financeira para proporcionar-lhes os meios materiais necessários ao desenvolvimento de seus atributos natos e, desse modo, aumentar-lhes o conteúdo de Capital Humano.
  • 9
    No momento em que o indivíduo decide pela realização de um investimento em Capital Humano, para ampliar suas possibilidades pecuniárias, percebe que a estrutura socioeconômica existente não contempla canais que propiciem recursos para as pessoas de baixa renda. Nesse sentido, algo pode ser feito para atender a essas pessoas socialmente desassistidas. Nossa proposta é criar um “Mercado de Capitais Humanos”, utilizando a mesma estrutura de funcionamento para operar o ”Mercado de Capitais Fixos”. O detalhamento desta idéia se encontra no corpo do texto em desenvolvimento.
  • 10
    O valor econômico do Capital Humano depende fundamentalmente do fluxo de renda que poderá ser gerado ao longo da vida produtiva. O Capital Humano de cada indivíduo corresponde aos atributos natos e aos atributos adquiridos mediante investimentos feitos preferencialmente em Educação, Saúde e Nutrição.
  • 11
    Essa questão deve ser bem avaliada. Não se pretende criar aqui qualquer espécie de discriminação com os graus de escolaridade mais baixos. No caso analisado, entendemos que deveria ser de exclusiva responsabilidade do governo o ensino, de boa qualidade, oferecido aos pobres, nos níveis fundamentais do primeiro e segundo graus. Paralelamente, seria ideal que o governo criasse sólidos programas sociais, voltados para a melhoria da Saúde Pública e da Nutrição. Vale, nesse contexto, considerar como medida emergencial a proposta criada por Suplicy, no chamado Programa de Renda Mínima.
  • 12
    Os Mercados Futuros ou de Contratos Futuros, como são conhecidos, podem se constituir em uma boa opção às Bolsas de Valores, nas negociações com o Capital Humano. Em uma operação a Futuro, as duas partes intervenientes realizam a compra e a venda de um Derivativo, por um preço acordado entre elas, para liqüidação em data futura, podendo cada parte, contudo, negociar livremente o contrato nos pregões diários. Segundo Lemos (LEMOS, Maria Luiza Ferreira de. Mercados futuros. São Paulo: UNIBANCO, 1999), “já não se contratam Futuros apenas de Mercadorias ou Produtos Primários, evolui-se para negociações com Ouro e Metais Preciosos, Obrigações e Títulos Governamentais, Moedas Estrangeiras, Petróleo e outros Hidrocarbonetos, Índices etc., mas de todos os bens, Ativos ou Indicadores, que se revistam das características técnicas exigidas pelos negócios a Futuro. Por isso, não se falam mais em Mercadorias ou Commodities e sim em FUTUROS ou DERIVATIVOS.”
  • 13
    Apesar das evidências empíricas sobre a importância de se investir em Capital Humano, muitos países continuam a discriminar essa forma de capital. No Brasil, por exemplo, não se leva suficientemente em conta o impacto negativo do desemprego sobre o trabalhador, isto é, as condições de emprego do Capital Humano estão sujeitas a maiores exigências que aquelas que condicionam o emprego do capital fixo. Uma constatação desse fato se verifica com relação às restrições de acesso a várias profissões que disputam o mercado de trabalho, em especial quando essas profissões exigem registros em conselhos de classe ou sindicatos. Outra evidência está no tratamento fiscal e tributário diferenciado para o Capital Humano e o capital fixo. A legislação da maioria dos países trata o Capital Humano diferentemente, para efeitos fiscais, ou seja, o capital fixo é subvencionado, no aspecto contábil, através de reservas para depreciação, ao passo que a depreciação do Capital Humano é completamente ignorada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2000
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