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Considerações sobre o estabelecimento da medicina no tratado hipocrático Sobre a arte médica

Remarks on the establishment of medicine in the Hippocratic treatise The Art

Resumos

O presente artigo descreve o percurso do tratado hipocrático Sobre a arte médica entre os séculos III a.C. e XVII d.C., bem como analisa algumas das questões tratadas pelo autor, a saber as antíteses tyche/techné e techné/physis, a idéia da medicina como ciência causal e preditiva e as concepções epistemológicas ou a teoria do conhecimento médico.

Corpus Hippocraticum; História da medicina; Filosofia da medicina; Sobre a arte médica; Medicina clássica


This article presents the course of the Hippocratic book The Art from the 3rd century b.C. until the 17th century a.D., and analyzes some issues discussed by the author, viz., the antitheses tyche/techné and techné/physis, the idea of medicine as a causal and predictive science, and the epistemological conceptions or the theory of medical knowledge.

Corpus Hippocraticum; History of medicine; Philosophy of medicine; The Art; Classical medicine


ARTIGOS

Considerações sobre o estabelecimento da medicina no tratado hipocrático Sobre a arte médica

Remarks on the establishment of medicine in the Hippocratic treatise The Art

Regina André Rebollo

Pesquisadora do Projeto Temático "Estudos de filosofia e história da ciência" da FAPESP, pós-doutoranda do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo. haniger@usp.br

RESUMO

O presente artigo descreve o percurso do tratado hipocrático Sobre a arte médica entre os séculos III a.C. e XVII d.C., bem como analisa algumas das questões tratadas pelo autor, a saber as antíteses tyche/techné e techné/physis, a idéia da medicina como ciência causal e preditiva e as concepções epistemológicas ou a teoria do conhecimento médico.

Palavras-chave:Corpus Hippocraticum. História da medicina. Filosofia da medicina. Sobre a arte médica. Medicina clássica.

ABSTRACT

This article presents the course of the Hippocratic book The Art from the 3rd century b.C. until the 17th century a.D., and analyzes some issues discussed by the author, viz., the antitheses tyche/techné and techné/physis, the idea of medicine as a causal and predictive science, and the epistemological conceptions or the theory of medical knowledge.

Keywords:Corpus Hippocraticum. History of medicine. Philosophy of medicine. The Art. Classical medicine.

INTRODUÇÃO

O pequeno tratado Peri tekhnés, que pertence ao Corpus Hippocraticum ou Coleção hipocrática, é o primeiro documento histórico, se não o único, da maneira pela qual se deu o debate entre os médicos, os filósofos e a sociedade grega clássica no estabelecimento da arte e da ciência médicas. Mais precisamente é uma das primeiras peças de defesa da medicina contra os seus detratores e críticos, entre eles, sofistas do final do século V a.C. No desenvolvimento da defesa, o autor oferece um dos mais importantes testemunhos da antigüidade das reflexões filosóficas e epistemológicas sobre a medicina. Os principais estudiosos da Coleção hipocrática tais como Jouanna, Gual e Jones, entre outros, chamam a atenção para alguns pontos que por si só justificariam a escolha do texto para uma análise. Jouanna afirma que a Coleção hipocrática fornece a melhor imagem sobre as artes em geral e a medicina em particular, pois é o único corpus do século V que conservou na sua integridade exemplos dos tratados chamados technai, obras que definiam as regras de uma arte ou técnica (techné). O tratado mostra que as technai já possuíam, no que diz respeito a suas regras e métodos, críticos e contestadores, exigindo de seus representantes uma reflexão sistemática:

O mérito do tratado Sobre a arte médica não é somente o de nos informar com extrema precisão sobre os ataques aos quais a medicina estava exposta. Ele nos mos-tra também como isso pôde contribuir de maneira positiva para suscitar e nutrir as reflexões dos praticantes sobre a sua própria arte (Jouanna, 1992, p. 344).

O tratado fornece uma idéia do teor das primeiras discussões médicas e do conjunto das reflexões epistemológicas do período, delineando uma primeira teoria do conhecimento médico que será, não por acaso, recuperada e citada por Platão, especialmente no Górgias e no Fedro.

Sobre a arte médica é uma das 52 obras, em sua totalidade organizadas em 72 livros, que pertencem ao conjunto de escritos conhecidos como a Coleção hipocrática.1 1 Não existe uma ordem canônica na transmissão dos manuscritos da Coleção hipocrática. Por exemplo, de acordo com C. G. Gual, são 53 tratados organizados em 72 livros; para J. Jouanna, que segue a organização dos textos a partir de Erotiano (século I a.C.), são 62 livros. Émile Littré, por sua vez, organiza as obras da coleção em dez volumes, reunindo 60 livros. Para uma apresentação mais detalhada da tradição dos manuscritos da Coleção, ver a "Introdução" de W. S. Jones (1991, xlviii) Tais tratados de medicina constituem a primeira coleção de manuscritos científicos do mundo grego, os mais antigos datados no período entre a segunda metade do século V e a primeira metade do século IV a.C., e os mais recentes, no período Helenístico e Romano. Segundo os principais comentadores e estudiosos da medicina antiga, parte da coleção já se encontrava na biblioteca da escola dos Asclepíades da Ilha de Cós, provavelmente produzida e reunida por seus integrantes e pelo próprio Hipócrates de Cós (460-380 a.C.).

Composto por apenas 13 parágrafos,2 2 Jones e Gual dividem o tratado em 14 parágrafos, respeitando uma quebra do texto provavelmente causada por um trecho perdido ou extraviado. é considerado um dos livros mais antigos da Coleção hipocrática e seu estilo, argumentação e prosa o definem como um discurso retórico em defesa da medicina. O gênero literário do tratado pode ser caracterizado como um discurso apologético das artes em geral ou de uma arte em particular tão em voga no século V a.C. O estilo sofístico retórico do texto, bem como a sensibilidade para as questões médicas, levam os comentadores a atribuir a autoria ora a Protágoras, ora a Hípias ou, ainda, a Heródico de Selimbria, sofista e médico citado por Platão. Embora não possamos afirmar com certeza a sua autoria, pode-se inferir que o autor estava familiarizado com a arte médica, pois o texto mostra uma certa competência na exposição das questões clínicas e anatomofisiológicas e, ainda, que conhecia o debate filosófico e epistemológico do período.

Meu objetivo neste artigo é analisar, na primeira parte, quatro aspectos considerados relevantes do tratado: as antíteses entre a arte e o acaso, e entre a arte e a natureza; o caráter causal e preditivo da medicina; e a teoria do conhecimento médico. Na segunda parte, faço uma descrição da recepção do Sobre a arte médica no período que vai do século III a.C. ao XVII d.C., no intuito de conhecer a sua fortuna no interior da tradição médica ocidental.

1. O TRATADO Sobre a arte médica

Em linhas gerais, a argumentação central do texto, como já foi mencionado, se dirige àqueles que negam a existência de uma arte médica e está logicamente estruturada para responder a quatro objeções: i) para os opositores ou detratores da medicina, as curas seriam um produto do acaso (tyche), isto é, espontâneas (to automaton); ii) há casos de doentes que sem ajuda médica recuperam a sua saúde; iii) há casos de doentes que, apesar da ajuda médica, morrem; iv) os médicos se recusam a tratar os casos sem esperança ou os desenganados, o que atestaria a sua incapacidade de curar e conseqüentemente a inexistência de uma arte médica.

Nosso autor refutará as objeções expostas acima argumentando i) que a eficácia da medicina é limitada por suas técnicas e pela natureza (physis) da doença, logo, tais limites são, em última instância, prova da sua existência; ii) por isso, nos casos incuráveis, a medicina deve abster-se; iii) uma das mais notáveis provas da existência de uma arte médica é o fato de que ela cura até os casos invisíveis (doenças internas cujos sinais são inobserváveis e devem ser exteriorizados).

A argumentação final do tratado postula que a arte médica pode ser estabelecida porque é um saber que apresenta o porquê (to dioti) da doença, descreve o seu processo (prognóstico) e sugere uma terapêutica. Por isso, o médico deve ser visto como representante maior do artesão (dêmiourgos) e a medicina como uma das mais altas e dignas technai.

No primeiro parágrafo, o autor apresenta sua motivação: "o discurso que apresento irá se opor àqueles que criticam a medicina e os médicos" (Art, p. 100).3 3 As citações foram livremente traduzidas por mim a partir da tradução francesa de Jacques Jouanna e Caroline Magdelaine, Art, em Hippocrate. L'art de la médecine. As referências aqui feitas seguiram a paginação dessa edição. Em seguida, mostrando familiaridade com a filosofia do período, defende as artes em geral (e a medicina em particular) utilizando-se de dois argumentos: o primeiro, ao explorar a máxima eleática parmenidiana que identifica a existência com aquilo que pode ser pensado e, indo mais além, com aquilo que pode ser visto ou visualizado; o segundo, fazendo referência à filosofia da linguagem da época. Nos dois casos, a perspectiva que se apresenta é claramente uma perspectiva realista, isto é, se podemos pensar e falar sobre uma arte, bem como vê-la sendo praticada, ela existe e não pode ser negada. Além disso, se ela possui um nome, deve necessariamente corresponder a uma realidade. Vamos aos argumentos:

Na minha opinião (...) não existe nenhuma arte que seja inexistente. De fato é absurdo pensar que uma coisa que existe é inexistente. Visto que para as coisas que não existem (...) que realidade poderá ser observada para afirmar-se a sua existência? (...) Não sei como poderíamos pensar que tais coisas [existentes] são inexistentes, uma vez que é possível vê-las com os olhos e concebê-las com a inteligência. (...) Só aquilo que existe pode ser visto e pensado, enquanto que aquilo que não existe não pode receber qualquer julgamento. Ora, no caso das artes, as concebemos a partir do momento em que são ensinadas e porque não existe nenhuma arte que não seja vista a partir da sua forma [eidos] (Art, p. 101).

Para o autor do tratado, a existência da arte médica repousa sobre o fato de que ela é um conhecimento ensinado e transmitido, e por isso possui uma forma visível definida (eidos). O eidos da medicina, e de todas as outras technai, é definido pelo conjunto de práticas e regras, os instrumentos ou os artifícios de cada arte. Ora, dentro da perspectiva do autor, aquilo que se vê (no caso, a prática e os instrumentos da prática médica) existe, assim, a medicina existe e pode ser objeto do tratado em questão.

O segundo argumento sustentará que "se a arte possui um nome, ela existe":

as artes recebem o seu nome por causa da sua forma, pois é um absurdo pensar que é a partir do nome que as formas se produzem, pois isso é impossível; pois os nomes são uma instituição da natureza e a forma, uma produção da natureza (Art, p. 101).

Jouanna comenta que o argumento insere-se no vasto debate filosófico do período acerca da linguagem sugerindo uma consulta ao Crátilo de Platão. O autor do tratado parece ter conciliado duas concepções da época (uma que concebia a linguagem como natural, logo, o nome correspondia naturalmente ao objeto designado; outra, na qual a linguagem era considerada arbitrária e dependia do seu uso) sustentando que embora o nome fosse uma instituição (no sentido de convenção), ele correspondia a uma realidade existente na natureza. Assim, a linguagem remeteria diretamente à natureza, confirmando a existência de uma arte médica (cf. Art, p. 265, n. 10).

Uma vez apresentados os argumentos iniciais provando a existência (real e nominal) da arte, o autor, no início do terceiro parágrafo, dá início à argumentação apresentando a definição de medicina: O escopo da medicina é i) afastar completamente o sofrimento dos doentes, isto é, eliminar as doenças; ii) diminuir a violência das doenças, no caso daquelas que não podem ser eliminadas; e iii) não tratar aqueles já dominados pelas doenças, conscientes de que em tais casos a medicina é impotente. Obviamente o último item, causa da principal objeção dos "detratores da arte", recebe aqui uma primeira justificativa: o abandono dos casos incuráveis é um dos três principais atributos da medicina e repousa na sua própria definição.

A argumentação à primeira e à segunda objeções – que entre os doentes tratados pela medicina alguns se curam e outros não, e que aqueles que se curam, escapam por causa do acaso e não por causa da arte – , evidencia a clássica oposição feita pelos gregos entre o acaso (tyche) e a arte ou técnica (techné).4 4 A extensão do termo technê para os gregos do período é bastante larga, abrangendo atividades e saberes que de uma certa maneira correspondem à idéia que temos de ciência, arte, ofício técnico e profissão. Para Jaeger (1986), as technai de Atenas do século V devem ser compreendidas ao mesmo tempo como um conhecimento teórico (ciência) e um conhecimento prático, "um saber fazer", que envolve habilidades técnicas ou artísticas. A medicina é uma ciência porque implica a racionalidade, o logos, a explicação causal, a observação, a indução e a dedução, previsões e hipóteses; é uma arte ou técnica porque exige ensino e transmissão (oral e literária), condição que caracteriza uma technê, além de envolver certas habilidades manuais, tais como a aplicação de bandagens, os curativos e as pequenas cirurgias. Pode, ainda, ser comparada a um oficio técnico ou a uma profissão porque exige a existência de um espaço próprio para a sua atividade (templos, consultórios e "oficinas"), bem como – e esta é talvez a maior prova do caráter institucional dos médicos e da medicina do período – a contratação de um médico público pelo estado.

No primeiro ponto – que entre os doentes tratados pela medicina alguns se curam e outros não – o autor argumenta que "não se pode, de fato, negar o acaso, mas as doenças mal tratadas são mal sucedidas e as bem tratadas seguidas de sucesso" (Art, p. 102). Ora, tanto no caso da ação positiva da arte, quanto no caso de sua imperícia, houve de fato uma intervenção, ou seja, a presença de uma arte. No caso das curas ou das intervenções bem sucedidas, pergunta o autor: "a quem creditar a cura de uma doença, senão à arte (e não ao acaso), uma vez que são curadas por obra de sua ação?" (Art, p. 102). Mas, como veremos à frente, no caso das curas mal sucedidas, o paciente muitas vezes será responsável pelo agravamento da doença, sobretudo se o tratamento (as dietas e o jejum) não for obedecido à risca.

No segundo ponto – que existem doentes que se curam sem a intervenção da arte médica, e por isso a cura é espontânea e não artificialmente produzida pela arte – nosso autor, ainda que concedendo ao acaso o que lhe é de direito, dirá que a ausência do médico não implica a ausência da arte, pois a necessidade faz com que os homens sigam medidas ou procedimentos que aliviem ou mesmo eliminem as doenças.

Mesmo sem a presença do médico, houve o uso da arte. Não pelo fato de que os doentes conhecessem o certo e o errado e o que a arte faria (...) e esta é uma grande prova da sua existência, pois ela cura até mesmo aqueles que a negam, embora façam uso de seus artifícios. (...) Porque fazem ou deixam de fazer isto ou aquilo, isto é, praticam o jejum ou uma super alimentação, utilizam bebidas em abundância ou se abstêm delas, tomam banhos ou os suspendem, praticam exercícios ou descansam, dormem ou ficam acordados. E necessariamente, também, reconhecem pelo alívio dos sintomas aquilo que é útil ou a causa do bem estar, e pelo sofrimento, se sofrem, aquilo que é prejudicial ou a causa do sofrimento (Art,p. 103).

Uma das mais fortes evidências de que a medicina é uma arte são as chamadas curas empíricas, aquelas que não resultam do conhecimento técnico médico, mas do acerto e das descobertas acumuladas pelo senso comum. No tratado hipocrático Da medicina antiga,5 5 Peri archaíés iétrikês, em latim De prisca medicina ou De vetere medicina, onde o autor faz uma "arqueologia" da medicina, descrevendo o seu nascimento e o seu método. o autor (Hipócrates?) desenvolve uma longa argumentação mostrando como a medicina nasceu da experiência adquirida pelos homens na tentativa de minimizar o sofrimento decorrente das doenças e das dietas inadequadas.

Nosso autor faz uma demarcação bastante sugestiva entre os médicos, ao distinguir aqueles cujo domínio da arte depende do aprendizado sistemático e do juízo sobre os limites da intervenção médica daqueles que, mesmo à revelia da arte, fazem uso de um conjunto de procedimentos empíricos que lembram alguns dos expedientes que a arte utilizaria, se fosse o caso e, por fim, dos leigos incapazes de se curar. Mais do que tudo, como veremos mais à frente, o conhecimento médico é aquele capaz de apontar a causa ou o porquê (to dioti) do sofrimento.

A argumentação contra as duas objeções acima citadas é encerrada com a afirmação de que erros e acertos são provas da existência da arte, "pois o que beneficia resulta no acerto da arte e o que prejudica no seu uso incorreto". Ora, o correto e o incorreto são justamente os limites de uma arte: "Eu afirmo que quando não existe o certo e o errado, também não existe uma arte, mas sim obra do acaso" (Art, p. 103). A argumentação parte da idéia, tão cara nesse período, de que as artes configuram-se como limites, normas fixas e regras estabelecidas "do correto" (orthos) e "do incorreto". Isto é, no plano das artes é possível estabelecer valores de verdade e falsidade do conhecimento e valores de correção ou erro da ação feita com base nesse conhecimento. No acaso não existem limites, normas fixas e regras. No acaso tudo (ou nada) pode ocorrer e isso não dependerá em nenhum momento do conhecimento ou da ação humana. Jouanna comenta que "a antítese entre a arte (techné) e o acaso (tyche) é uma oposição comum nos debates técnicos e científicos nos séculos V e IV a.C. Nas técnicas, o papel do acaso é relevado a segundo plano, frente a sua competência e saber (Art, p. 265, n. 13).

Segundo Entralgo (1970, p. 64-71), a antítese techné/tyche é uma conseqüência da distinção feita pelos gregos entre ciência (epistêmê), técnica (techné) e experiência (empeiría). O sentido de techné é o de uma orientação prática, um sistema de regras e categorias que possui uma base teórica sólida, capaz de produzir efeitos previstos por suas regras e apresentar a razão (logos) do processo e das causas. A techné, assim definida, é uma ciência indutiva e prática, na qual a experiência (empeiría) é o seu fundamento. A empeiría, por sua vez, pode ser classificada em dois tipos: tribê ou prática rotineira, como a arte culinária; e como atuação do acaso e do destino, tyche, que produz um resultado que não se pode prever. Epistêmê (ciência) será, a partir de Platão, um saber teórico constituído sobre bases dedutivas e princípios gerais e abstratos.

Os médicos do Corpus valorizam o conhecimento empírico, pois este será um dos principais elementos do conhecimento médico. A justa medida entre a experiência sensível (aísthêsis) e a reflexão (logismós) é o fundamento do conhecimento médico, sendo o critério demarcatório entre a arte e a não-arte. Como veremos a seguir, a justa medida implica partir da observação para explicar a causa das doenças e predizer a sua evolução.

No sexto parágrafo do Sobre a arte médica, nosso autor afirma:

Com efeito, a espontaneidade [to automaton] está convencida de nada ser; uma vez que para todo fato podemos descobrir um porquê [dia ti], e na medida em que existe um porquê, a espontaneidade claramente não possui nenhuma realidade, a não ser enquanto nome. Ao contrário, a medicina, na medida em que ela é da ordem do porquê e da previsão, tem e terá claramente uma realidade (Art, p. 104).

Esta afirmação, para Jouanna (1992, p. 362), contribui para a inauguração do paradigma cognitivo que será fundamento da concepção determinista da ciência, cuja discussão é central na epistemologia moderna. O princípio do determinismo assim formulado, "tudo que é produzido tem uma causa", fora enunciado pelos filósofos pré-socráticos. Leucipo, no Sobre o espírito, afirmara que "nenhuma coisa se engendra ao acaso (tyche), mas por razão (lógos) e necessidade (moira)" (DK 67 b2 apud Chauí, 2002, p. 361). Em Górgias (500e-501a), Platão afirma:

A cozinha me parecia ser uma rotina (empeiría) e não uma arte (techné), diferentemente da medicina, e eu concordo que uma, a medicina, quando cura um doente, começou estudando a natureza do doente, ela sabe porque (tên aitian) age como tal e pode justificar todas as suas ações.

A afirmação também se aproxima daquela de Aristóteles no livro I, Cap. 1 da Metafísica, quando o filósofo afirma que a arte se define pelo conhecimento do porquê: "Os homens de experiência sabem bem que uma coisa é [to hoti], mas ignoram o porquê, ao passo que os homens da arte [ou da ciência] conhecem o porquê [to dioti] e a causa". (Met., I, 1, 981 a 28/30).

A novidade trazida pelo nosso tratado à epistemologia nascente é a de que no contexto da Coleção hipocrática e, sobretudo, no nosso tratado, a causalidade não terá apenas valor cognitivo, mas sim pragmático, pois ela permitirá a previsão de eventos futuros (o prognóstico) e, conseqüentemente, o controle dos eventos naturais (a terapêutica). Assim, o conhecimento causal torna possível o estabelecimento do tratamento correto e natural. E dessa forma a combinação dos meios terapêuticos prova a realidade e, conseqüentemente, a existência da medicina, objetivo maior da argumentação do autor:

se não fosse pelo emprego de medicamentos, purgativos e adstringentes que os médicos e a medicina alcançam a cura, meu argumento poderia ser considerado fraco; mas pode-se ver claramente que os médicos de maior prestígio curam mediante dietas e outros tratamentos (Art, p. 104).

Dito de outra maneira, os médicos são portadores de uma terapêutica racional que inviabiliza a crença de que a cura das doenças depende do acaso espontâneo (to automaton). Para o nosso autor, "nada é ineficaz ou inútil na boa prescrição médica, pois em muitas coisas que crescem [as naturais] e naquelas que são preparadas [as coisas artificiais] estão presentes propriedades essenciais da cura dos medicamentos" (Art, p. 104). A eficácia e a utilidade do tratamento médico terapêutico repousam no fato de que a escolha dos medicamentos não se deu ao acaso, mas dependeu de um conhecimento causal das doenças e dos efeitos curativos dos remédios. Mas o conhecimento causal muitas vezes não é suficiente para o sucesso da arte. Nosso autor chamará a atenção para o papel e a conduta do paciente no processo terapêutico, independentemente da maestria e do conhecimento do médico.

Respondendo àqueles que negam a arte médica porque ela é incapaz de curar todos os casos e, entre eles, os casos mal sucedidos seguidos de morte, o autor dirá:

Quanto àqueles que se apóiam sobre os casos mal sucedidos para reduzir a arte a nada, eu me pergunto, com surpresa, que argumento plausível os leva a desculpar a falta de firmeza daqueles que morrem e a culpar, de maneira vingativa, a inteligência daqueles que praticam a medicina; como se os médicos prescrevessem maus tratamentos e os doentes fossem incapazes de transgredir as orientações ou receitas (Art, p. 104).

Nosso autor pergunta: "não seria mais natural admitir que o doente não obedeceu as prescrições (e por isso morreu) do que afirmar que o médico errou?" (Art, p. 104). Jouanna dirá que os médicos hipocráticos, preocupados com a sua reputação, "alertam freqüentemente sobre a negligência e a falta de obediência de seus pacientes e estão conscientes de suas mentiras" (Art, p. 266, n. 24).

É preciso lembrar que as dietas eram extremamente rígidas, difíceis de serem seguidas, talvez por isso o autor creditasse ao paciente os casos funestos ou mal curados:

[os doentes] recebem as prescrições abatidos pela dor, temerosos do futuro, cheios de doença e vazios de alimentos, e embora ansiosos para receber algo contra a doença, mas que seja conveniente à saúde e sem desejo de morrer, são incapazes de suportar com firmeza o tratamento (Art, p. 105).

Para defender a medicina e os médicos, o autor demonstra que a medicina é uma techné solidamente assentada num modelo de conhecimento considerado legítimo para os gregos da época: a arte médica está fundamentada num conhecimento sistematicamente acumulado e que permite a indução a partir de casos semelhantes, pois o médico age

Levando em consideração o caso presente e aqueles outros do passado que se apresentaram com os mesmos sintomas, de maneira que podem afirmar como salvaram aqueles tratados em outras ocasiões. (...) O doente quando recebe as prescrições, não sabe do que padece [o que é a doença] e porque padece [conhecimento causal], nem o que ocorrerá a partir da sua situação atual (Art, p. 105).

No oitavo parágrafo, o autor argumentará contra a quarta e última objeção, a de que os médicos curam apenas as doenças que naturalmente seriam curadas sem a sua intervenção, abandonando ou recusando tratar os doentes desenganados. Para os detratores da arte médica, se ela existisse, deveria curar todas as doenças sem distinção. É nesse momento que se delineia a clássica oposição entre natureza e artifício. Ou melhor, os limites dos instrumentos de ação de uma arte (no caso, a arte de curar) e o poder da physis (no caso, a physis das doenças).

Segundo o nosso autor, as limitações da medicina são uma prova de sua existência, pois

(...) Exigir que a arte tenha poder num domínio que não é o seu, ou exigir da natureza aquilo que não lhe pertence, é ser ignorante de uma ignorância que tem mais da loucura do que ausência de sabedoria (Art, p. 105).

O domínio da arte é o domínio da possibilidade da cura e da intervenção. O domínio da natureza é o domínio da impossibilidade de cura e consequentemente da não intervenção, da recusa e do abandono. O autor se mantém fiel à definição de medicina feita anteriormente no terceiro parágrafo do tratado. O bom médico é justamente aquele que sabe discernir entre os casos curáveis e os casos incuráveis6 6 Herófilo afirmará mais tarde que "o médico perfeito é aquele que é capaz de fazer a distinção entre o possível e o impossível" (Herófilo, frag. 51, apud Jouanna, 1992, p. 156). ou, dito de outra maneira, que conhece os limites de sua arte e que se abstém de intervir nos casos em que a natureza, a physis, supera a arte, ou os seus artifícios:

Quando se tem ajuda de instrumentos, quer da arte quer da natureza, podemos curar. Se não, não podemos. Quando um homem sofre de um mal que é mais forte que os instrumentos da medicina, [regime, remédios, intervenção cirúrgica etc.] não se deve contar que este mal possa ser vencido por ela (Art, p. 105).

O último argumento em favor da arte médica será construído levando-se em consideração os modos de aquisição do conhecimento médico clínico para a elaboração do diagnóstico e da terapêutica. O autor procura justificar as dificuldades da prática médica, entre elas os casos não curados ou as perdas inevitáveis, descrevendo os modos de observação e intervenção diagnóstica e terapêutica no caso das doenças internas e das doenças externas. Dessa maneira, funda uma das primeiras reflexões filosóficas e científicas sobre a aquisição do conhecimento médico.

Existem doenças cujo lugar não é difícil de se ver, e elas não são numerosas, e doenças cujo lugar não é fácil de se ver, e elas são numerosas. As primeiras são doenças que florescem na superfície do corpo, e o seu lugar é bem visível, quer pela cor, quer pelo inchaço. São, portanto, acessíveis à visão e ao toque, e permitem a avaliação, tais como rigidez, umidade, temperatura etc. As segundas são as doenças internas e a dificuldade está, justamente, no seu diagnóstico (Art, p. 106-7).

Nessa parte do discurso, o autor apresenta os recursos para a cura das doenças internas ou menos aparentes procedendo a uma descrição simplificada das concepções anatômicas e patológicas da época, feita para um público leigo. Embora rudimentar, a descrição pareceu ao autor ser suficientemente técnica para convencer o público ouvinte. Segundo a descrição, as doenças internas são doenças "dirigidas" para os ossos e para as chamadas "cavidades":

O corpo não possui apenas uma cavidade, mas várias. Existem duas cavidades que recebem [estômago?] e expulsam [intestinos?] os alimentos e muitas outras conhecidas por aqueles que se ocupam delas; as partes do corpo que possuem uma carne arredondada, chamadas músculos, fecham uma cavidade, uma vez que toda parte desprovida de aderência natural, seja ela coberta de pele ou carne, é porosa; e infla de ar, quando está sadia, e de humor seroso [ichor, pus ou pituíta], quando está doente. Em toda parte que não possui continuidade, quer sobre a pele, quer sobre a carne, existe um vazio repleto de ar na saúde, e repleto de humor na doença. O braço, a coxa e as pernas possuem uma carne desta natureza (músculo); além disso, mesmo nas partes desprovidas de carne, existe uma cavidade semelhante àquela cuja existência foi mostrada pelas partes carnosas. O tórax, por exemplo, no qual o fígado se abriga, o círculo da cabeça, no qual se encontra o encéfalo e as costas, na qual se encontra o pulmão. Estas partes são ocas, vazias, cheias de numerosos interstícios naturais, que são recipientes de muitos líquidos danosos ou proveitosos ao seu dono. Por ex.: os nervos ou vasos [neura], não aqueles que estão soltos na carne, mas aqueles que se estendem ao longo dos ossos e constituem os ligamentos das articulações; e as articulações, elas mesmas, nas quais giram as juntas dos ossos que se movem, todas estas partes são porosas e possuem ao seu redor compartimentos [thalamé] que evidenciam o líquido turvo esbranquiçado seroso, que emana das mesmas quando elas são abertas, e saem em grande quantidade causando muita dor (Art, p. 107-8).

O autor explica que as dificuldades que apresentam as doenças internas decorrem do fato de que, nesses casos, a medicina não pode partir exclusivamente da interpretação dos dados sensíveis, mas deve o médico pôr em prática um método de abordagem que o leve, a partir de um conjunto de indícios artificialmente provocados, induzir a doença provável. Esse método será identificado com "o olhar da mente" por oposição ao "olhar dos olhos", isto é, como um raciocínio que parte do exercício da razão e não apenas da observação direta.

É impossível conhecer as partes internas, pois não podem ser vistas, escapando à visão. Neste caso, as doenças são ocultas ou invisíveis [adéla]. Mas embora ocultas elas não são vitoriosas, longe disso, na medida do possível elas são vencidas ou dominadas pela arte. Isso é possível porque a natureza do doente se oferece ao exame e porque o investigador é dotado para a investigação. Tais doenças exigem mais tempo e esforço do que aquelas submetidas à visão, mas aquilo que escapa ao exame dos olhos é submetido ao exame da inteligência (Art, p. 107).

Jouanna e Magdelaine afirmam que esta é a primeira vez que a famosa metáfora do olhar da inteligência aparece na história. É encontrada ainda no capitulo 11 do tratado hipocrático Sobre os Ventos, que afirma que "o vento é invisível aos olhos, mas visível à razão." Essa fórmula será ainda utilizada por Platão na passagem 219a do Banquete: "O olho do pensamento começa a ter um visão penetrante quando a visão dos olhos começa a perder a sua acuidade" (Jouanna & Magdelaine, 1999, p. 268, n. 39). Na verdade, foi Demócrito o primeiro filósofo a distinguir os dois modos de conhecimento. Mas a grande diferença, segundo a doxografia de Sexto Empírico, é que, em Demócrito, o conhecimento sensível é considerado menor, não genuíno:

Há duas espécies de conhecimento, um genuíno e outro obscuro. Ao conhecimento obscuro pertencem, no seu conjunto, vista, audição, olfato, paladar e tato. O conhecimento genuíno, porém, está separado daquele. Quando o obscuro não pode ver com detalhe, nem ouvir, nem sentir cheiro ou sabor, nem perceber pelo tato, mas precisa procurar mais finamente, então se apresenta o genuíno, que possui um órgão de conhecimento mais fino (Sexto Empírico, Sobre a lógica, apud Chauí, 2002, p. 123).

Contrariamente, o nosso autor eleva o conhecimento empírico ou observacional ao estatuto de conhecimento legítimo para a medicina. Na passagem que segue, podemos constatar que quando os recursos visuais e táteis falham, o médico deve provocá-los e exteriorizá-los, transformando sintomas obscuros em sinais observáveis. Esse exercício, o de raciocinar sobre a doença a partir de seus indícios, quer provocados ou não, nada mais é do que a base do conhecimento indutivo médico:

(...) A medicina (...) quando não podia ver (...) convenientemente descobriu outros recursos auxiliares (...) tomando como critério a rouquidão ou a clareza da voz; a rapidez ou a lentidão da respiração, e no caso dos fluídos que costumam escorrer pelas vias de expulsão, quer pela cor, odor, ou espessura, o médico julgava a quais partes do corpo estes sinais correspondiam, que mal causaram ou podem vir a causar. E quando a natureza se recusava a oferecer estas informações, a arte encontrou meios por meio dos quais, sem dano, eles podiam ser conhecidos (Art, p. 110).

Assim, o médico, quando não pode observar os sinais das doenças, provoca-os artificialmente, por meio de purgativos e evacuantes, entre outros recursos. Por isso, justifica-se o nosso autor, "a cura das doenças internas é mais lenta, mas não desprovida de recursos". Os detratores da medicina objetavam que os doentes sofriam por causa da lentidão do exame. Nosso autor responde que este fato deve ser creditado mais à natureza do doente e da doença do que ao médico, "pois uma vez que o médico não pôde ver a doença nem obter informação de escuta [sic], busca entendê-la com a razão, e isso leva mais tempo" (Art, p. 108).

É peculiar a relação entre a razão e a experiência que se encontra nestas passagens do tratado: a razão é ao mesmo tempo teoria aplicada à experiência, bem como raciocínio através do qual a experiência se transforma em conhecimento para a conduta clínica. Cabe lembrar que a cura não será utilizada como prova exclusiva da eficácia da teoria, pois os casos não curados serão creditados à falta de disciplina do paciente.

Não é por acaso que o autor do Sobre a arte médica busca legitimar o conhecimento médico descrevendo a distinção entre doenças internas e doenças externas, pois a maneira de curar as doenças externas parte do modelo considerado o mais adequado para o conhecimento médico. Tal modelo implica no exercício da razão a partir dos dados da experiência sensível.

Assim, após ter respondido às objeções, o autor conclui afirmando que a medicina possui em si mesma raciocínios eficazes para a cura e que por isso pode com justiça recusar-se a tratar os casos desenganados e, quando julgar que pode curar, o fará sem erro.

2. O PERCURSO DO TRATADO APÓS A ANTIGÜIDADE CLÁSSICA

O tratado Sobre a arte médica teve um percurso singular na história da difusão e da transmissão dos tratados da Coleção hipocrática.7 7 De uma maneira geral, pois tais demarcações são bastante complexas e sutis, considero "recepção" a maneira pela qual um livro ou uma teoria nele contida são recebidos dentro de uma comunidade (no nosso caso, médico-científica), isto é, o impacto causado pela obra; a "difusão", algo que ocorre entre as idéias contidas nos livros ou teorias, isto é, quando elas são incorporadas (ou não) em outras teorias ou doutrinas; e a transmissão, a maneira pela qual uma idéia é transmitida, isto é, a forma e a fidelidade da idéia ao longo da história do pensamento. Ao fazer tal distinção, chamo a atenção para a necessidade de diferentes abordagens e documentos históricos a serem investigados. A partir das informações fornecidas por Siraise (1990), Jouanna (1992) e Pahta (1998)8 8 Siraise, no terceiro capítulo, "Medical education", de Medieval & early renaissance medicine (Siraise, 1990); Jouanna, no capítulo terceiro, "La postérité de l'hippocratisme dans l'antiquité", de seu Hippocrate (Jouanna, 1992); e Pahta, no primeiro capítulo, "Medieval medicine", de sua tese de doutorado (Pahta, 1998). podemos verificar que o tratado, embora contendo questões filosóficas fundamentais acerca da arte e da ciência médicas, não teve a mesma sorte dos tratados considerados mais práticos ou de aplicação clínica imediata. Ao descrever o percurso do tratado ao longo da posteridade, a minha intenção é chamar a atenção para esse fato e, na medida do possível, entender as suas causas.

No período da Alexandria helenística, os manuscritos da Coleção hipocrática foram reunidos e guardados na Biblioteca de Alexandria. Ali receberam comentários e glosas de médicos filólogos, tais como Herófilo (III a.C.) e seus discípulos Philinos de Cós e Bacchéios de Tanagra (II a.C.). Este último editou e comentou os livros Epidemia III e VI, Oficina do médico9 9 Em latim, De officina medici, do grego Kat'iétreíon. Poderia também ser traduzido por Dispensário médico, Ambulatório ou Consultório médico. O tratado fornece conselhos práticos sobre o exame e as operações cirúrgicas feitas "na sala" do médico, descrevendo várias técnicas cirúrgicas e ortopédicas, entre elas, as técnicas de bandagem. e os Aforismos. Bacchéios não introduz o Sobre a arte médica no conjunto desses escritos, mas isso não significa que ele não o tenha lido ou conhecido. Seus livros se perderam e as referências que temos nos chegaram indiretamente por meio da obra de Erotiano (I d.C.), médico contemporâneo de Nero, autor do Glossário hipocrático, o mais antigo que temos notícia. É dele a primeira relação das obras consideradas autênticas de Hipócrates, 29 tratados organizados em 38 livros, classificados e divididos em tratados semióticos; etiológicos e físicos; terapêuticos cirúrgicos; terapêuticos sobre o regime; tratados agrupados e, por fim, tratados sobre a arte, onde se encontram o Sobre a medicina antiga, o Juramento, Lei e o nosso tratado Sobre a arte médica. A inclusão deste último demonstra que entre os séculos I e II pode ter havido algum tipo de mudança ou perspectiva em relação ao nosso tratado no conjunto dos textos fundamentais do Corpus, embora não tenhamos dados suficientes para inferir algo significativo sobre isso.

O Corpus Hippocraticum ganha suas duas primeiras edições nesse período: a de Artemidoro (I d.C.) e a de Dioscórides (I d.C.), hoje infelizmente perdidas, mas que um século mais tarde foram utilizadas e comentadas por Galeno. Assim, podemos ter uma idéia geral dos tratados editados por Artemidoro e Dioscórides através da obra do médico grego.

Galeno (II d.C.) foi, sem dúvida, o principal comentador e exegeta de Hipócrates e do Corpus Hippocraticum. Pérgamo, sua cidade de origem, foi, além de Alexandria, um grande centro de formação médica da Antigüidade, e lá se encontrava uma das mais completas bibliotecas médicas do período. Na obra Sobre os meus livros, Galeno cataloga sua obra geral classificando-a e rubricando-a. Na sexta rubrica, "Comentários a Hipócrates", Galeno descreve os manuscritos hipocráticos por ele analisados. Seguindo a tradição filológica e exegética de Alexandria, Galeno recopia os textos de Hipócrates expondo a doutrina médica ali contida, comentando-os e explicando as passagens mais difíceis. Curiosamente, entre os 25 tratados hipocráticos analisados por Galeno, não se encontrava o Sobre a arte médica. Ou Galeno desprezou o pequeno tratado hipocrático nos seus comentários, ou o Sobre a arte médica não foi editado por Artemidoro e Dioscórides. Contudo, é curioso pensar que Galeno o tenha desprezado, uma vez que dedicou discussões de mesma natureza em pequenos tratados, entre eles Que o bom médico deve ser um bom filósofo; Exortação ao estudo das artes; Empirismo em medicina (comentário ao debate entre Pelops e Felipe, o empírico); e o homônimo Sobre a arte da medicina. Segundo Jouanna (1992, p. 156), no Comentário aos Aforismos (II, 29), Galeno repete os termos do tratado Sobre a arte médica quando declara que não se deve curar os doentes vencidos pelas doenças.

Galeno teve um papel essencial na difusão do hipocratismo, uma vez que até os séculos XV e XVI, com o surgimento de novas traduções, o Corpus Hippocraticum será quase que exclusivamente conhecido a partir dos seus comentários.

No período do renascimento bizantino surgem as primeiras enciclopédias médicas, a de Oribase, médico do Imperador Júlio (IV d.C.), e a de Aécio, que viveu sob o Imperador Justiniano (VI d.C.). Oribase seguiu a ordem e a classificação dos tratados anteriormente feitas por Galeno (70 livros, dos quais apenas um terço nos restou). Aécio, por sua vez, reuniu e comentou apenas 16 livros.

Entre os séculos V e VI d.C., o Sobre a arte médica também não foi editado, pois a relação dos livros hipocráticos do período respeitou a ordem e os comentários anteriormente feitos por Galeno. Nesse período, são traduzidos para o latim (considerado já na época bárbaro e tosco), pelos italianos de Ravena, os manuscritos hipocráticos Ventos, águas e lugares, Aforismos, Doenças das mulheres, Natureza do homem, O prognóstico, Sobre o regime nas doenças agudas e Semanas.

Após o renascimento bizantino, os principais comentadores de Hipócrates seguem o modelo dos comentários feitos a Aristóteles. Os mais importantes são os de Palladio (VI d.C.), Joannes de Alexandria (VII d.C.), autor do famoso manual Isagoge, e Estefânio, dito de Alexandria ou de Atenas (VII d.C.). Estefânio, no prefácio ao comentário do livro O prognóstico, apresenta a ordem em que os tratados hipocráticos deveriam ser introduzidos no ensino da escola médica de Alexandria:

  • obra de caráter geral: os

    Aforismos;

  • obras sobre "o normal":

    Natureza do homem;

    Natureza da criança;

    Humores;

    Nutrição;

  • obras sobre "o patológico":

      doenças esporádicas: O prognóstico; Sobre o regime nas doenças agudas; Articulação; Fraturas;doenças gerais endêmicas: Ventos, águas e lugares;doenças gerais epidêmicas: Epidemias;doenças femininas: Doenças das mulheres. (Jouanna, 1992, p. 507, n. 45).

A terceira grande enciclopédia médica da Antigüidade foi a de Paulo de Égina, que continha apenas sete livros, na sua maioria dedicados à cirurgia.

A conquista árabe, em 642 d.C., não interrompeu a difusão e a transmissão das obras de Hipócrates. O chamado hipocratismo galênico, herança alexandrina tardia, retorna ao Ocidente a partir das traduções latinas e árabes. Hazes, em 925, publica o Almansor; Haly Abbas traduz o Pantegni e o Liber regius de Galeno; Avicena publica o Canon onde tenta conciliar a filosofia de Aristóteles com a de Galeno; Averroes escreve o Colliget. Entre os livros hipocráticos árabes, traduzidos diretamente do grego para o siríaco (aramaico oriental) e em seguida vertidos para o árabe, encontramos as traduções do médico nestoriano do século IX d.C., Hunayn ibn Ishaq. Ishaq foi o principal responsável pelo chamado hipocratismo galeno-árabe, pois foi tradutor das obras de Galeno, a partir das quais a coleção hipocrática foi transmitida. Como Hunayn ibn Ishaq seguiu a relação dos livros comentados por Galeno, aqui também não encontramos o Sobre a arte médica.

No século XI, as traduções árabes de Galeno serão vertidas para o latim, e dessa forma Hipócrates é reintroduzido no Ocidente a partir dos seus comentários. Essa tradição perdurará até o Renascimento, quando a segunda leva de médicos humanistas (a primeira tinha sido a dos médicos filólogos alexandrinos do II século a.C.) passa a estabelecer os textos diretamente do grego, livres dos comentários e glosas feitos anteriormente. Será somente nessa época que o Sobre a arte médica voltará a compor o repertório dos livros da Coleção hipocrática.

Na segunda metade do século XII d.C., Constantino, o Africano, traduz, do árabe para o latim, os Comentários aos Aforismos, ao Prognóstico e ao Regime nas doenças agudas de Galeno. É dessa forma que a Escola de Salerno, no sul da Itália, pôde conhecer parte da medicina hipocrática. A partir do século XII d.C., as traduções latinas dos textos gregos de Hipócrates são mais raras do que as de Galeno. Assim, no século XIII d.C., o Hipócrates conhecido nos cursos de medicina das Universidades de Bolonha, Paris e Montpellier será o Hipócrates galênico, ou melhor, o hipocratismo galeno-árabe. O núcleo de livros ensinados foi o mesmo da escola médica de Salerno, reunidos no manual conhecido por Articella, publicado em 1473 em Pádua, e seguido de 15 edições. Nesse manual, constavam apenas três textos hipocráticos, aqueles traduzidos por Constantino, o Africano, e apresentados por meio dos comentários de Galeno, a saber, os Aforismos, o Prognóstico e o Regime nas doenças agudas. Os demais livros que compunham o Articella são: Ars medica, Ars Parva e Tegni ou Microtegni, todos de Galeno; a introdução árabe a Galeno feita por Joannes de Alexandria, conhecida como Isagoge; pequenos tratados sobre os métodos de diagnóstico, tais como textos sobre o pulso e a urina; e as famosas questionnes salernitanas sobre a física de Aristóteles. Mais uma vez, o nosso tratado não se encontra aqui.

Até agora, pouca coisa foi dita sobre o papel das escolas médicas e das universidades na transmissão dos ensinamentos contidos na Coleção hipocrática. No primeiro período de formação das escolas médicas e das universidades na Europa aproximadamente do século X ao século XIII, existiu uma tradição livresca que foi transmitida paralelamente ao ensino oral, sobretudo no ensino médico, junto ao leito dos doentes. Isso significa que os tratados médicos transmitidos na Escola de Salerno (900) e nas Universidades de Montpellier, Paris e Bolonha não foram necessariamente apenas aqueles que constaram nos currículos e nas diversas edições e comentários.

No segundo período de florescimento do ensino acadêmico na Europa, entre os séculos XIV e XVI, os Studia generale de Pádua, Ferrara, Salamanca, Praga e Tübingen, passam a ser os principais centros de ensino médico. De uma maneira geral, o currículo será o mesmo da escola de Salerno: teoria e prática médica grega e islâmica e o ensino da filosofia aristotélica, contidos no manual Articella. No entanto, outras formas de transmissão do conhecimento médico surgem com o número crescente de estudantes. Há um aumento significativo de debates públicos, as disputationes acadêmicas, além do ensino oral e da prática clínica junto ao leito do doente. É nesse momento que a obra de Hipócrates será recuperada na sua integridade.

O surgimento da imprensa promoveu várias edições nesse período. No século XVI, em 1525, surge a tradução integral de Marcus Fabius Calvus, publicada em Roma a partir do texto grego; em 1526, Francesco d'Asola publica em Veneza a primeira edição inteiramente em grego, conhecida como Parisinus Graecus 2141 e Foes, em 1595, edita 61 escritos baseando-se na classificação e divisão dos livros segundo Erotiano.10 10 As listas completas dessas edições podem ser consultadas em Jones (1923). Nessas edições, o tratado Sobre a arte médica volta a constar do conjunto dos textos hipocráticos, após ter sido afastado desde o I século d.C. A intenção dos tradutores dos séculos XVI e XVII era, sobretudo, apresentar o Corpus Hippocraticum na sua integridade, livre das interpretações e dos comentários de Galeno e outros. Entre as diversas edições do período moderno encontramos a de Rabelais (1532) e a de Janus Cornarius (1538).

Embora as edições do período moderno contivessem o Sobre a arte médica, quando nos voltamos para o currículo das universidades a presença do livro não é constatada, pelo menos na formação básica e nos exames de admissão aos colégios médicos para a obtenção da licença de praticante. Como veremos, a hegemonia dos Aforismos e dos textos voltados à prática médica ainda se mantém.

No século XVII, Pádua ainda era o mais importante centro de ensino médico, atraindo muitos estudantes de toda a Europa, não somente por causa de sua fama como uma das melhores escolas de medicina da Europa, mas também por seu ambiente de liberdade civil e acadêmica, atraindo ingleses e protestantes de diferentes nações. Por lá, já tinham passado Vesálio, Realdo Colombo e Fallopio, este último, professor de Fabrício de Acquapendente, que, nessa época, ocupava a cadeira de professor de cirurgia e anatomia. Em 1584, Acquapendente idealiza e constrói uma estrutura desmontável de madeira especialmente concebida para a prática de demonstrações anatômicas. Dez anos mais tarde inaugura o famoso Teatro Anatômico, onde Harvey assistirá suas primeiras lições de anatomia e cirurgia.

A partir da metade do século XIV, o Universitas studiorum de Pádua foi dividido em duas universidades separadas, a dos juristas, o Universitas iuristarum, e a dos artistas, filósofos, teólogos e médicos, a Universitas artistarum. Cada universidade era autônoma, possuindo sua própria organização e administração. Três tipos de doutorado em assuntos médicos eram oferecidos em Pádua: o primeiro em medicina, o segundo em medicina e filosofia e o terceiro em cirurgia. O estatuto da Universidade de Pádua estabelecia que para a obtenção do grau de doutor em medicina era preciso ter estudado no mínimo por três anos, assistido a todas as aulas regulares, ter disputado publicamente com um médico formado, ter respondido às questões colocadas pela Faculdade de Medicina e ter participado de leituras públicas. O candidato deveria, ainda, ter praticado, no mínimo por um ano, a medicina ao lado de um médico bem conhecido, acompanhando-o nas visitas domiciliares aos doentes.

Segundo Bylebyl (1979, p. 335-70), as principais disciplinas do curso de medicina eram "medicina teórica" e "medicina prática", embora tal divisão não fosse rígida. O professor de "teoria" deveria apresentar ao estudante os princípios introdutórios gerais da saúde e das doenças, isto é, patologia e fisiologia, além de apresentar os elementos gerais da clínica médica, como semiologia, higiene e terapêutica. Eram lidos e comentados três textos introdutórios: os primeiros aforismos do Canon de Avicena, os Aforismos de Hipócrates e a Arte médica de Galeno. O professor de "prática" discutia os mesmos assuntos, embora voltados especificamente para as doenças particulares, como as doenças "da cabeça ao tórax", "do abdome aos pés" e as febres, consideradas "doenças do corpo todo". O estudo era ensinado num ciclo de três anos. Os estudantes deveriam também complementar a formação teórica acompanhando os médicos nas enfermarias dos hospitais e nas visitas periódicas aos seus pacientes. Para o ensino da anatomia, organizava-se um evento anual, promovido durante o inverno, onde eram convocados vários professores que ocupavam posições bem definidas: o primeiro participante deveria ser escolhido entre os professores extraordinários, isto é, o mais jovem, e a sua função era ler, palavra por palavra, a Anatomia de Mondino, enquanto a dissecação era conduzida; o segundo professor era um dos quatro professores ordinários de medicina (professores mais antigos de medicina teórica e prática) e cumpria duas funções principais: explicar a parte de Mondino que estava sendo lida e demonstrar as estruturas relevantes no cadáver; o terceiro professor deveria ser escolhido entre os professores de cirurgia e sua função era cortar o cadáver para a dissecação. O médico era chamado de "ostensor" e o cirurgião de "sector". As demonstrações eram acompanhadas por um curso teórico de anatomia denominado Anatomia doctrina.

Um quadro das disciplinas oferecidas no curso de Artes retirado do arquivo antigo da Universidade de Pádua11 11 Obtido no artigo de Berti-Bock, Premuda, Vial e Rulliere, "Le séjour de Harvey à Padoue" (Berti-Bock et alii, 1980). mostra que, entre os anos de 1592 e 1596, Horatios Augenius e Aemilius Campolongus, professores da cadeira de Ad theoricam ordinariam medicinae, deveriam cumprir o seguinte programa: Primam fen Avicennae, os Aforismos de Hipócrates e a Arte Parva de Galeno; no ano de 1559, Hercules Saxonia e Eustachius Rudius, professores da cadeira de Ad practicam ordinariam medicinae, deveriam ensinar De morbis particularibus a capite ad cor, De morbis particularibus a corde infra e De febribus; entre os anos de 1589 e 1591, Nicolaus Trevisanus e Hannibal Bimbiolus, professores da cadeira de Ad theoricam extraordinariam medicinae, deveriam ensinar medicina teórica; de 1591 a 1596, Alexander Vigontis e Thomas Minadius, professores de Ad practicam extraordinariam medicinae, deveriam discutir medicina prática; no ano de 1565, Hieronimus Fabritius ab Acquapendente, responsável pela cadeira de Anatomia e Cirurgia, apresentaria os seguintes temas: Administrabunt anatomem die ac tempo debito, isto é, dissecações anatômicas, De vulneribus, De ulceribus, De fracturibus, De luxationibus e De tumoribus praeter naturae; de 1591 a 1601, Antonius Niger e Andrighetus Andrighetus, professores da cadeira de Ad lecturam tertii libri Avicennae, complementariam as disciplinas da prática médica e por último, em 1594, Prosper Alpinus, professor da cadeira de Ad lecturam Simplicium deveria ensinar o De materia medica libri sex de Dioscórides.

Um regulamento de 1601 do London College of Physicians mostra que os candidatos que almejavam obter licença para trabalhar em Londres deveriam responder em latim a questões sobre "o número das coisas naturais das quais somos compostos", ou seja, "elementos, temperamentos, partes, humores, espíritos, movimentos e experiências; como uma doença e uma febre se diferenciam; o número dos temperamentos e quais livros de Hipócrates tinham sido lidos"; quais eram as três faculdades; quais eram os elementos; se o livro De inequali intemperie de Galeno tinha sido lido; a natureza das febres; sobre o sangue e sobre a peste. Embora tenhamos a informação de que os livros de Hipócrates deveriam ser lidos, não sabemos quais exatamente eram sabatinados.

Em 1676, Dr. Charles Goodall, no seu livro The College of Physicians vindicated, resume os três exames a serem feitos perante o presidente e quatro examinadores para a obtenção da licença de praticante:

No primeiro exame eram colocadas as questões sobre os princípios da física, isto é, fisiologia e anatomia; no segundo, perguntava-se sobre a parte patológica da física, isto é, sobre as causas, as diferenças, os sintomas e os sinais das doenças; sobre a doutrina das febres e detalhes sobre o pulso e a urina; no terceiro exame, eram feitas as principais questões sobre o tratamento das doenças, dietas, o controle das desordens agudas e o uso de sangrias, vomitivos e opiáceos (Keynes, 1966, p. 42).

O médico inglês Eleazar Dunk, numa carta publicada em 1606,12 12 The copy of a letter written by E. D. doctour of physicke to a gentleman, by whom it was published, citado por Harold Cook, Jr. em "The new philosophy and medicine in seventeenth-century England" (Cook Jr., 1990). sustentava que o ensino da medicina deveria ser dividido em cinco partes ou "instituições":

i) os elementos (ar, água, terra e fogo), os temperamentos (frio, úmido, seco e quente), os humores (bílis negra, bílis amarela, fleuma e o sangue), os espíritos (naturais, vitais e animais), as partes do corpo, as faculdades e as ações; ii) as causas e os sinais das doenças; iii) o prognóstico através dos sinais; iv) a preservação da saúde e a prevenção das doenças; e v) a eliminação da doença e a recuperação da saúde.

Para Dunk, as cinco "instituições" exigiam do médico mais do que um mero conhecimento clínico, tornando necessária uma sólida instrução em gramática latina, lógica e filosofia. O programa é claramente o resultado da fusão entre as medicinas hipocrática, galênica e árabe.

CONCLUSÃO

Apesar da descrição feita sobre o percurso do nosso tratado, é difícil afirmar algo com um mínimo de consistência e evidência, pois seria preciso cruzar as informações obtidas nos livros e manuais indicados nos currículos das escolas médicas, nos textos editados e nos autores comentados pela literatura médica da época. Além da escassez de material tombado nas universidades européias, nem sempre as idéias médicas se propagam por uma única via, no caso a escrita. Além disso, a passagem de uma filosofia médica para uma ideologia médica ou para a consolidação de uma mentalidade médica é livre e desimpedida. Nesse caso, a tarefa caberia mais à sociologia da medicina do que à história e à filosofia. De toda maneira, embora o tratado não tenha sido incluído nas relações de livros exigidos nos cursos de medicina, bem como nos exames de admissão, sua recepção poderia ser investigada através do rastreamento das idéias nele contidas ao longo do desenvolvimento da história da medicina. Esta é sem dúvida uma empreitada para toda uma vida de pesquisa.

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  • LINDBERG, D. C. & WESTMAN, R. S. (eds.). Reappraisals of the scientific revolution Cambridge, Cambridge University Press, 1990.
  • PAHTA, P. "Medieval embryology in the vernacular: the case of The spermate". Academic dissertation. In: Mémoires de la Société Néophilologique de Helsinki Vol. LIII. Helsinki, Faculty of Arts at the University of Helsinki, Société Néophilologique, 1998.
  • SIRAISE, N. G. Medieval & early renaissance medicine: an introduction to knowledge and practice Chicago, The University of Chicago Press, 1990.
  • WEBSTER, C. (ed.). Health, medicine and mortality in 16th century Cambridge, Cambridge University Press, 1979.
  • 1
    Não existe uma ordem canônica na transmissão dos manuscritos da
    Coleção hipocrática. Por exemplo, de acordo com C. G. Gual, são 53 tratados organizados em 72 livros; para J. Jouanna, que segue a organização dos textos a partir de Erotiano (século I a.C.), são 62 livros. Émile Littré, por sua vez, organiza as obras da coleção em dez volumes, reunindo 60 livros. Para uma apresentação mais detalhada da tradição dos manuscritos da Coleção, ver a "Introdução" de W. S. Jones (1991, xlviii)
  • 2
    Jones e Gual dividem o tratado em 14 parágrafos, respeitando uma quebra do texto provavelmente causada por um trecho perdido ou extraviado.
  • 3
    As citações foram livremente traduzidas por mim a partir da tradução francesa de Jacques Jouanna e Caroline Magdelaine,
    Art, em
    Hippocrate. L'art de la médecine. As referências aqui feitas seguiram a paginação dessa edição.
  • 4
    A extensão do termo
    technê para os gregos do período é bastante larga, abrangendo atividades e saberes que de uma certa maneira correspondem à idéia que temos de ciência, arte, ofício técnico e profissão. Para Jaeger (1986), as
    technai de Atenas do século V devem ser compreendidas ao mesmo tempo como um conhecimento teórico (ciência) e um conhecimento prático, "um saber fazer", que envolve habilidades técnicas ou artísticas. A medicina é uma ciência porque implica a racionalidade, o
    logos, a explicação causal, a observação, a indução e a dedução, previsões e hipóteses; é uma arte ou técnica porque exige ensino e transmissão (oral e literária), condição que caracteriza uma
    technê, além de envolver certas habilidades manuais, tais como a aplicação de bandagens, os curativos e as pequenas cirurgias. Pode, ainda, ser comparada a um oficio técnico ou a uma profissão porque exige a existência de um espaço próprio para a sua atividade (templos, consultórios e "oficinas"), bem como – e esta é talvez a maior prova do caráter institucional dos médicos e da medicina do período – a contratação de um médico público pelo estado.
  • 5
    Peri archaíés iétrikês, em latim
    De prisca medicina ou
    De vetere medicina, onde o autor faz uma "arqueologia" da medicina, descrevendo o seu nascimento e o seu método.
  • 6
    Herófilo afirmará mais tarde que "o médico perfeito é aquele que é capaz de fazer a distinção entre o possível e o impossível" (Herófilo, frag. 51,
    apud Jouanna, 1992, p. 156).
  • 7
    De uma maneira geral, pois tais demarcações são bastante complexas e sutis, considero "recepção" a maneira pela qual um livro ou uma teoria nele contida são recebidos dentro de uma comunidade (no nosso caso, médico-científica), isto é, o impacto causado pela obra; a "difusão", algo que ocorre entre as idéias contidas nos livros ou teorias, isto é, quando elas são incorporadas (ou não) em outras teorias ou doutrinas; e a transmissão, a maneira pela qual uma idéia é transmitida, isto é, a forma e a fidelidade da idéia ao longo da história do pensamento. Ao fazer tal distinção, chamo a atenção para a necessidade de diferentes abordagens e documentos históricos a serem investigados.
  • 8
    Siraise, no terceiro capítulo, "Medical education", de
    Medieval & early renaissance medicine (Siraise, 1990); Jouanna, no capítulo terceiro, "La postérité de l'hippocratisme dans l'antiquité", de seu
    Hippocrate (Jouanna, 1992); e Pahta, no primeiro capítulo, "Medieval medicine", de sua tese de doutorado (Pahta, 1998).
  • 9
    Em latim,
    De officina medici, do grego
    Kat'iétreíon. Poderia também ser traduzido por
    Dispensário médico,
    Ambulatório ou
    Consultório médico. O tratado fornece conselhos práticos sobre o exame e as operações cirúrgicas feitas "na sala" do médico, descrevendo várias técnicas cirúrgicas e ortopédicas, entre elas, as técnicas de bandagem.
  • 10
    As listas completas dessas edições podem ser consultadas em Jones (1923).
  • 11
    Obtido no artigo de Berti-Bock, Premuda, Vial e Rulliere, "Le séjour de Harvey à Padoue" (Berti-Bock
    et alii, 1980).
  • 12
    The copy of a letter written by E. D. doctour of physicke to a gentleman, by whom it was published, citado por Harold Cook, Jr. em "The new philosophy and medicine in seventeenth-century England" (Cook Jr., 1990).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2003
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