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Abastecimento de água, esgotamento doméstico e aspectos de saúde em comunidades Quilombolas no Estado de Mato Grosso do Sul1 1 Este trabalho foi financiado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Ministério da Saúde.

Water supply, sanitation and health aspects in Quilombola communities in the State of Mato Grosso do Sul

L'approvisionnement en eau, l'assainissement et les aspects sanitaires dans les communautés quilombos dans l'État du Mato Grosso do Sul

El suministro de agua, aspectos sanitarios y de salud en las comunidades quilombolas en el Estado de Mato Grosso do Sul

Resumo:

Com o objetivo de dar subsídios à elaboração de planos, projetos, programas e ações com foco no reúso da água e dos nutrientes, foi realizada a pesquisa de campo com aplicação de questionários nas comunidades quilombolas do Estado de Mato Grosso do Sul, considerando aspectos socioeconômicos, condições de habitação, abastecimento de água, esgotamento doméstico e saúde. Os resultados indicaram que as comunidades são suficientemente estruturadas para tomarem decisões em questões de saneamento, o que irá permitir que escolham tecnologias mais sustentáveis, além da difusão da educação sanitária e ambiental.

Palavras-chave:
saneamento básico; saneamento sustentável; tomada de decisão; educação sanitária e ambiental; esgoto

Abstract:

Aiming at subsidizing the elaboration of programs, projects and actions focused on the reuse of water and nutrients, field work with the application of questionnaires was carried out in the Quilombola communities of Mato Grosso do Sul State, considering socioeconomic aspects, housing conditions, water supply, sewage services and health. The results indicated that the communities are sufficiently well organized to make decisions on sanitation matters, which will allow them to choose more sustainable technologies, as well as the diffusion of sanitary and environmental education.

Key words:
basic sanitation; sustainable sanitation; decision-making; health and environmental education; sewage

Résumé:

Visant à subventionner l'élaboration des programmes, des projets et des actions ciblées sur la réutilisation de l'eau et des éléments nutritifs, le travail sur le terrain avec l'application des questionnaires a été effectuée dans les communautés quilombos du Mato Grosso do Sul, Considérant les aspects socio-économiques, les conditions de logement, l'approvisionnement en eau , les services d'assainissement et de la santé. Les résultats indiqués Que des communautés sont suffisamment bien organisés pour prendre des décisions sur des questions d'assainissement, ce qui leur permettra de choisir des technologies plus durables, ainsi que la diffusion de l'éducation sanitaire et environnementale.

Mots-clés:
l'assainissement de base; l'assainissement durable; la prise de décision; la santé et l'éducation environnementale; les eaux usées

Resumen:

Con el objetivo de subvencionar la elaboración de programas, proyectos y acciones dirigidas a la reutilización del agua y los nutrientes, el trabajo de campo con la aplicación de los cuestionarios se llevó a cabo en las comunidades quilombolas de Mato Grosso do Sul, Teniendo en cuenta los aspectos socioeconómicos, las condiciones de vivienda, suministro de agua , servicios de alcantarillado y la salud. Los resultados indicaron Que las comunidades son suficientemente bien organizado para tomar decisiones en materia de saneamiento, lo que les permitirá elegir las tecnologías más sostenibles, así como la difusión de la educación sanitaria y ambiental.

Palabras clave:
saneamiento básico; saneamiento sostenible; toma de decisiones; salud y la educación ambiental; de aguas residuales

1 INTRODUÇÃO

Existem em torno de 2.185 comunidades reconhecidas oficialmente no Brasil, certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP, s.d.FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES (FCP). [s.d.]. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/quilombola>. Acesso em: 30 jul. 2016.
http://www.palmares.gov.br/quilombola...
). Em Mato Grosso do Sul, região Centro-Oeste do país, são 22 comunidades quilombolas, 10 situadas em quatro municípios, na área urbana ou próximas (periurbana), e 12 comunidades situadas em 12 municípios, na área rural.

As comunidades quilombolas são reconhecidas como grupos étnico-raciais, que seguem critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, bem definida e relações territoriais específicas ligadas à ancestralidade negra e à opressão histórica sofrida (BRASIL, 2003BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 4.887 de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Brasília: Presidência da República. 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm>. Acesso em: 20 ago. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
).

Existem vários estudos que relatam os diferentes tipos de problemas de saúde que os moradores enfrentam, com protozooses e helmintíases (AMORIM et al., 2013AMORIM, M. M.; TOMAZI, L.; SILVA, R. A. A.; GESTINARI, R. S.; FIGUEIREDO, T. B. Avaliação das condições habitacionais e de saúde da Comunidade Quilombola Boqueirão, Bahia. Bioscience Journal, Uberlândia, MG, v. 29, n. 4, p. 1049-57, jul./ago. 2013.; DAMAZIO et al., 2013DAMAZIO, S. M.; LIMA, M. S.; SOARES, A. R.; SOUZA, M. A. A. Intestinal parasites in a quilombola community of the Northern State of Espírito Santo, Brazil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, v. 55, n. 3, p. 179-183, maio/jun. 2013.), além de anemia e hipertensão, resultados de má alimentação (SILVA, 2014) e de riscos associados à segurança alimentar (CORDEIRO; MONEGO; MARTINS, 2014CORDEIRO, M. M.; MONEGO, E. T.; MARTINS, K. A. Overweight in Goiás' quilombola students and food insecurity in their families. Revista de Nutrição, v. 27, n. 4, p. 405-412, jul./ago. 2014.). Além disso, já foi observado em uma comunidade quilombola no Estado da Bahia que os membros avaliam como "ruim" a qualidade de vida e a condição de difícil acesso aos serviços de saúde (SANTOS et al., 2014SANTOS, V. C.; BOERY, E. N.; BOERY, R. N. S. de O.; ANJOS, K. F. Conditions of health and quality of life of the quilombola elderly black. Journal of Nursing, Recife, v. 8, n. 8, p. 2603-2610, ago. 2014.).

Nesse sentido, é conhecido que um dos maiores riscos associados à saúde humana é a falta de saneamento básico (MONTGOMERY; ELIMELECH, 2007MONTGOMERY, M. A.; ELIMELECH, M. Water and Sanitation in Developing Countries: Including Health in the Equation. Environmental Science and Technology, v. 41, n. 1, p. 17-24, jan. 2007.), principalmente serviços inadequados de abastecimento de água e esgotamento doméstico, além de aspectos falhos na educação sanitária e higiene, o que é comum em países em desenvolvimento (YUSUF; ZAKIR HUSSAIN, 1990YUSUF, M.; ZAKIR HUSSAIN, A. M. Sanitation in rural communities in Bangladesh. Bulletin of the World Health Organization, v. 68, n. 5, p. 619-624, 1990.; PHASWANA-MAFUYA, 2006PHASWANA-MAFUYA, N. Health aspects of sanitation among Eastern Cape (EC) rural communities, South Africa. Curationis, v. 29, n. 2, p. 41-7, maio 2006.; RHEINLÄNDER et al., 2010RHEINLÄNDER, T.; SAMUELSEN, H.; DALSGAARD, A.; KONRADSEN, F. Hygiene and sanitation among ethnic minorities in Northern Vietnam: does government promotion match community priorities? Social Science and Medicine, v. 71, n. 5, p. 994-1001, 2010.).

Para uma adequada gestão dos serviços de saneamento, é necessário que se realize inicialmente um diagnóstico da situação, com objetivo de conhecer quais são os pontos fortes e fracos dos serviços que são oferecidos. É, pois, fundamental compreender as características do abastecimento e do esgotamento, principalmente na área rural, onde os dados dos indicadores são escassos, para proposição de metas, programas, projetos e ações efetivas na busca da universalização do acesso à água e ao tratamento dos esgotos, com intuito de evitar doenças e melhorar a qualidade de vida.

No Brasil, embora os estudos que relacionam saúde e saneamento tenham aumentado nos últimos anos, ficaram estagnados entre 1973 e 1996, quando foram realizados somente em áreas específicas do Brasil, tendo maior incidência na região Sudeste e Nordeste, com foco preventivista. Isso limita e reduz o potencial de focar em ações e articulações políticas e institucionais, com ênfase na gestão (planejamento e gerenciamento) dos serviços, na educação sanitária e ambiental e acaba restringindo a participação da população nas decisões acerca das intervenções que dizem respeito às suas condições de vida (SOUZA; FREITAS, 2010SOUZA, C. M. N.; FREITAS, C. M. A produção científica sobre saneamento: uma análise na perspectiva da promoção da saúde e da prevenção de doenças. Engenharia Sanitária e Ambiental , v. 15, n. 1, p. 65-74, jan./mar. 2010.).

Ferreira et al. (2014)FERREIRA, E. P.; FERREIRA, J. T. P.; PANTALEÃO, F. S.; FERREIRA, Y. P.; ALBUQUERQUE, K. N.; FERREIRA, T. C. Abastecimento de água para consumo humano em comunidades quilombolas no município de Santana do Mundaú - AL. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 7, n. 6, p. 1119-1125, 2014. estudaram as condições do abastecimento de água, das comunidades quilombolas rurais Jussarinha, Mariana e Filus, no município de Santana do Mundaú, no Estado de Alagoas, totalizando 600 habitantes, justificadas pela falta de investimentos em programas e ações de saneamento. Foi avaliado que não há água potável nas residências, ou seja, a água não é encanada (sem instalação hidráulica). Para uso doméstico e higiene pessoal, a água é captada de fontes alternativas, como rios e riachos. Para o consumo humano, a água é proveniente de manancial subterrâneo, por poços freáticos, conhecido como "cacimbas".

Amorim et al. (2013)AMORIM, M. M.; TOMAZI, L.; SILVA, R. A. A.; GESTINARI, R. S.; FIGUEIREDO, T. B. Avaliação das condições habitacionais e de saúde da Comunidade Quilombola Boqueirão, Bahia. Bioscience Journal, Uberlândia, MG, v. 29, n. 4, p. 1049-57, jul./ago. 2013. estudaram a comunidade quilombola Boqueirão, no município de Vitória da Conquista, Estado da Bahia, totalizando 467 indivíduos. Foi observado que 88% da população não possui água encanada, 44% elimina as excretas (fezes e urina) a "céu aberto", no peridomicílio, e 75% não possuem sanitário na residência, sendo lançados os dejetos no solo e no açude (fonte de água para os moradores). Além disso, apenas 14% realizam a filtração (filtro de barro), e 34% usam panos para filtrar os sólidos.

No estudo realizado por Araújo. Santana e Azevedo Filho (2009) na comunidade quilombola Serra do Osso, Estado de Pernambuco, com 102 habitantes, foi observado que 72,3% fazem uso de "cacimbas", e a água é tratada em apenas 27,3% dos domicílios.

Os estudos realizados são poucos e focam no eixo abastecimento de água, são concentrados nas comunidades quilombolas da região nordeste do país e não levam em consideração os aspectos de esgotamento doméstico. Isso impossibilita obter um diagnóstico para uma gestão desses serviços com foco em reúso de água e nutrientes, conceitos base de um saneamento sustentável, o que não permite propor alternativas de novos arranjos tecnológicos. Além disso, é nítida a falta de políticas públicas voltadas para essas comunidades, o que torna essas populações vulneráveis em função das condições sanitárias, sendo necessário, além de planejamento e gerenciamento (ROMA; JEFFREY, 2011ROMA, E.; JEFFREY, P. Using a diagnostic tool to evaluate the longevity of urban community sanitation systems: a case study from Indonesia. Environment, Development and Sustainability, v. 13, n. 4, p. 807-820, ago. 2011.), envolver a comunidade na participação e tomada de decisão (PLESS; APPEL, 2012PLESS, N. M.; APPEL, J. In pursuit of dignity and social justice: changing lives through 100 % inclusion-how gram vikas fosters sustainable rural development. Journal of Business Ethics, v. 111, n. 3, p. 389-411, dez. 2012.), como também em programas de educação sanitária e higiene.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi diagnosticar, por meio de aplicação de questionários nas comunidades quilombolas do estado de Mato Grosso do Sul, os aspectos socioeconômicos, as condições de habitação e os serviços de saneamento básico (abastecimento e esgotamento) e informações sobre saúde, para dar base à elaboração de programas, projetos e ações com foco no reúso da água e dos nutrientes, e que possibilita a tomada de decisão participativa, promovendo a educação sanitária e ambiental.

2 METODOLOGIA

O estudo foi realizado por meio de uma pesquisa de natureza quantitativa, por método de coleta de dados denominado survey e pela técnica de entrevista pessoal domiciliar.

A pesquisa foi do tipo amostral e foi realizada nas sete regiões localizadas nos municípios de acordo com a Figura 1, com desenho amostral de 85 questionários quantitativos aplicados de forma proporcional à população de cada comunidade. Também foram entrevistados representantes (líderes) dessas comunidades quilombolas para corroborar as informações coletadas e saber o motivo de algumas ocorrências, além de identificar suas visões sobre a região e quais suas perspectivas.

Figura 1
Localização dos municípios e as respectivas comunidades quilombolas estudadas.

2.1 Universo da pesquisa e Plano amostral

O universo desta pesquisa é composto pelas famílias que moram em comunidades quilombolas rurais do estado de Mato Grosso do Sul, Brasil.

A Tabela 1 apresenta como foi divido a porcentagem de questionários aplicados pela comunidade. A margem de erro para esse estudo é de três pontos percentuais para mais ou para menos, em um intervalo de confiança de 95%.

Tabela 1
Distribuição da proporção amostral nas comunidades quilombolas

Os questionários aplicados têm como objetivo identificar: a) o perfil socioeconômico e demográfico das famílias nas comunidades quilombolas, b) condições de moradia e habitação, c) aspectos referentes ao abastecimento de água e esgotamento doméstico e d) dados referentes à saúde da população.

2.2 Considerações na aplicação dos questionários

A aplicação dos questionários ocorreu no período de 12 a 20 de outubro de 2015, com autorização prévia e por escrito dos líderes de cada comunidade. Os domicílios foram selecionados por meio de sorteio sistemático com início aleatório e com salto constante. Posteriormente, a partir da seleção do domicílio, os indivíduos entrevistados foram selecionados de acordo com o perfil pré-estabelecido.

Pelo fato de a amostra ser selecionada de forma proporcional ao universo, ela se torna autoponderada, portanto as demais variáveis devem apresentar-se também proporcionais ao universo.

Considerou-se como domicílio, casa ou residência a edificação considerada como moradia, desde que esteja habitada; como morador, a pessoa residente daquele domicílio e que, na data da entrevista, estava presente ou ausente por um período não superior a 12 meses. E, como entrevistado, o morador responsável pelas respostas do questionário desde que maior de 18 anos de idade ou, quando menor, sendo o responsável ou cônjuge do responsável do domicílio.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Gênero, faixa etária, escolaridade e naturalidade

Foi observado que 57% são do sexo masculino, e 43%, do sexo feminino. A idade média dos entrevistados foi de 49,3 anos e dos familiares de 32,5 anos, e a idade média dos filhos é de 14,9 anos.

A distribuição da população por faixa etária é de: 17,3% de 0 a 10 anos, 18,7% de 11 a 20 anos, 9,3% de 21 a 30 anos, 14,7% de 31 a 40 anos, 13,3% de 41 a 50 anos, 10% de 41 a 50 anos e 10% mais de 60 anos. Ainda houve um grupo de 6,7% que não souberam responder sobre a idade. Há um número maior de crianças e adolescentes, embora haja uma tendência no aumento da idade média da população, que se deve ao fato de as pessoas saírem da comunidade em busca de estudo e emprego nas áreas urbanas.

Foi observado que a população apresenta baixa escolaridade, em que apenas 14,1% possuem superior completo e 8,2% finalizaram o ensino médio. A maioria, 31,8%, não concluiu o ensino fundamental.

A maioria da população (37,6%) é natural do município de Campo Grande e Corguinho (15,3%). Ainda há pessoas de outros municípios no Estado, tais como: Terenos, Nioaque, Maracaju, Jaraguari, Figueirão, Sidrolândia, Camapuã e Aquidauana, além de outros Estados, como: Paraná, Bahia, Piauí e Ceará.

Esses dados são semelhantes ao estudo de Amorim et al. (2013)AMORIM, M. M.; TOMAZI, L.; SILVA, R. A. A.; GESTINARI, R. S.; FIGUEIREDO, T. B. Avaliação das condições habitacionais e de saúde da Comunidade Quilombola Boqueirão, Bahia. Bioscience Journal, Uberlândia, MG, v. 29, n. 4, p. 1049-57, jul./ago. 2013., na Bahia, onde há um baixo índice de escolaridade. Entretanto há diferença na faixa etária, a população em sua maioria são adultos e jovens. Com relação ao gênero, a maioria são mulheres. Tratando-se de faixa etária e gênero, o estudo em Mato Grosso do Sul se assemelha com o de Silva (2007)SILVA J. A. N. Condições sanitárias e de saúde em Caiana dos Crioulos, uma comunidade Quilombola do Estado da Paraíba. Saúde e Sociedade, v. 16, n. 2, p. 111-24, ago. 2007., na Paraíba, a maioria é do gênero masculino e há um número maior de crianças e adolescentes.

3.2 Renda e o perfil socioeconômico

A média salarial da população Quilombola com maior proporção é de um a dois salários mínimos, o que equivale a R$ 788,00 a R$ 1576,00, representando 54,1% dos entrevistados. A renda máxima chega de 3 a 5 salários mínimos para apenas 4,7% da população.

Dessas pessoas, 65,9% possuem atividade remunerada, das quais 52,9% (maioria) são autônomas e 35,3% não possuem vínculo empregatício. Apenas 5,9% são servidores públicos e a mesma proporção possui carteira assinada.

Há 11,8% de aposentados, e o mais preocupante, apenas 2,4% estudam e 21,2% não estudam nem trabalham. A maioria das pessoas (61,2%) trabalha na própria comunidade, e somente 5,9% atuam fora das comunidades quilombolas.

Nesse sentido, observou-se também que a grande maioria da população: 28,2%, 36,5% e 21,2%, estão na classe C1, C2 e D, respectivamente, de acordo com o Critério de Classificação Econômica do Brasil (CCEB). Nesse quesito, a comunidade Família Malaquias possui o maior nível de classe, e Furnas de Boa Sorte, a menor.

A maior proporção dos entrevistados (88,2%) não possui deficiência, 8,2% possuem deficiência física, e 3,5%, mental.

3.3 Organização das comunidades

Dos entrevistados, 95,3% afirmam que há um líder na comunidade, na qual 85,2% responderam que a liderança foi escolhida pelo voto, e 72,9% entendem que a importância desses líderes é na administração.

Verificou-se que 81,5% dos líderes não recebem apoio financeiro para as atividades na comunidade. Além disso, 82,4% afirmam que não há ajuda financeira de empresas privadas.

Entretanto 77,6% disseram que realizam mutirões em suas comunidades. Sendo que 66,7% dos mutirões foram com foco em limpeza e 16,7% com relação às atividades de plantação e criação de animais.

A comunicação é basicamente por meio de telefone próprio (54,1%) e telefone celular (48,2%). Interessante ressaltar que, por internet e rádio, apenas 3,5% e 1,2% da população utilizam esse meio, respectivamente.

Isso revela que o telefone, próprio ou celular, pode ser uma alternativa para divulgar informações de cunho socioambiental e, até mesmo, uma maneira para coleta de dados e informações pertinentes à água e esgoto.

3.4 Habitação e moradia

Quase a totalidade dos entrevistados (96,5%) possui residência de alvenaria e 3,5% de madeira, com 82,4% tendo sua propriedade cercada. Dessas residências, 97,6% possuem casa própria e somente 2,4% são alugadas ou emprestadas.

A grande maioria das comunidades de Mato Grosso do Sul possui sua edificação de alvenaria, diferente de Caiana dos Crioulos, na Paraíba (SILVA, 2007SILVA J. A. N. Condições sanitárias e de saúde em Caiana dos Crioulos, uma comunidade Quilombola do Estado da Paraíba. Saúde e Sociedade, v. 16, n. 2, p. 111-24, ago. 2007.), onde grande parte das residências é de taipa (construção com estrutura de madeira e enxertadas com barro).

Foi identificado que mais de 89% da população mora na comunidade na qual está há mais de 10 anos, com uma média de 2,8 pessoas por habitação. A média da área construída das residências é de 53,6 m2, embora haja uma variação no terreno de 300 m2 (39%) até 20 ha, com média de cinco cômodos por habitação.

3.5 Abastecimento de água

De acordo com os moradores, os responsáveis pelo abastecimento são basicamente a prefeitura, a associação ou comunidade e o proprietário. A esse questionamento 15% não souberam responder; sendo que 14,1% já entraram em contato com o responsável para reclamar de falhas no sistema de abastecimento de água, do qual mais de 80% reclamaram de falta de água ou vazamentos, comprometendo o sistema. Apesar disso, 67% avaliam como "bom" o atendimento em relação aos problemas no abastecimento.

3.5.1 Manancial e disponibilidade

Tratando-se do tipo de manancial nas comunidades, 8,2% captam água para consumo de uma mina ou fonte de água; 75,3% da água da captação é proveniente de poço comunitário; 16,5% possuem poço particular como manancial; e 98,8% dos entrevistados possuem instalação hidráulica predial em pelo menos um dos cômodos, como cozinha, banheiro e lavanderia.

Embora um dos maiores problemas seja a falta de água nos sistema (disponibilidade), essa falta ocorre ocasionalmente quando não há um responsável para operar o sistema (25%); quando acaba a luz (12,5%), e o principal motivo é o período de estiagem (37,5%).

Esses dados revelam situações diferentes de outras comunidades, como o estudo de Amorim et al. (2013)AMORIM, M. M.; TOMAZI, L.; SILVA, R. A. A.; GESTINARI, R. S.; FIGUEIREDO, T. B. Avaliação das condições habitacionais e de saúde da Comunidade Quilombola Boqueirão, Bahia. Bioscience Journal, Uberlândia, MG, v. 29, n. 4, p. 1049-57, jul./ago. 2013., na comunidade Boqueirão Afro, na Bahia, onde 88% da comunidade não possuem água encanada, e 82,6% consomem água de poço, mina, ou fonte. Na comunidade Caiana dos Crioulos, na Paraíba, nenhum dos 128 domicílios conta com água encanada, em mais de 46% a fonte de água é poço domiciliar, cisternas, cacimbas e nascentes.

Sendo assim, pode-se observar que as condições de abastecimento de água das comunidades quilombolas do Mato Grosso do Sul são melhores do que em outras regiões já estudadas no Brasil. Essa situação, de acordo com Kayser et al. (2013), evita que mulheres e crianças utilizem parte do tempo buscando água, correndo riscos de saúde, como lesões nos músculos. As crianças podem, assim, ocupar o tempo estudando nas escolas, participando de projetos sociais. E as mães terão mais tempo para as atividades domésticas, além dos trabalhos na própria comunidade, contribuindo para geração de renda.

3.5.2 Reservatório interno, armazenamento e tratamento da água

Mais de 96% da população da comunidade diz possuir caixa d'água (reservatório interno), embora quase 90% não promovam a desinfecção da água com cloro. Apenas quatro residências utilizam cloro, e 50% adquiriram o cloro comprando-o. Entretanto mais de 84% da comunidade relatam realizar a manutenção e limpeza da caixa d'água regularmente.

As formas de tratamento adotadas, além da cloração nas caixas d'água, são coar a água (peneira), fervura (2,4%) e filtração (9,4%). E mais de 88% não realizam nenhum tipo tratamento da água para consumo. Situação diferente do estudo de Silva (2007)SILVA J. A. N. Condições sanitárias e de saúde em Caiana dos Crioulos, uma comunidade Quilombola do Estado da Paraíba. Saúde e Sociedade, v. 16, n. 2, p. 111-24, ago. 2007., em uma comunidade na Paraíba, onde 82,8% da população usam cloro, e apenas 15% não realizam qualquer tratamento da água.

Na comunidade Boqueirão, na Bahia, a maioria das pessoas (52%) também não utiliza de filtração convencional, com filtro de areia. Apenas 13,7% usam filtros domiciliares com vela, e a maioria (34,5%,), usam panos para "coar" (FERREIRA et al., 2014FERREIRA, E. P.; FERREIRA, J. T. P.; PANTALEÃO, F. S.; FERREIRA, Y. P.; ALBUQUERQUE, K. N.; FERREIRA, T. C. Abastecimento de água para consumo humano em comunidades quilombolas no município de Santana do Mundaú - AL. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 7, n. 6, p. 1119-1125, 2014.). Essa percepção de que a água está apta para consumo, levando em conta apenas parâmetros organolépticos, como cor e sabor, além do aspecto visual (turbidez), tem provocado um grande número de doenças em milhares de crianças em países em desenvolvimento, principalmente na área rural (ARNOLD et al., 2013ARNOLD, M.; VANDERSLICE, J. A.; TAYLOR, B.; BENSON, S.; ALLEN, S.; JOHNSON, M.; KIEFER, J.; BOAKYE, I.; ARHINN, B.; CROOKSTON, B.T.; ANSONG, D. Drinking water quality and source reliability in rural Ashanti region, Ghana. Journal of Water and Health, v. 11, n. 1, p. 161-172, mar. 2013.; BARRINGTON; FULLER; MCMILLAN, 2013BARRINGTON, D.; FULLER, K.; MCMILLAN, A. Water safety planning: adapting the existing approach to community-managed systems in rural Nepal. Journal of Water Sanitation and Hygiene for Development, v. 3, n. 3, p. 392-401, 2013.).

A grande maioria não armazena a água nas casas (95%), os 5% que armazenam, costumam usar tambores (40%); cisterna (20%); panelas (20%) e baldes (20%). O uso dessa água foi identificado ser para higiene pessoal e limpeza, dentre outros usos. Essa realidade é diferente do que ocorre em comunidades quilombolas no município de Santana do Mundaú, em Alagoas, conforme estudo de Ferreira et al. (2014)FERREIRA, E. P.; FERREIRA, J. T. P.; PANTALEÃO, F. S.; FERREIRA, Y. P.; ALBUQUERQUE, K. N.; FERREIRA, T. C. Abastecimento de água para consumo humano em comunidades quilombolas no município de Santana do Mundaú - AL. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 7, n. 6, p. 1119-1125, 2014., pois foi identificado ser uma prática comum "coar" a água e armazenar em panelas, baldes, sem o uso de cloro, aumentando o risco de contaminação.

A situação do abastecimento de água nas comunidades de Mato Grosso do Sul é diferente de outras regiões no Brasil, pois, diferente das comunidades em outras regiões, em Mato Grosso do Sul é comum as residências possuírem água encanada. Embora não se tenha como prática o tratamento da água, o que ocorre em outros locais no país, inclusive caso não haja instalação predial, isso revela que o fato de a água não chegar às residências por um sistema, com bombeamento, reserva e distribuição, leva a comunidade a se preocupar com o tratamento da água, devido à necessidade de buscar a água e armazenar antes do uso.

3.5.3 Pagamento pelos serviços

Nas comunidades, foi observado que 85% da população não conhece algum morador que paga pela água, entretanto 15% conhecem pessoas em suas respectivas comunidades que pagam pelo serviço, das quais 46,2% pagam entre R$ 10,00 a R$ 30,00. Em todas as comunidades, mais de 60% da população disseram que pagariam pelo serviço, apenas em Furnas dos Baianos 50% alegaram que não pagariam. Além disso, mais de 88% dos quilombolas não acreditam ser necessária a ajuda de outras pessoas, como uma equipe técnica especializada, que não resida na comunidade, para auxiliar na melhoria da qualidade da água.

Essas informações indicam que há um entendimento sobre a necessidade de arcar com os custos operacionais e de manutenção dos serviços de abastecimento, possibilitando melhorar a gestão dos serviços, alocando recursos para troca de equipamentos, como bombas, evitando a falta de água, além da manutenção de cloradores para garantir água com melhor qualidade e que atenda aos padrões de potabilidade.

3.6 Esgotamento doméstico: coleta, armazenamento e tratamento

Com relação ao esgotamento doméstico, foi observado que 4,7% da população lança seu efluentes a céu aberto; 3,5% em córrego e rios, e mais de 98% lança alguma parte do esgoto gerado na residência (cozinha, banheiro, lavanderia) em fossa séptica.

Não foi possível avaliar a qualidade dos aspectos construtivos das fossas sépticas, que devem ser vedadas, para o esgoto não infiltrar ou percolar no solo. Embora tenha sido constatado que, em muitos casos, há somente a fossa séptica, sem sumidouro, entende-se que, provavelmente, são fossas absorventes.

Nesses sistemas inadequados de disposição das excretas, o esgoto, ao sair das instalações hidrossanitárias, irá infiltrar no solo, sem o tempo de detenção adequado conforme a NBR 7229/93 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS [ABNT], 1993______. Projeto, construção e operação de sistemas de tanques sépticos: NBR 7229/93. Rio de Janeiro, set. 1993. 15p.), sendo assim, não ocorrerá o decaimento da matéria orgânica presente no esgoto, com intuito de diminuir a carga lançada, o que leva à deterioração da qualidade da água subterrânea. Também não foram identificados tratamentos complementares após a fossa, para remoção de nitrogênio e fósforo, além dos patógenos presentes, conforme especificações da NBR 13969/97 (ABNT, 1997ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). Tanques sépticos - Unidades de tratamento complementar e disposição final dos efluentes líquidos - Projeto, construção e operação: NBR 13969. Rio de Janeiro, set. 1997. 58p.).

Foi avaliado que 47% possuem uma fossa em casa, 46% possuem duas fossas, e em torno de 10% possuem de três a quatro fossas (sépticas ou absorventes).

Quando comparada a situação de Mato Grosso do Sul com alguns estudos, como o de Amorim et al. (2013)AMORIM, M. M.; TOMAZI, L.; SILVA, R. A. A.; GESTINARI, R. S.; FIGUEIREDO, T. B. Avaliação das condições habitacionais e de saúde da Comunidade Quilombola Boqueirão, Bahia. Bioscience Journal, Uberlândia, MG, v. 29, n. 4, p. 1049-57, jul./ago. 2013., a situação com o esgotamento é melhor, pois, na comunidade Boqueirão (Bahia), o sanitário é ausente na maior parte das casas (75,3%) e há eliminação do esgoto no peridomicílio, sendo 43,7% da população. Em Caiana dos Crioulos (SILVA, 2007SILVA J. A. N. Condições sanitárias e de saúde em Caiana dos Crioulos, uma comunidade Quilombola do Estado da Paraíba. Saúde e Sociedade, v. 16, n. 2, p. 111-24, ago. 2007.), grande parte da população (82%) possui fossa seca, ou seja, não há água na bacia sanitária. Além disso, a maior parte não possui banheiro no interior da residência.

3.6.1 Bacia sanitária

Foi observado que, em todos os vasos sanitários, é utilizado água para transporte das excretas, não havendo sistemas secos (sem água), situação em que 98% disseram ser proveniente de água encanada (de uma instalação predial) e apenas uma residência mostrou utilizar mangueira como alternativa para descarga; 100% dessas residências destinam as fezes e urina para uma fossa (séptica ou absorvente).

3.6.2 Lavatório e chuveiro

Semelhante à bacia sanitária, 98% das residências possuem encanamento (instalação predial) para o lavatório e chuveiro, e uma residência utiliza uma mangueira, sendo lançado o efluente em fossas (sépticas ou absorventes). Há três residências que dispõem o esgoto (água cinza clara) a céu aberto, sem nenhuma coleta ou tratamento.

3.6.3 Pia da cozinha

Na pia da cozinha, foi observado que a mesma residência possui o uso de uma mangueira para lavar os alimentos, lavar a louça, entre outros. Contudo mais de 98% possuem instalação predial. Em torno de 12% da população lança o esgoto (água cinza escura, com a presença de gordura da fração da pia da cozinha) a céu aberto, e há uma residência que dispõe o esgoto direto em um corpo hídrico.

3.6.4 Máquina de lavar roupa

Mais de 92% das residências possuem instalação predial para máquina de lavar; 2,4% utilizam água de um balde e 4,7% usam mangueira. Entretanto, para essa fração do esgoto doméstico (água cinza clara), mais de 28% reaproveitam a água utilizada para lavar roupa, chegando a 62,5% para limpeza e mais de 28% para o jardim, hortas, plantas e irrigar de forma geral. Um fator importante é que mais de 63% do esgoto proveniente da máquina escoam a céu aberto, sem coleta ou tratamento adequado. Nesse sentido, nota-se que na tomada de decisão com relação às tecnologias de tratamento de esgoto deve-se preocupar com a gestão da água cinza clara (fração da máquina/tanque de lavar roupa, chuveiro, lavatório e sem a pia da cozinha).

3.7 Gestão e investimentos em água e esgoto nas comunidades

Foi identificado que, nas comunidades, basicamente ocorre uma intervenção parcial e restrita na implementação eventual nos serviços de abastecimento, sem participação no planejamento, operação e manutenção. Estes, no município de Campo Grande (Chácara Buriti), é feita pela Empresa Águas Guariroba; em Aquidauana e Terenos (Furnas dos Baianos e Comunidade dos Pretos), pela Empresa de Saneamento do Estado de Mato Grosso do Sul (Sanesul); e Corguinho e Jaraguari (Furnas de Boa Sorte e Furnas do Dionísio), pelo Sistema Autônomo de Água e Esgoto (SAAEs) dos municípios.

Com relação ao abastecimento de água, os investimentos que ocorreram até 2009, os últimos realizados foram: R$ 378.892,32 em Furnas dos Baianos (atendendo aproximadamente 22 famílias); R$ 316.502,87 em Furnas de Boa Sorte (atendendo aproximadamente 36 famílias); R$ 158.037,22 na Família Malaquias (atendendo aproximadamente 45 famílias); e em São Miguel, R$ 282.087,53. Os investimentos foram oriundos de Obra direta e/ou PAC/2007. Algumas das comunidades estudadas não receberam investimentos no período. Quando esses valores são avaliados per capita, percebe-se a grande diferença, variando entre R$ 951,74 (Família Malaquias) e R$ 4.667,31 (Furnas dos Baianos).

Para esgotamento doméstico, é comum adotar o sistema de Melhoria Sanitária Domiciliar (MSD) em áreas rurais, desprovidas do sistema convencional de esgotamento sanitário. O sistema implantado contém um vaso sanitário de louça com tampa e caixa de descarga acoplada, um chuveiro de plástico, um lavatório moldado em Plástico Reforçado com Fibra de Vidro conectado ao módulo sanitário, um reservatório acoplado com interligações hidráulicas hidrossanitárias e de energia elétrica, uma fossa e um sumidouro que destinam os dejetos.

Foram instalados 12 módulos na Comunidade Chácara Buriti, cinco módulos na Comunidade São Miguel e 12 módulos na Comunidade dos Pretos, variando valores de investimentos na ordem de R$ 29.519,60 até R$ 70.847,04, com um investimento per capita em torno de R$ 1,599.98 por módulo.

Importante salientar que nem todas as obras foram 100% concluídas, tanto para o abastecimento de água, quanto para o esgotamento doméstico. Alguns sistemas precisam de manutenção e devem ser operados adequadamente para garantir o objetivo do saneamento, a prevenção em saúde.

3.8 Condições básicas de saúde

Mais de 50% da população se diz insatisfeita com os serviços de saúde. Quando se busca atendimento, 93,2% da população costuma procurar o posto de saúde, porém o tempo médio de deslocamento é de 58 minutos até o mais próximo.

Entre as doenças mais comuns nas comunidades, 5,9% responderam ter tido leishmaniose, 3,5% hepatite, 1,2% dengue, 4,7% problemas de pele, 30,6% disseram ter vermes, e mais de 60% apresentaram diarreia, sendo que 65% ocorreram no último ano.

A incidência da diarreia foi maior nas comunidades: Chácara Buriti e Furnas dos Baianos, sendo que 75% relacionam esse sintoma com água contaminada. No combate à diarreia, 45,9% utilizaram soro caseiro como primeira atitude e posteriormente quase 83% costumam procurar um posto de saúde.

As pesquisas demonstram que a falta de condições adequadas de abastecimento e esgotamento propiciam a proliferação de vetores causadores de doenças endêmicas e parasitoses, causam agravos à saúde de forma geral e prejudicam a qualidade da água consumida que está próxima da comunidade (HELLER, 1998HELLER, L. Relação entre saúde e saneamento na perspectiva do desenvolvimento. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 73-84, 1998.; COSTA et al., 2005; TEIXEIRA; HELLER, 2005TEIXEIRA, J. C.; HELLER, L. Fatores ambientais associados à diarréia infantil em áreas de assentamento subnormal em Juiz de Fora, Minas Gerais. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 5, n. 4, p. 449-455, out./dez. 2005.).

4 CONCLUSÕES

Culturalmente percebeu-se que a população quilombola no estado de Mato Grosso do Sul costuma pagar pelo serviço de água e aceita essa condição. A comunidade não entende que há necessidade de profissionais ou técnicos específicos das áreas de saneamento para ajudar ou auxiliar no gerenciamento do serviço. Isso é um fator importante que demonstra o quanto os quilombolas podem tomar as decisões, implantar e operar os sistemas de abastecimento e esgotamento, sendo necessário incluí-los em um processo participativo de planejamento e de tomada de decisão relacionada ao setor de água e esgoto.

Em relação ao abastecimento de água, foi observado que há falta de água na comunidade, em função de questões técnicas e operacionais, além de fatores ambientais, como a sazonalidade, principalmente nos períodos de seca e estiagem. A falta de água leva a população a buscar outras fontes, que podem estar contaminadas, ou a contaminação pode ocorrer no armazenamento em baldes, tambores e panelas. Além disso, poucas residências realizam algum tratamento, como cloração ou filtração, o que aumenta o risco à saúde humana. É importante o cuidado com interrupções no sistema, ou a falta de tratamento centralizado da água, por meio de cloração nos reservatórios, pois não há tratamento domiciliar da água, quando esta chega por uma rede de distribuição.

Tratando-se do esgotamento doméstico, as fossas sépticas, provavelmente não são construídas e instaladas adequadamente, sendo absorventes e rudimentares. Isso acaba contaminando o lençol freático, que é fonte de água para consumo humano em muitas comunidades (poço domiciliar), principalmente nos períodos com a falta de água do sistema. Entretanto ainda há esgoto a céu aberto, proveniente da lavagem de roupas, máquina de lavar e pia da cozinha, o que aumenta o risco à saúde humana, pois essa água residuária fica próxima às residências, em locais onde há crianças e animais.

Nota-se que não há um modelo de gestão participativo na tomada de decisão da escolha de alternativas para tratamento de água e esgoto, visto que há somente um modelo de sistema, tanto para água como para esgoto, baseado em captação de água subterrânea, com falhas na operação e manutenção e sem tratamento adequado. Para esgoto, a única alternativa é a fossa seca ou absorvente, sem possiblidades de reúso e reaproveitamento dos nutrientes presentes no esgoto, inviabilizando a busca de um sistema de saneamento sustentável, principalmente pelo fato de que há interesse em reúso da água cinza (proveniente da máquina de lavar, chuveiro e lavatórios) por parte da população.

Foi observado que uma grande quantidade de recursos já foi utilizada em obras de saneamento em algumas comunidades que não foram totalmente concluídas, não operam adequadamente e necessitam de manutenção.

Além disso, fica nítido, um grande número de casos de diarreias, recentes (dados do último ano), que ainda ocorrem mesmo anos depois das obras e intervenções que foram feitas em 2009. Sendo assim, as medidas tomadas pela gestão do serviço de saneamento que são adotadas, não são eficientes, não atendem a essência do saneamento, que é a prevenção da saúde. Pelo contrário, a falta de operação e manutenção inadequada leva a população a buscar novas fontes de água, em situações de escassez, o que aumenta os riscos à saúde dessas populações, mesmo no estado de Mato Grosso do Sul, no qual as comunidades quilombolas apresentam melhores condições de abastecimento de água e esgotamento doméstico do que outros estudos revelam no país.

Concluímos que, para uma gestão sustentável para tomada de decisão participativa, com intuito de reúso e diminuição dos riscos associados à saúde, em prol da educação sanitária e ambiental, é importante uma avaliação domiciliar das condições de abastecimento e esgotamento, pois há diferenças entre residências, que permitem diversas opções tecnológicas dentro de uma mesma comunidade. Principalmente quando o problema nos serviços está na operação e manutenção, é necessário o entendimento desses aspectos das tecnologias que são implantadas para funcionarem adequadamente.

As informações levantadas referentes ao abastecimento de água e esgotamento doméstico permitem compreender as condições de saneamento para possibilitar uma tomada de decisão participativa, sendo um diagnóstico modelo para escolher com mais propriedade uma ampla gama de tecnologias, evitando adotar o mesmo modelo, insustentável, que não prevê o reúso da água e aproveitamento dos nutrientes. Isso possibilitará um envolvimento dos membros das comunidades quilombolas para melhorar o conhecimento com relação à educação sanitária e ambiental.

  • 1
    Este trabalho foi financiado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Ministério da Saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2016
  • Revisado
    15 Fev 2017
  • Aceito
    11 Mar 2017
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