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A concepção de Desenvolvimento Local na trajetória de uma Organização Social do Terceiro Setor no município de São Leopoldo, RS

The design of local development in the path of a Social Organization Third Sector in São Leopoldo, RS

La conception du développement local dans la voie d'une Organisation troisième secteur social à São Leopoldo, RS

El diseño del desarrollo local en el camino de una Organización del Tercer Sector Social en São Leopoldo, RS

Este artigo pretende apresentar a trajetória da concepção de Desenvolvimento Local nos princípios das práticas político-pedagógicas de uma organização do Terceiro Setor, oriunda de uma pesquisa em arquivos e documentos dos planejamentos institucionais dos últimos catorze anos. Serão abordados conceitos que permeiam as práticas educacionais, bem como o conceito de Desenvolvimento Local (DL) com o qual trabalhamos. O Círculo Operário Leopoldense (COL), organização do Terceiro Setor com 78 anos de fundação, em 2011 se propôs a refletir sobre a concepção de Desenvolvimento Local que desde 1998 está na pauta da instituição e em sua razão de ser desde 2006. Através de um processo de sistematização de práticas, colocamos o tema DL como eixo central. Esse processo contribui para afirmação da concepção de D.L. e definição dos próximos passos a serem dados para uma efetiva contribuição para o Desenvolvimento Local.

Círculo Operário Leopoldense; Sistematização; Desenvolvimento Local


This article aims to present the history of the concept of Local Development on the principles of political and pedagogical practices of a Third Sector organization, derived from research in archives and documents of the institutional arrangements of the past fourteen years. Concepts underlying educational practices, as well as the concept of local development with which we work will be addressed. The Workers' Circle Leopoldense (COL) Third Sector organization with 78 years of foundation, in 2011 set out to reflect on the concept of Local Development since 1998 is on the agenda of the institution and its raison d'etre since 2006 Through a process systematization of practices put the DL as the core theme. This process contributes to the affirmation of DL design and definition of next steps to be taken for an effective contribution to the Local Development

Circle Worker Leopoldense; Systematization; Local Development


Résumé

Cet article vise à présenter l'histoire de la notion de développement local sur les principes de pratiques politiques et pédagogiques d'une organisation tiers secteur, issues de la recherche dans les archives et les documents des arrangements institutionnels des quatorze dernières années. Concepts sous-jacents des pratiques éducatives, ainsi que le concept de développement local avec qui nous travaillons seront abordés. Cercle des Leopoldense des travailleurs (COL) organisation troisième secteur avec 78 ans de fondation, en 2011 a entrepris de réfléchir à la notion de développement local depuis 1998 est à l'agenda de l'institution et sa raison d'être depuis 2006 Grâce à un processus systématisation des pratiques mis la DL comme le thème central. Ce processus contribue à l'affirmation de la conception de DL et la définition des prochaines étapes à prendre pour une contribution efficace au développement local

Cercle Leopoldense des Travailleurs; La systématisation; Développement Local

Este artículo tiene como objetivo presentar la historia del concepto de desarrollo local en los principios de las prácticas políticas y pedagógicas de una organización del Tercer Sector, derivados de la investigación en archivos y documentos de la organización institucional de los últimos catorce años. Conceptos subyacentes prácticas educativas, así como el concepto de desarrollo local con la que trabajamos se abordarán. Círculo Leopoldense de los Trabajadores (COL) organización Tercer Sector con 78 años de fundación, en 2011 se propuso reflexionar sobre el concepto de Desarrollo Local desde 1998 está en la agenda de la institución y su razón de ser desde el año 2006 a través de un proceso sistematización de las prácticas de poner la lista de lesionados como el tema central. Este proceso contribuye a la afirmación de diseño DL y definición de los próximos pasos a seguir para una efectiva contribución al desarrollo local

Círculo Obrero Leopoldense; Sistematización; Desarrollo Local


Introdução

Este artigo pretende apresentar a trajetória da concepção de Desenvolvimento Local nos princípios das práticas políticopedagógicas de uma organização do Terceiro Setor, oriunda de uma pesquisa em arquivos e documentos dos planejamentos institucionais dos últimos catorze anos. Serão abordados conceitos que permeiam as práticas educacionais, bem como o conceito de Desenvolvimento Local com o qual trabalhamos.

O Círculo Operário Leopoldense (COL) é uma organização social do Terceiro Setor, fundada em 1935, como instituição de assistência ao operário. Desde a década de 80, a promoção do desenvolvimento humano, através da inserção nas comunidades onde atua e da contribuição para criação de políticas sociais, é característica peculiar à sua história. Nessa trajetória de 76 anos, muitas ações foram realizadas buscando a participação dos trabalhadores no planejamento, desenvolvimento e avaliação de suas atividades, promovendo momentos de formação, reflexão e debate. Na tentativa de desvelar o surgimento da concepção de Desenvolvimento Local na história do COL, buscamos registros (atas, relatórios, textos, apresentações e planejamentos) dessas atividades.

Há cerca de catorze anos, a temática do Desenvolvimento foi inserida no cotidiano de trabalho do Círculo Operário Leopoldense. Conforme registros de documentos do antigo Setor de Assessoria aos Movimentos Sociais, hoje denominado Programa de Desenvolvimento Local, indicam o ano de 1998 como sendo o período em que essa pauta foi introduzida na instituição. Anteriormente, o COL já participava de atividades, debates, projetos e programas que visavam a uma concepção desenvolvimentista diferente daquela voltada para o crescimento econômico.

Foi com as atividades do PEDRA (Programa de Estudos e Políticas sobre Desenvolvimento Regional e Autonomia), que se vinculava em âmbito regional ao PDRA (Projeto de Desenvolvimento Regional Alternativo), que iniciamos nossas reflexões acerca do DL.

Entre 1998 e 1999, ocorreram dois seminários com participações de entidades das cidades: Canoas, Sapucaia, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Sapiranga, Nova Hartz, Campo Bom, Estância Velha e Dois Irmãos. As discussões envolviam produção de conhecimento da realidade local, das práticas sociais, formação e implementação de ações conjuntas na perspectiva do desenvolvimento local.

O COL aproximou-se das entidades CEDOPE (Centro de Documentação e Pesquisa, hoje Instituto Humanitas Unisinos -IHU), Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP), Centro Ecumênico de Evangelização, Capacitação e Assessoria Cáritas Diocesana de Novo Hamburgo (CECA), Sindicato dos Sapateiros de Sapiranga, Apoio, Solidariedade e Prevenção à AIDS (ASPA), para a realização da pesquisa-ação proposta pelo projeto "As Políticas Públicas de Desenvolvimento do Vale do Sinos – Análise e Perspectivas". Este projeto, realizado em 2000, teve como objetivo resgatar a percepção da realidade e da concepção de desenvolvimento presentes no Vale do Sinos (o modelo atual daquele ano), bem como a percepção de como as coisas deveriam ser (o modelo ideal).

Em 2001, a publicação coletiva "Vale do Sinos: Resgate histórico e visão popular do desenvolvimento", resultante do projeto "As Políticas Públicas de Desenvolvimento do Vale do Sinos – Análise e Perspectivas", apontaram uma visão de desenvolvimento baseada na perspectiva econômica, em contraponto àquela concepção em que as pessoas são protagonistas, em que as iniciativas partem delas próprias, envolvendo-as diretamente em processos democráticos, que geram novas formas de sustentarem-se com gestão, planejamento e cooperativismo.

Nos arquivos, encontramos registros das atividades do COL no PEDRA de 1998 a 2005. Os documentos não evidenciam como foi a inserção do tema no fluxo das discussões e decisões do conjunto dos trabalhadores do COL, mas nos fornecem o indicativo de que o tema devesse ser aprofundado. O Desenvolvimento Local (DL) aparece na razão de ser do COL na transição do planejamento estratégico 2003/2005 ao 2006/2008 e, portanto, coloca-se em nosso horizonte como perspectiva para as práticas a serem desenvolvidas. No ano de 2006, o DL surge em outros documentos, além do documento do Planejamento Estratégico, tal como "Oficina de Balanço" do ano de 2006 e o material resultante do Seminário sobre Ambiente Natural. No documento "Balanço 2006", há uma avaliação do trabalho em torno do Desenvolvimento Local e também do que se chamou "Ambiente Natural". Nesse documento, o DL aparece como eixo estratégico, permitindo uma maior abertura do COL às relações externas, tornando suas ações mais visíveis, além de possibilitar o início de diversas iniciativas realizadas por nossos setores. Aponta-se também que, apesar dos avanços importantes nas discussões, é um tema que precisa de maior apropriação. Considerações importantes, como a de que o debate ainda não teria sido incorporado e o questionamento se essa perspectiva seria um desejo institucional, além da constatação de que o DL estaria ainda numa fase embrionária, foram levantadas nesses debates.

No Seminário sobre Ambiente Natural em 1º de abril de 2006, há registros da palestra de José Renato Soethe sobre Desenvolvimento, do relato dos trabalhos em grupos e exposição sobre desenvolvimento de diferentes setores. Nesses registros, aponta-se a ideia de que cada setor do COL trabalhe na perspectiva de construir ações na ótica do Desenvolvimento Local. Foi apresentado um quadro chamado Aspectos do Neoliberalismo e do Desenvolvimento Local (quadro 1), o qual foi posteriormente debatido e refletido nos setores.

Quadro 1
Aspectos do Neoliberalismo e do Desenvolvimento Local

O DL aparece também no ano de 2007 como tema de um material subsídio ao XIX Congresso Circulista Nacional e em um documento do Setor de Assessoria aos Movimentos Sociais, em que é apontada a necessidade dos temas "sistematização" e "desenvolvimento local" serem retomados, melhor refletidos e apropriados em relação à prática, ao cotidiano. O DL adentra como objetivo geral em documento de avaliação interna do setor de movimentos sociais de julho de 2008, porém agregado do adjetivo sustentável. Por fim, podemos observar a presença do Desenvolvimento Local na Razão de Ser do COL, conforme o quadro 2.

Quadro 2
Registro de presenças da concepção de Desenvolvimento Local na Razao de ser do COL

Como vimos nos parágrafos anteriores, o COL vem discutindo Desenvolvimento Local desde 2006. No entanto a discussão não ultrapassou os limites da instituição, não foi levado às redes das quais participamos nem aos demais movimentos da sociedade civil que o setor de Movimentos Sociais assessorava e acompanhava. Entendemos que os movimentos sociais tem papel estratégico na construção de políticas públicas, na proposição, discussão e reflexão de novos paradigmas que venham subsidiar novas concepções de ser humano, sociedade e desenvolvimento. Nesse sentido, apresentaremos o que se entende por movimento social e faremos uma contextualização dos movimentos sociais no município de São Leopoldo a partir de uma pesquisa realizada no ano de 2010.

Dos movimentos sociais à sistematização das práticas

A busca por igualdade e conquista de direitos sempre foram as principais motivações dos movimentos sociais. Segundo Gohn e Bringel (2012)GOHN, Maria Glória da; BRINGEL, Breno M. Movimentos sociais na era global. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.os movimentos sociais sempre existiram e sempre existirão, pois eles expressam energias sociais antes dispersas que são canalizadas e potencializadas por meio de suas práticas de fazer prepositivo. Segundo Adams (2010)ADAMS, Telmo. Educação e economia popular solidária: mediações pedagógicas do trabalho associado. São Paulo: Ideias & Letras, 2010, até os anos 1990, os movimento sociais apresentavam uma conduta mais reivindicativa; a partir daí, análises sociológicas têm reconhecido um fluxo ascendente dos movimentos sociais, especialmente os urbanos. A crise dos movimentos sociais urbanos não significou o desaparecimento ou enfraquecimento como atores sociopolíticos, pois foi um período de reorganização, rearticulação, redefinição do seu papel na sociedade diante da nova conjuntura, que exigia uma atualização das formas de mobilização e trabalho.

A partir da década de 1990, a transferência de recursos públicos para ONGs executarem políticas sociais, passa a ser uma tendência. Nesse contexto, há um crescimento do denominado Terceiro Setor da Sociedade. Ou seja, houve uma transferência da ação social e assistencial estatal para o terceiro setor da sociedade (GOHN, 2010GOHN, Maria Glória da. Educação não formal e o educador social: atuação no desenvolvimento de projetos sociais. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2010.).

Para Sobottka (2003)SOBOTTKA, E. A utopia político-emancipatória em transição: movimentos sociais viram ONGs que viram "terceiro setor". Teoria e Sociedade, Belo Horizonte, v. 11, n. 1, p. 48-65, 2003., a postura revolucionária e engajada dos movimentos sociais, na luta por demandas sociais, dá lugar:

[...] em nível individual a preocupação com a carreira e qualidade de vida e no nível coletivo para o profissionalismo da organização, os indicadores de qualidade dos serviços prestados, a sustentabilidade dos projetos e da organização como um todo ao adequado perfil institucional num mercado competitivo de assistência. (SOBOTTKA, 2003SOBOTTKA, E. A utopia político-emancipatória em transição: movimentos sociais viram ONGs que viram "terceiro setor". Teoria e Sociedade, Belo Horizonte, v. 11, n. 1, p. 48-65, 2003., p. 49).

Como organização do Terceiro Setor que executa, através de convênios com o Estado, políticas públicas na área da educação e da assistência social, entendemos que as políticas públicas têm o objetivo de resolver uma demanda coletiva e são financiadas com verbas públicas captadas pelo Estado, e cabe à sociedade civil fazer o controle social dessas políticas. Controle social está relacionado com justiça social e, nesse sentido, desdobra-se numa visão crítica sobre os fatores causadores da injustiça social, indica corresponsabilidade e trabalho conjunto em vista de objetivos comuns (STRECK; ADAMS, 2006STRECK, D. R.; ADAMS, Telmo. Lugares da participação e formação da cidadania. Civitas: Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, RS, v. 6, n. 1, p. 95-117, 2006.).

Nesse contexto, o COL realizou em 2010 a execução do projeto "Movimentos Sociais em Pauta: Re-conhecendo e Fortalecendo os Movimentos Sociais em São Leopoldo", financiado pela FCORS (Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul). O objetivo desse projeto foi contribuir na análise da realidade dos movimentos sociais na cidade. Uma das ações do projeto foi realizar pesquisa-diagnóstico dos coletivos e construir um olhar sobre os Movimentos Sociais atuantes em São Leopoldo. Os dados levantados demonstram que 35% dos espaços são Movimentos Sociais e outros 35% Conselhos, ficando 16% dos espaços Fóruns e 14% Redes. Com a visualização do antigo setor de Assessoria aos Movimentos Sociais em relação à sua atuação nos eixos interno e externo, constatamos fragilidades, pois a pesquisa revelou a ascensão dos espaços de construção de políticas públicas e controle social (Fóruns, Redes e Conselhos) como sítio para pautar as demandas e combater as injustiças sociais. Além disso, o COL passou a refletir suas ações na perspectiva do Desenvolvimento Local e a necessidade de aproximar sua prática a este paradigma e, para iniciar essa aproximação, a primeira medida tomada foi a transição do Setor de Movimentos Sociais para Programa de Desenvolvimento Local.

Assim, o programa passou a ter como objetivo (no eixo interno) contribuir para a sistematização das práticas sociais pedagógicas possibilitando construção de referenciais teóricos e metodológicos, resgatar a história e buscar um olhar educacional que colabore para o fortalecimento da Razão de Ser do COL, trabalhando o Desenvolvimento Local como base para toda ação realizada, construindo um modelo alternativo de desenvolvimento que permita novas relações econômicas, sociais e ambientais. Seguindo o princípio da endogenia, procuramos sistematizar nossas práticas e refletir se nossas ações contribuem para o Desenvolvimento Local.

Quanto ao eixo externo, o programa passou a ter como objetivo levar à Rede Externa os debates internos, disseminar o conceito de Desenvolvimento Local, compartilhar as tecnologias sociais resultantes da sistematização das experiências do COL e contribuir para a construção de políticas públicas e controle social.

Salientamos que o conceito de Desenvolvimento Local apreendido pela instituição a partir deste momento é compreendido como um processo endógeno (de dentro para fora) de desabrochar das capacidades humanas, considerando que as suas competências e habilidades possam estimular, promover e organizar, com autonomia e interdependência, a sua comunidade, buscando sua própria qualidade de vida. A participação de agentes externos na promoção do desenvolvimento local serve apenas como "combustível" para acionar o "motor da comunidade", uma vez que a própria comunidade desabroche e criesuas formas de desenvolvimento (ÁVILA, 2008ÁVILA, Vicente Fideles de. Paciência, capitalismo, socialismo e desenvolvimento local endógeno. Revista Interações, Campo Grande, MS, v. 9, n. 1, p. 85-98, jan./jun. 2008.).

Em 2011, a reformulação do programa foi efetivada com o projeto "Crescer – Por Uma Concepção Circulista de Educação", também financiado pela FCORS. Nesse projeto, o objetivo foi construir uma concepção de educação Circulista, fundamentada no Desenvolvimento Local, na Pedagogia de Projetos e no Trabalho em Rede. Para tanto, realizamos a sistematização das práticas de todos os programas do COL, Administrativo, Casa da Criança e do Adolescente (CCA), Centro de Atendimento Socioeducativo em Semiliberdade (CASemi), Equipe de Articulação Institucional (EAI) e Escola de Educação Infantil Nossa Senhora Medianeira (EEI), tendo como eixo central da sistematização Desenvolvimento Local e concepção de Educação. Como parte do projeto, foram realizadas oficinas de formação sobre o tema do Desenvolvimento Local e a Sistematização.

A sistematização de experiência possibilita a reflexão, análise e interpretação crítica do processo vivido para que o aprendizado possa ser extraído e compartilhado da prática em questão. Além disso, essa metodologia contribui para a melhor compreensão da prática com uma visão mais estratégica e transformadora, possibilita o intercâmbio de aprendizagens, ao contribuir para a reflexão da prática, supera o descritivo e narrativo e, construindo conceitos comuns, dialoga com a teoria. Essa reflexão crítica pode contribuir para a construção de políticas públicas que partem de aprendizagens obtidas de situações reais, e todo esse processo possibilita o fortalecimento da identidade coletiva e o diálogo entre os diferentes.

Para Streck e Adams (2014)STRECK, D. R.; ADAMS, Telmo. Lugares da participação e formação da cidadania. Civitas: Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, RS, v. 6, n. 1, p. 95-117, 2006., a sistematização de experiências é uma metodologia de cunho participativo e emancipatório sustentada pelos mesmos princípios da pesquisa participante como a importância da memória coletiva, visão complexa dos fenômenos sociais e valorização de diversos olhares e linguagens sobre uma mesma realidade.

A sistematização surgiu no contexto Latino-Americano na década de 1960, a partir das necessidades originadas no campo de intervenções do Serviço Social que demandava a elaboração de um conceito ou mesmo uma modalidade de investigação social que pudesse recuperar o realizado e ordenar as formas de agir e os saberes produzidos na ação, ainda que as intervenções nesse momento estivessem caracterizadas numa forma conservadora (SANCHES, 2011SANCHES, Cínara Del Arco. A contribuição à sistematização de experiências para o fortalecimento do campo agroecológico e da agricultura familiar no Brasil. 2011. 181f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Agroecologia e Desenvolvimento Rural) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, 2011., p. 52)

Para Cecília Diaz Flores, a atual diretora executiva do Centro de Estudos e Publicações Alforja na Costa Rica, a "sistematização significativa" consiste num processo investigativo e pedagógico que integra diferentes saberes e ciências, com o propósito de fomentar a construção do conhecimento "autônomo e comprometido" com a transformação cotidiana de "pensamentos, estruturas e subjetividades". Para tanto, elabora ferramentas e fundamentos que inter-relacionam, de forma criativa, o paradigma da construção de conhecimentos e a recuperação das aprendizagens gestadas nos processos de reflexão, desencadeados a partir das experiências sistematizadas.

Para Jara (2012)JARA Holliday, Oscar. A sistematização de experiências: prática e teoria para outros mundos possíveis. Tradução de Luciana Grafrée e Silvia Pinevro. Brasília: CONTAG, 2012., a sistematização de uma experiência depende de duas condições importantes:

  • Condições pessoais:

    • -interesse em aprender com a experiência;

    • -sensibilidade para deixar que a experiência fale por si mesma;

    • -habilidade para fazer análise e síntese;

  • Condições institucionais:

    • -a busca da coerência para o trabalho em equipe;

    • - a definição de um sistema integrado de funcionamento institucional;

    • - o impulsionamento de um processo acumulativo dentro da instituição

A sistematização das práticas do COL teve como objeto empírico um conjunto de experiências previamente definidas pelos distintos programas, sendo estas as suas próprias práticas sociais. Para a construção de uma concepção de educação do Círculo Operário Leopoldense, foi necessário, num primeiro momento, olhar para as práticas educativas desenvolvidas pela instituição e tentar perceber concretamente quais são as concepções de educação subjacentes a elas, além de retomar a discussão sobre DL e refletir se nossas práticas contribuem de fato para o Desenvolvimento Local. Para isso, fez-se necessária a escolha das experiências a serem sistematizadas, o recorte e a delimitação temporal destas e os instrumentos metodológicos capazes de resgatar os diversos olhares e impressões dos envolvidos na prática, bem como as bases teóricas contidas nessas ações educativas.

Por se tratar de um processo coletivo, em uma sistematização é importante o olhar dos distintos sujeitos envolvidos e/ou próximos à prática cotidiana de cada programa. Assim, foram elaborados três instrumentos com objetivo de:

- resgatar o olhar das Redes com as quais os programas se relacionam (rede de assistência social, rede de ensino público, rede do terceiro setor, etc.);

- resgatar o olhar das famílias dos atendidos (crianças e adolescentes) de cada programa;

- resgatar o olhar das crianças e dos adolescentes atendidos pelos programas.

Além desses três instrumentos, formulamos mais dois, sendo um para resgatar os olhares dos trabalhadores do COL sobre os programas do Administrativo, da Equipe de Articulação Institucional e do Desenvolvimento Local; e o outro instrumento para ser preenchido coletivamente pelos programas, abordando questões de organização interna, participação, situações atípicas e território, trazendo elementos sobre a concepção de educação de seu cotidiano.

O processo de sistematização nos possibilitou refletir sobre nossas práticas educativas e se essas contribuem para o Desenvolvimento Local. Falar das nossas concepções de educação foi fácil, devido ao fato de a maioria dos trabalhadores do COL estarem de alguma forma, ligados à educação. Contudo, ao nos questionar sobre nossa contribuição para o Desenvolvimento Local, fez-se necessária a definição do que entendemos por Desenvolvimento Local, assim foi perguntado aos programas "O que entendemos por Desenvolvimento Local?" Os programas responderam da seguinte forma:

"Processo de transformação consciente, local para o global, ser e não o ter."

Programa Administrativo

"Construir um processo de autonomia do sujeito, respeitando as particularidades."

Equipe de Articulação Institucional

"O desenvolvimento se inicia no sujeito, com suas escolhas, e a partir daí vai para o seu local de trabalho, comunidade etc."

Casa da Criança e do Adolescente

"O desenvolvimento inicial no indivíduo (descobrimento de suas riquezas e potencialidades em sua singularidade), culminando no desenvolvimento coletivo, levado para o coletivo/instituição e território."

Centro de Atendimento Socioeducativo em semiliberdade

"Processo de desenvolvimento, sendo que o principal movimento é sempre endógeno, tanto em relação ao grupo de pessoas, como em comunidades locais. Onde o desenvolvimento é sempre algo forjado e naturalmente precisa de incorporação de trocas. O conforto material acontece como consequência natural."

Escola de Educação Infantil Nossa Senhora Medianeira

"Modo solidário de construir todas as relações humanas a partir de uma concepção endógena, baseada na incorporação de trocas, da diferença, cooperação, interdependência e respeito às originalidades e singularidades."

Programa de Desenvolvimento Local

Para responder a essa pergunta os programas recorreram à bibliografia de apoio Estudos sobre Desenvolvimento Local e talvez este tenha sido o primeiro momento de estudo sobre o assunto. Nas respostas dos programas, é nítido o distanciamento dos mesmos em relação ao tema e a necessidade de aprofundar a discussão. Para iniciar a discussão e dar continuidade a sistematização, elencamos alguns princípios básicos e fundamentais para o Desenvolvimento Local:

  • Relação direta com a realidade local;

  • Valorização das potencialidades locais;

  • Sustentabilidade socioambiental;

  • Democratização do poder e participação social;

  • Atividade econômica adequada às condições locais;

  • Princípio da endogenia;

  • Possibilidade de existência e vida nas conexões entre o ecossistema natural e o ecossistema cultural;

  • Autonomia;

  • Interdependência;

  • Contribuições a partir das diferenças.

Esses princípios básicos elencados são uma síntese dos estudos realizados sob as referências da publicação Estudos Sobre Sistemas de Desenvolvimento Local (BLANCO; KEIL; SOETHE, 2011BLANCO, Diego Monte; KEIL, Ivete Manetzeder; SOETHE, José Renato. Estudos sobre sistemas de desenvolvimento local. São Leopoldo: Escritos Editora, 2011.) e artigos e publicações de Vicente Fidelis de Ávila (2008)ÁVILA, Vicente Fideles de. Paciência, capitalismo, socialismo e desenvolvimento local endógeno. Revista Interações, Campo Grande, MS, v. 9, n. 1, p. 85-98, jan./jun. 2008..

Segundo Fragoso (2005)FRAGOSO, António. Contributos para o debate teórico sobre o desenvolvimento local: um ensaio baseado em experiências investigativas. Revista Lusófona de Educação, Lisboa ,v. 5, n. 5, p. 63-83, 2005., o "local" é constituído primariamente pelas pessoas que o habitam e pelo conjunto de redes sociais e culturais inter-relacionadas, ou seja, o local caracteriza-se pela sua identidade sociocultural. Entendemos que as ações relatadas nesse trabalho demonstram o papel de mediador que o COL cumpre nos territórios atendidos, pois articula estruturas e agentes locais a políticas pública de assistência e educação.

Com base nesses princípios, sistematizamos nossas práticas e afirmamos que nossas práticas contribuem para o desenvolvimento local, pois buscamos uma relação estreita com as realidades locais das três comunidades onde nos inserimos, buscando de forma democrática a participação de todos envolvidos em nossas ações, estimulando a autonomia dos sujeitos e valorizando as potencialidades locais.

Práticas educativas que estimulam o olhar crítico promovem a convivência, valorizando e respeitando as diferenças, valorizando a cultura e o saber local como a Escola de Educação Infantil apresenta em sua sistematização, contribuem para formação de sujeitos autônomos e participativos.

Nesse processo, percebemos que a ressocialização de jovens que cometeram algum tipo de infração, sem dúvida tem um importante papel na sociedade, estimular a reflexão destes jovens sobre os motivos que os levaram a tal situação e a construção de um projeto de vida é um passo importante e até estratégico para outra inserção deste jovem na sociedade. Para o sucesso desta tarefa a equipe de técnicos e educadores deve ser qualificada, afinada e consciente do seu compromisso com a educação como ato político. Assim o CASemi entende que o momento de acolhimento do jovem é importante para que este cumpra sua medida e (re)inicie o projeto de vida construído por ele juntamente com o CASemi, baseado na autoestima, participação social, e valorização de suas potencialidades.

O trabalho com as famílias realizado pela CCA, ao ultrapassar os muros da casa e de fato melhorar os vínculos familiares e aproximar estas famílias do cotidiano da casa, demonstra que essa equipe está bem inserida e conectada à realidade local, buscando promover em suas atividades ações que estimulem o sentimento de pertencimento ao território em que vivem, contemplando o princípio da endogenia, estimulando a autonomia, o trabalho em rede e a resolução de conflitos através do diálogo.

Quanto ao programa Administrativo, foi necessário num primeiro momento buscar sua identidade, identificar o papel de cada departamento e iniciar sua reflexão sobre em que medida suas ações contribuem para o desenvolvimento local. Por se tratar de um trabalho burocrático, existe a dificuldade de enxergar a concepção de educação e a contribuição para o DL deste programa. Contudo este programa faz-se importante por dar apoio administrativo e financeiro aos demais programas, e pela relação transparente e de confiança que mantém com os trabalhadores da instituição, através de uma gestão administrativa solidária e participativa. Além disso, é estratégico para a sustentabilidade da instituição, por apresentar departamentos, como Departamento de Imóveis, Captação de recursos e Serviço de Saúde, este último, ofertando também planos de saúde mais acessíveis à população.

Assim como o Programa Administrativo, a Equipe de Articulação Institucional, através da construção do Planejamento Estratégico contribuiu principalmente com a estruturação das ações do COL, com a definição da razão de ser, por meio de processos coletivos e articulando o contexto interno com o externo, o planejamento estratégico foi de fundamental importância para a visualização do caminho a ser a percorrido em busca de uma sociedade autêntica com desenvolvimento local, garantia de direitos e qualidade de vida.

Desenvolvimento local é um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população. Representa uma singular transformação nas bases econômicas e na organização social em nível local, resultante da mobilização das energias da sociedade, explorando as suas capacidades e potencialidades específicas. (BUARQUE, 1999BUARQUE, Sérgio C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável: material para orientação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal. Brasília: MEPF, INCRA, IICA, jun. 1999. Disponível em: <www.iica.org.br/Docs?Publicações>. Acesso em: jan. 2012.
www.iica.org.br/Docs?Publicações...
, p. 9).

Ao refletir sobre nossa concepção de educação e se nossas ações contribuem para o desenvolvimento local percebemos que esses dois eixos estão diretamente vinculados. A partir da sistematização, foram percebidos elementos como democracia, autonomia, participação, respeito, afetividade, percepção, protagonismo e trabalho em rede como importantes em uma ação educativa desenvolvida pelo COL. Todos estes pontos vão ao encontro do desenvolvimento local no sentido de melhoria da qualidade de vida.

Próximos passos

O trabalho em rede é um dos pressupostos para o Desenvolvimento Local. Assim, após a construção e definição de Desenvolvimento Local estar bem trabalhada e apropriada por todos os programas, devemos pautar junto às redes das quais fazemos parte este debate sobre DL, promover atividades de formação e informação sobre o tema para que, através das conexões entre indivíduos e coletivos, possamos contribuir na construção de políticas públicas sobre a ótica do Desenvolvimento Local.

Uma das metas do COL é a implantação de um Observatório de Desenvolvimento Local que possa ser referência para a elaboração, promoção e identificação de ações que colaborem para o desenvolvimento local. Através do Observatório, criar indicadores de D.L., organizar dados bem como os socializar contribuindo para a tomada de consciência da realidade local, suas potencialidades e fragilidades, além de possibilitar que outros atores repliquem a ação e façam o controle social dos recursos públicos.

Em nossas experiências com os movimentos sociais e redes, percebemos nitidamente a sobreposição de ações e a desconexão das políticas públicas, o que muitas vezes acaba por prejudicar o público atendido devido a trâmites burocráticos, oferta de projetos voltados para o mesmo perfil em uma mesma região, gerando disputa entre instituições do terceiro setor, instituições do terceiro setor e governo e até entre o próprio governo.

Segundo Ávila (2008)ÁVILA, Vicente Fideles de. Paciência, capitalismo, socialismo e desenvolvimento local endógeno. Revista Interações, Campo Grande, MS, v. 9, n. 1, p. 85-98, jan./jun. 2008., o Desenvolvimento Local tende a ocupar um grande vácuo do principal e frustrado papel atribuído ao Socialismo, o de contrapor-se ao Capitalismo, superando a concepção neoliberal dos países ditos desenvolvidos que reduz o D. L. praticamente em distribuição de emprego e renda em comunidades periféricas.

Dessa forma, o COL, além de aprofundar os estudos sobre DL internamente, trabalhar e disseminar nas redes locais, ainda necessita articular-se a nível nacional e latino-americano com indivíduos e coletivos que defendem essa concepção de desenvolvimento baseada na política do bem viver, que contribui com a organização, sustentação e fortalecimento das comunidades de forma endógena.

Acreditamos que este é só início de uma longa caminhada, que nos exige constante atualização, articulação e ocupação de espaços onde possamos popularizar a concepção de Desenvolvimento Local. Iniciamos a discussão sobre DL a partir da reflexão de nossas práticas, ou seja, a partir da nossa realidade, e esperamos que nossa experiência estimule outras instituições a exercitar o olhar sobre suas práticas e a refletir sobre que concepção de desenvolvimento está por trás dela.

Referências

  • ADAMS, Telmo. Educação e economia popular solidária: mediações pedagógicas do trabalho associado. São Paulo: Ideias & Letras, 2010
  • ÁVILA, Vicente Fideles de. Paciência, capitalismo, socialismo e desenvolvimento local endógeno. Revista Interações, Campo Grande, MS, v. 9, n. 1, p. 85-98, jan./jun. 2008.
  • BLANCO, Diego Monte; KEIL, Ivete Manetzeder; SOETHE, José Renato. Estudos sobre sistemas de desenvolvimento local São Leopoldo: Escritos Editora, 2011.
  • BUARQUE, Sérgio C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável: material para orientação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal. Brasília: MEPF, INCRA, IICA, jun. 1999. Disponível em: <www.iica.org.br/Docs?Publicações>. Acesso em: jan. 2012.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2013
  • Revisado
    23 Jul 2014
  • Aceito
    15 Ago 2014
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