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Dos processos de ensinar e aprender

Educação e Pesquisa traz a público neste número um conjunto de artigos que abordam temas importantes e complementares na perspectiva de se compreender, analisar e empreender esforços para a transformação dos processos educativos contemporâneos e para o avanço das pesquisas educacionais. A partir de diversas perspectivas, eles trazem contribuições ao campo da formação e atuação de professores, da organização e desenvolvimento do trabalho pedagógico e estruturação do espaço-tempo escolar, das contradições presentes na vida escolar e pessoal dos estudantes e dos seus projetos futuros, da evasão escolar, das questões de gênero, dentre outras, colocando em evidência as novas possibilidades para a reorganização dos processos formativos, com vistas a assegurar uma formação de melhor qualidade nos diferentes sistemas de ensino.

Subjacente ao conjunto de artigos está a questão da qualidade da educação, tema que tem ocupado lugar de destaque dentre os que se dedicam a contribuir para a formação dos brasileiros. Avançarmos nessa direção requer a análise dos muitos nós presentes nos espaços formativos, desde as universidades e faculdades até as escolas, para que se possam criar oportunidades – tempos, espaços de interlocução – para a constituição de outros processos educativos, sustentados por novas práticas capazes de ultrapassar os limites existentes hoje. Nesse contexto, a questão de como se ensina e como se aprende continua a desafiar pesquisadores, formadores de professores e professores. Se o ensino é atividade que requer conhecimentos específicos, consolidados por meio de formação pedagógica voltada especialmente para esse fim, e atualização constante das abordagens dos conteúdos e das maneiras didáticas de ensiná-los (ALMEIDA, 2012ALMEIDA, Maria Isabel de Formação do professor do ensino superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012.), é vital o aprofundamento das investigações e reflexões a respeito de como se formam e como atuam os professores e professoras. Afinal, formar pessoas é atividade de grande complexidade, e ainda precisamos saber mais sobre os processos de desenvolvimento psicológico e de aprendizagem.

Marcelo Garcia (1995)MARCELO GARCÍA, Carlos. Formación del profesorado para el cambio educativo. Barcelona: EUB, 1995. considera que o processo de formação sustenta-se em ações voltadas para a aquisição de saberes – saber-ser e saber-fazer. Trata-se de um processo de desenvolvimento pessoal, de um esforço de construção de si, que se dá em estreita articulação com o mundo social. Em perspectiva complementar, Chauí (2003CHAUÍ, Marilena. A universidade brasileira sob nova perspectiva.Revista Brasileira de Educação, Rio de janeiro: n. 24, p.1-12, 2003., p. 12) considera a formação como uma relação com o tempo, pois significa “introduzir alguém ao passado de sua cultura, [...] despertar alguém para as questões que esse passado engendra para o presente, e é estimular a passagem do instituído ao instituinte”. JáMorin (2009)MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2009. fala-nos da relação dos professores com uma profissão pedagógica, que pode ser aqui entendida como portadora das contribuições do campo da pedagogia (como ciência da educação) e da didática (como teoria do ensino).

Essa compreensão do fazer docente traduz-se no entendimento do ensino como fenômeno complexo, enquanto prática social realizada por seres humanos com seres humanos, que se modificam pela ação e relação que estabelecem entre si (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.). É uma perspectiva frontalmente contrária a muito do que se vê presente há algumas décadas nas políticas e práticas educacionais. Franco (2010)FRANCO, Maria Amélia Santoro. Didática e pedagogia: da teoria do ensino à teoria pedagógica. In: FRANCO, Maria Amélia Santoro; PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Didática: embates contemporâneos. São Paulo: Loyola, 2010. p. 75-99. enfatiza o risco – decorrente das políticas atuais – de perpetuação do caráter tecnicista orientador da formação e da atuação docente, com o consequente desinteresse pelas perspectivas pedagógicas da docência. E esse risco é ponderado por Saviani quando caracteriza essas diretrizes atuais como pedagogia da exclusão, por objetivarem

[...] preparar os indivíduos para, mediante sucessivos cursos dos mais diferentes tipos, se tornarem mais empregáveis, visando a escapar da condição de excluídos. E caso não consigam, a pedagogia da exclusão lhes terá ensinado a introjetar a responsabilidade por essa condição. (2007, p. 429).

Confrontar-se com essas proposições excludentes tem sido o propósito dos esforços que historicamente Educação e Pesquisa vem empreendendo. Mais que nunca, é necessário que invistamos para que, nas práticas docentes,

[...] estejam contidos elementos extremamente importantes, tais como a problematização, a intencionalidade para encontrar soluções, o alargamento de visão, a experimentação metodológica, o enfrentamento de situações de ensino complexas, as tentativas mais radicais, mais ricas e mais sugestivas de uma didática inovadora. (PIMENTA et al., 2010PIMENTA, Selma Garrido et al. A construção da didática no GT de didática: análise de seus referenciais. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 33., 2010, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPEd, 2010.).

É justamente dessa perspectiva que tratam os textos aqui apresentados ao leitor, com a esperança de que o ajudem a se situar no complexo universo dos conhecimentos produzidos no campo das pesquisas educacionais.

O primeiro conjunto de artigos é composto por nove textos que abordam múltiplas facetas de tema bastante antigo, mas de extrema pertinência na atualidade – os processos de ensinar e aprender. Posteriormente, seguem outros quatro artigos, que tratam de temas igualmente relevantes e atuais. Finalmente, há a entrevista com a Professora Kate Vieira, pesquisadora do Departamento de Língua Inglesa, na Universidade de Wisconsin-Madison.

O artigo que abre o primeiro bloco é de autoria de Maria Amélia Santoro Franco e tem como título “Práticas pedagógicas de ensinar-aprender: por entre resistências e resignações”. Nele a autora retoma o caráter contraditório e, ao mesmo tempo, possibilitador de novas relações entre os sujeitos envolvidos no processo deensinoaprendizageme indaga: “posso planejar oensinoaprendizagem ou apenas será possível planejar atividades que talvez conduzam à aprendizagem?”. Apoiada na ideia de que “as aprendizagens ocorrem nos caminhos tortuosos, lentos e dinâmicos das trajetórias dos sujeitos”, processo esse que para Deleuze jamais será passível de controle ou apreensão, Maria Amélia busca discutir o processo de ensinaraprender a partir de dados coletados por meio de pesquisa-ação pedagógica desenvolvida com docentes do ensino fundamental e analisados com base na hermenêutica crítica. Com o objetivo de discutir a abrangência e as possibilidades da prática pedagógica como espaço de contradição e de resistência, ela procura também compreender a importância da pedagogia como ciência que pode esclarecer e indicar reflexões para as resistências que inexoravelmente se impõem às práticas, e investe ainda nas possibilidades da pesquisa-ação pedagógica como instrumento de mediação das contradições e como dispositivo formativo na negociação de sentidos que emergem das práxis. Defende a tese de que as práticas pedagógicas operam a partir do diálogo fecundador, crítico e reflexivo que se estabelece entre os múltiplos sujeitos, entre intencionalidades e ações, e alerta para o risco de que, se ausentes as condições para a realização da reflexão crítica e do diálogo, ocorra o empobrecimento da prática educativa, elemento preocupante e bastante assente em muitos contextos escolares.

Em perspectiva complementar à da primeira reflexão, Gerardo Ramos Serpa e Adriana López Falcón abordam, no artigo “La formación de conceptos: una comparación entre los enfoques cognitivista y histórico-cultural”, a questão da formação de conceitos, aspecto essencial dos processos educativos. Os autores buscam ressaltar os fundamentos lógico-gnosiológicos da temática e o fazem a partir da perspectiva cognitivista de David Ausubel e da histórico-cultural de Lev S. Vygotsky. Sem deixar de ressaltar as limitações das proposituras de ambos os autores, Gerardo Serpa e Adriana Falcón buscam dar ênfase às suas contribuições, de modo a favorecer a compreensão mais aprofundada do complexo processo de formação de conceitos. Apontam que desenvolver essa capacidade possibilita aos estudantes captar a realidade, entendê-la e melhorá-la na perspectiva dos fins humanos e coletivos. E, para tanto, destacam a importância da formação dos professores no que toca aos conteúdos a serem ensinados, bem como à dimensão pedagógica e filosófica do seu fazer profissional. E alertam que a capacidade de formação de conceitos não se resume a um fenômeno intelectual, mas é, antes de tudo, uma dimensão humana.

Em sintonia com o artigo anterior, Francisco Javier Ruiz Ortega, Oscar Eugenio Tamayo e Conxita Márquez Bargalló, autores do artigo “La argumentación en clase de ciencias, un modelo para su enseñanza”, consideram que a argumentação em ciências é um processo dialógico e uma ferramenta essencial para a coconstrução de compreensões mais significativas dos conceitos trabalhados em aula. É essa importância que justifica para eles que a argumentação esteja presente nos processos de ensinar e aprender ciências. E, para tanto, definem como objetivo central do estudo em pauta propor um modelo de ensino da argumentação em ciências. Para dar sustentação a esse propósito, analisam as práticas de uma professora que realiza uma reflexão crítica sobre a argumentação e sobre seu próprio desempenho. Como resultados, reafirmam a importância que tem para o professor aprofundar seus conhecimentos em três dimensões: o epistemológico, o conceitual e o didático. E sustentam que a identificação desses aspectos tanto no pensamento como na atuação docente permite que se avance numa proposta para o ensino da argumentação em ciências.

Ainda sobre a questão da formação de conceitos, Delma Barros Filho e Ana Cecília de Sousa B. Bastos nos trazem, no artigo “A formação de conceitos em adultos não escolarizados”, a análise da abstração no complexo processo de formulação de conceitos cotidianos e científicos por sujeitos analfabetos e semianalfabetos em sociedades letradas. Tendo como referência teórica a proposição de Vigotsky de que a escolarização visa centralmente a possibilitar a passagem da formulação conceitual cotidiana para a científica, os autores buscaram colocar em discussão dados de uma investigação a respeito de como se dá o desenvolvimento de estruturas conceituais por sujeitos fora do universo escolar e que residem em centros urbanos. Os achados do estudo identificam, em primeiro lugar, que os adultos não escolarizados exibiram uma modalidade de pensamento que, em termos desenvolvimentais, ainda não os coloca em condição de utilizar as formas mais sofisticadas de desenvolvimento do pensamento humano. E reafirmam a importância da escola para tanto, pois, a despeito de alguns dos sujeitos pesquisados terem alcançado o patamar da formulação científica de conceitos, a maior parte deles apresentou mais capacidade para formular conceitos alicerçados no cotidiano. A escola coloca-se, assim, como o espaço mais voltado para o desenvolvimento das capacidades de abstração e compreensão teórica.

Em “O tempo escolar e o encontro com o outro: do ritmo padrão às simultaneidades”, texto de autoria de Ana Sueli Teixeira de Pinho e Elizeu Clementino de Souza, a questão do ensinar e aprender é vista pelas lentes temporais, quer sejam as da escola, as da sociedade ou as dos próprios sujeitos. A partir de narrativas (auto)biográficas de professoras de escolas multisseriadas e de sujeitos radicados no estado da Bahia, a questão do tempo foi pensada com as contribuições de Elias, Faraco, Bakhtin e Levinas, o que permitiu a formulação da compreensão do tempo comosimultaneidade, concebida como coexistência e interação da diferença. Para os autores, foi praticamente impossível compreender o tempo escolar sem fazer referência a outros tempos sociais, como o tempo do trabalho, o tempo das práticas simbólicas e o tempo livre, e as temporalidades dos sujeitos. As contribuições do estudo apontam que o tempo escolar carece de ser compreendido pelo viés de um olhar atento para os outros tempos sociais que se fazem presentes na escola e pelas interações que ocorrem entre os sujeitos no interior da sala de aula. Ou, em outras palavras, está posta a necessidade de se pensar o tempo escolar como simultaneidade, que pressupõe não a imposição, mas a coexistência de múltiplos tempos e temporalidades, sejam eles individuais, sociais ou naturais. Como afirmam os autores, “o tempo escolar é acontecimento que se dá no encontro com o outro”.

O artigo “Ensino de arte na educação de jovens e adultos: uma análise a partir da experiência da cidade de Cuiabá (MT)”, de autoria de Gustavo Cunha de Araújo e Ana Arlinda de Oliveira, coloca em discussão as práticas desenvolvidas no ensino de artes em Educação de Jovens e Adultos (EJA). Por meio de pesquisa qualitativa, entendendo o ensino numa perspectiva construtivista e tendo por base a proposta da triangulação – que visa a trazer o real, realizar sua leitura e a sua contextualização no interior das aulas –, os autores enfocaram o papel mediador do professor na construção do conhecimento da arte. Centralmente, foi possibilitado que os alunos expandissem suas compreensões a respeito da arte por meio do contato com as diferentes expressões artísticas, de modo a chegar ao conceito de que a arte é uma produção humana e tem sido parte da vida humana desde o seu princípio. A pesquisa também permitiu perceber que, quando os alunos conseguem ler uma obra de arte, eles tornam-se leitores competentes para produzir interpretações significativas do mundo. Finalmente, os pesquisadores concluem que os conceitos e práticas no campo da arte constituem-se em importantes possibilidades de construção do conhecimento com base em suas experiências de vida.

Martha Marandino, estudiosa dos museus enquanto espaços educativos, no artigo “Análise sociológica da didática museal: os sujeitos pedagógicos e a dinâmica de constituição do discurso expositivo”, tem como foco evidenciar os processos de recontextualização e as relações de poder e controle sobre a produção do discurso que aparece para o público nas exposições, bem como as especificidades da didática museal. Tendo como referência as proposições teóricas de Basil Bernstein, Marandino analisa os discursos expositivos produzidos por cinco museus de ciências. E o faz a partir de entrevistas realizadas junto a seus elaboradores e/ou coordenadores, da análise de documentos e da observação das exposições. Tendo como referência teórica os conceitos derecontextualizaçãoe campo recontextualizador, ela trabalha com o discurso expositivo como uma modalidade de discurso pedagógico. Descendo às minúcias dessa análise, caracteriza os vários discursos constituintes da exposição (o discurso da ciência, o museológico, o educacional, o da comunicação), bem como os sujeitos pedagógicos participantes desse movimento. E, como não poderia deixar de ser, ao mergulhar nessa investigação sobre os sujeitos e os discursos expositivos por eles formulados, Marandino evidencia as relações de poder estabelecidas entre eles e entre os campos de conhecimento participantes desses discursos expositivos, o que permite a aproximação e compreensão das dinâmicas de seleção e distribuição do poder na elaboração das ações educativas dos museus. A investigação empreendida nesse estudo possibilita sustentar com maior clareza as ações formativas dos profissionais que atuam nos museus e, consequentemente, qualificar as ações de educação museológica.

Maria Isabel Ferraz Festas aborda outra faceta da questão do ensinar/aprender de grande evidência na atualidade. Trata-se da contextualização do conhecimento, do ensino e da aprendizagem. No artigo “A aprendizagem contextualizada: análise dos seus fundamentos e práticas pedagógicas”, Festas empreende investigação acerca dos fundamentos pedagógicos e psicológicos desse processo. Tendo como balizas estudos sobre o funcionamento cognitivo humano e alguns resultados de investigações empíricas, a autora investiga alguns dos princípios e práticas desses pressupostos teóricos: os currículos devem basear-se na experiência dos alunos; a aprendizagem necessita partir de atividades autênticas; é preciso recorrer aos métodos da descoberta ou não diretivos. Visando a uma discussão crítica com esses campos teóricos, Festas aponta os limites de estudos do campo da psicologia cognitiva, como o da teoria da carga cognitiva, que não aceitam a ideia de uma aprendizagem baseada em atividades autênticas, por considerarem que essa não propicia a aquisição e automatização de conhecimentos num domínio de especialidade, nem reduz a carga cognitiva imposta pelas tarefas. Também aponta que os estudos empíricos revelam que a descoberta acompanhada de orientações pode se constituir meio eficaz na aprendizagem. Como conclusão, a autora reafirma a importância da continuidade dos estudos acerca dos dois métodos e a importância de se reforçar o diálogo entre diferentes concepções de educação, o que certamente agregará contribuições inovadoras ao campo.

Os autores Marisa Meza, Pilar Cox e Guillermo Zamora problematizam a questão da autoridade docente no mundo contemporâneo, onde os procedimentos e crenças válidos em outros contextos históricos parecem não ser mais capazes de sustentar a autoridade dos professores em classe. Os autores reconhecem que “atualmente os professores não têm garantido nem o respeito, nem a escuta e nem mesmo o reconhecimento de seus estudantes”. No artigo “¿Qué y cómo observar interacciones para comprender la autoridad pedagógica del profesor en su ejercicio?”, eles propõem-se a tratar do tema a partir de novos pressupostos teóricos e práticos presentes na formação de futuros professores. Buscam identificar em que consistem os desafios teórico-práticos decorrentes da formulação de uma “proposta de protocolo de observação da autoridade docente”. Para tanto, utilizam-se de metodologia qualitativa que considera tanto as opiniões dos especialistas como os resultados de uma prova-piloto por eles aplicada. Convergem para um modelo de tomada de decisões deliberativo, com foco tanto na figura do professor como nas interações que se estabelecem com os alunos. A dimensão das interações é significativamente importante, porque possibilita a observação das novas formas de legitimação da autoridade docente dentre os jovens, permitindo a superação de possíveis enviesamentos do olhar de observadores originários de outra geração.

Numa outra perspectiva, os autores Almir Martins Vieira, Octavio Ribeiro de Mendonça Neto e Maria Thereza Pompa Antunes trazem, no artigo “Aspectos da resistência na atividade docente”, a discussão dos comportamentos de professores do ensino superior frente aos modelos de gestão institucional pautados na calculabilidade do desempenho docente. Com base nos conceitos foucaultianos de dispositivos de vigilância e de controle, e nas contribuições de Hodson a respeito das relações entre poder e resistência no cotidiano de trabalho, eles colocam em destaque os sistemas de informação e de gestão educativa que acabam por tratar a atividade docente como algo “transparente e calculável”, além de atenderem aos objetivos financeiros institucionais, especialmente no setor privado. Analisam os comportamentos de resistência individual e coletiva dos docentes – marcadamente o humor, a negligência e a prática de esquivar-se do trabalho –, que se prestam a expressar a insatisfação e o desconforto frente às formas de controle e ao discurso gerencialista, e que se materializam pela adoção de práticas de indisciplina que visam a restaurar a dignidade e a autonomia no trabalho. Ressalta-se assim que os professores não são agentes passivos frente a propostas de mudança nas práticas do trabalho acadêmico. No entanto, a resistência é entendida como volátil, contextual e também contraditória, pois também convive com comportamentos de aceitação.

Um outro olhar sobre a problemática escolar – agora sobre as contradições vividas pelos que frequentam o sistema escolar público – é oferecido pelo artigo “Fatores associados ao abandono escolar no ensino médio público de Minas Gerais”, de Tufi Machado Soares, Neimar da Silva Fernandes, Mariana Calife Nóbrega e Alexandre Chibebe Nicolella. O estudo busca apontar os principais fatores influenciadores do abandono escolar no ensino médio e estrutura-se a partir dos dados levantados por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e de um estudo realizado no estado de Minas Gerais, que entrevistou alunos cursantes e não cursantes. Com base nesses dados, organizaram-se modelos capazes de cruzar fatores intra e extraescolares com incidência sobre o abandono precoce e também sobre a permanência na escola. Os jovens mais vulneráveis ao abando do ensino médio são os de menores condições econômicas, os do sexo masculino, os que têm histórico prévio de reprovação, abandono e baixo desempenho acadêmico, os que apresentam desinteresse e falta de motivação e participação nas atividades escolares, e os que estão em situações especiais, como a gravidez precoce. Dentre os resultados encontrados, destacam-se fatores como a dificuldade em algumas disciplinas, a ânsia por uma escola diferente, a percepção de que é possível obter melhores oportunidades de trabalho com a continuidade dos estudos a importância atribuída à escolha da escola.

Em “Dimensão subjetiva da desigualdade social: estudo de projetos de futuro de jovens ricos e pobres”, as autoras Ana Luisa Masillac Melsert e Ana Merces Bahia Bock trazem os resultados de um estudo sobre a dimensão subjetiva da desigualdade social, por meio da análise de projetos de vida de jovens ricos e pobres da cidade de São Paulo. Tendo como ponto de partida a ideia de que as desigualdades sociais brasileiras constituem fenômeno social complexo, que deve ser entendido tanto na sua dimensão objetiva quanto na subjetiva, as autoras optaram por estudar o tema pela via da subjetividade e dar visibilidade à presença de sujeitos que não são mera consequência da realidade social desigual, e sim sujeitos ativos, os quais constituem essa realidade e são simultaneamente constituídos por ela. Para tanto, trabalharam a partir de redações de jovens paulistanos sobre o que pensam do seu futuro e do futuro de jovens de origens distintas das suas. Esse material foi analisado a partir das proposições teórico-metodológicas da psicologia sócio-histórica, de modo a propiciar uma análise dos sentidos e significados atribuídos pelos jovens a si mesmos, na relação com outros desiguais, em uma sociedade marcada por desigualdades sociais. As desigualdades sociais foram naturalizadas pelos jovens, que as justificaram a partir de esforços pessoais e/ou heranças familiares. Destacaram-se significações que valorizam o padrão de vida das elites como modelo a ser alcançado, com correlativa depreciação das camadas pobres. Para além das significações constituídas a partir das falas dos jovens, a dimensão subjetiva da desigualdade social se configurou no silenciamento desses sujeitos quando solicitados a falar sobre outros desiguais.

O artigo de Claudia Pereira Vianna tem por título “O movimento LGBT e as políticas de educação de gênero e diversidade sexual: perdas, ganhos e desafios”. Nele é abordada a relação entre Estado e movimentos sociais na produção de políticas públicas de educação voltadas para o gênero e a diversidade sexual. As fontes alimentadoras dessa reflexão são duas pesquisas anteriormente realizadas pela própria autora: uma tratou da introdução do gênero e da diversidade sexual nas políticas públicas de educação no Brasil, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva; a outra discutiu como as políticas voltadas para o currículo foram compreendidas, apropriadas e implementadas por professoras e professores de escolas públicas do estado de São Paulo. O propósito dessa reflexão aqui apresentada é analisar a produção dessas políticas a partir das tensões presentes na interlocução do governo Lula com demandas sociais por diminuição da desigualdade e construção de direitos sociais advindas do movimento de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros (LGBT). Ao discutir ganhos, perdas e desafios futuros, o texto destaca as contradições presentes no processo de interlocução entre governo e o movimento. Quando o governo introduz demandas de gênero e diversidade sexual na educação, parece querer valorizar o tema sem considerar as relações de poder que determinam os parâmetros tradicionais que sustentam as relações de gênero e as identidades docentes no cotidiano escolar. Permanece como necessária, segundo palavras da própria autora, a constituição de “um processo educativo para todos nós em uma sociedade onde a segregação e as estratégias de esvaziamento das desigualdades são permanências históricas que devem ser superadas também no âmbito das relações sociais de gênero”.

E, para encerrar este número de Educação e Pesquisa, apresentamos a entrevista “Processos migratórios e letramento na era digital globalizada” com a Professora Kate Vieira, da Universidade de Wisconsin-Madison, realizada pelo Professor Émerson de Pietri, da Faculdade de Educação da USP e por Aline Akemi Nagata, doutoranda na mesma instituição. Nela, a entrevistada aborda sua trajetória de atuação profissional e de pesquisadora dos processos de letramento entre fronteiras decorrentes dos processos migratórios. Por ter sido educada em uma comunidade de imigrantes açorianos e libaneses em Massachussetts, e ter trabalhado com distintas comunidades de imigrantes, o tema de suas pesquisas permeia sua própria identidade pessoal. Foi assim que letramento, migração e comunidade passaram a constituir o pano de fundo de seus estudos, que acabaram também por combinar investigações acerca do papel das tecnologias nesses processos vividos por imigrantes, uma vez que o letramento digital tem se desenvolvido simultaneamente por meio de cartas,e-mails ou chats em vídeo. Nesse cenário, é importante destacarmos o alerta de Kate: “eu quero evitar analisar esse fenômeno como uma forma de narrativa de re-colonização”. As reflexões da professora entrevistada são de grande relevância, especialmente quando se leva em conta a existência de 232 milhões de pessoas que vivem fora de seus países de nascença na atualidade.

Maria Isabel de Almeida
Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Contato: mialmei@usp.br

Referências

  • ALMEIDA, Maria Isabel de Formação do professor do ensino superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012.
  • CHAUÍ, Marilena. A universidade brasileira sob nova perspectiva.Revista Brasileira de Educação, Rio de janeiro: n. 24, p.1-12, 2003.
  • FRANCO, Maria Amélia Santoro. Didática e pedagogia: da teoria do ensino à teoria pedagógica. In: FRANCO, Maria Amélia Santoro; PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Didática: embates contemporâneos. São Paulo: Loyola, 2010. p. 75-99.
  • MARCELO GARCÍA, Carlos. Formación del profesorado para el cambio educativo. Barcelona: EUB, 1995.
  • MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2009.
  • PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.
  • PIMENTA, Selma Garrido et al. A construção da didática no GT de didática: análise de seus referenciais. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 33., 2010, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPEd, 2010.
  • SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil.Campinas: Autores Associados, 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015
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