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A educação escolar nas prisões: uma análise a partir das representações dos presos da penitenciária de Uberlândia (MG)

Resumos

Este artigo é fruto da dissertação de mestrado intitulada Para além das celas de aula: a educação escolar no contexto prisional à luz das representações dos presos da penitenciária de Uberlândia - Minas Gerais (MG), desenvolvida no período de 2010 a 2012, no programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal de Uberlândia. A finalidade deste artigo é promover uma reflexão acerca da educação escolar prescrita e instituída no contexto prisional, a partir de uma análise contextualizada das representações dos presos da penitenciária de Uberlândia (MG). Objetiva-se contribuir com a compreensão dos limites e das possibilidades da educação escolar nas prisões. Com base na metodologia de pesquisa qualitativa e participante, e com fulcro em uma investigação bibliográfica, documental e de campo, o artigo pretende problematizar o discurso oficial e a realidade vivenciada pelos presos. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados aleatoriamente, a partir de critérios de segurança da direção da penitenciária. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e grupo focal. Os resultados alcançados mostram que o panorama atual da educação escolar nas prisões tem demonstrado fragilidades, não somente por atingir um número reduzido de presos no Brasil, mas, principalmente, porque a possibilidade de uma ação efetiva de educação nas prisões é sustentada, sobretudo, no compromisso pessoal dos professores, agentes penitenciários e técnicos envolvidos na tarefa. Além disso, predomina-se, nesses espaços, uma visão pragmática da educação escolar, isolada das demais políticas setoriais e relacionada à obtenção de um emprego ou profissão.

Educação escolar; Prisão; Representações; Presos


This paper results from a thesis whose title is Beyond the class cells: schooling in the incarcerated context in the light of the representations of prisoners from the prison of Uberlandia - Minas Gerais (MG), developed between 2010 and 2012, in the Education graduate program at the Federal University of Uberlandia. The purpose of this paper is to think about the schooling prescribed and instituted in an incarcerated context, based on a contextualized analysis of representations of prisoners from the prison of Uberlandia (MG). The aim is to contribute with the understanding of the limits and possibilities of school education in the prisons. Utilizing a qualitative and participative method of research, whose core is a bibliographical, documental and field investigation, the paper intends to problematize the official speech and the reality faced by the prisoners. The research subjects were selected at random, based on security criteria set by the prison´s head office. Data were collected by means of semi-structured interviews and a focus group. The results achieved show that the current scenario of schooling in the prisons has several fragilities, not only because it reaches a small number of prisoners in Brazil but mainly because the possibility of having an effective educational action in the prisons is sustained, above all, by the personal commitment of teachers, prison agents and technical staff involved in the task. In addition, in these contexts, a pragmatic view of schooling prevails as it is isolated from the other public sector policies and associated with achieving a job or occupation.

Schooling; Prison; Representations; Prisoners


A educação escolar nas prisões: uma análise a partir das representações dos presos da penitenciária de Uberlândia(MG)

Carolina Bessa Ferreira de Oliveira

Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. Contato: bessacarolina@hotmail.com

RESUMO

Este artigo é fruto da dissertação de mestrado intitulada Para além das celas de aula: a educação escolar no contexto prisional à luz das representações dos presos da penitenciária de Uberlândia - Minas Gerais (MG), desenvolvida no período de 2010 a 2012, no programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal de Uberlândia. A finalidade deste artigo é promover uma reflexão acerca da educação escolar prescrita e instituída no contexto prisional, a partir de uma análise contextualizada das representações dos presos da penitenciária de Uberlândia (MG). Objetiva-se contribuir com a compreensão dos limites e das possibilidades da educação escolar nas prisões. Com base na metodologia de pesquisa qualitativa e participante, e com fulcro em uma investigação bibliográfica, documental e de campo, o artigo pretende problematizar o discurso oficial e a realidade vivenciada pelos presos. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados aleatoriamente, a partir de critérios de segurança da direção da penitenciária. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e grupo focal. Os resultados alcançados mostram que o panorama atual da educação escolar nas prisões tem demonstrado fragilidades, não somente por atingir um número reduzido de presos no Brasil, mas, principalmente, porque a possibilidade de uma ação efetiva de educação nas prisões é sustentada, sobretudo, no compromisso pessoal dos professores, agentes penitenciários e técnicos envolvidos na tarefa. Além disso, predomina-se, nesses espaços, uma visão pragmática da educação escolar, isolada das demais políticas setoriais e relacionada à obtenção de um emprego ou profissão.

Palavras-chave: Educação escolar — Prisão — Representações — Presos.

ABSTRACT

This paper results from a thesis whose title is Beyond the class cells: schooling in the incarcerated context in the light of the representations of prisoners from the prison of Uberlandia - Minas Gerais (MG), developed between 2010 and 2012, in the Education graduate program at the Federal University of Uberlandia. The purpose of this paper is to think about the schooling prescribed and instituted in an incarcerated context, based on a contextualized analysis of representations of prisoners from the prison of Uberlandia (MG). The aim is to contribute with the understanding of the limits and possibilities of school education in the prisons. Utilizing a qualitative and participative method of research, whose core is a bibliographical, documental and field investigation, the paper intends to problematize the official speech and the reality faced by the prisoners. The research subjects were selected at random, based on security criteria set by the prison´s head office. Data were collected by means of semi-structured interviews and a focus group. The results achieved show that the current scenario of schooling in the prisons has several fragilities, not only because it reaches a small number of prisoners in Brazil but mainly because the possibility of having an effective educational action in the prisons is sustained, above all, by the personal commitment of teachers, prison agents and technical staff involved in the task. In addition, in these contexts, a pragmatic view of schooling prevails as it is isolated from the other public sector policies and associated with achieving a job or occupation.

Keywords: Schooling — Prison — Representations — Prisoners.

Este artigo propõe-se a analisar a educação escolar prescrita e instituída no contexto prisional a partir das representações1 1 . As representações dos sentenciados são entendidas aqui como "fatos de palavras e de prática social", conforme define Lefebvre (1983). Uma representação constitui-se do que é vivido, percebido e concebido, em um movimento dialético que nunca cessa. dos presos, da penitenciária professor João Pimenta da Veiga, Uberlândia (MG)2 2 . O município de Uberlândia (MG) destaca-se pelo turismo de negócios. Está localizado próximo aos grandes centros do país, como: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia e Brasília. , acerca da educação escolar implementada no sistema prisional. Busca construir uma análise à luz das representações dos presos e orientada a partir das leis e políticas educacionais formuladas para normatizar e viabilizar a educação escolar nas prisões.

Vale destacar que a educação escolar integra as chamadas políticas públicas. Nos limites deste texto, privilegiar-se-á a noção de política pública como relação entre Estado e Sociedade, entendida como contraditória e conflitiva. Para a discussão aqui proposta, serão colocados em evidência atores-chave da dinâmica de implementação da educação escolar nas prisões, como agentes de segurança penitenciária, professores e presos.

Conforme Höfling (2001), as análises centradas no discurso oficial do Estado, dos governos ou das instituições políticas podem obscurecer a práxis, pois carrega a natureza ideológica – compreendida aqui conforme a concepção marxista, referindo-se à falsa consciência propiciada pelo discurso lacunar, que legitima instituições sociais, atribuindo-lhes funções diversas das realmente exercidas.

Faz-se imprescindível mencionar que a política pública faz parte do ramo do conhecimento denominado policy sciense que, segundo Howlett e Ramesh (1995), surgiu nos Estados Unidos e na Europa, no segundo pós-guerra, quando pesquisadores investigaram a dinâmica das relações entre governos e cidadãos, extrapolando o estrito apego às tradicionais dimensões normativas e às minúcias do funcionamento de instituições específicas.

Em relação às políticas de educação escolar nas prisões, ressalta-se o seu caráter complexo de organização e funcionamento, pois se realizam a partir da articulação do sistema de educação com o sistema penitenciário (Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Secretarias Estaduais de Educação e Secretarias de Defesa Social ou Administração Prisional, além de órgãos integrantes desses sistemas, como os presídios e as penitenciárias) que, por sua vez, articula-se com o sistema de justiça penal e com a sociedade.

Considerando a educação escolar no contexto prisional como fruto de desdobramentos de decisões políticas, questiona-se: como ocorre, no mundo institucional/normativo e na vida cotidiana, a educação escolar nas prisões? Quais os desdobramentos práticos da educação escolar no cotidiano da prisão para os presos? Quais as impressões e representações dos presos acerca dessa educação?

Partindo dessas questões, a pesquisa aqui relatada analisa a educação escolar nas prisões. Considera como referencial empírico as representações dos presos de Uberlândia, ressaltando e contextualizando suas vozes, muitas vezes inauditas.

Educação nas prisões: previsão legal

As políticas públicas de educação escolar são legitimadas a partir da previsão legal nos planos nacional e internacional. Dessa forma, faz-se necessário compreender, a priori, as políticas públicas com a marca definidora de pública, isto é, de todos, e não estatal ou coletiva.

As pessoas presas, assim como quaisquer outras, têm o direito humano à educação. No plano internacional, destaca-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em seu artigo 26, estabelece o direito à educação, cujo objetivo é o pleno desenvolvimento da pessoa e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos. Entende-se que os direitos humanos são universais (para todos e todas), interdependentes (estão relacionados entre si e nenhum tem mais importância que outro), indivisíveis (não podem ser fracionados) e exigíveis frente ao Estado em termos jurídicos e políticos.

Nesse sentido, conforme Graciano (2005), o direito humano à educação é classificado de distintas maneiras como direito econômico, social e cultural. Também é tomado no âmbito civil e político, já que se situa no centro das realizações dos demais direitos. Desse modo, o direito à educação também é chamado de direito de síntese, ao possibilitar e potencializar a garantia dos outros.

Ademais, esse direito está previsto em diversos documentos internacionais, tais como: Declaração Mundial sobre Educação para Todos (artigo 1º); Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (parágrafo 1º, art. 29); Convenção contra a Discriminação no Ensino (artigos 3º, 4º e 5º); Declaração e Plano de Ação de Viena (parte nº 1, parágrafo 33 e 80); Agenda 21 (capítulo 36); Declaração de Copenhague (compromisso nº 6); Plataforma de Ação de Beijing (parágrafos 69, 80, 81 e 82); Afirmação de Aman e Plano de Ação para o Decênio das Nações Unidas para a Educação na Esfera dos Direitos Humanos (parágrafo 2º).

O documento internacional intitulado Regras mínimas para o tratamento de reclusos, aprovado pelo conselho econômico e social da ONU em 1957, prevê o acesso à educação de pessoas encarceradas. Conforme evidencia Carreira (2009, p. 11), o documento afirma que:

[...] devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todos os reclusos, incluindo instrução religiosa. A educação de analfabetos e jovens reclusos deve estar integrada no sistema educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, a sua formação. Devem ser proporcionadas atividades de recreio e culturais em todos os estabelecimentos penitenciários em benefício da saúde mental e física.

No plano normativo nacional, a educação escolar na prisão integra a modalidade de ensino intitulada Educação de Jovens e Adultos (EJA). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394 de 1996, define, em seu artigo 37, essa modalidade como aquela destinada "a pessoas que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria".

A LDB regulamenta o previsto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 208, inciso I, segundo a qual todos os cidadãos e cidadãs têm o direito ao "Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria".

Além disso, a Lei de Execução Penal (LEP), nº 7.210 de 1984, prevê a educação escolar no sistema prisional nos artigos 17 a 21. Por exemplo, o artigo 17 estabelece que a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso. O artigo 18 determina que o ensino de primeiro grau (ensino fundamental) é obrigatório e integrado ao sistema escolar da unidade federativa. O artigo 21 estabelece a exigência de implantação de uma biblioteca por unidade prisional, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.

Nesse sentido, faz-se a elaboração das Diretrizes Nacionais para Educação nas Prisões, expressas na Resolução nº 03 de 11 de março de 2009, que foi aprovada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça do Brasil. Essas diretrizes apresentam parâmetros nacionais relacionados a três eixos: 1) gestão, articulação e mobilização; 2) formação e valorização dos profissionais envolvidos na oferta; e 3) aspectos pedagógicos.

As diretrizes legitimam a educação escolar nas prisões, tendo sido ratificadas pelo Ministério da Educação do Brasil, por intermédio da Resolução nº 02 de 19 de maio de 2010 do Conselho Nacional de Educação, a fim de nortear pedagogicamente a oferta de educação escolar para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais.

Considerando as normativas vigentes, Julião (2006, p. 77) aponta que:

[...] o Brasil, como membro do Conselho de Defesa Social e Econômica da ONU, pelo menos no campo programático, vem procurando seguir as determinações internacionais para tratamento de reclusos.

Entretanto, o sistema prisional brasileiro, a justiça e o seu sistema policial estão organizados, principalmente, em nível estadual, de modo que cada governo apresenta relativa autonomia na introdução de políticas públicas de educação escolar no contexto prisional. Por isso, devido à diversidade regional e política, a realidade prisional brasileira apresenta-se heterogênea, diferenciando-se conforme o Estado ou, até mesmo, a unidade prisional. Assim, a aplicabilidade das normas segue os meandros e as vicissitudes em nível local.

Nesse sentido, dois aspectos devem ser considerados: primeiro, os documentos que trazem à tona as diretrizes nacionais para educação escolar nas prisões são de publicação recente, o que denota sua fragilidade prática em relação, até mesmo, à tomada de conhecimento por parte dos profissionais que atuam no setor; segundo, as diretrizes apresentam linhas gerais relacionadas à educação nas prisões, caracterizando-se, em alguns dos seus dispositivos, como recomendações e como vinculadas à necessidade de futuras articulações entre instituições.

Somado a isso, coexistem as especificidades de cada unidade prisional, sua gestão e o senso comum em torno da desconsideração da educação como um direito a ser implementado na realidade prisional. A esse respeito, ressaltam-se as considerações da pesquisa em processo permanente realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a qual é realçada por Maeyer (2006, p. 24):

A situação legal dos internos influencia a organização de turmas. As pessoas acusadas de um crime, mas ainda não sentenciadas têm maior dificuldade (ou menor motivação) de entrar em turmas fixas. [...] Em alguns países, a freqüência às aulas é obrigatória, organizada pelo estado com professores qualificados, que foram treinados para adaptar seus métodos educacionais ao especial contexto da prisão. Na maior parte dos países, entretanto, a educação é uma opção e compete com a possibilidade de trabalhar. [...] A criação de programas de educação técnica leva à organização de atividades produtivas que, por um lado, permitem desenvolver habilidades técnicas para o mercado de trabalho, mas, por outro, prejudicam as atividades educacionais ou alteram a dimensão social dos programas educacionais. [...] A superlotação na prisão é uma realidade desfavorável à organização de sessões educacionais. A superlotação afeta os programas, principalmente nos países do sul.

No que se refere à compatibilidade entre trabalho e educação no contexto prisional, o artigo 8º da Resolução nº 03 de 2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária dispõe que:

o trabalho prisional, também entendido como elemento de formação integrado à educação, deve ser ofertado em horário e condições compatíveis com as atividades educacionais.

Embora a norma esteja vigente, no contexto prisional observa-se que o trabalho é utilizado prioritariamente em detrimento das atividades educativas. Por um lado, para as unidades prisionais esse trabalho satisfaz necessidades internas emergentes, conforme indica Lemgruber (1999, p.135):

manter o preso ocupado, evitando o ócio, desviando-o da prática de atividades ilícitas, funcionando neste caso como uma espécie de 'terapia ocupacional'.

Por outro lado, o trabalho é compreendido pelos presos como uma forma de ocupar o tempo – mais que as atividades de educação que, em geral, são realizadas em apenas um período do dia – e, em alguns casos, como um modo de receber remuneração correspondente.

Na realidade de Uberlândia (MG), as denominadas políticas públicas de educação escolar nas prisões são promovidas por dois estabelecimentos prisionais, quais sejam: presídio professor Jacy de Assis e penitenciária professor João Pimenta da Veiga.

Na pesquisa em nível de mestrado, que inspira este artigo, fez-se um recorte metodológico, optando-se por investigar a realidade das políticas no segundo estabelecimento, considerando que nele se encontram presos sentenciados/condenados em execução penal, o que possibilita teoricamente menor rotatividade de presos e maior regularidade nas atividades de educação escolar3 3 . Acerca deste ponto, a LDB, em seu artigo 23, trata do atendimento flexível da educação à rotatividade da população carcerária. . Isso porque, após a condenação vislumbra-se um planejamento no acompanhamento do preso e da execução de sua pena.

Para além das celas de aula: as representações dos presos

Paralelamente à pesquisa bibliográfica e documental a respeito da educação escolar nas prisões, realizou-se uma pesquisa de campo, buscando contextualizar a prática frente ao discurso normativo. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados aleatoriamente, dentre os presos do sexo masculino4 4 . Conforme dados oficias do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça do Brasil, referentes a dezembro de 2010, a população carcerária brasileira totalizava 496.251 pessoas presas, sendo 37.315 no Sistema Penitenciário do Estado de Minas Gerais. Desse total, 34.873 homens e 2.442 mulheres presas. Relatório disponível em: < http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm>. Acesso em: 15 mar. 2011. A esse respeito, destaca-se a concepção de Sabadell (2009) acerca da seletividade de sexo na prisão a partir da cultura patriarcal da sociedade ocidental, em que o direito penal e o sistema prisional são masculinos. , por considerar que esse gênero representa ampla maioria no sistema prisional brasileiro e a partir de critérios de segurança estabelecidos pela penitenciária de Uberlândia5 5 . A penitenciária professor João Pimenta da Veiga foi inaugurada em outubro de 2003 com uma capacidade de atendimento de 396 presos, sendo que no momento da realização da pesquisa havia 477, dentre os quais, 427 do sexo masculino. Fonte: entrevista com direção da penitenciária de Uberlândia, set. 2011. .

No contexto da penitenciária, insere-se a Escola Estadual Mário Quintana, que foi inaugurada e está em funcionamento desde junho de 2006, tendo sido criada por meio do Decreto nº 44.196 de 28 de dezembro de 2005 do governo do Estado de Minas Gerais para atender até 130 presos. Esclareça-se que no momento da realização da pesquisa de campo havia 120 presos participando das atividades escolares, sendo oficialmente registrados na diretoria da penitenciária.

As dependências administrativas da escola estão situadas em um prédio especialmente destinado para essa função, separado do setor das celas. Já as celas de aula estão localizadas nos blocos em que se encontram os presos, sendo celas destinadas exclusivamente a essa finalidade. Dessa forma, para participar das aulas os presos são conduzidos, de segunda a sexta-feira, por agentes de segurança penitenciária, das celas onde se encontram reclusos para as celas de aula, dentro do respectivo bloco.

Nesse contexto, foram realizadas, individualmente, nos meses de janeiro e fevereiro de 2011, sete entrevistas semiestruturadas com presos que participam de atividades de educação escolar, na modalidade de EJA. O foco das entrevistas foi compreender as representações acerca da política de educação instituída no contexto da unidade prisional sob a ótica daqueles que são os destinatários dessa política.

Além disso, foi realizado um grupo focal6 6 . Conforme Lewin (1970), o grupo é o contexto onde se pode reconstruir e criar significados, vivenciar e ressignificar questões, por meio da troca de informações. O grupo focal é uma técnica de investigação que coleta dados que emanam da interação entre os participantes de um grupo convidado a discutir um tema. , mediado pela autora – pesquisadora e participante, no mês de outubro de 2010, com dez sentenciados presos, mas que não participavam de atividades de educação escolar. O escopo dessa coleta de dados refere-se à investigação das representações daqueles que se encontram alheios às atividades educacionais, embora sejam potenciais alunos e estejam na condição de usufruir da educação escolar.

Dentre outros aspectos, as categorias identificadas para a realização da pesquisa foram as representações dos presos a respeito de: acesso e permanência da educação escolar na prisão; educação como direito; relação com profissionais que atuam na prisão e educação escolar como inclusão social.

Em termos gerais, para os sujeitos da pesquisa, a educação escolar é entendida no âmbito da prisão como um benefício, uma oportunidade para aqueles que acatam a norma específica do ambiente. Contudo, esse tipo de oportunidade associa-se à existência de uma vontade ou desejo pessoal, cujas motivações podem ser diversas.

Escola aqui é por bom comportamento e aprovação da unidade. Tem gente na escola que não quer nada com nada, mas isso não vem ao caso. Tem que ter determinação. Tem que querer (E 4)7 7 . Os sujeitos da pesquisa que participaram da entrevista serão identificados com a letra E, seguida de um número diferenciador. .

Acho que todo mundo que quer, consegue estudar. Depende mais de cada um (E7).

Tive oportunidade aqui, coisa que lá fora eu tinha, mas não tive interesse. Com relação à escola, tô satisfeito. Eu sou até jovem ainda, tenho dois filhos e quero completar os estudos. Tem muito irmão aqui dentro que nem sabia ler e hoje tem terceiro ano. A escola faz muito bem. [...] Desde o início estudo. Tem que ter bom comportamento e eu sempre tive pra poder ter oportunidade (E 6).

As falas dos sujeitos revelam que o acesso ao direito à educação escolar está condicionado a uma vontade pessoal associada aos bons comportamentos individuais exigidos pelo sistema prisional. Esses comportamentos são traduzidos em respeito às ordens internas estabelecidas tanto pela norma escrita quanto pelos rituais de convivência instituídos entre os profissionais da unidade e os presos.

Dessa forma, o que é um direito de todos passa a ser configurado pelos presos como uma oportunidade, revelando o que é imediato. Ou seja, a lógica de premiação e castigo do sistema prisional, pautada na conduta de cada preso, transforma o direito de todos à educação em um benefício individual e algo a ser conquistado.

Constata-se, assim, que os presos não vislumbram a educação como um direito de todos legalmente constituído, o qual, além de ser dever do Estado, refere-se a uma das conquistas sociais instituídas para contribuir com a sua formação pessoal, como facilitador nas oportunidades socialmente construídas.

Essa constatação foi identificada ao verificar que, durante a pesquisa de campo, somente um preso, dentre os dezessete que participaram das entrevistas e do grupo focal, fez alusão à educação como direito, conforme transcrição a seguir:

Tô estudando tem três anos aqui. [...] Tô na quarta série agora, porque no meu bloco não tem a quinta série que foi a que eu parei. Mas eu sei que é meu direito fazer essa série que parei lá fora, mas não tem como (E 3).

O depoimento elucida que o preso identifica que o próprio sistema não oferece condições para dar continuidade aos estudos, apesar de ser seu direito. Esse aspecto que se contrapõe às normativas nacionais vigentes, em especial no que tange ao atendimento às especificidades dos diferentes níveis (educação básica e superior) e modalidades de educação e ensino (educação de jovens e adultos, educação especial, educação à distância, educação profissional).

Vale ressaltar a fala de um sujeito da pesquisa que mencionou outros direitos de forma geral, demonstrando conhecê-los e buscá-los:

Queria sair formado daqui. Ir para o benefício do semiaberto com a 7ª série. Pra falar a verdade eu nem queria progredir pra concluir. Mas é claro que é melhor ir pro benefício. Quero sair daqui e correr atrás dos meus direitos, que eu sei que são muitos (E 6).

Durante a realização do grupo focal, que contou com a participação dos presos que não estudam na penitenciária, foi colocado pela pesquisadora que a educação na prisão é um direito de todos sem distinção e que, em tese, caberia ao Estado oferecê-la. Portanto, esse direito não é um favor disponibilizado pelo governo, mas seu dever.

No que diz respeito à necessidade da penitenciária proceder ao atendimento das especificidades dos diferentes níveis de escolarização e turnos de horário, conforme a legislação e de acordo com as necessidades dos presos, observou-se na realidade pesquisada a existência de um único turno de atividades de educação escolar. Por vezes, esse turno era incompatível com o trabalho, assim como o desconhecimento dos presos em relação aos critérios de escolha para participar da educação escolar na unidade prisional.

Não tenho conhecimento da escolha. São muitos nomes na lista. A segurança que escolhe, não sei o critério. A lista8 8 . A lista refere-se à forma de ser inserido na escola dentro da unidade. Os agentes de segurança penitenciária passam pelos corredores dos blocos com a lista perguntando quem dos presos deseja estudar. Os que se interessam assinam seu nome e aguardam aprovação da penitenciária. é passada e depois só chamam os nomes aprovados (E 2).

Tem que colocar o nome na lista e esperar ser chamado pela direção (E5).

Em contraponto ao mencionado pelos presos, destaca-se o inciso VII, artigo 3º da referida Resolução nº 02 de 2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária que contempla o oferecimento da EJA em estabelecimentos penais em todos os turnos. Soma-se ainda o inciso III, artigo 4º, que prevê a implementação de estratégias de divulgação das ações de educação para os internos, incluindo chamadas públicas periódicas destinadas a matrículas.

Conforme o exposto, verifica-se que a implementação da educação escolar nas prisões traz à tona inúmeras questões relacionadas à organização e ao cotidiano do estabelecimento penal, o que confronta com o prescrito nas resoluções que tratam das diretrizes nacionais para o setor.

Nessa perspectiva, devem ser destacados aqui os depoimentos dos sujeitos da pesquisa a respeito das dificuldades que enfrentam durante a realização de procedimentos de segurança no trajeto até a cela de aula. Conforme os depoimentos de alguns presos, os agentes de segurança penitenciária tendem a dificultar o seu acesso às atividades de educação, contrariamente ao discurso oficial expresso nos documentos e normativas que tratam da educação nas prisões.

Nesse sentido, para os sujeitos da pesquisa:

Falta muita educação no tratamento dos agentes. Já pensei em desistir de estudar aqui por isso, mas tenho que mostrar que sou mais forte que eles. Não quero ser fraco (E 4).

Às vezes os agentes chegam mais cedo pra buscar na cela e não esperam a gente escovar os dentes pra ir pra aula. Aí a gente fica sem ir (E 5).

Essa relação com os agentes, alguém podia conscientizar eles. Dar uma palestra sobre o ser humano, sobre o que é isso. [...] É que eles tratam a gente como bandido. Eles se acham a polícia e os presos como bandido. A relação é essa, e a gente tem que ser tratado mal, como se fosse só bandido. Eles esquecem que somos ser humano. Eu acho que tinha que conscientizar os agentes sobre o preso também ser um ser humano, independente do que fez. Se matou, traficou, roubou, se estuprou, e de todas as outras pessoas também. Eu tenho vontade de dar palestra quando sair daqui (E 3).

Essas falas parecem revelar que entre os agentes de segurança penitenciária pode existir a ideia cristalizada de que as pessoas privadas de liberdade estão também privadas de outros direitos, ou seja, prevalece um clima de suspensão total de direitos. A esse respeito, Fragoso, Catão, Sussekind (1980, p. 1) afirmam que:

[...] é antiga a idéia de que os presos não têm direito algum. O condenado é maldito e, sofrendo a pena, é objeto de máxima reprovação da coletividade, que o despoja de toda a proteção do ordenamento jurídico que ousou violar. O criminoso é execrável e infame, servo da pena, perde a paz e está fora do direito. [...] No direito primitivo impunha-se ao delinqüente a pena de expulsão do grupo (que virtualmente significava a morte).

Diante disso, vale destacar o artigo 9º da Resolução de 2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e o artigo 11 da Resolução de 2010 do Conselho Nacional de Educação, que afirmam a necessidade de se garantir o acesso a programas de formação inicial e continuada aos educadores, gestores e técnicos que atuam nos estabelecimentos penais, considerando as especificidades da política de execução penal e o auxílio à compreensão da relevância das ações de educação nas prisões.

Nesse sentido, com relação às possíveis sugestões para a educação escolar na prisão, faz-se imprescindível ressaltar as seguintes colocações dos sujeitos da pesquisa:

Sugestão? Primeiramente o respeito dos agentes. Falta muita educação no tratamento. Já pensei em desistir por isso, mas tenho que mostrar que sou mais forte que eles. Não quero ser fraco. Segundo: precisa trazer mais cursos e recursos pra escola. Por exemplo, por que o beneficiamento dos computadores foi só pro bloco do semiaberto? Também podia ter aula musical na sala de aula, que eu gosto muito... Agora as professoras são pessoas ótimas. Têm muita paciência (E 4).

Cursos técnicos, de informática, pra preparação lá pra fora que tá exigindo cada vez mais. (E 2).

Uma sugestão podia ter atividade física. (E 5).

Podia oferecer apostilas e mais materiais. Tem só dois cadernos pequenos e lápis pra todas as matérias. Também é bom se tivesse informática pra gente aprender computador... outra coisa é que a escola podia ser separada do bloco. Tipo um pavilhão só de escola por causa do barulho do bloco e também pra ter mais vagas pros irmão (E 6) .

Conforme mencionado pelos sujeitos da pesquisa, destacam-se questões relativas às condições em que a educação é desenvolvida na unidade prisional. Tais aspectos relacionam-se diretamente à existência de uma proposta pedagógica contextualizada às especificidades da educação escolar nas prisões, em consonância às Diretrizes Nacionais9 9 . Nesse sentido, conferir a reflexão desenvolvida por Silva e Moreira (2011). .

Cabe salientar, ainda, os pontos levantados a partir do grupo focal, quando os presos citaram, dentre outros aspectos, a necessidade de oferecer oportunidade para todos os presos, disponibilizar mais tempo para as atividades escolares, oferecer cursos completos, apoio à direção, melhorar a relação com os agentes e as condições de aprendizagem.

Assim, em termos gerais, no que se refere à concepção dos sujeitos da pesquisa acerca da educação escolar, destaca-se que, em que pesem as dificuldades enfrentadas no ambiente prisional, a inclusão nas atividades escolares parece representar uma possibilidade de aprendizagem e ocupação do tempo na prisão e, sobretudo, um aspecto relevante dos pontos de vista individual e social.

Além disso, os sujeitos da pesquisa demonstraram, a partir da vivência na prisão e na escola, conhecer as fragilidades existentes e identificar os aspectos que, na prática, poderiam ser melhorados não só para os presos, mas também para aqueles que atuam na prisão, tais como professores, agentes de segurança e direção.

[...] o estudo é fundamental na vida [...] Se tivesse lá fora, não voltaria a estudar... aqui foi mais porque não tem nada pra fazer, por isso pus o nome na lista (E 1).

Comecei pela remição, aí coloquei o nome na lista pra estudar [...] Ajuda em muitas coisas, na autoestima, pra ler e conhecer. [...] O estudo traz mais aceitação pela sociedade, principalmente pra nós que ficamos presos (E 2).

Sempre achei importante a escola pra ter conhecimentos gerais, saber falar, escrever, quando precisa escrever uma carta, e pra relacionar com as pessoas. Sempre achei isso antes de ser preso. [...] Eu pretendo fazer Direito, primeiro supletivo e depois vestibular. Mesmo se tô velho, tem problema não (E 3).

Antes achava uma chatice... aqui aprendi a gostar principalmente de matemática. É muito bom a escola aqui, porque se não fosse a escola não ocuparia o tempo e não teria remição. [...] É muito importante a escola, a gente aprende muita coisa (E 4).

Antigamente era mais por impulso as coisas. Hoje a escola é fundamental. A gente aprende. Aprende a valorizar a si mesmo. [...] Pretendo continuar lá fora pra ter um bom emprego e sair dessa vida. Sempre trabalhei com serviços gerais (E 5).

Com relação à escola, tô satisfeito. Eu sou até jovem ainda, tenho dois filhos e quero completar os estudos. Tem muito irmão aqui dentro que nem sabia ler e hoje tem terceiro ano. A escola faz muito bem (E 6).

Diante disso, ficam evidentes as impressões dos presos acerca do potencial transformador da educação, dentro ou fora da prisão. Entretanto, nota-se a visão pragmática associada à educação escolar, relacionada à obtenção de um emprego e à diminuição do estigma10 10 . Para Goffman (1974), estigma é um status reduzido e reconhecido socialmente como tal. Uma vez descoberto, outorga ao indivíduo estigmatizado características socialmente desvalorizadas. Tais são os casos, por exemplo, dos que praticam a prostituição e crimes, e dos doentes mentais. O indivíduo é diminuído e/ou estigmatizado pela sua carência de determinadas características consideradas como valiosas pela sociedade e/ou grupo (honradez, estética corporal, identidade de gênero). O estigma é uma marca negativa que pode afetar tanto a um indivíduo como todo um grupo e é um elemento importante para a compreensão da discriminação e do preconceito. de ex-presidiário, fruto de uma visão ideológica que não concebe a educação como direito assegurado legalmente e, tampouco, como política pública implementada na prisão.

Considerações finais

O panorama atual da educação escolar nas prisões tem demonstrado, por um lado, fragilidades e necessidades emergentes. Por outro, a partir da legislação e das diretrizes nacionais vigentes, apresentam-se possibilidades de implementação de uma política pública articulada pedagogicamente à execução penal.

A partir dos objetivos que orientaram este artigo, e da dissertação de mestrado que o inspira, considera-se relevante salientar que a pesquisa traz visibilidade à realidade prisional e à educação escolar nesse contexto, para além do senso comum predominante no imaginário. Ao apresentar as vozes dos presos no que diz respeito ao mundo vivido na prisão, a investigação aponta uma perspectiva transformadora dessa realidade que ultrapassa o âmbito jurídico, limitado à concepção da prisão como espaço de punição e reintegração social, dentro do qual se encontra a educação.

Nesse sentido, identifica, a partir das vozes dos presos, a existência de uma relação estreita entre a educação escolar e a possibilidade de obter benefícios dentro da prisão, como, por exemplo, a remição de pena. Identifica, ainda, que o aprendizado escolar associa-se diretamente à possibilidade de acesso a uma profissão, ao mundo do trabalho, assim como pode contribuir com a valorização pessoal e social em detrimento do estigma de ter sido preso.

Entretanto, demonstra que essa visão pragmática da educação escolar, entre a maioria dos presos, é fruto de uma visão ideológica que não concebe a educação como direito, aspecto esse que dificulta a organização para a reivindicação desse direito. Essa visão também demonstra a necessidade de articulação da educação com as demais políticas setoriais presentes nas prisões, a fim de possibilitar uma visão sistêmica e potencializadora da educação.

Dentro de um rol de aspectos suscitados pelos sujeitos da pesquisa, foi possível evidenciar que a educação escolar no contexto prisional representa, para os presos participantes da pesquisa, uma possibilidade de aprendizagem que, ao mesmo tempo, ocupa o tempo e possibilita a obtenção de benefícios relacionados ao cumprimento da pena.

Além disso, no contexto da atividade escolar na prisão, nas celas de aula, fica marcada a problemática acerca da primazia da manutenção da ordem e da disciplina com vistas à punição. Dessa forma, para além das celas de aula, a relação com os profissionais da segurança prisional parece afetar significativamente o desenvolvimento das atividades escolares, tanto no que se refere à possibilidade de atingir um maior número de presos, quanto à concepção de acesso a direitos dentro ou fora da prisão.

Nessa perspectiva, Craidy (2010) destaca que a educação nas unidades prisionais atinge um número pequeno de detentos no Brasil e no mundo. Mais que isso, indica que a possibilidade de uma ação efetiva de educação escolar nos presídios é hoje sustentada, sobretudo, pelo compromisso pessoal dos envolvidos na tarefa. Isso pode revelar uma contradição, na medida em que as previsões normativas nos âmbitos nacional e internacional acerca do assunto apontam para um movimento de reafirmação constante da educação enquanto um direito de todos e todas.

Para tanto, é imprescindível ampliar os esforços de articulação entre os órgãos da administração penitenciária e da educação, representados em nível macro pelos Ministérios da Justiça e da Educação e em nível micro por seus gestores e técnicos, enfatizando a responsabilidade de todos na aplicabilidade do direito à educação e, por conseguinte, das diretrizes nacionais.

Nesse sentido, Maeyer (2006, p. 32) menciona que

[...] a educação na prisão não significa apenas educação para os presidiários. A educação na prisão na perspectiva do aprender por toda a vida para todos envolve o ambiente e, portanto, também o staff e os agentes penitenciários. Em muitos países, os agentes penitenciários recebem uma formação básica a respeito de deveres, medidas de segurança. O possível papel deles em amparar e promover educação formal e não-formal não está ainda suficientemente enfatizado. Algumas experiências têm sido promovidas com sucesso em alguns poucos países, e o papel social dos agentes penitenciários tem sido destacado e valorizado – eles são as pessoas que mais têm contato com os prisioneiros. O papel que cumprem entre todos os que atuam na prisão e com relação às famílias dos internos é crucial. A educação na prisão deve realmente incluir os agentes penitenciários que, em muitos países, também têm um baixo nível de escolaridade e nenhum acesso à educação continuada.

Para tal fim, faz-se necessário manter e aprimorar a compreensão de continuidade de formação das pessoas que atuam no contexto prisional para despertar e manter a motivação das pessoas privadas de liberdade e dos profissionais que com eles atuam a compreenderem o direito à educação como inafastável e as políticas públicas de educação nas prisões como resultante das diretrizes nacionais.

É fundamental que se perceba que não basta a criação de novas escolas, principalmente associadas ao ensino profissional, para solucionar o problema da educação para jovens e adultos presos. É preciso valorizar e colocar em prática uma concepção educacional ampla e articulada, capaz de privilegiar e contribuir com a formação de sujeitos com potencialidades e competências que favoreçam a mobilidade social.

Tal como verificado, a partir da análise das representações de presos, o cotidiano escolar na penitenciária apresenta contradições quando comparado com os fundamentos que orientam a prescrição normativa. A superação desse quadro poderá ocorrer na medida em que a educação na prisão for politicamente articulada com um viés interdisciplinar capaz de buscar, sobretudo, a implementação das diretrizes existentes que, se aplicadas, poderão contribuir para potencializar o acesso ao direito à educação nas prisões.

Em suma, a escola na prisão deve priorizar uma concepção e prática educacional capazes de privilegiar, acima de tudo, a formação de cidadãos e cidadãs conscientes da sua realidade social e de seus direitos. E, para isso, torna-se fundamental que os órgãos competentes assumam a educação como uma das políticas de inclusão social e, em articulação com as políticas setoriais, vislumbrem a construção coletiva de uma educação voltada à formação crítica e abrangente, e não apenas escolarizada.

A perspectiva aqui sustentada está centrada na garantia de ampliação de acesso ao direito à educação entendida em seu sentido amplo, relacionada com a difusão e transmissão de conhecimentos historicamente sistematizados no âmbito da cultura e da diversidade social, para além da prática ideologizada da busca da certificação oficial. Isso pode ser feito, por exemplo, por meio da realização de exames supletivos associados à obtenção de dados estatísticos que apresentem uma relativa melhora nos índices educacionais brasileiros da população privada de liberdade.

Nessa perspectiva, coloca-se a necessidade de se construir uma proposta pedagógica para a execução penal nas unidades prisionais, tendo em vista a realização de outras atividades dentro da prisão, tais como saúde, trabalho, assistência social e cultura. Esse aspecto é fundamental, pois muitos presos não estudam por não ser possível, nessas unidades, conciliar mais de uma atividade.

Diante do exposto, e partindo do pressuposto de Freire (1998) de que "o mundo está sendo", não se pretende esgotar o debate proposto neste estudo. Ao contrário, compreende-se que a dinâmica social e a emergência de pesquisas e leis sobre o tema caracterizam o trabalho acadêmico, em sua forma e conteúdo, como inacabado, pois foi produzido em determinadas circunstâncias históricas, que compreendem aspectos econômicos, políticos, emocionais, institucionais e sociais.

Por outro lado, esta pesquisa pode contribuir, principalmente, para a realidade pesquisada, fornecendo subsídios objetivos para a discussão que se propõe, bem como se desdobrar em questionamentos e investigações posteriores.

Recebido em: 17.04.2012

Aprovado em: 11.03.2013

Carolina Bessa Ferreira de Oliveira é bacharel em direito e mestre em educação pela Universidade Federal de Uberlândia – MG (UFU) e doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo, também atua na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

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  • 1
    . As representações dos sentenciados são entendidas aqui como "fatos de palavras e de prática social", conforme define Lefebvre (1983). Uma representação constitui-se do que é vivido, percebido e concebido, em um movimento dialético que nunca cessa.
  • 2
    . O município de Uberlândia (MG) destaca-se pelo turismo de negócios. Está localizado próximo aos grandes centros do país, como: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia e Brasília.
  • 3
    . Acerca deste ponto, a LDB, em seu artigo 23, trata do atendimento flexível da educação à rotatividade da população carcerária.
  • 4
    . Conforme dados oficias do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça do Brasil, referentes a dezembro de 2010, a população carcerária brasileira totalizava 496.251 pessoas presas, sendo 37.315 no Sistema Penitenciário do Estado de Minas Gerais. Desse total, 34.873 homens e 2.442 mulheres presas. Relatório disponível em: <
    http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm>. Acesso em: 15 mar. 2011. A esse respeito, destaca-se a concepção de Sabadell (2009) acerca da seletividade de sexo na prisão a partir da cultura patriarcal da sociedade ocidental, em que o direito penal e o sistema prisional são masculinos.
  • 5
    . A penitenciária professor João Pimenta da Veiga foi inaugurada em outubro de 2003 com uma capacidade de atendimento de 396 presos, sendo que no momento da realização da pesquisa havia 477, dentre os quais, 427 do sexo masculino. Fonte: entrevista com direção da penitenciária de Uberlândia, set. 2011.
  • 6
    . Conforme Lewin (1970), o grupo é o contexto onde se pode reconstruir e criar significados, vivenciar e ressignificar questões, por meio da troca de informações. O grupo focal é uma técnica de investigação que coleta dados que emanam da interação entre os participantes de um grupo convidado a discutir um tema.
  • 7
    . Os sujeitos da pesquisa que participaram da entrevista serão identificados com a letra E, seguida de um número diferenciador.
  • 8
    . A lista refere-se à forma de ser inserido na escola dentro da unidade. Os agentes de segurança penitenciária passam pelos corredores dos blocos com a lista perguntando quem dos presos deseja estudar. Os que se interessam assinam seu nome e aguardam aprovação da penitenciária.
  • 9
    . Nesse sentido, conferir a reflexão desenvolvida por Silva e Moreira (2011).
  • 10
    . Para Goffman (1974), estigma é um
    status reduzido e reconhecido socialmente como tal. Uma vez descoberto, outorga ao indivíduo estigmatizado características socialmente desvalorizadas. Tais são os casos, por exemplo, dos que praticam a prostituição e crimes, e dos doentes mentais. O indivíduo é diminuído e/ou estigmatizado pela sua carência de determinadas características consideradas como valiosas pela sociedade e/ou grupo (honradez, estética corporal, identidade de gênero). O estigma é uma marca negativa que pode afetar tanto a um indivíduo como todo um grupo e é um elemento importante para a compreensão da discriminação e do preconceito.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      17 Abr 2012
    • Aceito
      11 Mar 2013
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