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Familias populares e instituição escolar: entre autonomia e heteronomia

Resumos

O artigo se propõe a analisar alguns problemas teóricos no estudo das relações entre famílias populares e escola, problemas que são os mesmos encontrados pela a sociologia no estudo das classes populares e suas relações com o mundo dominante e as instituições. Ele explora a possibilidade de superar a alternativa entre uma perspectiva estritamente legitimista que tende a reduzir as classes populares e suas práticas a uma relação de dominação que as aliena (heteronomia), e a perspectiva relativista que as considera dentro de uma alteridade radical (autonomia), ocultando as relações sociais de dominação. Ele insiste na ambivalência das lógicas e das práticas das famílias populares.

Famílias populares; Escola; Dominação; Autonomia; Ambivalência


L'article se propose d'analyser quelques problèmes théoriques dans l'étude des relations entre familles populaires et école, problèmes qui sont ceux que rencontre la sociologie dans l'étude des classes populaires et de leurs relations avec le monde dominant et les institutions. Il explore la possibilité de dépasser l'alternative entre une perspective strictement légitimiste qui tend à réduire les classes populaires et leurs pratiques au rapport de domination qui les aliène (hétéronomie) et la perspective relativiste qui les envisage dans une altérité radicale (autonomie) en occultant les rapports sociaux de domination. Il insiste sur l'ambivalence des logiques et des pratiques des familles populaires.

Familles populaires; École; Domination; Autonomie; Ambivalence


Familias populares e instituição escolar: entre autonomia e heteronomia* * Tradução de Marcia Vinci de Moraes.

Familles populaires et institution scolaire: entre autonomie et hétéronomie

Daniel Thin

Université Lumière Lyon 2

Daniel Thin é sociólogo, mestre de conferências na Universidade Lumière Lyion 2, membro do Grupo de Pesquisa sobre a Socialização. Há vinte anos trabalha sobre questões ligadas à educação e à socialização nas camadas populares mais desfavorecidas.

Resumo

O artigo se propõe a analisar alguns problemas teóricos no estudo das relações entre famílias populares e escola, problemas que são os mesmos encontrados pela a sociologia no estudo das classes populares e suas relações com o mundo dominante e as instituições. Ele explora a possibilidade de superar a alternativa entre uma perspectiva estritamente legitimista que tende a reduzir as classes populares e suas práticas a uma relação de dominação que as aliena (heteronomia), e a perspectiva relativista que as considera dentro de uma alteridade radical (autonomia), ocultando as relações sociais de dominação. Ele insiste na ambivalência das lógicas e das práticas das famílias populares.

Palavras-chave: Famílias populares — Escola — Dominação — Autonomia — Ambivalência.

Résumé

L'article se propose d'analyser quelques problèmes théoriques dans l'étude des relations entre familles populaires et école, problèmes qui sont ceux que rencontre la sociologie dans l'étude des classes populaires et de leurs relations avec le monde dominant et les institutions. Il explore la possibilité de dépasser l'alternative entre une perspective strictement légitimiste qui tend à réduire les classes populaires et leurs pratiques au rapport de domination qui les aliène (hétéronomie) et la perspective relativiste qui les envisage dans une altérité radicale (autonomie) en occultant les rapports sociaux de domination. Il insiste sur l'ambivalence des logiques et des pratiques des familles populaires.

Mots-clés: Familles populaires — École — Domination — Autonomie — Ambivalence.

O estudo das relações entre as famílias populares e a instituição escolar e, mais amplamente, as relações dos membros das famílias populares com as instituições de socialização e enquadramento, me expôs aos problemas colocados à sociologia pelo estudo das classes populares e de suas relações com o mundo dominante1 1 Dessa maneira, minhas pesquisas longe de se restringirem a uma sociologia da escola, vão ao encontro dos debates sociológicos a propósito das culturas populares. . Gostaria de abordar aqui esta questão2 2 Questão temível porque, indubitavelmente, mais do que em qualquer outro objeto, ela se arrisca a encontrar uma resposta diferente de acordo com a relação do pesquisador com as classes populares e com as instituiçõess de socialização e enquadramento. Sabemos que é tentador para o sociólogo cair numa forma de populismo que exalta as culturas e as práticas populares ou no seu espelho, o miserabilismo, que lamenta as carências (culturais, sociais...) das classes populares, sejam elas julgadas como vítimas ou como responsáveis. que levanta o problema da autonomia ou da heteronomia das classes populares em suas relações com instituições que a elas se impõem e tendem a impor suas lógicas (suas representações, suas lógicas de ação, sua organização, suas regras...) e, nesse caso, suas lógicas socializadoras (seu modo de socialização). Em geral, o debate se divide entre aqueles que negam qualquer existência de lógicas ou cultura próprias nas classes populares, e aqueles que afirmam a existência de uma cultura popular autônoma ou independente das lógicas e das culturas dominantes na formação social. Em outros termos, ou as classes populares são consideradas submissas a uma dominação que as aliena, que não lhes deixa qualquer autonomia notadamente simbólica, reduzindo-as a meras realizadoras de lógicas que constituem detritos alterados das lógicas dominantes. Ou são consideradas, pelo contrário, possuidoras de lógicas próprias, completamente autônomas, existindo dentro de uma alteridade radical, quer seja para incensá-la ou para deplorá-la.

É possível sustentar o ponto de vista desenvolvido por Pierre Bourdieu (1983) criticando o uso sociológico da noção de culturas populares quando ela leva a considerar, frequentemente, de maneira hagiográfica, as culturas populares como um conjunto coerente que pode ser colocado no mesmo plano que o as culturas dominantes, esquecendo as relações de forças que impõem a definição da cultura. Por outro lado, não é difícil mostrar que quando se fala de culturas populares, é comum que elas sejam reconstruídas como "cultura" no sentido legítimo do termo, aplicando-lhes princípios de classificação originários da cultura dominante ou da concepção dominante da cultura. Assim, Michel de Certeau (1980) mostra que as práticas populares constituem objeto de cultura quando sua lógica social é destruída ou quando deixam de existir como práticas sociais efetivas, organizando interações, produzindo bens, estruturando relações. Do mesmo modo, a insistência sobre a ausência de culturas populares autônomas coloca sérios problemas, quando nos leva a ver nessas culturas apenas detritos da cultura dominante3 3 "Aqueles que acreditam na existência de uma 'cultura popular', verdadeira aliança de palavras através da qual se impõe, quer queiramos ou não, a definição dominante da cultura devem esperar encontrar nela, se olharem de perto, apenas fragmentos esparsos de uma cultura sábia mais ou menos antiga" (Bourdieu, 1979). ou suas formas degradadas4 4 Como se encontra no trabalho sobre as práticas familiares nos cuidados com as crianças (Boltanski, 1969). e acaba por negar qualquer lógica própria nas classes populares, esquecendo que toda condição de existência é produtora de sentido e simbolismo5 5 O que é, aliás, contraditório com a afirmação de mercados livres nos quais os membros das classes populares seriam liberados da dominação (por estarem entre eles e ao abrigo do olhar dos dominantes) e poderiam se entregar às suas próprias formas de agir, falar, ser etc. . A oposição ou a tensão entre os que nomeiam o legitimismo e o relativismo é muito bem analisada por Grignon e Passeron (1989).

Tratando-se de relações entre as famílias populares e instituição social, é claro que não se pode analisá-las fora das relações de dominação. Por um lado, os membros das famílias populares estão muito afastados da es-cola pela sua fraca escolarização, pelas suas formas de agir e pensar ou de socializar seus filhos. Por outro lado, graças à importância crescente da escola em nossa formação social (a ponto de tornar-se incontornável), os membros das classes populares têm interesse em consentir no jogo escolar e ao mesmo tempo em aceitar, pelo menos parcialmente, suas re-gras. Devemos lembrar que "Toda verdadeira relação de dominação comporta um mínimo de vontade de obedecer e, consequentemente, um interesse exterior ou interior em obedecer" (Weber, 1971, p. 219)6 6 Proposição que pode ser aproximada da seguinte: "a adaptação a uma posição dominada implica numa forma de aceitação da dominação" Bourdieu (1979). O mesmo autor confere, aliás, uma precisão importante a esta perspectiva, sublinhando que "se é bom lembrar que os dominados contribuem sempre para a sua própria dominação, é preciso lembrar também que as disposições que os levam a esta cumplicidade são, da mesma forma, o efeito incorporado da dominação" (1979, p. 12). . Ao mesmo tempo, o modo escolar de socialização, como modo dominante de socialização, tende a se impor como modelo educativo, inclusive sobre as famílias que estão relativamente afastadas. A dominação escolar sobre as famílias populares tem assim sua eficácia na "crença na legitimidade"7 7 "Os costumes ou interesses não podem, não menos que os motivos de aliança estritamente afetivos ou estritamente racionais em valor, estabelecer os fundamentos seguros de uma dominação. Um fator decisivo mais amplo lhe é acrescentado normalmente: a crença na legitimidade". (Weber, 1971, p. 220) das práticas escolares e dos educadores que as executam, sendo que a legitimidade dos educadores está ligada ao seu domínio dos saberes escolares, à sua competência em matéria educativa certificada por sua formação e à autoridade pedagógica que lhe é conferida pela instituição escolar. Assim, a teoria da dominação simbólica e da legitimidade permite pensar em situações em que os pais das famílias populares tentam se curvar às exigências escolares, entregam aos educadores a escolarização de seus filhos, reconhecendo ao mesmo tempo a legitimidade dos agentes e a sua própria incompetência, assim como em situações em que os pais tentam transformar suas práticas, inclusive suas práticas socializadoras não diretamente ligadas à escolaridade, para seguir os conselhos, as incitações ou as injunções dos educadores ou dos trabalhadores sociais.

Desse modo, reduzir as práticas das famílias populares a simples produto da dominação e da interiorização da legitimidade e da superioridade da cultura escolar não é completamente satisfatório. Neste caso, escondemos o que as condições de existência, como a história das famílias, produzem como práticas socializadoras, como maneira de fazer e pensar8 8 Partindo "do direito imprescritível ao simbolismo que a tese weberiana confere a todo grupo social, tese segundo a qual toda condição social é ao mesmo tempo o lugar e o princípio de uma organização da percepção do mundo em um 'cosmos de ligações dotadas de sentido'". (Grignon; Passeron, 1989, p. 21) . Além disso, somos conduzidos frequentemente a ver nas famílias populares apenas a falta e a fraqueza na relação com a escola e a ado-tar um olhar "miserabilista" sobre as famílias que só são descritíveis pelas suas carências escolares e culturais. As práticas das famílias e suas relações na escola podem igualmente partir de uma abordagem mais relativista. Tal posição tenta apreender nas formações sociais hierarquizadas as práticas e culturas populares em suas lógicas próprias, e postula a existência de uma autonomia das lógicas populares. As práticas populares não serão mais apreendidas como dominadas, porém como práticas cujo sentido, não podendo ser deduzido unicamente da dominação, deve referir-se às condições de existência, à história e às relações entre os membros das classes populares. A postura relativista opõe ao miserabilismo, que só vê privação ou alienação na vida dos dominados, a possibilidade para o analista de perceber sentido e lógica onde o ponto de vista dominante, no caso escolar, só percebe ilogismo, desordem ou incoerência9 9 Numerosos trabalhos mostram a existência de lógicas próprias aos seres sociais dominados: Gruel, 1985; Bourgois, 1992; Hoggart, 1988. . Quanto às práticas socializadoras das famílias populares, demonstrei que nelas existem lógicas próprias em matéria, por exemplo, do modo de autoridade ou de relação com o jogo ou, ainda, com o tempo10 10 A análise das lógicas socializadoras encontra as proposições de Basil Bernstein (1975) à propósito dos tipos de famílias e de socialização. . Nas famílias, o olhar lançado à es-cola é igualmente associado a representações que nascem por meio das condições de existência, como a lógica do trabalho e da seriedade que preside as representações do trabalho escolar. Minhas pesquisas mostram assim que existem lógicas socializadoras cujos princípios se encontram nas formas de existência das famílias e nas disposições socialmente produzidas pelos membros das classes populares (Thin, 1998). No entanto, também nesse caso, parece-me perigoso seguir até o fim o caminho do relativismo, se ele nos conduz a esquecer que as práticas e as lógicas populares estão inseridas num conjunto de práticas e lógicas hierarquizadas e que, finalmente, a coerência e a lógica das práticas populares só podem ser inteiramente compreendidas nas relações que mantêm com as práticas dominantes.

As duas abordagens, o legitimismo que privilegia a heteronomia das práticas populares e o relativismo que as apreende em sua autonomia, permitem, cada uma delas, esclarecer as práticas das classes populares e suas relações com outros grupos ou classes. É preciso escolher uma das duas abordagens, relegando à sombra o que a outra preconiza? Torna-se necessário alternar as duas abordagens em função do tipo de práticas estudadas, supondo que haveria práticas mais autônomas e outras muito mais submissas às relações de dominação? Isso levaria, por exemplo, a ver as práticas dos pais com relação à escola e à escolarização sob o ângulo da dominação e a considerar as práticas domésticas em suas lógicas próprias em ligação com a estrutura familiar ou as condições de existência. Tal visão dicotômica esquece, ao mesmo tempo, que os membros das famílias populares apreendem a escola também a partir de sua própria socialização e que a dominação simbólica do modo escolar de socialização se exerce até nas relações entre pais e filhos.

Para sair deste impasse, creio ser útil e possível apreender simultaneamente as duas dimensões das culturas e das práticas populares, e conciliar, incessantemente, as duas abordagens, integrando na descrição o conjunto das características das práticas populares em suas relações com as práticas dominantes, isto é, o que as caracteriza como dominadas e o que as caracteriza como lógicas próprias. Desse modo, as relações entre as famílias populares e a escola devem ser compreendidas levandose em conta o fato de que a socialização é seguramente uma situação em que os membros das famílias populares estão em posição de inferioridade e de dominados e o fato de possuírem sua própria maneira de ver e fazer, isto é,

o fato de que as famílias populares têm suas próprias lógicas socializadoras. Convencido de que preciso "segurar as duas pontas" ao mesmo tempo e convencido da necessária ambivalência das práticas das famílias populares, proponho-me a mostrar, por meio de minhas pesquisas, como os membros das famílias populares tentam entrar no jogo escolar, tentam adaptar-se à situação que lhes é imposta, realizando suas próprias lógicas.

Essa orientação me conduz a considerar as relações entre famílias populares e escola e, mais amplamente, as instituições de socialização em termos de um confronto, isto é, de um encontro e de uma tensão (numa relação de dominação) entre lógicas sociais e socializadoras diferentes ou divergentes. Nesse confronto, são reveladas as dissonâncias e as contradições entre lógicas socializadoras populares e lógicas pedagógicas, entre disposições dos alunos e atividade pedagógica nos estabelecimentos escolares dos bairros populares, entre as pressões da vida popular e as exigências da vida escolar etc. A abordagem em termos de confronto entre essas lógicas (por meio de práticas, maneiras de fazer...) permite escapar de uma análise que privilegiaria unilateralmente o efeito de imposição, de dominação e de dependência das lógicas institucionais ou dominantes, ao mesmo tempo em que não desconhece os efeitos de uma relação desigual. Além disso, o confronto supõe encontro e interdependência. Porque o confronto acontece sociologicamente nas relações de interdependência na medida em que cria relações de interdependência, ela coage as duas partes. Ainda que em relações desiguais e de dominação a coação seja repartida desigualmente, ainda que a relação das forças seja favorável à instituição escolar e às lógicas escolares, a coação se exerce também sobre essas últimas. A análise em termos de confronto permite pensar assim nos efeitos das relações sobre o conjunto dos protagonistas e, notadamente, sobre os educadores e os pais. E permite, sobretudo, e é essencial para nosso propósito, analisar as práticas das famílias populares no seu encontro com as lógicas escolares. Percebe-se então, que essas práticas não são redutíveis nem a uma alteridade radical nem a uma conformidade submissa. Elas constituem mais frequentemente uma espécie de "misto" de conformidade e de não conformidade às exigências escolares, as quais podem se unir nas mesmas práticas, sendo que a inadequação das práticas aparecem frequentemente na busca da resposta adequada às injunções escolares. As práticas populares, nesse caso como em outras matérias, não constituem nem pura autonomia nem pura submissão às lógicas dominantes. Dominadas pela razão escolar, as práticas das famílias populares com relação à escolaridade conservam um caráter de alteridade relativa, pela maneira como entram no jogo escolar ou interpretam as expectativas ou exigências dos educadores. Verificando "a hipótese da ambivalência de todo simbolismo e de toda prática da classe dominada" (Grignon; Passeron, 1971), observamos que as relações das famílias populares com a instituição escolar são extremamente ambivalentes. A escola se impõe às famílias populares e estas não são completamente ignorantes das normas educativas ligadas ao modo escolar de socialização, de sua legitimidade e, portanto, da ilegitimidade de suas práticas, como revelam suas tentativas raramente coroadas de sucesso, para se conformar com as expectativas da escola e dos educadores. Essa situação, assim como a tensão entre suas próprias práticas e as práticas legítimas na escola e para a escola, a percepção da importância da escola e das dificuldades para se conformar com suas exigências, concorre para o desenvolvimento de uma relação ambivalente na escola e na escolarização. A ambivalência se baseia na associação entre, por um lado, a distância das famílias com relação à escola, devido a seu fraco domínio do universo escolar e as lógicas socializadoras próprias às famílias populares, essencialmente contraditórias às lógicas escolares e, por outro lado, uma percepção da incontornabilidade da escola e da escolarização, de um sentimento da legitimidade da ação da escola e das práticas pedagógicas dos educadores. Essa ambivalência aparece, por exemplo, nas expectativas com relação à escola, podendo a escolarização ser descrita do ponto de vista dos pais como portadora, ao mesmo tempo, dos riscos e das esperanças ou, ainda, nas práticas referentes à escolaridade dos filhos, sendo que numerosos pais oscilam entre uma fraca intervenção direta sobre esta escolaridade e as práticas de sobreinvestimento. Ela se manifesta igualmente nos educadores em quem os pais podem exprimir confiança (até a entrega de si mesmos) e, ao mesmo tempo, reconhecimento, desconfiança e prevenção ou resistência às suas iniciativas (Thin, 2001; 1997).

A ambivalência das famílias populares pode por um lado traduzir-se numa espécie de oscilação entre práticas que seriam favoráveis ou contraditórias às exigências escolares ou a uma oscilação entre aceitação, recusa ou distância com relação ao jogo escolar. Do mesmo modo, a noção de oscilação levando a crer num movimento de balanceamento entre práticas familiares submissas e as que são contrárias às lógicas escolares, se ela não descrever bem certas práticas familiares, não permitirá que se tenha consciência da complexidade daquilo que acontece durante o confronto. Se não prestarmos atenção, ela pode nos remeter aos impasses evocados anteriormente, o que significa para o sociólogo alternar as descrições de práticas autônomas e práticas dominadas.

De fato, a ambivalência não se traduz principalmente por uma sucessão de práticas mais ou menos conformes ou distantes das lógicas escolares. Ela está presente em cada uma das práticas das famílias populares. Para melhor compreender isso, é preciso mobilizar uma outra noção que é central na minha abor-dagem em termos de confronto. Trata-se da noção de apropriação, sendo que as práticas das famílias populares na sua relação com a escola são consideradas práticas de apropriação dela, a partir das lógicas socializadoras populares e das lógicas escolares que a elas se impõem. É preciso, sem dúvida, esclarecer o que eu entendo por apropriação, pois ela nem sempre escapa a um uso legitimista. Encontramos em Pierre Bourdieu (1979) a noção de apropriação dos bens culturais: "Pelo fato de que sua apropriação supõe disposições e competências que não são universalmente distribuídas (embora pareçam inatas) as obras culturais tornam-se objeto de uma apropriação exclusiva, material ou simbólica...", assim como a ideia "da raridade dos instrumentos necessários para a sua apropriação" (p. 252). Aqui, a apropriação é rebaixada sob a possibilidade ou capacidade de se apropriar de um bem (com a probabilidade de que alguns tenham maior capacidade que outros em função de seu capital cultural). As diferenças entre seres sociais, como entre classes sociais, são assim reconduzidas à capacidade de se apropriar de bens, isto é, de se apropriar deles de maneira conforme e legítima. Esquecemos que "as diferenças culturais não são redutíveis às desigualdades de possessão ou de competências, mas se revelam também, e sobretudo, nas apropriações sociais plurais (notadamente legítimas ou não legítimas) dos mesmos objetos" (Lahire, 1991, p. 8). No domínio do aprendizado escolar, acontece-nos evocar "processos individuais e sociais que permitem, favorecem, ou, pelo contrário, entravam a apropriação dos saberes pelos alunos pertencentes a diferentes meios sociais" (Bautier; Rochex, 1997, p. 108). Tudo se passa como se existisse somente uma maneira de se apropriar dos saberes e não se concebe que existam apropriações diferenciadas11 11 Os autores concordariam sem dúvida nesse sentido, assim como admitiriam que uma das causas das diferenciações sociais nos aprendizados residiriam nas diferentes modalidades de apropriação dos saberes escolares, o que poderia conduzir a pesquisas sobre as modalidades de apropriação dos saberes e das atividades escolares e a perguntar a partir de quais saberes (e de quais lógicas) os alunos se apropriam dos saberes escolares. . Nos dois casos, esquecemo-nos de que um mesmo objeto ou uma mesma situação podem assumir um sentido diferente de acordo com os indivíduos ou os grupos, podendo, assim, ser objeto de apropriações diferentes.

Dentro de tais perspectivas, os membros das classes populares são primeiramente apreendidos em suas dificuldades ou incapacidade de se apropriar dos bens ou situações dominantes. Se a noção de apropriação possui a virtude de compreender as práticas populares com relação à escola e às instituições de socialização, é com a condição de considerá-la como uma apropriação que é ao mesmo tempo uma interpretação ou uma tradução, sendo que as famílias populares, pai e filhos, apropriam-se da escola a partir das lógicas originadas de sua socialização e condições de existência. Citamos Michel de Certeau (1990) que insiste na importância de analisar as "mil maneiras de entrar ou não entrar no jogo do outro, isto é, no espaço instituído por outros, caracterizando a atividade sutil, tenaz e resistente de grupos que, por falta de possuírem seu próprio jogo, devem se resolver numa rede de forças e de representações estabelecidas. É preciso "fazer com" (p. 36). O autor incita a trabalhar neste sentido, invocando a existência de "estratégias" ou "táticas de praticantes" mesmo onde a dominação parece total e sublinhando que "deve haver lógicas destas práticas" (p. XL). Essas práticas colocam em jogo uma ratio "popular", uma maneira de pensar investida numa maneira de agir, uma arte de combinar indissociável de uma arte de utilizar (p. XLI)12 12 Ele evoca o exemplo dos indigenas da América confrontados com a dominação espanhola e cristã: "Há muito tempo que estudamos, por exemplo, que equívoco que corroia o interior do 'sucesso' dos colonizadores espanhóis junto das etnias indígenas: submissos e mesmo, coniventes, estes índios frequentemente faziam dos atos rituais, das representações ou das leis que lhes eram impostas uma coisa diferente daquela que o conquistador acreditava obter por meio deles; eles os subvertiam, não apenas rejeitando-os ou transformando-os, mas pelo seu modo de utilizá-los para fins e em função de referências estrangeiras ao sistema do qual não podiam escapar. Eles eram outros que, no próprio interior da colonização, os 'assimilava exteriormente'". (p. XXXVIII). Ler também Gruzinski, 1988. . O historiador Roger Chartier (1993) adota o mesmo sentido quando sublinha que "as culturas populares" são, pois, submissas, dependentes, sem que por isso sejam niveladas e incapazes de apropriações. Essas capacidades de apropriação podem ir da aceitação (com relação à qual mantêm uma distância) à defesa ou à rebelião definida no interior, organizada a partir da dependência. Assim entendida, a noção de apropriação permite descrever as maneiras pelas quais as famílias populares apreendem aquilo que a elas se impõe, no caso da escola e da escolarização. Coagidos a "fazer com" a escola e a escolarização de seus filhos, os pais se apropriam da situação escolar, das exigências educativas dos educadores, interpretando-as segundo uma lógica que lhes é própria. A apropriação pelas famílias do trabalho e do espaço escolar, dos pedidos ou injunções dos educadores, é uma reapropriação. Essa reapropriação induz a um desvio de sentido, a uma conversão das lógicas e das práticas escolares na ordem das lógicas populares e acontece de atos aparentemente mais escolares serem alterados a ponto de perderem sua validade pedagógica. No caso das famílias populares com relação à escola, as apropriações são mais frequentemente contrárias às lógicas escolares, quer dizer, às exigências da escola ou aos princípios educativos. Podemos qualificá-las como apropriações heterodoxas (Fossé-Poliak, 1992), noção que resolve a tensão entre autonomia e heteronomia das práticas populares, pois ela conjuga a tomada de consciência da dominação com a maneira como as lógicas das famílias populares intervêm nessa dominação. Muitas observações podem ser formuladas do que se refere às apropriações mais ou menos heterodoxas efetuadas pelas famílias populares em suas relações com a instituição escolar e seus agentes.

Essas apropriações não conformes, heterodoxas, estão na origem de numerosos "mal-entendidos" e dificuldades entre os educadores e os pais, sendo que estes "desnaturam", alterando frequentemente as lógicas da escola, as lógicas pedagógicas dos educadores, ao mesmo tempo em que tentam conformar-se com as exigências escolares. Os pais acreditam estar agindo bem, isto é, de acordo com as normas escolares e não admitem as críticas que lhes são dirigidas, sobretudo porque não compreendem porque suas adaptações aos conselhos ou às injunções dos educadores não produzem efeitos positivos esperados na escolaridade dos filhos. Os educadores se enganam algumas vezes, pensando ter obtido mutações das práticas familiares correspondentes a uma aproximação do modo escolar de socialização, quando na verdade elas lidam com reapropriações coerentes com o entendimento popular e não com princípios pedagógicos. Os pais tentam, às vezes, apropriar-se (à sua maneira) daquilo que os agentes de escolarização desejam lhes ensinar ou pedir, por isso os agentes acabam por acreditar na transformação das famílias, ficando decepcionados quando percebem que a apropriação operada pelos pais é contrária às exigências escolares.

A conjugação das reapropriações operadas pelos membros das famílias populares com as tentativas realizadas pelos educadores de conversão das famílias ao modo escolar de socialização (muitas vezes escudados pelos trabalhadores sociais) produz numerosas situações nas quais práticas e maneiras de fazer antagonistas se confrontam. Assim acontece com o uso do espaço escolar que constitui uma espécie de embate entre educadores e pais das famílias populares. São muitos os educadores que desejam uma presença maior dos pais na escola para, ao mesmo tempo, agir sobre eles e obter sua ajuda na ação pedagógica. Simultaneamente, eles encaram a dificuldade de impor aos pais um uso do espaço escolar de acordo com as regras escolares, sendo que muitos pais levam para o espaço escolar preocupações domésticas e práticas contrárias às lógicas socializadoras escolares. Trata-se particularmente do caso em os pais desejam eles próprios regulamentar, segundo modalidades muitas vezes contrárias às regras escolares, os conflitos entre crianças no interior do espaço escolar, práticas que questionam a autoridade dos educadores. Vemos nesse exemplo o ideal-típico de pais que, sistematicamente, fiscalizam seus filhos através das grades do pátio da escola durante o recreio, terminando um pai por sal-tar as grades para tomar a defesa de sua filha num conflito entre crianças. Da mesma forma, as atividades "peri-scolaires" (atividades complementares ao ensino escolar) são objeto de afrontamentos práticos entre os objetivos fixados pelos trabalhadores sociais e o sentido que os pais lhes atribuem. Assim, os trabalhadores sociais estabelecem ações de "ajuda aos deveres", com o fim de implantar uma ação educativa mais ampla nas crianças e obter dos pais a autorização para que seus filhos participem das atividades de animação. Observamos que muitos pais retiram seus filhos das atividades logo que a "ajuda aos deveres" é terminada ou quando as atividades de animação tomam a dianteira sobre a ajuda direta à escolaridade, significando que a atividade só tem sentido na sua utilidade escolar mais imediata.

As pesquisas mostram que a ação dos educadores com as famílias, para que elas se conformem ainda mais com as exigências escolares, se choca com suas posturas de distração polida ao ouvir discursos que nada mudam nas práticas ou, ainda, com a recusa da ingerência da ação pedagógica no espaço doméstico. Elas mostram, sobretudo, que as apropriações heterodoxas, como os limites que os pais tentam impor à ação escolar, operam como resistências objetivas relativamente às lógicas escolares. Falando de resistências "objetivas", sublinhamos que não se trata de uma vontade de resistência à escolarização por parte das famílias populares. No limite, poderíamos dizer que são as lógicas das famílias que resistem às lógicas escolares, mais do que as próprias famílias. Assim, as apropriações não con-formes, heterodoxas, constituem resistências às lógicas escolares, até mesmo na aceitação das exigências da instituição escolar. As resistências objetivas e as apropriações específicas exercem tanta pressão sobre os educadores que, muitas vezes, eles não podem executar as ações pedagógicas como desejariam, porque são obrigados a compor com as práticas familiares. Verificamos assim que as relações são sempre de interdependência13 13 O conceito de relações de interdependência é emprestado de Norbert Elias (1991). e que não existe situação onde os dominados não podem, por sua vez, exercer pressões sobre aquilo e aqueles que os dominam14 14 Elias (1985) nos ensina que não existe poder, mesmo absoluto, que não se exerça sem pressão sobre o seu detentor, também preso nas relações de interdependência. .

Para completar, é preciso acrescentar que as apropriações heterodoxas, assim como as resistências objetivas, não podem ser exaltadas15 15 Não é, de qualquer maneira, o papel do pesquisador em ciências sociais. , numa perspectiva populista, como uma espécie de vitória da razão popular sobre a dominação simbólica. De fato, elas contribuem para a estigmatização das famílias populares. Da mesma forma como Erving Goffman fala, a respeito dos doentes mentais, que seus atos de adaptação ou resistência contra a instituição hospitalar são inevitavelmente interpretados como sinais ou sintomas da patologia (Goffman, 1968), assim também todos os atos de recusa ou as apropriações não conformes das famílias são interpretados como sinais de não adaptação e de incapacidade para compreender a importância educativa da ação dos educadores16 16 Por exemplo, as recusas para saídas ou para classe no campo reforça a idéia nos educadores de que eles estão lidando com famílias voltadas para si mesmas, sem abertura, recusando-se a abrir-se, etc. . As apropriações não conformes da escolarização podem estar no princípio da exclusão do jogo escolar, que se impõe como um jogo incontornável no espaço social de nossos dias. Desse modo, analisar a pluralidade dos modos de apropriação e analisar as lógicas mesmo heterodoxas que presidem a essas apropriações não conduz a um relativismo axiológico, se observarmos que as diferentes modalidades de apropriação existem também no princípio das diferenças sociais e da dominação, sendo que todos os modos de apropriação não possuem a mesma legitimidade e os modos de apropriação mais dominados contribuem para a desqualificação daqueles que os executam.

Enfim, a noção de confronto, conjugado à noção de apropriação, não nos leva a concluir que as práticas das famílias populares como, aliás, as dos educadores, ficariam imutáveis no quadro desse confronto, como se as lógicas escolares e populares pudessem sair ilesas de seu encontro. A apropriação da escola pelas famílias populares, quando realizada a partir das lógicas populares, não contribui menos para inflectir suas práticas, por exemplo, tomando tempo para o trabalho escolar, mesmo se seu modo de intervenção não seja aquele esperado pelos educadores. Ao mesmo tempo, porque as lógicas escolares não podem impor-se sem levar em consideração as lógicas e apropriações, as práticas iniciais ou as resistências daqueles a quem se dirigem, a escola e seus agentes são levados a compor e a inflectir algumas de suas práticas, a ponto de produzir verdadeiras especificidades na tarefa de educador nos bairros populares (Thin, 1998). Por exemplo, os educadores podem levar em conta o modo de autoridade nas famílias ao comunicar os resultados escolares quando estes não são satisfatórios. Além disso, se o confronto é o lugar de uma tensão entre lógicas sociais diferentes ou divergentes, essa tensão pode tanto ser portadora de conflito como também pode se resolver em ajustamentos mútuos. Assim, numa pesquisa sobre dispositivos responsáveis por estudantes em rupturas escolares (Kherroubi; Millet; Thin, 2005), observamos que as famílias, primeiramente muito reticentes sobre essa responsabilidade, acabam (mais ou menos coagidas pelo impasse escolar e institucional em que seu filho se encontra) por participar dos encontros com os agentes dos dispositivos e por tentar, em consequência, modificar suas práticas. Vemos assim que o confronto, por meio das apropriações, é também socializador no sentido em que produz novas maneiras de fazer e reorganizar as relações de acordo com as novas modalidades. O confronto não coloca os indivíduos e suas lógicas intactas de costas uns para os outros, mas contribui para transformar as práticas (e, mais ou menos, as lógicas) de uns e de outros. Po-demos considerar que confronto e socialização se produzem num mesmo movimento ou que, mediante o confronto entre lógicas opostas, se realiza uma socialização, entendida como produção de relações e seres sociais.

Para concluir

A abordagem que desenvolvo a partir das relações entre famílias populares e escola pode ser, sem dúvida, estendida a outras relações entre membros das classes populares e instituições de socialização e enquadramento (nota-damente trabalho social, justiça e medicina) como mostram as pesquisas sobre rupturas escolares que atingem famílias populares muito precárias (Millet; Thin, 2005). Essa abordagem do confronto permite superar a aporia da alternativa entre uma imposição das lógicas institucionais e as lógicas dominantes, sem resistência de uma parte, e uma alteridade radical dos indivíduos e dos grupos que escapam às lógicas institucionais. Por um lado, a dominação simbólica encontra seu limite nas reapro-priações operadas na ordem das lógicas populares. Por outro lado e simultaneamente, a reapropriação é limitada porque acontece numa ligação de dominação que age de duas maneiras. Em primeiro lugar, as lógicas populares não são nem inteiramente puras nem autônomas, pois são trabalhadas pela dominação simbólica, pela qual os pais interiorizam a legitimidade do jogo escolar e as práticas escolares de aprendizagem. Dito de outra maneira, as práticas socializadoras das famílias populares lhes são indissociavelmente próprias, específicas e dominadas na sua execução pelo modo de socialização dominante. Além disso, a dominação passa pela interiorização parcial das normas educativas dominantes, a qual se realiza ao preço duplo de uma reinterpretação dessas normas e da percepção da defasagem que existe entre as práticas socializadoras da família e as exigências escolares. Em seguida, quando as práticas dos pais se afastam demasiadamente das lógicas escolares de aprendizado, as famílias se expõem a sanções mais ou menos simbólicas, que atingem as crianças sob a forma de sanções escolares e os pais sob a forma de questionamento de suas práticas pela instituição escolar e, às vezes, de tomada de responsabilidades secundárias pelo trabalho social ou a justiça.

A meu ver, a questão das apropriações do modo escolar de socialização segundo as modalidades próprias às classes populares é crucial para que se compreenda as relações entre escola e famílias populares, sem cair nas aporias conexas que consistem em pensar na dominação sem autonomia e na autonomia sem dominação, na resistência esclarecida onde há adaptação ou na submissão onde ela mascara o desvio das lógicas dominantes. Dito de outra maneira, é necessário apreender as lógicas populares no próprio interior das relações de dominação. É provável, aliás, que em formações sociais como a nossa, nas quais existe uma "forte unificação dos mercados econômico e simbólico", para retomar a expressão de Pierre Bourdieu (1979), as lógicas das classes populares só possam ser apreendidas na sua relação com as lógicas dominantes e por intermédio de suas práticas de apropriação e reinterpretação pelos membros das classes populares. Para compreender as práticas das famílias populares com relação à escola e partindo das relações entre as famílias e os educadores, torna-se necessário apreender como os membros das famílias populares tentam entrar no jogo escolar, tentam adaptar-se à situação que a eles se impõe no quadro de suas próprias lógicas.

Cabe ao trabalho do sociólogo afastar as lógicas dos dominados da percepção dominante, esclarecer as lógicas inscritas nas práticas das famílias, no comportamento das crianças, sua ligação com a escola, etc., lógicas que se enraízam em suas condições sociais de existência, na sua história e na relação entre instituição escolar e o mundo popular. Longe de ceder ao miserabilismo, que situa as dificuldades da escolarização nos bairros populares na au

Correspndência:

Daniel Thin

24 rue Pierre Curie

69500 Bron - France

e-mail: daniel.tn@univ-lyon2.fr

Recebido em 13.05.09

Aprovado em 09.07.09

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  • *
    Tradução de Marcia Vinci de Moraes.
  • 1
    Dessa maneira, minhas pesquisas longe de se restringirem a uma sociologia da escola, vão ao encontro dos debates sociológicos a propósito das culturas populares.
  • 2
    Questão temível porque, indubitavelmente, mais do que em qualquer outro objeto, ela se arrisca a encontrar uma resposta diferente de acordo com a relação do pesquisador com as classes populares e com as instituiçõess de socialização e enquadramento. Sabemos que é tentador para o sociólogo cair numa forma de populismo que exalta as culturas e as práticas populares ou no seu espelho, o miserabilismo, que lamenta as carências (culturais, sociais...) das classes populares, sejam elas julgadas como vítimas ou como responsáveis.
  • 3
    "Aqueles que acreditam na existência de uma 'cultura popular', verdadeira aliança de palavras através da qual se impõe, quer queiramos ou não, a definição dominante da cultura devem esperar encontrar nela, se olharem de perto, apenas fragmentos esparsos de uma cultura sábia mais ou menos antiga" (Bourdieu, 1979).
  • 4
    Como se encontra no trabalho sobre as práticas familiares nos cuidados com as crianças (Boltanski, 1969).
  • 5
    O que é, aliás, contraditório com a afirmação de mercados livres nos quais os membros das classes populares seriam liberados da dominação (por estarem entre eles e ao abrigo do olhar dos dominantes) e poderiam se entregar às suas próprias formas de agir, falar, ser etc.
  • 6
    Proposição que pode ser aproximada da seguinte: "a adaptação a uma posição dominada implica numa forma de aceitação da dominação" Bourdieu (1979). O mesmo autor confere, aliás, uma precisão importante a esta perspectiva, sublinhando que "se é bom lembrar que os dominados contribuem sempre para a sua própria dominação, é preciso lembrar também que as disposições que os levam a esta cumplicidade são, da mesma forma, o efeito incorporado da dominação" (1979, p. 12).
  • 7
    "Os costumes ou interesses não podem, não menos que os motivos de aliança estritamente afetivos ou estritamente racionais em valor, estabelecer os fundamentos seguros de uma dominação. Um fator decisivo mais amplo lhe é acrescentado normalmente: a crença na legitimidade". (Weber, 1971, p. 220)
  • 8
    Partindo "do direito imprescritível ao simbolismo que a tese weberiana confere a todo grupo social, tese segundo a qual toda condição social é ao mesmo tempo o lugar e o princípio de uma organização da percepção do mundo em um 'cosmos de ligações dotadas de sentido'". (Grignon; Passeron, 1989, p. 21)
  • 9
    Numerosos trabalhos mostram a existência de lógicas próprias aos seres sociais dominados: Gruel, 1985; Bourgois, 1992; Hoggart, 1988.
  • 10
    A análise das lógicas socializadoras encontra as proposições de Basil Bernstein (1975) à propósito dos tipos de famílias e de socialização.
  • 11
    Os autores concordariam sem dúvida nesse sentido, assim como admitiriam que uma das causas das diferenciações sociais nos aprendizados residiriam nas diferentes modalidades de apropriação dos saberes escolares, o que poderia conduzir a pesquisas sobre as modalidades de apropriação dos saberes e das atividades escolares e a perguntar a partir de quais saberes (e de quais lógicas) os alunos se apropriam dos saberes escolares.
  • 12
    Ele evoca o exemplo dos indigenas da América confrontados com a dominação espanhola e cristã: "Há muito tempo que estudamos, por exemplo, que equívoco que corroia o interior do 'sucesso' dos colonizadores espanhóis junto das etnias indígenas: submissos e mesmo, coniventes, estes índios frequentemente faziam dos atos rituais, das representações ou das leis que lhes eram impostas uma coisa diferente daquela que o conquistador acreditava obter por meio deles; eles os subvertiam, não apenas rejeitando-os ou transformando-os, mas pelo seu modo de utilizá-los para fins e em função de referências estrangeiras ao sistema do qual não podiam escapar. Eles eram outros que, no próprio interior da colonização, os 'assimilava exteriormente'". (p. XXXVIII). Ler também Gruzinski, 1988.
  • 13
    O conceito de relações de interdependência é emprestado de Norbert Elias (1991).
  • 14
    Elias (1985) nos ensina que não existe poder, mesmo absoluto, que não se exerça sem pressão sobre o seu detentor, também preso nas relações de interdependência.
  • 15
    Não é, de qualquer maneira, o papel do pesquisador em ciências sociais.
  • 16
    Por exemplo, as recusas para saídas ou para classe no campo reforça a idéia nos educadores de que eles estão lidando com famílias voltadas para si mesmas, sem abertura, recusando-se a abrir-se, etc.
  • 17
    "Dito de outra maneira, o relativismo cultural ao qual conduz a definição enumerativa da cultura não pode confundir-se, em seu uso propriamente etnológico, com o relativismo axiológico dos moralistas céticos que, desde os Pirronianos até Montaigne e de Pascal a Sade só o usaram para desvalorizar toda descrição ordenada da hierarquia dos valores que se estabelece nas representações e nos usos sociais de sua própria sociedade" (Passeron, 1991, p. 323).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      13 Maio 2009
    • Aceito
      09 Jul 2009
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