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10 anos de Educação e Pesquisa

EDITORIAL

10 anos de Educação e Pesquisa

Lúcia Emilia Nuevo Bruno ; Teresa Cristina Rego

editoras

Essa é uma edição especial de EDUCAÇÃO e PESQUISA que tem o propósito de comemorar os dez anos de circulação do periódico na forma como hoje se encontra. Como outros ritos de passagem, os aniversários são marcadores culturais que, simbolicamente, costumam estimular balanços e avaliações, bem como impulsionar o planejamento de novos projetos. Não recusaremos essa tarefa.

Embora a revista exista desde dezembro de 1975 (com o titulo Revista da Faculdade de Educação), foi nesses últimos anos - mais precisamente a partir de 1999, tendo a professora Belmira Amélia de Barros Oliveira Bueno como editora - que a publicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP - iniciou uma nova etapa, conseguindo, nos anos seguintes, consolidar-se como uma das principais publicações no cenário da produção científica educacional do país. Portanto, é essa etapa que celebramos com esta edição. Esse percurso assim como as conquistas mais recentes só foram possíveis graças ao empenho e à dedicação de todos aqueles que se envolveram, ao longo dos anos, na fundação e no desenvolvimento desta publicação: seus sucessivos editores, membros da comissão editorial, diretores dessa faculdade e funcionários da revista.

Nesses 35 anos de sua existência, a EDUCAÇÃO e PESQUISA conviveu com transformações sociais, políticas, culturais e econômicas substantivas que envolveram toda a sociedade. Da mesma forma, teve que enfrentar as mudanças ocorridas na realidade educacional brasileira, o que afetou as universidades e o cenário das publicações cientificas. Nesse aspecto, há o que ser celebrado, mas também há muito para se problematizar. Nessa perspectiva, os conteúdos publicados e as formas de funcionamento da revista ao longo desses anos refletem traços dessas transformações e testemunham o ritmo e as proporções que adquiriram, assim como os desafios que lhe são colocados.

Do ponto de vista interno, nesse largo período, a revista atravessou sua infância e juventude e, depois de muito aprendizado, chegou à vida adulta, particularmente nesta ultima década. A professora Marília Pinto de Carvalho foi a segunda editora nessa nova fase, substituída ao final de seu mandato pela professora Lúcia Emilia Nuevo Bruno que, em 2009, passou a dividir essa atribuição com a professora Teresa Cristina Rego. Embora tenha passado por diferentes fases e orientações, a revista manteve seu compromisso original de ser um periódico sensível e aberto a toda investigação e reflexão de qualidade produzida no âmbito acadêmico, sem restrições a tendências teórico-metodológicas. Manteve assim seu propósito de servir como um veículo privilegiado para a divulgação de artigos inéditos na área de educação, em especial resultados de pesquisa de caráter teórico ou empírico, revisões da literatura de pesquisa educacional e reflexões críticas sobre experiências pedagógicas.

O espírito acadêmico que valoriza a pluralidade e a abertura a novas e diferentes visões permanece como em outras épocas, mas temos consciência que a revista da Faculdade cresceu e adquiriu novos contornos, assim como a própria Faculdade de Educação (também em fase de comemoração, já que completou recentemente seus 40 anos de existência).

Apesar das dificuldades inerentes a um tipo de publicação dessa natureza e porte, na última década, importantes conquistas foram efetivadas. Ao longo desse período, além de ganhar periodicidade quadrimestral com pontualidade nos lançamentos, ser totalmente repaginada, alcançar maior independência financeira relativamente à FEUSP (hoje boa parte dos custos de publicação é financiada por órgãos públicos de apoio à pesquisa científica), a revista conquistou todos os requisitos básicos que a qualificam como periódico científico de alto nível: atende às mais rigorosas normas de edição; tem distribuição internacional, vendas avulsas em livrarias, serviços de assinaturas e permutas entre bibliotecas; é editada simultaneamente em versão impressa e eletrônica; é indexada (online) em importantes portais de busca e bases de dados do país e do exterior (Qualis/Capes, Scielo, Scopus, RedAlyc, Iresie, Psicodoc, Latindex, Sociological Abstracts, ERA, Doaj, Aera Sig, Edubase e SiBi/USP); recebe para publicação trabalhos desenvolvidos em instituição de pesquisas de todo o país e também estrangeiras; é administrada por uma comissão permanente de editores; acompanhada por um conselho editorial independente, com qualificação internacional; e conta com a colaboração sistemática de um corpo numeroso e diversificado de pareceristas ad hoc. Como expressão do reconhecimento da comunidade cientifica, recebeu sempre a pontuação máxima (A1) nas avaliações feitas pela Qualis/Capes, credibilizando-a como uma das melhores publicações da área da educação dentre os periódicos nacionais e estrangeiros.

São indicadores que poderiam envaidecer qualquer corpo editorial, mas, na verdade, nos impõe grandes desafios pela frente. O primeiro está relacionado ao expressivo número de artigos enviados espontaneamente a revista e, consequentemente, ao aumento do volume de trabalho que envolve todo o processo de avaliação e publicação dos textos.

Para enfrentar tal desafio, temos desenvolvido um conjunto de ações com a intenção de minimizar atrasos no processo de avaliação dos artigos, bem como para coordenar de modo adequado todo o fluxo de trabalho. Nesse sentido, foram feitas melhorias na infraestrutura de trabalho, a comissão editorial ganhou mais um membro e um amplo banco de pareceristas ad hoc foi consolidado. Além disso, no início de 2009, foram criadas as funçôes de gerente editorial (hoje exercida por Wilson Gambeta) e coeditor, como já referido, para que mais pessoas pudessem dividir a responsabilidade pela coordenação editorial do periódico bem como o trabalho de acompanhamento das rotinas de preparação da revista. Para agilizar todo o processo de submissão e avaliação dos artigos, optou-se recentemente (desde fevereiro de 2010) pela adoção do sistema eletrônico Submission da SciElo. Para isso, foi desenvolvida, dentro da SciElo, uma página para submissão de textos e um cadastro abrangente e detalhado de pareceristas ad hoc.

No entanto, existem outros desafios impostos a esta nova fase da EDUCAÇÃO e PESQUISA, que deverão ser enfrentados a médio e a longo prazo, dentre os quais se destacam um maior esforço para a inserção do periódico no cenário internacional e a busca crescente de contribuições sempre originais e instigantes tanto nacionais quanto estrangeiras. Para isso, nossa meta é, quanto ao primeiro desafio, conseguir verter para o inglês a totalidade dos artigos publicados em cada número (hoje é apenas cerca de 30%). Quanto ao segundo, além de estimular a participação mais ativa de autores estrangeiros (com artigos originais e traduções de textos clássicos não divulgados no Brasil), pretende-se a adotar uma política editorial que equilibre a publicação de originais espontaneamente enviados por investigadores, com a publicação de textos originários de demandas dirigidas (que não deixarão de ser rigorosamente avaliados). Planejadas e divulgadas com antecedência, as demandas dirigidas procurarão reunir artigos relevantes em tor-no de um tema central de fundo, escolhido pela comissão editorial entre aqueles que despertam maior interesse e indagações na comunidade científica e entre os educadores em geral.

O presente número comemorativo organizado pelas duas editoras reflete em certa medida esta postura pró-ativa que a Comissão Editorial da revista EDUCAÇÃO e PESQUISA está disposta a assumir. Como primeira experiência, assumimos a responsabilidade de realizar este número e trabalhar com artigos encomendados e não propriamente com demanda dirigida, como é a nossa proposta para os números que virão. No entanto, é importante salientar que seguimos todos os procedimentos já estabelecidos em nosso cotidiano de trabalho, isto é, todos os artigos aqui publicados foram submetidos a pareceristas, apesar da excelência dos textos recebidos e da notoriedade dos autores. Não se trata de mera repetição de rituais burocráticos, mas da convicção de que mesmo autores e textos considerados pela comissão editorial de excepcional qualidade devem seguir para avaliação dos pares, pois há sempre algo a ser questionado, acrescentado, eliminado ou detalhado. Além disso, nem sempre o consagrado na mídia acadêmica nacional e internacional está imune a fragilidades teóricas, inconsistências analíticas e explicações pouco esclarecedoras de suas ideias e objetivos.

O texto que abre esse numero especial, elaborado pelas atuais diretora e vice-deiretora da Faculdade de Educação, professoras Sonia Teresinha de sousa Penin e Maria Cecilia Cortez Christiano de Souza, apresenta um balanço dos 40 anos de aniversário da FEUSP, dos 35 anos da Revista da Faculdade de Educação e dos 10 anos da revista Educação e Pesquisa.

Quanto à temática, optamos por um tema bastante amplo, qual seja, Educação na contemporaneidade: desafios, dificuldades e perspectivas teóricas, o que nos permitiu compor um quadro amplo, embora não exaustivo das questões hoje em debate.

Procuramos organizar uma coletânea de artigos produzidos por especialistas de diversas áreas, com o objetivo de oferecer ao leitor um balanço de algumas produções acadêmicas que auxilie o examine de diferentes aspectos da educação no mundo contemporâneo. Pretendeu-se, assim, reunir trabalhos com recortes bastante diversos entre si, produzidos por pesquisadores de diferentes nacionalidades, perspectivas teórico-metodológicas e interesses de pesquisa.

Esses artigos foram agrupados em três grandes campos de estudo, cujas contribuições ao lado da filosofia, da história, da antropologia e da economia nos parecem fundamentais para a compreensão e a problematização da realidade educacional no mundo atual. Referimonos à ciência política, à sociologia e à psicologia, aqui contempladas por meio de artigos de autores com trabalhos de reconhecido valor no Brasil e no exterior e sobre os quais tecemos alguns comentários a seguir.

O primeiro, Ciência Política e Educação, compõe-se de três artigos que trazem para o público brasileiro uma amostra da produção acadêmica alemã que, embora sólida e muito instigante, é pouco divulgada no Brasil. O primeiro deles é de autoria de Karin Amos, professora e pesquisadora da Universidade de Tübingen e membro destacado da Associação Mundial de Educação Comparada. Seu artigo, Governança e governamentalidade: relação e relevância de dois conceitos científico-sociais proeminentes na educação comparada, enfoca dois conceitos que podem ser utilizados como ferramentas de análise para estudar as transformações em curso na esfera da educação, especialmente na relação entre os Estados Nacionais e "seus" sistemas educacionais. Trata-se dos conceitos de governança e de governamentabilidade. O primeiro, "governança", segundo a autora, está mais relacionado a aspectos técnicos: ou seja, a instrumentos, procedimentos e atores, além de suas constelações e formas de cooperação. Direciona a pesquisa para questões como: quem oferece serviços educacionais, qual é a relação entre ensino público e privado, entre outras, e mostra-se extremamente útil na investigação da relação entre os diversos níveis de análise (nacional, internacional etc.), mostrando-se particularmente importante para a compreensão teórica adequada do papel das organizações internacionais na formulação de políticas educacionais. "Governamentabilidade", por sua vez, apesar de compartilhar muitas características com governança, é um conceito foucaultiano relativo à geração de subjetividades distintas por meio de técnicas e modos de regulação e conduta em sentido lato. Assim, governabilidade inclui investigações do nexo tipicamente foucaultiano conhecimento/poder. A autora considera ambas as perspectivas em conjunto para discutir suas implicações para a educação comparada na socie-dade contemporânea.

O artigo de Marcelo Parreira do Amaral, pesquisador vinculado à Universidade de Tübingen, intitulado Política pública educacional e sua dimensão internacional: abordagens teóricas, discute as políticas públicas de educação, argumentando que as atividades dos agentes internacionais nesse campo não podem ser compreendidas exclusivamente a partir da perspectiva nacional. Tendo em vista melhor conceituar teoricamente a dimensão internacional das políticas educacionais, o autor apresenta três abordagens teóricas: a do neoinstitucionalismo/isomorfia, a formulação centrada no conceito de externalização e a teoria do regime internacional, mostrando suas contribuições e seus limites. Ao final do artigo, o autor desenvolve sua análise da política internacional da educação a partir da teoria do regime.

O artigo de Franz-Olaf-Ratke, professor e pesquisador da Universidade Johann Wolfgang Goethe, Alemanha, cujo título é Educação na Constelação Pós-Nacional: o enfraquecimento da legitimação e do controle democrático, "expertocrático" e ético-profissional, aborda as transformações que estão a ocorrer nos sistemas educacionais, focalizando as ações da União Européia e da OCDE como atores importantes no sistema mundial. Argumenta o autor que essas transformações implicam em uma tripla "economização" das políticas de educação que se podem observar em todos os níveis do setor educacional. Esse processo não se restringe à subordinação da educação às necessidades da economia e tampouco à transformação dos serviços educacionais em bens comercializáveis, antes, incide sobre a dimensão operacional da educação. A lógica da produção é imposta na autodescrição realizada pelas instituições do sistema educacional, que deixaram de ser estabelecimentos burocraticamente administrados para serem concebidos como agentes de uma atividade comercial gerencialmente controlada, na qual a ação empresarial se faz necessária. Essa nova forma de governança coloca em pauta a questão da legitimação democrática das decisões políticas que combinaria idealmente os três elementos acima referidos: o democrático, o "expertocrático" e a ética profissional. A referência do autor é a situação alemã.

Trata-se, portanto, de artigos que abordam questões relacionadas com a organização dos sistemas educacionais com a racionalidade que a orienta, recolocando a relação entre sistemas de educação e Estados Nacionais, entre outras, evidenciando que a educação há muito deixou de ser tratada como uma questão nacional e passou a ser pensada em um nível que poderíamos denominar de transnacional. Esse processo tem implicações de grande alcance que, no momento, apenas começamos a vislumbrar e problematizar.

O segundo campo de estudo aqui explorado é o da Sociologia da Educação, com a apresentação de três artigos, cujas contribuições passamos a expôr. O primeiro de Daniel Thin, professor da Universidade Lumière de Lyon 2, intitula-se Famílias populares e instituições escolares: entre autonomia e heteronomia. O autor analisa alguns problemas teóricos relativos ao estudo das relações entre famílias populares e escola, abordando as relações dessas populações com as instituições e com a realidade social dominante. Explora as possibilidades de se superar a dicotomia estabelecida entre uma perspectiva estritamente legitimista que tende a reduzir as classes populares e suas práticas a uma relação que as aliena numa relação heterônoma e a perspectiva relativista tão presente hoje nas ciências sociais, que as considera dentro de uma alteridade radical (autonomia), ocultando as relações sociais de dominação nas quais estão inseridas. O autor insiste na ambivalência das lógicas e práticas das famílias populares e essa talvez seja a maior contribuição deste artigo.

O texto seguinte é de autoria de Danillo Martucelli, professor da Universidade de Lille 3, e de Kathya Araújo, da Universidad Academia de Humanismo Cristiano, e tem como título La individuación y el trabajo de los individuos. O ponto de partida dos autores é o reconhecimento da importância crescente do indivíduo para a compreensão das sociedades no momento atual. Ao mesmo tempo, discutem certos impasses decorrentes do fato de se privilegiar, como estratégia para tal, a socialização ou a subjetivação. Os autores formulam uma série de críticas a essas duas vias e apresentam outras posibilidades em que é possível, a partir da individuação, dar conta, por um lado, na escala individual, dos traços principais de uma dada sociedade e, ao mesmo tempo, analisar concretamente as maneiras como nesse marco, os individuos são capazes de se construir como sujeitos.

Finalizando esse campo de estudo está o artigo de autoria de Marília Spósito, professora da Universidade de São Paulo e intitula-se Transversalidades no estudo sobre jovens no Brasil: educação, ação coletiva e cultural. Nele, a autora "examina as possibilidades de análise das ações coletivas de jovens, particularmente aquelas que derivam de práticas culturais no interior de uma perspectiva que procura resgatar orientações do pensamento sociológico brasileiro, que recusa uma segmentação estanque dos campos de estudo". A partir do balanço realizado pela autora acerca da produção discente na Pós-Graduação nas Ciências Sociais, Educação e Serviço Social, são delineados "novos desafios para a pesquisa sobre jovens e suas práticas coletivas". De acordo com Sposito "a compreensão adensada das presenças diversificadas dos jovens nos espaços públicos em seus coletivos, remete a uma necessária transversalidade que demanda não desconsiderar na análise outras dimensões da experiência juvenil", tais como as transformações decorrentes da intensa expansão dos sistemas de ensino nas últimas décadas no Brasil; as novas configurações do mundo do trabalho; e as formas de apropriação do espaço urbano.

O terceiro campo de estudo aqui contemplado, Psicologia e Educação, é aberto pelo texto de autoria das professores Marta Khol de Oliveira e Teresa Cristina Rego, ambas da Universidade de São Paulo, e intitula-se Contribuições da perspectiva histórico-cultural de Luria para a pesquisa contemporânea. Trata-se de um ensaio no qual as autoras exploram "a fecundidade dos postulados de Alexander Romanovich Luria para a pesquisa contemporânea. Especificamente, buscam explicitar o vigor das premissas, das ideias e dos procedimentos investigativos adotados pelo autor em seus estudos sobre os processos mentais em sua relação com a cultura ao longo de quase seis décadas de atividade. As contribuições da abordagem luriana são ilustradas por meio da apresentação de algumas de suas pesquisas realizadas ao longo do século passado". Segundo as autoras, essa abordagem de investigação do desenvolvimento humano permite "compreender os fenômenos em sua complexidade, da mesma forma que evidencia a necessidade de criação de instrumentos e procedimentos de pesquisa capazes de assegurar essa compreensão, assim como o papel ativo do pesquisador na formulação de perguntas e na condução das pesquisas empíricas. A apresentação e análise de traços representativos dos diversos temas explorados pelo autor revelam um pesquisador obstinado em compreender o complexo processo de constituição humana por meio da fecunda combinação de investigações sobre o enraizamento biológico do funcionamento psicológico e sobre a constituição histórica do psiquismo humano".

O artigo que se segue, apresentado durante a Second International Interdisciplinary Conference on Perspectives and Limits of Dialogism in Mikhail Bakhtin, Estocolmo, Suécia, de 3 a 5 de junho de 2009, intitula-se Texto e dialogismo no estudo da memória coletiva e é de autoria de James Wertsch, professor e pesquisador da Washington University de St Louis. Segundo o autor, "as ideias bakhtinianas sobre texto e dialogismo oferecem ferramentas importantes para trazer ordem ao caótico e fragmentado campo dos estudos da memória coletiva". Embora, como admite Wertsch, "a definição de memória coletiva neste momento ainda esteja por ser resolvida, é possível obter alguma compreensão do espectro de opções, situando-se as discussões em termos do contraste entre versões fortes e distribuídas da memória coletiva. Tendo por base a noção de mediação semiótica e as afirmações a ela relacionadas sobre uma versão distribuída da memória coletiva, o autor invoca a noção bakhtiniana de texto dialogicamente organizado. O fato de que o "sistema da linguagem" concebido por Bakhtin inclui as orientações dialógicas do diálogo coletivo, generalizado assim como os elementos gramaticais padrão, significa que ele introduz um elemento essencial de dinamismo na memória coletiva". A grande contribuição dessa abordagem é evidenciar a dimensão política da memória coletiva conferida por esse dinamismo, evidenciado por Bakhtin.

O terceiro artigo, Criar uma idiocultura para promover o desenvolvimento de crianças com paralisia cerebral, é de autoria de Michael Cole, professor da Universidade da Califórnia, Lucia Willadino Braga neurocientista, presidente e diretora da rede Sarah de Hospitais de Neurorreabilitação de Brasília, e Luciana Rossi, mestre em Ciências da Reabilitação e psicóloga, coordenadora do Programa de Neurorreabilitação em Pediatria da institui

ção acima referida. O texto apresenta "os resultados preliminares da adaptação de um sistema educacional chamado Quinta Dimensão, no qual a interação social é um meio para a generalização da informação e base para o desenvolvimento de habilidades. Foi criado originalmente por Michael Cole no Laboratório de Cognição Humana Comparada da Universidade da Califórnia em San Diego e, pela primeira vez, é aplicado em um contexto de reabilitação com crianças com lesão cerebral na Rede SARAH de Neurorreabilitação de Brasília. Alunos de graduação em psicologia e pedagogia participam do programa e interagem de maneira lúdica e educativa com crianças com paralisia cerebral. Ambos são envolvidos em atividades de aprendizagem colaborativa. Na interação com a criança, os alunos são encorajados a colocar em prática conceitos teóricos formais sobre desenvolvimento infantil e, também, vivências individuais". Nesse artigo, são descritas as adaptações feitas no programa original, para ajustá-lo ao contexto de reabilitação, e modificações nos artefatos mediadoras da atividade, necessárias para a interação e expressão da criança com paralisia cerebral. Também são discutidos e apresentados os efeitos da atividade sobre o desenvolvimento da criança

- as partir do relato dos pais - e a aprendizagem do aluno de graduação. O programa abre caminhos alternativos para a reflexão e educação da criança com lesão cerebral, baseado em desenvolvimento da potencialidade, contexto e interesses individuais.

Este número apresenta ainda ao leitor uma entrevista e uma tradução de texto inédito no Brasil. A entrevista foi realizada pelas editoras da EDUCAÇÃO e PESQUISA com Bernard Charlot. Na ocasião, o professor e pesquisador francês analisa sua experiência profissional na Tunísia, na França e no Brasil, onde vive atualmente. Com perspicácia e doses de humor, traz reflexões importantes sobre as condições da investigação científica hoje, bem como novos desafios colocados aos educadores e estudiosos da educação.

A tradução apresentada ao leitor é de um artigo de Raewyn Connell, da Universidade de Sydney, intitulado Bons professores em um terreno perigoso: rumo a uma nova visão da qualidade e do profissionalismo dos professores. (Esse texto foi traduzido por Carlos Malferrari do original em inglês fornecido pela autora, a ser publicado em Critical Studies in Education, Sidney, Austrália)

Trata-se de uma reflexão acerca do que tem caracterizado o "bom professor" historicamente, assinalando o caráter controverso e aberto dessa questão. A autora, tendo como referência a Austrália, analisa os modelos existentes nesse país desde o período colonial até o momento em que as listas de competências dos docentes passam a predominar. Discute o modo pelo qual as autoridades responsáveis pelo registro e credenciamento de professores, em governos neoliberais, definem o "bom professor". Finalmente, a autora apresenta propostas para uma nova compreensão do conceito que define o profissional adequado para o exercício da docência, baseando-as no entendimento do processo de trabalho e da dinâmica ocupacional do ensino na estrutura intelectual dos estudos sobre Educação a na própria lógica da educação como um todo. Neste momento em que a formação de professores no Brasil ganha notável visibilidade no âmbito dos debates educacionais e das políticas públicas, esse texto nos parece extrema-mente oportuno.

Como o leitor poderá constatar, o conjunto de artigos publicados neste número apresenta uma significativa diversidade de temas, abordagens e enfoques relacionados ao campo da educação. Os autores aqui reunidos são expressivos representantes das novas tendências e perspectivas de estudo da educação na atualidade. Juntos examinam, sob diferentes olhares, temáticas candentes dos tempos atuais, estimulando a formação de uma visão pluralista e sensível aos desafios da contemporaneidade. EDUCAÇÃO e PESQUISA busca consolidar, mais uma vez, seu propósito de servir como instrumento para a disseminação de ideias e pesquisas na área educacional.

A publicação deste número não seria possível sem a dedicação e o envolvimento de muitas pessoas que colaboraram de diferentes maneiras para a sua concretização. Alguns colegas nos ajudaram na indicação e no contato com os professores estrangeiros que figuram neste volume, dentre elas, as professoras Ana Luiza Bustamente Smolka, Marta Kohl de Oliveira, Marilia Pontes Sposito, Marilia Pinto de Carvalho, Maria da Graça J. Setton, assim como Marcelo Parreira do Amaral que, da Alemanha, nos colocou em contato com professores e pesquisadores do campo educacional e gentilmente traduziu para o inglês os artigos de Karin Amos e de Franz-Olaf Ratke. Outros, os pareceristas ad hoc, contribuíram avaliando de modo rigoroso e exigente a qualidade de cada um dos artigos deste volume. A eles, nossos agradecimentos. Da mesma forma, incluímos aqui os tradutores, os revisores, os membros da comissão editorial, professoras Denise Trento Rebello de Souza e Martha Marandino e os professores Valdir Heitor Barzotto e Pedro Roberto Jacobi, este até recentemente membro da comissão editorial, que durante todo o ano de preparação deste número nos apoiaram substantivamente. Nossos agradecimentos se estendem igualmente aos funcionários da revista Rosangela Borges de Oliveira, secretária, e Wilson Roberto Gambeta, gerente editorial. Por fim, agradecemos de modo especial a Profa. Sonia Teresinha de Sousa Penin que, durante seu mandato como diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, não poupou esforços para garantir todo o apoio institucional necessário para enfrentarmos os novos desafios que nos têm sido colocados nos últimos anos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Abr 2010
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