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EDITORIAL

Em continuidade às transformações pelas quais passa Educação e Pesquisa nos últimos meses, a Comissão Editorial decidiu propor uma seção temática a ser publicada em abril de 2011 (v. 37, n. 1): A Educação Infantil frente aos desafios colocados pela extensão do Ensino Fundamental para nove anos. Estamos entusiasmados com a perspectiva de trazer para debate tema tão candente que perpassa a história da escolarização no país, o reconhecimento dos direitos da criança, a inclusão e os desafios pedagógicos oriundos do confronto entre inovações educativas e modelos praticados.

Este número da revista reúne um conjunto de artigos interessantes que certamente levarão os leitores a aprofundar e problematizar questões referentes à formação docente, à leitura e escrita, às relações entre democracia e educação e à reflexão sobre as implicações de aspectos filosóficos e sociológicos no campo educacional.

Os dois primeiros artigos trazem reflexões instigantes sobre a prática docente a partir de pesquisas empíricas de enfoque etnográfico, realizadas na região Norte do Brasil, no estado do Pará e Rondônia, respectivamente. Inserem-se em uma vertente de pesquisa que tem crescido nos últimos anos em várias áreas relacionadas ao ensino que destaca a importância de nos voltarmos para o estudo das práticas efetivas de ensino-aprendizagem. Em A escrita nas formas do trabalho docente, Sandoval Nonato Gomes-Santos apresenta estudo que se "propõe descrever e analisar práticas escolares em que a escrita é objeto de ensino, focalizando os modos com que ela se constitui especificamente nas formas do trabalho docente". O autor oferece algumas sínteses do pensamento atual sobre linguagem e ensino para sugerir outros ângulos de observação e reflexão sobre a prática docente no ensino da língua portuguesa, destacando aí a circulação do discurso de professores e alunos em sala de aula. Seus estudos o levam a conceber o letramento escolar como "constitutivamente complexo e múltiplo".

Também abordando o trabalho docente e as práticas efetivas de ensino da língua materna, Marli Lúcia Tonatto Zibetti e Marilene Proença Rebello de Souza oferecem, em A dimensão criadora no trabalho docente: subsídios para a formação de professores alfabetizadores, reflexões a partir da analise de duas cenas reconstruídas com base nas observações em sala de aula de uma professora alfabetizadora. Partindo do conceito de saberes docentes, as autoras contribuem para o campo da formação docente ao introduzirem o conceito vigotskiano de atividade criadora para a análise da atividade docente. Como se afirma no artigo, "embora em vários momentos do trabalho pedagógico a utilização de saberes anteriormente construídos seja necessária à própria atividade cotidiana, há situações nas quais esses saberes se revelam insuficientes e desafiam os profissionais a encontrar outras alternativas. E como afirma Vigotsky (2003, p. 35-36), o fator determinante para o surgimento da atividade criadora é a necessidade".

Nesse processo de construção de alternativas, os alunos são aqueles que demandam e impulsionam alterações e ajustes no trabalho do professor. E o acompanhamento próximo do trabalho da professora possibilitou "compreender que há inúmeras possibilidades de condução do trabalho pedagógico e as razões que motivam as escolhas dos professores e das professoras estão fundamentadas em saberes construídos ao longo de suas experiências de formação e atuação. Por isso, as práticas pedagógicas precisam ser conhecidas e estudadas para que possamos compreendê-las mais do que avaliá-las".

Em Formação de educadores: uma perspectiva de educação de idosos em programas de EJA Denise Travassos Marques e Graziela Giusti Pachane discutem a formação docente necessária ao trabalho com um grupo social considerado pelas autoras sujeito a um duplo processo de exclusão: "Primeiramente, por se encontrar numa faixa etária na qual, de maneira geral, o indivíduo não é mais economicamente ativo e, por outro lado, no caso específico da EJA, por se tratar de um grupo composto por pessoas iletradas, ou que tiveram pouco contato com a escola, geralmente oriundas de estratos sociais menos privilegiados".

Partindo da revisão bibliográfica sobre temáticas relativas à Educação de Jovens e Adultos (EJA), idosos e formação docente, aliada à análise de legislação federal pertinente, o artigo certamente contribuirá para ampliar a visibilidade sobre a questão da educação para idosos, ainda pouco examinada no âmbito da pesquisa acadêmica.

Segue-se um artigo que nos oferece a oportunidade de conhecermos um pouco da realidade social e educacional de um dos países mais jovens do mundo, Timor-Leste, com marcas decorrentes de sua história grandemente fundada em tradições orais, em sua maioria ágrafa. Atualmente ele faz parte da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), sendo o português e o tétum as línguas oficiais desse país. Trata-se de O ensino e a aprendizagem da leitura nos primeiros anos da escolaridade em Timor-Leste, de autoria de Aicha Binte Umar Bassarewan e Simone Michelle Silvestre, em que são apresentados resultados de pesquisa bibliográfica documental e empírica, esta última no formato de estudo de caso em uma escola pública em Díli, capital do país. As autoras abordam questões relativas ao ensino e a aprendizagem da leitura nos três primeiros anos da escolaridade das crianças timorenses, passando por discussões de grande atualidade, como o bilinguismo e o ensino do português como segunda língua.

O próximo artigo desponta como o único neste volume baseado em dados gerais sobre escolarização no país: Escolarização no Brasil: articulando as perspectivas de gênero, raça e classe social, de autoria de Alceu Ravanello Ferraro. Nele, o autor apresenta resultados de um experimento com base nos microdados do Censo Demográfico do ano 2000 que articula as dimensões de gênero, raça, classe social e escolarização. As conclusões, considerados os limites inerentes ao estudo e à complexidade da tarefa de trabalhar de modo integrado as dimensões aqui envolvidas, apontam para a fertilidade de se buscar encontrar formas de se "articular, no estudo da escolarização, as perspectivas de classe social, de gênero e de raça".

Iniciando o grupo de artigos que versam sobre as relações entre aspectos filosóficos e sociológicos e Educação, Rodrigo Pelloso Gelamo move-se em terreno difícil ao abordar o tema do ensino de Filosofia no Ensino Superior. Em Notas sobre o problema da explicação e da experiência no ensino da Filosofia, o autor procura identificar alguns dos problemas mais graves do ensino de Filosofia e ensaiar um diagnóstico. Com Rancière e Benjamin, defende a tese de que o ensino de Filosofia não tem se dado por meio de experiências de reflexão, limitando-se à simples transmissão de informações sobre o pensamento de filósofos. Muitas vezes, como afirma o autor, o professor de Filosofia limita-se a fornecer uma explicação do pensamento filosófico e de sua história. Como resultado, tem-se obtido o inverso do almejado, ou seja, o empobrecimento da experiência do pensar.

Ainda na perspectiva das relações entre Educação e Filosofia, o artigo de Marcos Reigota sob o título A Educação Ambiental em face dos desafios apresentados pelos discursos contemporâneos sobre a natureza apresenta-se como um ensaio teórico que discute a noção de natureza a partir da contribuição e das possíveis relações entre o pensamento de dois filósofos contemporâneos – Gianni Vattimo e Newton Aquiles von Zuben – e a Educação Ambiental. Esses pensadores buscam nas questões das tecnociências e da aplicação do conhecimento científico alguns de seus temas centrais e o artigo procura, com base nelas, contrapor a noção única de natureza a noções não dogmáticas que consideram relações com a diversidade cultural e social. Os desafios da Educação Ambiental diante dos novos discursos contemporâneos sobre biodiversidade e transgênicos são abordados e aposta-se que as abordagens atuais sobre a natureza ampliam o diálogo entre a Educação Ambiental e a bioética, concretizando-se em práticas sociais e pedagógicas cotidianas. Revelam-se, desse modo, alternativas para cidadãos e cidadãs enfrentarem os desafios sobre os discursos de biodiversidade e transgênicos, com argumentos científicos, éticos e políticos.

Em Rir das solenidades da origem: ou o inesperado da pesquisa em Educação, André Marcio Picanço Favacho utiliza-se da abordagem foucaultiana para análise das Cartas Jesuíticas do século XVI, tendo como objeto a história da Educação. A partir do uso de conceitos-chave da obra de Michel Foucault, o autor explora sua questão de pesquisa, que investiga com qual pedagogia se educava o aprendiz no Ocidente antes da 'descoberta' do Brasil e como tal pedagogia pôde ser aplicada, negada e atualizada na colônia brasileira frente ao confronto entre jesuítas, europeus e índios. O artigo nos instiga a conhecer as regularidades discursivas das cartas jesuíticas tornando-as conteúdos concretos no tempo e no espaço e, com base nelas, verifica como se impunha, nas práticas educativas do século XVI, certo procedimento sobre o ato de ensinar. A obra de Michel Foucault é usada, ainda, para analisar o tema da Liberdade em fragmentos de teses de doutorado defendidas em 2006 no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Em Efeitos de sentido em discursos educacionais contemporâneos: a figura falaciosa da liberdade como promessa de redenção, Paula Corrêa Henning e Cleber Gibbon Ratto tomam por base, além de Foucault, o trabalho de Friedrich Nietzsche para a problematização do conceito de Liberdade. Interessa aos autores apresentar alguns potenciais efeitos das ideias de Liberdade e da demarcação da ideia de guerra para construção de práticas de liberdade para a educação. Com base nas críticas nietzscheana e foucaultiana sobre o conceito de Liberdade, o artigo discute o ideário moderno e o problematiza, evidenciando traços da episteme moderna que auxiliam na construção da moral no campo da Educação.

A sociologia de Max Weber também é explorada como horizonte para uma reflexão aprofundada sobre a Educação. O artigo de Alonso Bezerra de Carvalho, intitulado Desencantamento do mundo e ética na ação pedagógica: reflexões a partir de Max Weber, de caráter teórico, busca, como anteriormente, a problematização da modernidade na sua relação com o campo educacional. As análises de Weber sobre o mundo moderno fornecem uma riqueza de olhares sobre as ações e valores humanos que auxiliam também na reflexão sobre o sentido, o significado e o papel das relações entre conhecimento e ensino. Diante desse quadro, que postura o professor deve assumir na sua prática pedagógica? Alonso Bezerra de Carvalho aposta na ética não partidária e na posição "neutra" do professor dentro e fora da sala de aula para uma possível reflexão do aluno sobre o que experimenta e decide.

As relações entre democracia e educação merecem sempre ser aprofundadas e revisitadas a partir de diferentes perspectivas para uma análise mais contundente da realidade. Nessa linha, o conceito de experiência de John Dewey é trabalhado no artigo de Maria Luísa Branco, buscando o estudo das relações entre o papel da experiência e o desenvolvimento de uma educação democrática. De fato, o artigo esclarece a perspectiva de experiência educativa em Dewey, diferenciando das ideias de experiências mais comuns, enfatizando a importância de considerar o desenvolvimento do sujeito e o seu crescimento em relação a experiências anteriores. É, ainda, abordada por Maria Luísa Branco a articulação entre educação progressiva e educação democrática.

O penúltimo artigo deste número, sob o titulo Venezuela e ALBA: regionalismo contra-hegemônico e ensino superior para todos, trata do caso específico da Educação Superior na Venezuela frente ao movimento da ALBA – Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América. Nesse artigo, que também nos oferece informações relevantes sobre a realidade educacional de outro país, Thomas Muhr realiza, com base na "nova teoria do regionalismo" e no "regionalismo regulador", a análise dos tratados de comércio da ALBA, que se constitui como um movimento contra-hegemônico na América Latina. Aborda, então, a política do governo venezuelano de Ensino Superior para Todos (ESPT), a qual vem se colocando de forma contrária à agenda neoliberal globalizada e que aposta na educação pública gratuita em todos os níveis como um direito humano fundamental. Com base em estudo etnográfico de caso da Universidade Bolivariana da Venezuela (UBV), o autor informa como a ESPT vem caracterizando-se pela negação da produção de sujeitos empreendedores conformes ao capitalismo global e afirmando as subjetividades ao longo de valores morais de solidariedade e cooperação.

Fechando este volume, temos o prazer de oferecer ao leitor de Educação e Pesquisa a tradução de um texto de autoria do professor Jens Qvortrup, pesquisador norueguês pioneiro no campo da Sociologia da Infância. O texto foi originalmente publicado em 2009 como primeiro capítulo do The palgrave handbook of childhood studies. Sua maior divulgação junto ao público brasileiro certamente possibilitará que suas ideias sejam fonte de inspiração para pesquisas e estudos que tomem a infância como objeto de estudo.

Reiterando a política de internacionalização da Revista, oferecemos três artigos no volume 36, número 2, na versão disponível on-line no site da SciELO em inglês. Dois deles são versões dos textos A escrita nas formas do trabalho docente, de Sandoval Nonato Gomes-Santos, e O ensino e a aprendizagem da leitura nos primeiros anos da escolaridade em Timor-Leste, de Aicha Binte Umar Bassarewan e Simone Michelle Silvestre. O terceiro, que recebeu como título em português Venezuela e ALBA: regionalismo contra-hegemônico e ensino superior para todos, de autoria de Thomas Muhr, foi submetido à Educação e Pesquisa originalmente em inglês.

Para finalizar, aproveitamos para agradecer, mais uma vez, a inestimável colaboração dos colegas pareceristas, em especial àqueles que colaboraram para que mais este número fosse publicado.

Denise Trento Rebello de Souza

Martha Marandino

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2010
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