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Editorial

EDITORIAL

Este fascículo de Educação e Pesquisa apresenta ao leitor três artigos que abordam, a partir de diferentes perspectivas teóricas e analíticas, a relação entre educação, cultura e conhecimento, retomando temas caros aos estudiosos do processo educacional. Em seguida, traz oito artigos resultantes de pesquisas acerca de temas presentes no debate educacional contemporâneo brasileiro e internacional.

O primeiro artigo, de autoria de Denis Domeneghetti Badia, intitulado Paradigmas, Valores e Educação, assinalando a contribuição de Mauss, Baudouin e Durand, no desvendamento do substrato inconsciente das ideações, questiona os dois mitos da ciência clássica: o mito da objetividade e o da neutralidade axiológica, destacando a falácia da ideia de ruptura epistemológica entre ciência e ideologia. Nessa perspectiva, as ideações tornam-se ideologias, especialmente nas ciências do homem e nas de educação, que se constituem em suportes de disfarçada luta ideológica. Nessa luta, as estratégias de conhecimento dissimulam as estratégias do preconceito. O autor propõe que se assuma a realidade desse suporte fantasmanalítico e ideológico como uma tarefa educativa salutar em que os paradigmas tornar-se-iam fantasias e, numa relativização crítica, poderiam ser utilizados como campos de objetos transicionais coletivos num ludismo cultural e educativo.

O texto seguinte, Singularidade e formação (Bildung) em Schopenhauer como educador de Nietzsche, de José Fernandes Weber, parte do escrito Schopenhauer como Educador para explicitar a dimensão modelar desse filósofo na constituição do ideal de pensador que Nietzsche cria para si e para a construção de sua teoria da formação (Bildung). Destaca, nesse sentido, a dimensão crítica do pensamento schopenhaueriano e sua insubmissão às tendências filosóficas e culturais de seu tempo, assim como a exigência imperiosa da autossuperação como uma das máximas fundamentais para a formação do homem. Indo além da polêmica que opõe teoria e prática, o autor nos mostra como, para Nietzsche, a filosofia expressa, antes de tudo, vivências e, portanto, desde o início, ela é afecção. Ser educado pela filosofia é ser educado para e pela vida. O pensamento não é inimigo da vida, mas uma de suas manifestações. Segundo o autor, Nietzsche inova em filosofia, criando uma nova forma de pensar e de escrever, definida como uma arte da suspeita, e suspeitar é educativo, posto que exige atenção e criatividade.

Reconhecer os alunos para reinventar a escola: da afirmação de uma necessidade dos equívocos de um desejo, é o terceiro artigo aqui apresentado, escrito pelo autor português Rui Eduardo Trindade Fernandes. Nele são analisados os eixos estruturantes do campo das pedagogias da aprendizagem a partir da obra de alguns pedagogos emblemáticos do Movimento da Educação Nova, tais como Adolphe Ferrière, Edouard Claparède, Maria Montessori, Jean-Ovide Decroly, John Dewwey, Roger Cousinet e Robert Dottrens, para, num segundo momento, confrontá-los com o legado pedagógico do Movimento da Escola Moderna Portuguesa- MEM. Trata-se de leitura instigante e oportuna sobre um projeto educacional que se caracteriza por valorizar os alunos como interlocutores e produtores de cultura.

Na sequência, segue um conjunto de artigos resultantes de pesquisas, sendo o primeiro deles, La reproducción de las desigualdades educativas del fenômeno de la 'sobre-edad' en Brasil, de autoria de Rosângela Saldanha Pereira e Francisco Xavier Rambla. Discute a elevada porcentagem de estudantes no curso em que estão matriculados, com idade cronológica superior à idade escolar correspondente. Os autores se basearam em dados da pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar do IBGE e do Sistema de Avaliação da Educação Básica e Censo Escolar do MEC. O objetivo do artigo é investigar as causas dessa defasagem entre idade cronológica e idade escolar correspondente, partindo da hipótese de que um dos determinantes é a distância cultural estabelecida entre o sistema escolar e a origem socioeconômica dos estudantes, especialmente dos negros. Outro elemento importante seria da ordem das decisões individuais, em que a origem de classe e de etnia produz uma percepção desigual das vantagens e dos inconvenientes de se continuar frequentando a escola. A análise se pauta, segundo os autores, pelo enfoque antirracista da sociologia da educação, para a qual é insustentável a separação das desigualdades étnicas de outras divisões sociais, tais como as decorrentes da existência das classes sociais.

O artigo intitulado Programa Educação inclusiva: direito à diversidade, de Kátia Regina Moreno Caiado e Adriana Lia Friszman de Laplane, analisa aspectos do processo de implementação das políticas de inclusão social no Brasil a partir do estudo de documentos e materiais produzidos no âmbito desse Programa e de depoimentos de gestores de um município- polo. O artigo tem como referência a educação especial e aponta as tensões e os conflitos que marcam a implementação das políticas de inclusão, entendendo-os como sendo resultantes das múltiplas relações que se estabelecem entre um ensino que tende para a homogeneização e os princípios inclusivos, que supõem respeito aos direitos, à valorização da diversidade e ao atendimento de necessidades individuais.

Formação de professores em serviço: fragilidades e descompassos no enfrentamento do fracasso escolar, de Norinês Panicacci Bahia, apresenta e discute os resultados de pesquisa realizada em uma escola pública da rede estadual do estado de São Paulo, em Diadema, onde a autora acompanhou a trajetória de 52 alunos que participaram do Projeto Classes de Aceleração, em 1999, assim como seu retorno em 2000 e em 2001, nesse caso, com uma proposta de Progressão Continuada. A autora dirige sua atenção para os alunos que frequentaram as Classes de aceleração e posteriormente prosseguiram seus estudos nas séries finais do Ensino Fundamental (5ª e 8ª) além de se voltar para a capacitação dos professores no processo de implantação dessas ações. Os resultados do estudo indicam um descompasso entre os professores acerca da compreensão dos objetivos e dos pressupostos do projeto Classes de Aceleração, graus diferenciados de envolvimento dos professores quanto aos problemas e às dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos alunos, entre outros. Finalmente conclui que os propósitos do Programa estão longe de serem alcançados: ao contrário de incluir os excluídos, acaba produzindo a reclusão do aluno, pois não se está garantindo a melhoria de seu desempenho.

O artigo seguinte, intitulado La mediación social en la apropriación de una nueva propuesta para la alfabetización inicial de Epifanio Espinosa Tavera e Ruth Mercado Maldonado, ambos mexicanos, mostra a importância da mediação social nos processos de apropriação, por parte dos docentes, de novas propostas para o ensino decorrentes das reformas educacionais no México. A análise tem como referência as experiências descritas por professoras de primeiro grau nas escolas mexicanas que participaram de um programa de assessoria decorrente da reforma que originou o Programa Nacional para o Fortalecimento da Leitura e da Escrita na Educação Básica. Numa perspectiva etnográfica, os autores mostram como o processo de apropriação de novas propostas pedagógicas é, ao mesmo tempo, um processo de criação coletiva empreendido pelos professores na medida que nele se desenvolvem reflexões, dúvidas são formuladas e decisões coletivas são tomadas.

Vulnerabilidade ao stress, estratégias de coping e autoeficácia em professores portugueses, é de autoria de duas autoras portuguesas e apresenta os resultados de uma pesquisa realizada com 54 professores do Ensino Básico da rede pública em Portugal. O objetivo é identificar as principais fontes de stress, estabelecer as estratégias de coping, analisar se estas condicionam a presença de stress no trabalho e reconhecer se a autoeficácia percebida é preditora desse tipo de stress. Os dados obtidos na pesquisa revelam que o comportamento inadequado e a indisciplina dos alunos são as principais fontes de stress, que as estratégias de controle são as mais utilizadas pelos professores para enfrentá-lo, seguidas das de escape e das de gestão de sintomas. Aqueles professores não vulneráveis ao stress utilizam principalmente estratégias de controle e apresentam níveis mais elevados de eficácia diante da adversidade, assim como apresentam mais iniciativa e persistência em relação aos demais.

O artigo Cultura escolar e práticas sociais: episódios cotidianos da vida escolar e a transição para a adolescência, de Luciana de Oliveira Campolina e Maria Cláudia Santos Lopes de Oliveira, investiga como a cultura escolar participa do desenvolvimento humano, como ela influi nos processos de mudança e de que forma demarca trajetórias típicas. Nessa perspectiva, realizaram um estudo acerca das interações espontâneas ocorridas entre os alunos de 5ª e 6ª séries durante o período do recreio, em uma escola pública de Ensino Fundamental localizada em Brasília. Tomou-se como material de análise um episódio ocorrido durante o recreio que envolvia uma brincadeira em grupo, de faz de conta. Segundo as autoras, a análise revela a transgressão simbólica de normas escolares e as representações construídas coletivamente sobre a adolescência como seus temas centrais, além de apontar duas linhas de reflexão sobre o significado da transição para a adolescência. São elas: o papel das normas escolares na regulação moral do corpo e da conduta dos alunos e o papel do jogo e da experiência adolescente na transformação da ordem disciplinar imposta pelo funcionamento das escolas.

Paulo Volante, David Huepe e Carlos Cornejo, são os autores do artigo Significado, desempeño y logro0 estudiantil en tareas instruccionales cotidianas. Trata-se de um estudo sobre a relação entre o significado que os estudantes elaboram acerca de suas tarefas escolares e o nível de desempenho que alcançam na sua realização. Baseada no enfoque da cognição situada, os autores utilizaram uma estratégia videográfica para registrar e interpretar os significados que emergem quando os estudantes observam o seu próprio desempenho através de vídeos previamente filmados na sala de aula em uma escola no Chile. Os resultados evidenciam, segundo os autores, três padrões de significado: automático, instrumental e projetivo. Aqueles estudantes que elaboram significados projetivos, demonstram, segundo os autores, melhor compreensão, melhor desempenho e qualificações superiores. Ao final do artigo, é destacado o valor metodológico e pedagógico desse recurso utilizado que, segundo os autores, facilita a compreensão dos diferentes significados elaborados pelos alunos e evidencia como estes influenciam o desempenho e o sucesso escolar.

O último artigo, intitulado Contribuições para a construção de uma matriz para avaliação de projetos de educação ambiental, de autoria de Rachel Guanabara, Thais Gama e Emílio Maciel Eigenheer, trata de tema muito importante e pouco explorado no Brasil: a avaliação de projetos de educação ambiental. Os autores apresentam uma matriz para avaliação tendo como referência empírica dois projetos desenvolvidos no município de Petrópolis que têm os resíduos sólidos como tema central. Essa matriz analisou a adequação desses projetos às principais políticas públicas em vigor na região. Segundo os autores, a matriz de avaliação apresentada neste artigo mostrou-se profícua e pode ser utilizada para avaliação e posterior comparação de projetos de educação ambiental, podendo ser adaptado aos mais diferentes locais e realidades.

Lúcia Bruno

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 2009
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