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Estratégias educativas de internacionalização: uma revisão da literatura sociológica

Resumos

Este artigo traça um panorama das contribuições de pesquisas estrangeira e nacional sobre o tema das estratégias educativas de internacionalização. São trabalhos que, em geral, versam sobre modalidades recentes de investimento por parte de famílias socialmente favorecidas em uma dimensão internacional do capital cultural. A aquisição desses recursos - o acúmulo de competências linguísticas, culturais e sociais, além da própria mobilidade - é interpretada, por esses grupos, como o vetor da constituição de disposições que resultariam em certa desenvoltura de atuação de seus filhos em meios internacionais. A análise do conjunto de resultados fornece pistas importantes, na medida em que permite a visibilidade a estratégias comuns, próprias do momento atual, mas sinaliza também a necessidade de maior compreensão das particularidades que caracterizam ações e valores distintos atribuídos ao capital simbólico internacional por parte de populações de nações diversas. Nesse sentido, o texto realça a relevância sociológica do objeto, em particular, no caso brasileiro. É que o recurso recente a esse capital como estratégia educativa não só das elites, mas também de grupos em ascensão, vem tornar mais complexo, ou mesmo agravar, o quadro de desigualdade de oportunidades escolares que, tradicionalmente, tem marcado a disputa pelas melhores posições na hierarquia social do país. Assim, o interesse renovado pela dimensão internacional do capital cultural parece se constituir, recentemente, em um fator a mais a aprofundar e consolidar fronteiras já existentes entre os que podem se beneficiar da rentabilidade de tal investimento, ao longo de sua escolarização, e aqueles que se limitam aos recursos nacionais.

Dimensão internacional do capital cultural; Estratégias educativas familiares; Educação e internacionalização


This work gives an overview of the contributions made by national and international studies on the theme of internationalization strategies for education. In general, these studies focus on recent modalities of investment made by socially advantaged families, and on the international dimension of the cultural capital. Acquiring these resources - the sum of linguistic, cultural and social skills, apart from the mobility itself - is interpreted by these groups as the agent of the constitution of aptitudes that would result in a resourceful performance by their children in international environments. The analysis of the collection of results gives important clues insofar as it makes visible common strategies characteristic of the current times, but also signal to the need for better understanding of the peculiarities that characterize distinct actions and values attributed to what is international by segments of the population in several countries. In this sense the text highlights the sociological relevance of the object, particularly in the Brazilian case. What happens is that the recent resorting to what is international as an educative strategy, not only on the part of the elites, but also by socially emerging groups, has contributed to an increased complexity, or even a worsening, of the scenario of inequalities in school opportunities that has traditionally been a hallmark of the struggle for higher positions in the social hierarchy of the country. Thus, the renewed interest by things international seems to constitute in recent times a further factor to deepen and consolidate the already existing boundaries separating those who can benefit from this kind of capital throughout their schooling from those who are limited to the national resources.

International dimension of cultural capital; Education strategies of families; Education and internationalization


ARTIGOS

Estratégias educativas de internacionalização: uma revisão da literatura sociológica* * Este trabalho contou com o auxílio financeiro da Capes por meio de bolsa de doutorado.

Andréa Aguiar

Universidade Federal de Minas Gerais

Correspondência Correspondência: Andréa Aguiar Rua Santo Antonio do Monte, 127/302 30330-220 – Belo Horizonte – MG e-mail: andreamsaguiar@yahoo.com.br

RESUMO

Este artigo traça um panorama das contribuições de pesquisas estrangeira e nacional sobre o tema das estratégias educativas de internacionalização. São trabalhos que, em geral, versam sobre modalidades recentes de investimento por parte de famílias socialmente favorecidas em uma dimensão internacional do capital cultural. A aquisição desses recursos – o acúmulo de competências linguísticas, culturais e sociais, além da própria mobilidade – é interpretada, por esses grupos, como o vetor da constituição de disposições que resultariam em certa desenvoltura de atuação de seus filhos em meios internacionais. A análise do conjunto de resultados fornece pistas importantes, na medida em que permite a visibilidade a estratégias comuns, próprias do momento atual, mas sinaliza também a necessidade de maior compreensão das particularidades que caracterizam ações e valores distintos atribuídos ao capital simbólico internacional por parte de populações de nações diversas. Nesse sentido, o texto realça a relevância sociológica do objeto, em particular, no caso brasileiro. É que o recurso recente a esse capital como estratégia educativa não só das elites, mas também de grupos em ascensão, vem tornar mais complexo, ou mesmo agravar, o quadro de desigualdade de oportunidades escolares que, tradicionalmente, tem marcado a disputa pelas melhores posições na hierarquia social do país. Assim, o interesse renovado pela dimensão internacional do capital cultural parece se constituir, recentemente, em um fator a mais a aprofundar e consolidar fronteiras já existentes entre os que podem se beneficiar da rentabilidade de tal investimento, ao longo de sua escolarização, e aqueles que se limitam aos recursos nacionais.

Palavras-chave: Dimensão internacional do capital cultural — Estratégias educativas familiares — Educação e internacionalização.

A produção do campo da Sociologia da Educação tem confirmado, ao longo dos anos, a correspondência inequívoca entre a rentabilidade das estratégias educativas e as diferentes posições dos sujeitos ou grupos sociais que delas se utilizam. Dito de outro modo, quanto maior a posse de recursos materiais e simbólicos, maiores são as chances de 'acerto' nos investimentos que concernem à educação escolar, na medida em que tais recursos habilitam os sujeitos a melhor discriminar suas diversas possibilidades, a fazer escolhas pertinentes, a investir em alvos específicos e deles tirar o maior proveito possível. Pierre Bourdieu, no estudo que culminou na publicação do livro A distinção, no final dos anos 1970, destacou a ligação " relacional" entre as posições sociais dos sujeitos e suas estratégias de ação. Por trás das correlações estatísticas entre a origem social e o capital escolar, escondem-se variações entre grupos que mantêm com a cultura relações diferenciadas, segundo as condições em que adquiriram seu patrimônio cultural e as possibilidades que tiveram de reconvertê-lo em outros tipos de capital, à medida que as regras do jogo social elegem novos recursos como trunfos mais rentáveis (Bourdieu; Boltansky; Saint Martin, 1973). Como lembram Pinçon e Pinçon-Charlot (1996), nas conclusões de um congresso que reuniu pesquisadores em torno do tema Formação das elites e a cultura transnacional, " [...] os mais assegurados de suas posições [sociais] são também aqueles que dominam as novas dimensões das regras do jogo" .

Estudos sociológicos recentes sobre as estratégias educativas de famílias socialmente favorecidas têm registrado um componente particular dessas atualizações e reconversões de capitais nos tempos atuais: o investimento em recursos simbólicos internacionais. Isso quer dizer que uma dimensão internacional do capital cultural parece emergir com força, nas últimas décadas, como alvo de investimento dessas camadas sociais ao pensar o presente escolar e o futuro profissional de seus filhos. Não se trata de uma novidade. No caso do Brasil, por exemplo, é sabido que uma prática comum entre as elites econômicas, desde o período colonial (Brito, 1996), era a escolarização no exterior, que se dava, em geral, no nível universitário. No entanto, as especificidades dessa nova atenção ao internacional são reveladas, atualmente, pelas diferentes modalidades de estratégias que visam à acumulação de bens simbólicos internacionais: elas ocorrem com muito maior frequência, se estendem a novos grupos sociais e, além disso, se dão ao longo de todos os níveis de escolarização.

Este artigo pretende traçar um panorama das contribuições que a pesquisa estrangeira e nacional tem produzido acerca do tema das estratégias educativas de internacionalização de modo a sublinhar sua emergência e relevância como objeto de estudo nos tempos atuais.

As contribuições da pesquisa estrangeira

Os investimentos recentes de grupos sociais em capital simbólico internacional nos não têm sido detectados apenas por sociólogos da educação, mas emergem como dado relevante também de outros estudos voltados para a análise e compreensão dos estilos de vida das camadas mais favorecidas. Assim, no caso da pesquisa estrangeira, a abordagem do tema surge focalizada a partir de perspectivas diversas:

  • Por meio da análise dos investimentos no internacional operados pelos estabelecimentos de ensino, que correspondem a uma demanda específica por esse capital.

  • Mediante a investigação sobre as características e consequências de uma socialização/escolarização de tipo internacional para os sujeitos — as famílias e os estudantes que lançam mão de tal recurso — e sobre seus modos de interpretar o significado e potencial desse capital nas disputas sociais atuais.

  • Do ponto de vista das práticas particulares de investimento no internacional, componentes do estilo de vida de grupos favorecidos que, para além do foco centrado na escolarização, lançam mão de ações visando enriquecer o capital simbólico internacional de seus filhos.

O internacional e os estabelecimentos escolares

A pesquisa de Jay (2002) investigou as célebres escolas privadas suíças, entre as quais estão também aquelas internacionais, que preparam os estudantes para o acesso às grandes universidades americanas e europeias. Famílias altamente privilegiadas do ponto de vista econômico buscam nesses estabelecimentos a reconversão de seu capital econômico em capital cultural e simbólico, por meio da opção por uma socialização escolar que prepare seus filhos para as mais altas posições nas profissões liberais, na diplomacia, na indústria e no comércio e para a vida em alta sociedade. A internacionalidade dos alunos é sinal de excelência para as escolas, mantida, evidentemente, sua homogeneidade/seletividade social. O favorecimento de predisposições cosmopolitas é aspecto detectado pelo autor, tanto nas estratégias dos próprios estabelecimentos — como a promoção de viagens culturais ao exterior — como naquelas adotadas pelas organizações às quais pertencem essas instituições, que cuidam de favorecer a inserção profissional dos alunos em universidades de países dominantes ou em carreiras internacionais.

Características comuns às encontradas por Jay foram também discutidas por Panayatopoulos (1997), que estudou o segmento nobre do ensino secundário de Atenas por meio da monografia de uma escola privada que recruta sua clientela entre a burguesia local. Sua intenção foi compreender possíveis mudanças — devidas ao contexto atual de globalização da economia e de internacionalização do mercado de trabalho — tanto no uso social que algumas famílias das classes favorecidas podem fazer dessa via, como nas estratégias da própria escola. Nesse último aspecto, ele destaca ações recentes adotadas pelo estabelecimento na perspectiva de preparar os alunos para as carreiras em um mercado transnacional: aumento de horas de ensino de línguas estrangeiras, sobretudo o inglês, bem como de conferências sobre sistemas econômicos e políticos de países europeus, visitas a estabelecimentos escolares europeus e americanos e permutas de alunos. São práticas que reforçam a importância conferida ao internacional na formação escolar dos estudantes dessa instituição na qual " [...] a cultura política dos alunos se define pelas suas qualidades relacionais internacionais" (p. 228). Nesse sentido, são estratégias que têm por objetivo a constituição de um capital social e de um " capital cosmopolita" , potentes fatores de distinção na sociedade atual, segundo o autor. Ele denomina internacional, e não transnacional, a cultura produzida e a formação concebida pelo estabelecimento estudado, na medida em que se baseiam também na manutenção de parte das referências culturais nacionais.

O internacional como alvo de investimento das famílias

O termo transnacional é utilizado, no entanto, pelos pesquisadores Broady, Börjesson e Palme (2002) em pesquisa que focaliza o recurso ao internacional na educação — por parte de sujeitos e instituições — e sua relação com a conservação ou transformação da estrutura do espaço social. A importância atribuída às estratégias transnacionais (entendidas como períodos de estudo e treinamento no estrangeiro, habilidades em língua estrangeira etc.) emergiu dos dados como um dos fatores mais visíveis de mudança no campo da Educação daquele país, haja vista o grande fluxo de estudantes suecos inscritos em universidades do mundo todo1 1 . Esse fluxo atestaria também, segundo os autores, a condição " dominada" da educação sueca em relação a outros sistemas de ensino estrangeiros, reflexo da posição periférica do país no panorama mundial das relações de força e poder entre as nações. . Anteriormente prerrogativa das camadas dominantes, as estratégias de internacionalização disseminaram-se também entre os estratos menos favorecidos da população sueca que, a partir de 1989, puderam contar com um auxílio financeiro do estado. Essa ampliação das chances alterou o perfil dos estudantes que recorrem ao internacional: de um conjunto com boas credenciais escolares, no passado, ele se constitui, nos tempos mais recentes, de alunos com histórico escolar insuficiente que, não sendo aceitos no sistema de ensino superior sueco, recorrem a universidades internacionais menos exigentes. Assim, a estratégia de internacionalização passa a se constituir, nesses casos, num meio de alcançar o nível de formação universitário para aqueles que, sem as credenciais escolares adequadas ao ingresso no Ensino Superior sueco contam, a partir de então, com as universidades estrangeiras de menor prestígio, onde são aceitos. No caso das instituições de ensino, entre as escolas de maior prestígio e mais valorizadas, os investimentos no internacional visam ao objetivo de inserção dos alunos no mercado educacional e profissional transnacional. Já as escolas de menor prestígio utilizam-se de tal recurso com atenção à sua rentabilidade na disputa por posições no espaço nacional, ou seja, na concorrência no interior do mercado educacional e profissional sueco.

Essa mesma expectativa de rentabilidade do capital simbólico internacional nas disputas sociais internas ao espaço nacional pode ser identificada nos estudos de Wagner (1997; 1998; 2002). Entre eles, a pesquisa com usuários de um grupo de escolas internacionais de Paris destinadas a filhos de altos funcionários e de executivos expatriados. A investigação supunha a possibilidade da construção social de categorias de pensamento, normas culturais e competências novas transnacionais — porque desvinculadas dos condicionantes nacionais — resultantes do contato mais intensivo entre sujeitos de nacionalidades diversas. Os resultados não revelam, no entanto, sinais de unificação intelectual. As práticas educativas, nas escolas e nas famílias, revelaram-se fortemente baseadas nas referências nacionais de cada cultura específica. Uma socialização escolar particular é detectada, por outro lado, no caso de crianças que se familiarizam precocemente com modos de sociabilidade a distância, com a diversidade linguística, com os códigos tácitos, os " não ditos" de cada cultura. Para Wagner (2002), essa " cultura internacional" , e não transnacional, não se define como uma cultura mundial que tomaria o lugar das culturas nacionais, mas pela acumulação de várias competências linguísticas e culturais nacionais, acumulação essa que avantaja o aluno internacional em relação àqueles que permanecem confinados no nacional. A constituição de uma rede de sociabilidade nos diferentes países, por parte desses estudantes, assim como certo estilo de vida que adquirem, resultante do contato com diferentes culturas, são vistos pela autora como características fundantes dessa cultura internacional.

O próprio da cultura internacional está no acúmulo de recursos sociais em uma série de domínios: o conhecimento de línguas, culturas e modos de vida estrangeiros, a dispersão geográfica da família e das relações, a possibilidade de desenvolver a carreira em vários países, enfim, uma alquimia de capitais linguísticos, culturais, sociais, profissionais e simbólicos. (Wagner, 1998, p. 17)

O reconhecimento e a valorização desses capitais na atualidade é tema explorado por Weenink (2005), em pesquisa que analisa a relação entre a classe média alta holandesa e a educação secundária naquele país. O estudo busca compreender a relação entre trajetórias sociais diferenciadas no interior das camadas médias e a opção das famílias por cada uma das três modalidades de formação oferecidas no nível preparatório para a universidade holandesa: entre estas, o internacional. Dois tipos diversos de cosmopolitismo caracterizam a relação das famílias investigadas com o internacional: o dedicado e o instrumental. Os primeiros são pais que já viajaram muito e viveram no exterior, fluentes em pelo menos uma língua estrangeira, que se avaliam como cidadãos do mundo, para quem as fronteiras não representam impedimento, e tentam encorajar e cultivar essas disposições nos filhos. Já os cosmopolitas instrumentais, mais presentes entre aqueles que optaram pela formação internacional, tiveram experiências de trabalho cosmopolitas e enxergam nos bens internacionais instrumentos para a carreira futura dos filhos. São pais que, em geral, restringem o cosmopolitismo, a saber, inglês. A opção pelo ramo internacional, segundo o estudo, atrai famílias que identificam nos bens cosmopolitas um modo de incrementar as chances de mobilidade ascendente intergeracional. Não estabelecidos realmente na classe média alta, eles demonstram ansiedade e urgência de investimento em recursos internacionais, que avaliam como marcadores de sua posição social. Os dados revelam ainda que não são apenas as famílias " móveis" ou " com mobilidade internacional" as únicas interessadas em educação internacional: pais das classes médias " não internacionalizadas" buscam aí uma forma mais exclusiva de educação secundária, que não a tradicionalmente ofertada pelo sistema público de ensino. Assim, o investimento na escola internacional, segundo o autor, visaria a um " prestígio moderno" , em vez do " prestígio antigo" que a escolarização tradicional sempre ofereceu.

Práticas de internacionalização

Muitas das características discutidas por Weenink (2005), sobre o cosmopolitismo das famílias, representam também traços constituintes de um habitus cosmopolita detectado por Pinçon e Pinçon-Charlot (1996; 2002) em pesquisas que abordam as formas de socialização das jovens gerações de famílias francesas da velha burguesia e da nobreza afortunada. Os autores definem essas famílias como cosmopolitas. Esse cosmopolitismo se faz visível, por exemplo, em seus laços matrimoniais, que se dão, em boa parte, com famílias estrangeiras, ou na preocupação com a aprendizagem e o uso de outros idiomas, praticados em casa pelos próprios pais ou nas viagens, estadas linguísticas ou períodos de escolarização no exterior, para os quais as famílias mobilizam suas redes de amizades cosmopolitas. É a aquisição dessas habilidades que provoca desde cedo, nos jovens, como no caso da pesquisa de Wagner (2002), a familiaridade com referências geográficas e culturais que ultrapassam o nacional. Pinçon e Pinçon-Charlot (2002) registram o controle desses grupos sobre as escolas que os atendem, estabelecimentos nas quais a marca do cosmopolitismo é inegável: são instituições que, em geral, recrutam alunos de diferentes nacionalidades, valorizam e realizam diversas viagens de descoberta cultural, enfatizam o aprendizado das línguas estrangeiras por meio de práticas de imersão total, jornadas dedicadas a um ou outro idioma e permuta e estada em estabelecimentos similares no exterior. Enfim, os autores destacam o capital precioso de relações internacionais, " um capital social único, feito de conhecimentos, cumplicidades e amizades através do mundo, que ligam ex-colegas [...] para além das fronteiras, crenças e línguas" (p. 25). Um capital que vai se constituindo durante os anos da juventude e que pode ser mobilizado a qualquer instante de suas vidas.

Os traços de cosmopolitismo apontado nos estudos anteriores são igualmente confirmados por Vieira (1997), que analisou os processos de socialização de jovens gerações pertencentes às classes dominantes de Lisboa no período de 1970 a 1990. Entre suas descobertas, a autora chama a atenção para as estratégias educativas familiares, que revelam a tendência à internacionalização das aprendizagens, destacada por ela como uma das mudanças mais importantes da escolarização desses jovens na atualidade. Essa tendência é verificada, por exemplo, no recurso comum a viagens de estudo ao exterior, mas também em práticas locais de relação com o internacional, expressas na opção de certas famílias pela escolarização dos filhos em estabelecimentos de ensino internacionais localizados no próprio país. Em pesquisa mais recente (Vieira, 2007), a mesma autora analisa o interesse crescente de jovens portugueses provenientes da elite cultural do país pelo programa de mobilidade Erasmus, promovido pela União Europeia como forma de incrementar o intercâmbio entre estudantes universitários europeus. A massificação escolar e a perda do valor distintivo dos diplomas, segundo ela, teriam acentuado a demanda atual por novos atributos na formação. Assim, a mobilidade geográfica passaria a ser interpretada como competência desejada da prática ou do saber-fazer, avaliada como triunfo individual e pessoal, num contexto em que o cosmopolitismo se impõe como saber ou necessidade cultural em contraposição à imobilidade e ao confinamento ao nacional.

Essa mesma noção de cosmopolitismo como necessidade cultural surgiu também como traço constituinte dos estilos de vida das famílias analisadas por Bonnet (2001), que estudou as estratégias de reprodução social das elites da cidade de Lyon, na França, partindo do pressuposto, não confirmado, de que esses grupos estariam se constituindo como elites transnacionais e não mais elites locais. O estudo detecta sinais claros de atenção especial à internacionalização, tanto no discurso dos pais — a exemplo de sua a insistência sobre a " abertura" — como nas práticas cotidianas de investimento no aprendizado de línguas, na interação dos filhos com outras culturas, a partir de viagens de estudo ou estadias no exterior. A mobilidade surge exaltada como uma virtude moderna entre famílias que, segundo o autor, se distinguem das demais por sua capacidade de tirar benefícios do corrente processo de intensificação das trocas internacionais, diferença que se inscreve em uma lógica de aumento das desigualdades sociais.

As contribuições da pesquisa nacional

As pesquisas estrangeiras até aqui comentadas serviram de fundamento aos trabalhos brasileiros que abordam direta ou indiretamente o tema das estratégias educativas de internacionalização. São produções recentes, mas que já começam a contribuir para o desvelamento do fenômeno no âmbito nacional:

  • Por meio da analise de estratégias especificas de internacionalização e dos sujeitos que as operam;

  • A partir da discussão sobre o impacto e as consequências de uma experiência de internacionalização vivenciada no exterior por famílias brasileiras;

  • Ou por meio da investigação de sua dimensão escolar, ou seja, quando o recurso ao internacional ocorre mediante uma escolarização em estabelecimento internacional localizado no país.

Práticas de internacionalização

As pesquisas de Prado (2002) e Ramos (2007) analisam estratégias especificas de internacionalização, buscando caracterizar quem são os sujeitos dessas ações, bem como suas expectativas em relação aos investimentos no internacional. No primeiro caso, Prado (2002) investigou a prática dos intercâmbios de high school adotada por determinadas famílias da cidade de Belo Horizonte. São grupos que, segundo os resultados da pesquisa, posicionam-se entre as camadas médias da população. Para a autora, as frações sociais mais afortunadas (as elites econômicas) utilizam-se de outras formas de acesso aos estudos no exterior. Como denominador comum do discurso dos pais, os resultados registram a preocupação específica com a realização pessoal dos filhos, sem prejuízo de expectativas relativas à " abertura" para o mundo, para as diferentes culturas, além de uma maior sensibilização aos bens culturais que a prática do intercâmbio supostamente acabaria por produzir. O recurso ao internacional aparece, nesses casos, associado à ideia de conversão de identidade e adesão ao espírito internacional. As avaliações dos pais a respeito da experiência de internacionalização vivenciada pelos filhos revelaram expectativas que se reúnem em torno de duas perspectivas distintas. A primeira delas — utilitarista — é típica de famílias que apostam no incremento das chances escolares e profissionais futuras que, segundo elas, a prática de intercâmbio poderia promover. Já a perspectiva identitária caracteriza discursos nos quais o mesmo investimento está vinculado à aspiração de uma formação mais ampla de valores, da personalidade e da autonomia pessoal. Sobre o suposto benefício produzido pelo aprendizado de uma língua estrangeira, ele surge atrelado à rentabilidade social que essa aquisição pode produzir em termos de um savoir faire cultural, aspecto que fica comprovado na regularidade revelada pelo exame dos países de destino dos intercambistas — em sua maioria de língua inglesa.

A pesquisa de Ramos (2007), um trabalho de dissertação em desenvolvimento, investiga o perfil socioeconômico e acadêmico, bem como as motivações de jovens universitários candidatos ao " programa de intercâmbio discente" da UFMG (que permite ao estudante de graduação cursar um semestre letivo numa universidade fora do país). A autora chama a atenção para o incremento vertiginoso da demanda por esse serviço, criado em 1996, por meio de acordos bilaterais da instituição com universidades estrangeiras. O estudo, que analisa candidatos à seleção de 2007, parte da hipótese de que, do ponto de vista socioeconômico e cultural, o aluno intercambista é mais bem posicionado que o aluno médio da UFMG. Um dos indícios dessa diferença estaria nas condições exigidas para a realização do intercâmbio: a maior parte das despesas — com passagens aéreas, moradia, alimentação, seguro saúde etc. — são de responsabilidade da família do aluno. No entanto, além disso, a autora aponta a posse familiar de capital cultural, em particular um capital de informações sobre o mundo universitário e seu funcionamento, como característicos do perfil dos candidatos. Do ponto de vista estritamente acadêmico, os critérios para a candidatura trazem já uma exigência de bom desempenho escolar no curso superior frequentado e de proficiência na língua praticada pela instituição estrangeira de destino.

O internacional nas trajetórias

Por sua vez, os estudos de Brito (2004) e Nogueira (1998; 2004; 2006) voltam-se para a compreensão do impacto e da importância de uma experiência de internacionalização na trajetória de famílias brasileiras. No primeiro caso, Brito (2004) busca localizar e analisar o lugar da experiência internacional ao longo da trajetória de estudantes brasileiros beneficiados por bolsas de estudos na França. Seus resultados apontam duas trajetórias típicas: a " do herdeiro" e a " de ascensão social pela via escolar" . A primeira é comum, em geral, entre filhos de profissionais liberais ou intelectuais: frações bem dotadas em capital cultural, que estabelecem, desde cedo, relações de familiaridade com os estudos, com a cultura, com o hábito da leitura, adquirindo prematuramente disposições acadêmicas. A ida para o exterior se insere, na trajetória desses estudantes, em um continuum. Em meio aos herdeiros, a autora identificou ainda alguns casos de disposições que configurariam um habitus internacional. São estudantes cujo patrimônio familiar tem na cultura internacional e no capital social internacional uma parte constitutiva de sua história. Já a " trajetória de ascensão social pela via escolar" é típica de estudantes cujas famílias contam com poucos recursos econômicos e sociais a serem mobilizados em favor dos filhos. Os itinerários são, nesses casos, menos dependentes do capital familiar — sobretudo do capital cultural, que é, em geral, escasso — e mais marcados pelo movimento de ascensão por meio da escola. O contato com o internacional se dá tardiamente em suas trajetórias, que podem ser caracterizadas por " locais" ou " de migrante" . No primeiro caso, os estudos são cumpridos inteiramente em uma mesma cidade, geralmente na cidade natal, o que a autora associa a um conjunto de disposições incorporadas que configurariam um habitus escolar local. O habitus de migrante, por outro, caracteriza estudantes expostos a um confronto constante com as diferenças culturais, por intermédio da sucessão de experiências de mobilidade espacial vivenciada, no entanto, no próprio país. As disposições adquiridas favorecem a flexibilidade e adaptação a contextos diferentes, o que os diferencia dos casos de trajetória exclusivamente local.

O impacto resultante de experiências vivenciadas no exterior é tema igualmente abordado nos estudos de Nogueira (1998; 2004; 2006). Seus trabalhos focalizaram grupos sociais distintos — famílias pertencentes às camadas médias intelectualizadas (Nogueira, 1998; 2006) e famílias de empresários (Nogueira, 2004) — e possibilitam contrastar estratégias diferenciadas de internacionalização. No primeiro caso, a autora discute o papel e as decorrências das experiências de internacionalização vivenciadas pelos filhos, em razão da mudança temporária da família para o estrangeiro, por necessidade profissional dos pais. As estratégias de internacionalização dessas frações das classes médias revelaram, em comum, a busca de enriquecimento da formação cultural e escolar, no caso de famílias que avaliam, como efeitos positivos da internacionalização: a aquisição de fluência linguística em outros idiomas; a constituição de um sistema de disposições favoráveis ao contato com outras culturas; a autonomia; bem como rentabilidade instrumental do capital internacional no mercado escolar e profissional. Os aspectos julgados negativos da experiência como, por exemplo, dificuldades de adaptação ou discriminação, atrasos escolares no retorno ao Brasil etc. são minimizados por pais para quem a internacionalização é uma " experiência que não tem preço" , que " vale a pena" . Já nas famílias de empresários, cujo favorecimento econômico possibilita viagens frequentes ao exterior, os resultados revelaram uma nítida preferência pelos estudos de curta duração. São pais que, sem deixar de reconhecer e valorizar o lucro simbólico potencialmente proporcionado por uma experiência de estudos no exterior temem também prováveis riscos que uma longa estadia dos filhos poderia provocar para seu destino profissional, em geral, já planejado. Assim, se a experiência de internacionalização é vista, no caso dos pais intelectualizados, em sua dimensão unicamente positiva — como enriquecedora do capital cultural e promotora de certa abertura de horizontes e de oportunidades —, as famílias de empresários já identificam, nessa mesma experiência, riscos potenciais à trajetória dos filhos e, por isso, buscam controlar fortemente as condições e as consequências em que ela se desenvolve.

A internacionalização pela via escolar

Finalmente, o recurso ao internacional foi também analisado em sua dimensão mais escolar nas pesquisas de Cantuária (2005) e Aguiar (2007). No primeiro caso, Cantuária (2005) investigou a gênese do espaço de educação internacional da cidade de São Paulo ao longo das primeiras décadas do século XX. O estudo envolveu dez escolas internacionais paulistanas que atendiam pelo menos um dos requisitos: funcionar regularmente no Brasil como instituição internacional ou ser reconhecido pelo sistema de ensino do país de referência. Os resultados permitiram elucidar as razões e os interesses subjacentes à criação dessas escolas — no final do século XIX e início do século XX — ligados à trajetória de diferenciação e inserção de grupos de imigrantes no Brasil e em seus países de origem. Se a pesquisa, diferentemente daquelas abordadas neste artigo, não discute as estratégias atuais de internacionalização dos estudos, ela contribui, no entanto, para reafirmar que a circulação internacional de ideias e pessoas não é fenômeno recente; e, ainda, que a criação dessas instituições não se origina da intensificação atual das trocas internacionais. Essas escolas garantiam às frações privilegiadas dos grupos estrangeiros a acumulação de capital simbólico essencial à sua inserção na sociedade brasileira e à sua distinção social. Já entre seus usuários brasileiros, a autora detecta estratégias familiares de acumulação de capital internacional pela via escolar, o que, segundo ela, explica a criação do liceu Pasteur, fundado em 1923 e, desde o início, responsável pela formação de várias gerações de famílias tradicionais do país. São resultados que esclarecem e acentuam a forte relação entre as expectativas de inserção social e de reprodução de certos grupos em dado momento histórico e sua opção pela escolarização internacional. A escolha de um estabelecimento internacional estaria, assim, mais associada à correspondência entre os valores e a visão de mundo das famílias — o que julgam essencial ao futuro bem-sucedido dos filhos — e o estilo de cada instituição, do que a imposições ou exigências do espaço produtivo. O estudo revelou ainda a forte vinculação entre a imagem de cada escola e os atributos do país de origem, o que, segundo Cantuária (2005), explicaria tanto a valorização das instituições ligadas a nações fortemente industrializadas, cuja imagem se associa às ideias de modernidade e eficácia, quanto a perda progressiva de prestígio, no campo escolar, de estabelecimentos com tradição mais clássica e humanista.

Já Aguiar (2007), em pesquisa de doutorado recentemente concluída, analisou o interesse atual de famílias brasileiras socialmente favorecidas pelas duas escolas internacionais de nível fundamental e médio localizadas na cidade de Belo Horizonte: a escola americana e a escola italiana. A própria história desses estabelecimentos registra, por si só, o incremento da demanda de grupos nacionais por uma escolarização em moldes internacionais. Criadas há décadas — anos 50, no caso da escola americana, e anos 70, no caso da italiana — e destinadas, em sua origem, exclusivamente a estudantes estrangeiros, as instituições passam a receber alunos brasileiros na década de 1990 — cumprindo tanto o currículo obrigatório nacional como o estrangeiro — em resposta à crescente demanda de famílias brasileiras por esse tipo de escolarização. Tal processo resulta na inversão de seu público, anteriormente estrangeiro e, atualmente, composto por uma maciça maioria (mais de 90%) de brasileiros2 2 . Essa mesma tendência foi também verificada por Cantuária (2005) em seu estudo sobre as escolas internacionais da cidade de São Paulo. . A autora identificou investimentos em diferentes recursos internacionais — disponibilizados por estabelecimentos com propostas pedagógicas bastante distintas — por parte de grupos sociais diversos quanto à natureza dos capitais que estão na base de seu patrimônio. Assim, pais fortemente favorecidos do ponto de vista econômico, cujos filhos viajam com frequência ao exterior, ou seja, famílias asseguradas de outras vias possíveis (além da escolar) de internacionalização visam, sobretudo o aprendizado e domínio prático (ou manutenção) do idioma inglês que a escola americana pode oferecer. A língua inglesa é vista, nesses casos, como capital essencial à desenvoltura necessária à circulação nos meios internacionais, muitas vezes já incorporada na trajetória social dos pais. Por sua vez, famílias cujo patrimônio simbólico é protagonizado pelo capital cultural em sua versão escolar revelam um claro desejo de distinção da bagagem escolar e cultural dos filhos. São pais que buscam em um estabelecimento italiano uma formação humanista europeia — que consideram ter sido abandonada pelo currículo atual das escolas nacionais — como estratégia de aquisição, pela via escolar, da dimensão internacional da qual se ressentem em seus recursos culturais até então acumulados. Nesses casos, de grupos geralmente pertencentes às frações médias e superiores das classes médias, a autora observou certa urgência de internacionalização dos filhos, que não pôde se concretizar na trajetória dos pais. Tomados em conjunto, são famílias que vislumbram, como retorno de seus investimentos na escolarização internacional, a aquisição de capitais e de disposições que, em consonância com a evolução histórica de seu patrimônio econômico, cultural e social, julgam essenciais ao êxito futuro dos filhos.

Conclusão

Tomados em conjunto, os resultados da pesquisa estrangeira e nacional revelam traços comuns que auxiliam o entendimento das estratégias familiares atuais de internacionalização dos estudos tanto no Brasil quanto no exterior. São mais amplos os grupos, além das elites, a reconhecer nos recursos internacionais um trunfo essencial à sua atuação e à sua reprodução. Essa dimensão do capital cultural — o acúmulo de competências linguísticas, culturais e sociais, além da própria mobilidade — seria potencialmente produtora, na avaliação de determinadas famílias, de disposições necessárias a certa desenvoltura de atuação dos sujeitos em meios internacionais, em culturas diferentes. Do ponto de vista dos estabelecimentos de ensino, as escolas respondem a essa espécie de interesse renovado pelo internacional por meio de iniciativas diversificadas de promoção da internacionalização de seus estudantes.

No entanto, é preciso localizar as ações dos sujeitos e das instituições nas disputas próprias das esferas sociais em que atuam e nas posições que ocupam na hierarquia desses universos. Nesse sentido, tomada em sua dimensão mais ampla, uma análise das características e consequências atuais dos processos de globalização e mundialização — aplicados às realidades técnica e econômica ou àquela cultural, respectivamente (Ortiz, 2007) — não pode prescindir da reavaliação dos modos de dominação a eles inerentes. Em outros termos, é importante frisar que esses fenômenos se inscrevem em um panorama de relações desiguais de força simbólica entre as nações (Wagner, 2003), aspecto que define valores diversos aos recursos internacionais próprios de cada país. Aqueles interpretados como mais rentáveis são associados a nações dominantes, uma consequência do fato de que tais países, como lembrado por Wagner (1998), acabam por impor seus atributos nacionais (como por exemplo, sua cultura) aos demais. Por consequência, recursos internacionais adquiridos pelo contato ou vivência em países não bem posicionados no panorama mundial tendem a ser menos valorizados, porque desprovidos de poder simbólico, de prestígio.

Assim, do ponto de vista das disputas sociais que se dão no Brasil, o contato com estrangeiros ou com a cultura das nações desenvolvidas confere um signo de excelência, na medida em que proporciona ganhos sociais e simbólicos, expressos em disposições que distinguem seus portadores daqueles que permanecem confinados ao nacional. Esses aspectos explicam, de certo modo, uma marca comum detectada como característica das estratégias recentes de investimento em recursos internacionais por parte de famílias brasileiras: uma espécie de reverência diante da cultura produzida nos países ditos desenvolvidos. Uma reverência que se expressa, por um lado, no plano das ideias — na crença quase absoluta de pais e filhos nos efeitos positivos da internacionalização. Por outro, naquele das ações, na ânsia dos pais em investir nos recursos internacionais os mais rentáveis e possíveis, capazes de proporcionar aos filhos disposições que eles próprios não possuem: certa desenvoltura diante do internacional, que reconhecem e cobiçam, mas que só a precocidade da aquisição (Bourdieu, 1979; Wagner, 2003) poderia proporcionar. Assim, no caso do Brasil, tudo se passa como se um dos efeitos da intensificação recente das trocas internacionais tenha sido desencadear e despertar, em outros grupos sociais, o sentimento de privação de recursos que eles anteriormente não interpretavam como capitais. Segundo Bourdieu (1992), o valor de um tipo de capital depende da existência de um jogo, uma disputa na qual ele conte como " carta vencedora" , consentindo a seu detentor uma forma de poder ou influência. Um mesmo recurso pode ser interpretado diferentemente por grupos ou sujeitos diversos, que podem reconhecê-lo, ou não, em momentos distintos de suas trajetórias, como um alvo a ser investido, um trunfo de peso, que vai fazer a diferença nas disputas sociais que devem enfrentar. Daí seu reconhecimento, de certo modo, repentino, sua boa vontade internacional (Nogueira; Aguiar, 2008) e investimento ansiosos na atualização, tornada urgente, da composição do próprio patrimônio cultural, avaliado e percebido, nos dias de hoje, como que desfalcado de um marcador de valor essencial, o capital internacional.

É nesse sentido que a análise mais aprofundada do tema em questão adquire relevância sociológica, na medida em que o recurso recente ao internacional, como estratégia educativa também de grupos em ascensão, além das elites, parece surgir como fator que agrava e torna ainda mais complexo o quadro de desigualdade de oportunidades escolares que, tradicionalmente, tem influenciado as disputas sociais por melhores posições dos sujeitos no espaço nacional. Assim, se no caso das nações desenvolvidas o interesse renovado pelo internacional pode ter como desdobramentos prováveis remodelações ou recomposições dos princípios da hierarquia social em meios favorecidos (Wagner, 2003), no caso do Brasil, esse fenômeno atua, antes de tudo, em outra direção: aprofundando e consolidando ainda mais as fronteiras, já existentes, entre os que podem se beneficiar da rentabilidade dessa espécie de capital, ao longo de sua escolarização, e aqueles que se veem limitados aos recursos nacionais.

Recebido em 01.10.08

Aprovado em 09.02.09

Andréa Aguiar é doutora em Educação pela UFMG e pesquisadora associada e pós-doutoranda (com apoio financeiro do CNPq) do Observatório Sociológico Família-Escola (OSFE), grupo de pesquisa da Faculdade de Educação da UFMG.

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  • Correspondência:
    Andréa Aguiar
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  • *
    Este trabalho contou com o auxílio financeiro da Capes por meio de bolsa de doutorado.
  • 1
    . Esse fluxo atestaria também, segundo os autores, a condição " dominada" da educação sueca em relação a outros sistemas de ensino estrangeiros, reflexo da posição periférica do país no panorama mundial das relações de força e poder entre as nações.
  • 2
    . Essa mesma tendência foi também verificada por Cantuária (2005) em seu estudo sobre as escolas internacionais da cidade de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Recebido
      01 Out 2008
    • Aceito
      09 Fev 2009
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