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Os métodos quantitativos no ensino superior: uma tipologia de representações

Resumos

É recorrente concluir-se que níveis mais elevados de autoconfiança dos alunos, relativamente às suas capacidades para interagir com a matemática, associados a uma maior utilidade percebida desta concorrem para os alunos terem representações positivas da disciplina. Um dos objectivos deste artigo é averiguar se no contexto universitário se mantém esta tendência linear na relação entre as duas dimensões - afectiva e instrumental - estruturantes das representações das disciplinas de métodos quantitativos. Um segundo objectivo consiste em perceber como é que os alunos de diferentes cursos (de áreas científicas distintas) geram as suas representações relativamente a essas disciplinas. Foi aplicado um inquérito por questionário a uma amostra de alunos numa instituição universitária. Para a definição dos padrões de representações, foi usada a Análise de Correspondências Múltiplas e, para a identificação de factores explicativos dos perfis dos alunos, foi usada a Regressão Categorial. Os resultados evidenciam que o espaço das representações dos métodos quantitativos em contexto universitário é um espaço marcado pela heterogeneidade, mas cuja complexidade ultrapassa essa tendência linear na relação entre a dimensão da utilidade e a dimensão afectiva. Outra das conclusões é a não sustentabilidade da tese que aponta (pelo menos em contexto não universitário) para a feminização da falta de autoestima e da autoconfiança para lidar com disciplinas dessa área científica. Conclui-se, ainda, que parece existir uma certa cultura de curso, na medida em que os cursos tendem a reflectir um padrão predominante de representações dos métodos quantitativos.

Representações dos métodos quantitativos; Tipologia de representações; Análise de Correspondências Múltiplas; Regressão Categórica (CATREG)


It is often concluded that higher levels of self-confidence in pupils in relation to their ability to interact with mathematics, associated to the perception of the latter's greater utility contributed for pupils making positive representations of this discipline. One of the objectives of this article is to inspect if in the university context this linear trend is maintained in the relation between the two dimensions – affective and instrumental – which structure the representations of the disciplines of quantitative methods. A second objective consists in observing how students from different courses (from different scientific areas) create their representations about these disciplines. A questionnaire was applied to a sample of students from a university institution. The definition of patterns of representations was done through the use of Multiple Correspondence Analysis (MCA), and Categorical Regression (Catreg) was employed to identify explaining factors in the students' profile. The results show that the space of the representations of quantitative methods in a university context is marked by heterogeneity, with a complexity that goes beyond this linear trend in the relation between the utility dimension and the affective dimension. Another conclusion is about the untenability of the thesis that points (at least in a non-university context) to the feminization of the lack of self-esteem and self-confidence to deal with disciplines from this scientific area. A further conclusion is that a course culture seems to exist, insofar as the courses tend to reflect a predominant pattern of representations of the quantitative methods.

Representations of quantitative methods; Typology of representations; Multiple Correspondence Analysis (MCA); Categorical Regression (Catreg)


ARTIGOS

Os métodos quantitativos no ensino superior: uma tipologia de representações

Madalena Ramos; Helena Carvalho

Instituto Universitário de Lisboa

Correspondência Correspondência: Madalena Ramos Av. Forças Armadas 1649-026 – Lisboa – Portugal e-mail: madalena.ramos@iscte.pt

RESUMO

É recorrente concluir-se que níveis mais elevados de autoconfiança dos alunos, relativamente às suas capacidades para interagir com a matemática, associados a uma maior utilidade percebida desta concorrem para os alunos terem representações positivas da disciplina. Um dos objectivos deste artigo é averiguar se no contexto universitário se mantém esta tendência linear na relação entre as duas dimensões — afectiva e instrumental — estruturantes das representações das disciplinas de métodos quantitativos. Um segundo objectivo consiste em perceber como é que os alunos de diferentes cursos (de áreas científicas distintas) geram as suas representações relativamente a essas disciplinas. Foi aplicado um inquérito por questionário a uma amostra de alunos numa instituição universitária. Para a definição dos padrões de representações, foi usada a Análise de Correspondências Múltiplas e, para a identificação de factores explicativos dos perfis dos alunos, foi usada a Regressão Categorial. Os resultados evidenciam que o espaço das representações dos métodos quantitativos em contexto universitário é um espaço marcado pela heterogeneidade, mas cuja complexidade ultrapassa essa tendência linear na relação entre a dimensão da utilidade e a dimensão afectiva. Outra das conclusões é a não sustentabilidade da tese que aponta (pelo menos em contexto não universitário) para a feminização da falta de autoestima e da autoconfiança para lidar com disciplinas dessa área científica. Conclui-se, ainda, que parece existir uma certa cultura de curso, na medida em que os cursos tendem a reflectir um padrão predominante de representações dos métodos quantitativos.

Palavras-chave: Representações dos métodos quantitativos — Tipologia de representações — Análise de Correspondências Múltiplas — Regressão Categórica (CATREG).

O fato de o progresso económico nas sociedades actuais estar intimamente ligado ao desenvolvimento tecnológico contribui fortemente para uma cada vez maior importância das competências em áreas como a matemática. Esse fenómeno, associado ao contínuo insucesso escolar verificado nessa disciplina, tem preocupado educadores e governantes em muitos países e, designadamente em Portugal, onde as taxas de insucesso na disciplina continuam ainda a ter valores preocupantes.

Na investigação, o insucesso em matemática tem estado igualmente presente em muitos estudos, nomeadamente na área das Ciências da Educação e da Psicologia, que se debruçam sobre a questão da relação entre as representações acerca da matemática e o desempenho dos alunos (privilegiando os do ensino pré-universitário), invocando a importância de determinados factores na estruturação dessa relação.

Uma das hipóteses que tem vindo a ser analisada aponta no sentido da autoconfiança dos alunos, relativamente às suas capacidades para obter bons resultados em matemática, a par da sua percepção acerca da utilidade dessa disciplina influenciar de forma decisiva o seu desempenho, estando níveis mais elevados de autoconfiança e de percepção da sua utilidade associados a melhores resultados.

A par da identificação dos factores estruturantes das representações dos alunos relativamente à matemática, neste estudo, é também avaliada a relação entre certas características individuais como o género e a idade.

Um dos objectivos deste artigo é ampliar a análise de algumas dessas hipóteses ao segmento dos estudantes universitários, tendo como referencial as disciplinas da área científica dos métodos quantitativos1 1 . Consideram-se disciplinas da área científica dos MQ todas as disciplinas leccionadas da responsabilidade do Departamento de Métodos Quantitativos da universidade estudada, tais como: Matemática, Estatística, Estatística Aplicada, Métodos Quantitativos, Análise de Dados, Álgebra Linear, Métodos de Previsão, Sucessões Cronológicas, Econometria, Macroeconometria etc. . Centramo-nos na exploração das representações que os alunos constroem a propósito dessas disciplinas numa instituição universitária marcada pela diversidade de áreas científicas, mas nas quais a transversalidade da disciplinas de métodos quantitativos — MQ — é uma constante2 2 . Na universidade pesquisada, todos os cursos analisados têm no seu plano de estudos uma ou mais disciplinas da área científica dos MQ. . Atribuímos particular enfoque — e esse é sem dúvida um aspecto essencial — à articulação das dimensões afectiva e instrumental na estruturação das representações desses estudantes na perspectiva de identificar os múltiplos contornos que essa articulação pode assumir.

Um segundo objectivo passa por perceber como é que os alunos — de cursos de diferentes áreas científicas3 3 . Antropologia, Economia, Engenharia Informática, Engenharia de Telecomunicações e Informática, Finanças, Gestão, Gestão de Recursos Humanos, Gestão e Engenharia Industrial, História, Informática e Gestão de Empresas, Marketing, Psicologia Social e das Organizações, Sociologia e Sociologia e Planeamento. — geram as suas representações relativamente a essas disciplinas. Poder-se-á falar numa dinâmica de grupo, no sentido em que dentro de cada curso se assiste a uma socialização que desencadeie a partilha de representações similares?

Pretendemos, assim, com a resposta a essas questões, contribuir para a compreensão do que é a interacção dos alunos universitários com as disciplinas de MQ, designadamente por meio das suas representações, na perspectiva de potenciar a intervenção pedagógica junto dos grupos que eventualmente detenham maiores constrangimentos na interacção com essas disciplinas.

Factores da relação social e individual com a matemática

Na perspectiva de que a relação entre práticas e representações é contínua e iterativa, é legítimo pensar que, também no nível da aprendizagem e do desempenho em disciplinas como a matemática, as representações sociais desempenham um papel importante. É nesse sentido que apontam muitos dos estudos que têm explorado os contornos dessa relação, ainda que reportados ao contexto pré-universitário. Autores como Haladyna; Shaughnessy; Shaughnessy (1983); Schoenfeld (1988; 1989); Kloosterman (1994; 1996); Mcleod (1985; 1992); e Reyes (1984); entre outros, demonstraram já amplamente a importância de variáveis do domínio afectivo nas práticas e, consequentemente, na construção das representações sobre a matemática.

Haladyna, Shaughnessy e Shaughnessy (1983), partindo da hipótese de que uma atitude positiva pode ser um resultado escolar importante por si mesmo, mas que também pode estar positivamente relacionada com o desempenho e fazer aumentar a tendência para a opção por cursos com uma forte componente matemática, desenvolveram um modelo de análise no qual a questão mais ampla da motivação do aluno (e que inclui variáveis como a importância dada à matéria estudada, a autoconfiança na capacidade para aprender e o fatalismo) surge associada às práticas.

Concluíram esses autores que a auto-confiança dos alunos relativamente às suas capacidades para obter bons resultados em matemática, a par da sua percepção acerca da importância da disciplina, influenciam de forma decisiva o seu desempenho, estando níveis mais elevados de autoconfiança e de percepção da sua utilidade associados a melhores resultados.

A par da importância da dimensão afectiva na construção das representações sociais da matemática, também a utilidade atribuída a ela — como componente da relação estabelecida com a disciplina e, consequentemente, como factor estruturador das representações — tem sido um tópico analisado em numerosos estudos (Fennema; Sherman, 1977; 1978; Kloosterman; Stage, 1992; Schoenfeld, 1989; Muis, 2004). Neles, fica demonstrada não apenas a importância da utilidade percebida da matemática, como também a sua associação com as variáveis do domínio afectivo.

A tendência captada vai no sentido de uma maior utilidade percebida de a matemática estar associada a representações mais positivas acerca da disciplina. A percepção que os alunos têm da sua utilidade pode ir de um extremo de não atribuição de qualquer importância, ao extremo oposto de a considerarem como fundamental para o futuro pessoal e profissional. Se, para alguns, ela não tem qualquer relevância prática para a sua vida, para outros, ao invés, a sua utilidade e a sua importância é indiscutível, seja ao nível da prossecução de objectivos de curto prazo — nomeadamente para obter uma boa média no final do ano ou prosseguir os estudos numa determinada área científica —, seja para a sua realização pessoal ou para o seu futuro profissional.

Assim sendo, neste estudo sobre as representações dos MQ nos alunos universitários, para além dos factores que remetem para a relação afectiva com as disciplinas dessa área científica, não poderíamos deixar de considerar também os indicadores que medem a utilidade percebida pelos alunos em termos da sua utilidade para o futuro pessoal, escolar e profissional. Sobretudo se se pensar que está em análise um grupo cuja proximidade ao exercício da profissão assume particular acuidade.

Se os alunos esperam vir a obter, no futuro, vantagens profissionais, decorrentes das competências adquiridas na aprendizagem das disciplinas de MQ, é de esperar, por exemplo, que o posicionamento face ao estudo e à imagem que sobre elas constroem seja diferente do que aconteceria se não perspectivarem nenhuma mais-valia do esforço de aprendizagem. Ou seja, a utilidade que cada um atribui à aquisição de conhecimentos nessa área científica vai, muito provavelmente, condicionar a predisposição relativamente à interacção com essas disciplinas e, em particular, o próprio empenho na sua aprendizagem.

Para além dos factores de ordem afectiva e instrumental, diversos autores chamaram também a atenção para a importância da relação entre representações e características individuais como o género (Fennema; Sherman, 1978; Stage; Kloosterman, 1995; Kilpatrick; Silver, 2000; Fennema, 2000), a idade (Fredrick; Mishler; Hogan, 1984; Walker; Plata, 2000) ou a autoconfiança em si próprios (Schoenfeld, 1985; 1989; Reyes, 1984; McLeod, 1992; Kloosterman et al., 1996).

Fennema e Sherman (1978) e Fennema (1990; 2000), enquadrados pela questão das diferenças entre os géneros na aprendizagem matemática, relacionaram-nas com algumas variáveis afectivas, tendo concluído que a autoconfiança dos rapazes na sua capacidade para aprender era significativamente mais elevada do que as das raparigas, sendo também entre eles que mais implantado se encontrava o estereótipo da matemática como um domínio masculino.

Também Fredrick, Mishler e Hogan (1984) e Walker e Plata (2000) chegam à idêntica conclusão. Segundo eles, se a idade parece ser um factor pouco importante, apesar de ser possível detectar uma ligeira tendência para os estudantes mais velhos tirarem uma maior satisfação do estudo da matemática e lhe atribuírem mais utilidade, já no que diz respeito ao género, é possível detectar uma tendência para as raparigas terem representações mais negativas da matemática e serem menos confiantes em si próprias do que os rapazes.

Essa breve sistematização pretende evidenciar a necessidade de, na análise das representações sociais que efectuámos — ainda que transposta para o meio universitário e para um conjunto mais amplo de disciplinas, embora da mesma área científica —, considerar um amplo conjunto de variáveis que permitem avaliar a percepção dos alunos quanto às suas próprias capacidades, a autoconfiança, a utilidade e a importância atribuída às disciplinas da área dos MQ, bem como algumas características do foro individual, nomeadamente o género e a idade. Tendo em consideração as possíveis influências desses diversos factores, agora com enfoque no meio universitário, procurámos neste artigo responder às seguintes questões:

1)Como é a relação dos alunos de uma instituição de ensino superior com as disciplinas da área dos MQ (matemática, estatística, análise de dados, econometria, pesquisa operacional...) nas dimensões afectiva e instrumental?

2)Que tipos de representações dos MQ se definem a partir da relação entre as duas dimensões?

3)Que perfis individuais estão associados aos diferentes tipos de representações?

Metodologia

Amostra

É no âmbito da temática mais ampla da relação entre representações e desempenhos que surge este estudo, cuja novidade decorre: 1) da população-alvo escolhida [alunos universitários], uma vez que na maior parte das investigações são os níveis de ensino pré-universitários o objecto de análise; e ainda 2) na classificação desses estudantes segundo uma tipologia de representações sociais dos MQ, a partir da interacção entre indicadores do domínio afectivo e instrumental.

A população-alvo deste estudo é composta pelos alunos dos vários cursos de graduação de uma universidade de Lisboa, cujo currículo inclui disciplinas da área científica dos MQ. A amostra foi constituída por meio de um processo de amostragem multietápica, de forma a abranger alunos dos vários anos, dos vários cursos e dos vários turnos. Nos casos dos cursos em que existia mais do que uma turma por ano curricular, seleccionámos aleatoriamente uma em cada um dos anos. Nos cursos com turno diurno e nocturno e quando havia mais de uma turma, seleccionámos, também aleatoriamente, uma turma em cada turno e por ano curricular.

Após efectuada a selecção das turmas, foi aplicado um questionário em sala de aula a todos os alunos presentes. A recolha dos dados teve lugar no primeiro semestre de 2005, tendo-se obtido uma amostra de 1269 alunos que contempla a diversidade existente na instituição em termos de cursos, anos de curso, turnos, idades e condição perante a profissão.

Na amostra, as idades variavam entre os 16 e os 69 anos e a idade média era de 23,3 anos. A maioria dos estudantes era do sexo feminino (56,4%), oriunda de famílias com habilitações elevadas (30,8% com Ensino Superior e 23,4% com Ensino Secundário), frequentava cursos do turno diurno (83,5%) e não era trabalhador-estudante (73,6%), o que obviamente reflecte o perfil da população estudantil do instituto.

Indicadores

No processo de construção social das representações dos MQ, estão presentes diferentes aspectos: i) os que se prendem com a forma como os alunos se relacionam afectivamente com a disciplina; ii) os que derivam das expectativas e convicções acerca dos benefícios, directos ou indirectos, que podem advir desse tipo conhecimentos; e iii) os que reflectem a sua autoconfiança. No Quadro 1, estão sistematizados os conteúdos específicos e os indicadores associados a esses diferentes aspectos e que permitiram a sua operacionalização.


Um dos indicadores da relação afectiva mantida com as disciplinas de MQ é o sentimento nutrido por elas. Assim, foi pedido aos alunos que, de uma lista de várias palavras, escolhessem aquela que melhor definia os seus sentimentos para com as disciplinas dessa área científica. Ainda no contexto da dimensão afectiva, foi solicitado que indicassem o seu grau de concordância (numa escala de 6 pontos) com um conjunto de proposições e que autoavaliassem os seus conhecimentos nessas disciplinas.

A utilidade percebida das disciplinas de MQ foi medida por meio do grau de concordância (numa escala de 6 pontos) com diversas proposições e do grau de importância (numa escala de 10 pontos) que os alunos lhes atribuem no seu futuro profissional.

Preservando a individualidade de cada uma das dimensões — afectiva e instrumental — como factores estruturantes do sistema de representações dos MQ, pretendemos sobretudo explorar a multidimensionalidade relacional que caracteriza esse ou qualquer outro sistema de representações. A complexidade sustentada pelas inter-relações entre os múltiplos indicadores que definem essas dimensões implica que se preserve a multidimensionalidade de tipo estrutural, quer na abordagem conceptual, quer na sua exploração analítica. Para justamente gerir com eficácia a análise da configuração relacional que caracteriza o sistema de representações, privilegiámos a Análise de Correspondências Múltiplas. Trata-se de um método de análise multivariada adequado à gestão de múltiplos indicadores, sobretudo de natureza qualitativa (como os que estão descritos no Quadro 2) e que permite realizar análises estruturais.


Após identificados e definidos os vários tipos de representações, eles foram regredidos em função de uma série de factores, tidos como importantes para explicar a diferenciação detectada. Para o efeito e dada a natureza categorial de muitas das variáveis, foi usada uma Regressão Categorial (via optimal scaling).

Representações dos métodos quantitativos: utilidade percebida e relação afectiva

No que se refere aos sentimentos manifestados pelas disciplinas de MQ (Quadro 2), a necessidade e o interesse são os que reúnem maior consenso (respectivamente 21,0% e 20,4%)4 4 . Alguns dos sentimentos que constavam da lista inicial acabariam por não ser considerados na análise, dado o reduzido número de escolhas. . Menos valorizados estão a incompreensão, a simpatia e o aborrecimento. Se cerca de metade dos alunos (46%) apresentam escolhas que apontam para uma relação marcadamente passiva — necessidade, obrigação e aceitação — com essas disciplinas, ainda assim um terço (35,5%) associa-lhes sentimentos como interesse e desafio.

Essa oscilação entre sentimentos que sugerem estar-se perante uns alunos mais passivos e outros mais pró-activos, no que se refere à gestão dos afectos na relação com os MQ, é sustentada pelos níveis (médios) de concordância no que se refere à avaliação da sua autoestima (Gráfico 1). Se, por um lado, tendem a não se sentir descontraídos (M=2,4), por outro lado, também não se sentem desconfortáveis nem angustiados (M=2,8).


A associação entre os indicadores da autoavaliação (Quadro 3) apresentam correlações tendencialmente moderadas ainda que estatisticamente significativas5 5 . Refira-se que foi usado um nível de significância máximo de 5%. . Pode observar-se, e como seria de esperar, que quanto mais seguros os alunos se sentem nessas disciplinas, mais descontraídos (R=0,510, p<0,01) e menos desconfortáveis (R=-0,537, p<0,01) estão.


Das várias razões possíveis para obter um bom resultado nas disciplinas de MQ, todas parecem ser algo importantes, conforme se pode constatar pelos valores médios representados no Gráfico 2 (todos estão acima do ponto central da escala). Todavia, uma boa média no fim do curso é a razão que mais se destaca, com um valor médio de 4,2, registando as restantes justificações valores médios bastante próximos (entre 3,6 e 3,9).


Tal como foi observado por Fennema e Sherman (1977; 1978), Fennema (2000), Schoenfeld (1989), Klooosterman e Stage, (1992), Muis (2004), noutros segmentos de ensino, também nos alunos do Ensino Superior, é atribuída importância às disciplinas de MQ, no que respeita à sua utilidade, designadamente ao nível da concretização de objectivos mais imediatos, como seja ter boa média no final da licenciatura.

Da associação entre os vários aspectos julgados importantes para se ter boas notas nas disciplinas de MQ (Quadro 4), destaca-se a preparação para a área científica com o conseguir o emprego pretendido (R=0,623, p<0,01). É também importante constatar a existência de correlações positivas e de intensidade média entre aspectos que relacionam as dimensões utilidade e afectiva como, por exemplo, ter boa média no final da licenciatura e agradar a mim próprio (R=0,463, p<0,01).


No Gráfico 3, podemos observar a importância atribuída pelos alunos às disciplinas de MQ como ferramentas para o futuro profissional. A maior concentração de respostas verifica-se nos pontos mais elevados da escala (quase 50% entre os pontos sete e oito), o que leva a admitir que as competências que eles adquirem por meio delas são consideradas por esses alunos como muito importantes para o seu futuro profissional. Já havia ficado clara a importância atribuída a essas disciplinas para a prossecução de objectivos a curto prazo e fica agora, também evidente, a preponderância dos MQ como ferramenta essencial para o futuro emprego.


Representações dos métodos quantitativos: identificação de perfis distintos

Na perspectiva de identificar padrões de representações dos MQ no seio dos estudantes universitários, realizámos uma Análise de Correspondências Múltiplas (ACM). Para o efeito, exploraram-se associações entre múltiplas variáveis (Quadro 5), tendo sido seleccionadas duas dimensões: eixos estruturantes do espaço das representações.


Como podemos concluir pelo mapeamento disponível no Gráfico 4, as variáveis que remetem para a relação afectiva com os MQ contribuem decisivamente para a estruturação da dimensão 1, enquanto que as variáveis que se destacam na dimensão 2 são as que se prendem com a utilidade dos conhecimentos adquiridos nessas disciplinas. Os resultados da ACM mostram assim estar-se perante duas dimensões quantitativa e substantivamente consistentes.


Analisando as posições relativas das múltiplas categorias dos diversos indicadores nas duas dimensões (Gráfico 5), podemos captar a diferenciação desencadeada por cada uma delas. Assim, na dimensão 1, há a salientar a disposição dos sentimentos acompanhada por uma ordenação do nível de conhecimentos de MQ, no qual os sentimentos mais negativos se associam a uma má autoavaliação de conhecimentos, por oposição aos sentimentos positivos e uma boa autoavaliação.


Já na dimensão 2, há que sublinhar a oposição entre as categorias que remetem para a grande importância de ter boas notas nas disciplinas de MQ para atingir objectivos pessoais e profissionais a curto ou médio prazo e aquelas que remetem para uma posição mediana ou de não atribuição de importância aos bons resultados nessas disciplinas.

A análise conjugada das duas dimensões permitiu-nos perceber a configuração topológica do espaço das representações sociais dos MQ e identificar diferentes combinações, indicando assim estar-se em presença de um espaço no qual coexistem representações distintas. Como o plano evidencia, tem-se no essencial quatro configurações cuja especificidade decorre da articulação dos sentimentos — positivos nuns casos e negativos noutros — com a importância atribuída — em maior ou menor intensidade — ou mesmo não atribuída às disciplinas de MQ.

Podemos observar (1º quadrante) uma associação privilegiada entre sentimentos positivos — simpatia, desafio, interesse — com descontracção, pouca angústia e pouca dificuldade nessas disciplinas, sendo ainda de realçar a proximidade com a categoria muito seguros. Em termos de conhecimentos de MQ, estamos perante um grupo com uma autoavaliação elevada. No que se refere à dimensão instrumental, observamos a associação com as categorias que remetem para a importância dos métodos quantitativos para o sucesso pessoal e para o futuro profissional.

Na vizinhança (2º quadrante), mas partilhando sentimentos negativos, como o aborrecimento e relativamente próximo o sentimento de obrigação, apresenta-se outra configuração. Nesse caso, não são considerados importantes os resultados obtidos nos MQ nem para o sucesso pessoal nem para o futuro pessoal e profissional. Este é claramente o padrão que reflecte maior pessimismo e descrença.

Ainda com sentimentos marcadamente negativos, define-se um outro grupo (3º quadrante) para os quais os MQ parecem gerar muita angústia, incompreensão, insegurança e, ainda, grande dificuldade na aprendizagem. Essa negatividade é reforçada pela autoavaliação expressa dos indivíduos: consideram-se maus alunos. Não obstante os sentimentos negativos que nutrem para com essas disciplinas, ainda assim e no que respeita à importância que estas desempenham na formação pessoal e profissional, podemos perceber, pelo seu posicionamento face à dimensão 2 (dim 2<0), que estarão em análise indivíduos que paralelamente lhe reconhecem muita importância.

Um último grupo que concilia os sentimentos positivos com o reconhecimento da elevada importância das disciplinas de MQ, na aquisição de competências nas esferas pessoal e profissional, define-se no 4º quadrante. Estamos pois perante a clara articulação da máxima utilidade com as representações positivas dos MQ. Nesse caso, as disciplinas de MQ pautam-se por desencadearem sentimentos de descontracção, de segurança. Em termos de autoavaliação, o seu posicionamento permite inferir tratar-se de um grupo que tende a reconhecer-se pelo título de bom aluno.

Fica assim a evidência de que as representações dos alunos universitários em estudo não são intrinsecamente homogéneas. Muito pelo contrário, encontrámos diversas configurações cuja especificidade decorre justamente da articulação entre sentimentos negativos ou positivos face às disciplinas de MQ, com os diferentes níveis de importância que elas podem ter no sucesso pessoal e profissional.

Para além da presença de combinações que reflectem uma certa tendência para a existência do que poderíamos designar de relação linear e positiva entre a dimensão da utilidade e a dimensão afectiva, os resultados da ACM destacam ainda a presença de uma configuração na qual coexistem sentimentos negativos com o reconhecimento de utilidade às disciplinas de MQ. Isso significa que mesmo admitindo menor autoconfiança, isso não obsta a que seja reconhecida utilidade a essas disciplinas. Qual o perfil destes e dos outros alunos que partilham os diversos padrões de representações é uma das questões que também privilegiámos neste estudo.

Tipologia das representações sociais dos métodos quantitativos

Tendo sido identificados no plano da ACM diferentes configurações nas representações sociais das disciplinas de MQ, e a preceder a análise dos perfis dos alunos que partilham cada tipo, passaremos em seguida a apresentar a formalização da tipologia. Para o efeito, realizámos uma Análise de Clusters, tomando como referencial as duas dimensões estruturantes do espaço das representações definidas, via ACM.

O Gráfico 6 apresenta a projecção dos quatro tipos6 6 . A solução de quatro grupos sugerida pela leitura do plano da ACM foi confirmada pela realização de uma Análise de Clusters Hierárquica, após o que se seguiu a definição final por via do método k-médias, optimizando assim a partição em quatro grupos (para mais desenvolvimentos técnicos, ver Carvalho, 2004). , sendo bastante evidente a correspondência entre a configuração topológica e a tipologia obtida, na medida em que os quatro tipos têm na generalidade um posicionamento quase centroide nas subnuvens que traduzem cada uma das quatro configurações das representações.


Encontramos assim um grupo que denominámos de descrentes porque, para além de nutrirem sentimentos negativos com essas disciplinas, não lhes reconhecem qualquer importância e, nesse ponto, são diferentes dos pragmáticos. Apesar de também estes partilharem sentimentos negativos, ainda assim estão conscientes de que têm de aprender e trabalhar com essas disciplinas, porque elas são importantes na aquisição de certas competências, designadamente para o exercício da profissão.

Com sentimentos positivos, temos os alunos seguros e os convictos. No primeiro caso, são indivíduos seguros dos seus conhecimentos, da importância dessas disciplinas e dessa segurança resulta também a descontracção com que encaram a gestão delas. Os convictos não só manifestam sentimentos positivos como lhes atribuem muita importância. Estes se sentem sem dúvida muito confiantes do seu sucesso.

É relevante notar que, dos quatro tipos de alunos inquiridos nessa instituição universitária, predominam os tipos de representações mais favoráveis às disciplinas de MQ. Os seguros e os convictos são preponderantes (respectivamente, 38,5% e 27,1%). Em bem da verdade, e enquanto intervenientes activos, quer do processo de aprendizagem desses alunos, quer da contínua reestruturação de algumas das disciplinas dessa área científica, poderíamos acrescentar que essa atitude favorável decorre em certa medida da simultânea des-dramatização e responsabilização que se procura realizar junto dos alunos.

Perfis dos alunos no espaço das representações dos métodos quantitativos

Definida a tipologia das representações sociais dos MQ, importava conhecer os perfis dos alunos associados a cada tipo. Existiriam factores determinantes na estruturação das diferentes configurações de representações? A investigação desenvolvida em contexto não universitário aponta, designadamente, para a influência do sexo e da idade dos alunos.

Para o efeito, regredimos os quatro tipos de representações em função de variáveis mais directamente relacionadas com características sociodemográficas dos alunos — como sexo, idade e habilitações literárias dos pais — e de variáveis que contribuem para a definição do seu perfil como alunos dessa instituição universitária — curso frequentado, ano de curso (aquando da realização do estudo) e turno. A Regressão Categorial (via optimal scaling) permitiu-nos concluir que só existe efeito significativo do sexo, do ano e do curso frequentado (Quadro 6), sendo o curso o factor com maior importância relativa (coef. Pratt=0,729) na explicação da variação dos tipos de representações dos MQ (após transformação).


A ideia de que a idade é um factor pouco importante (Fredrick; Mishler; Hogan, 1984; Walker; Plata, 2000) é assim retomada nesse contexto universitário marcado, inclusive, por uma acentuada diversidade etária, dada a presença de dois turnos (diurno e nocturno).

Conhecidas as variáveis analiticamente pertinentes para explicar a variabilidade das representações, procedemos à identificação dos traços determinantes dos perfis dos alunos e, para isso, realizámos outra ACM, mas com projecção em suplementar das variáveis que se apresentam como significativas: sexo, curso e ano que no momento frequentavam (Gráfico 7).


O sexo tem sido apontado ao longo dos anos como um potencial factor diferenciador (Fennema; Sherman, 1978; Stage; Kloosterman, 1995; Kilpatrick; Silver, 2000; Fennema, 2000), quer no nível das representações, quer no nível dos próprios desempenhos, sendo habitualmente os alunos do sexo feminino a apresentarem menor autoconfiança e representações mais negativas, tendência que parece, no entanto, não se reproduzir nesses alunos universitários.

Como podemos ver no Gráfico 7, as alunas inquiridas são mais pragmáticas e convictas. A sua posição relativamente à dimensão afectiva — como aliás também a dos alunos do sexo masculino — reflecte, nesse caso, a inexistência de associação.

Nesse contexto universitário, poderíamos assim concluir pela não sustentabilidade da tese de que os alunos do sexo feminino têm pior autoestima e representações mais negativas. Se na dimensão afectiva a partilha de sentimentos negativos versus sentimentos positivos não distingue os dois sexos, já na instrumentalidade das disciplinas de MQ vamos encontrar perfis com algumas diferenças. Estas vão no sentido de elas considerarem essas disciplinas muito importantes, quer na prossecução de objectivos de curto prazo, quer para o seu futuro profissional.

Relativamente ao ano de curso e apesar de, tal como o sexo, ser um factor com uma importância relativa pequena na variabilidade global (coef. Pratt=0,159), ainda assim verificamos que são, sobretudo, os alunos nos dois primeiros anos que se posicionam entre os pragmáticos e os convictos, enquanto os que já estão mais avançados nos seus cursos (3 e 4 anos7 7 . Refira-se que para essa análise não foram considerados os alunos do 5º ano, dado serem uma minoria, o que é explicável pelo facto de serem poucos os cursos que incluíam um currículo de 5 anos. ) estão entre os descrentes e os seguros. Esses últimos são os que tiveram até ao momento mais disciplinas de MQ, pelo que as suas respostas já evidenciam esse conhecimento da realidade. Se, de um lado, temos a autoconfiança e a segurança aliada à atribuição de importância a essas disciplinas, do outro, sobressaem os que não têm quaisquer expectativas face aos benefícios que as disciplinas de MQ lhes possam (ainda) vir a proporcionar, sendo essa descrença reforçada pela negatividade dos sentimentos.

O curso é o factor que, nesse modelo, se afigura quantitativamente (coef. Pratt =0,729) mais influente na explicação dos vários tipos de representações desses alunos universitários. Podemos observar, no Gráfico 7, que existem cursos claramente associados a diferentes representações, assim como existem outros que são transversais à maioria dos tipos de representações. Os alunos dos cursos de Sociologia estão mais perto dos pragmáticos. A nossa observação participante permite-nos referir que tendem a ser alunos que — apesar de não serem estas as disciplinas que mais os cativam — estão conscientes da importância dessas ferramentas para o seu futuro profissional. Não obstante o grau de dificuldade que sentem, e que os leva muitas vezes a ter de repetir avaliações, ainda assim o seu pragmatismo não vacila.

Na vizinhança, estão os convictos que vêm sobretudo do curso de Psicologia Social e das Organizações (PSO). São bons alunos efectivamente e têm consciência disso. São disciplinas que eles reconhecem como tendo um papel central na sua formação, quer pela recorrente utilização das competências — que adquirem com a sua aprendizagem — ao longo do curso, quer pela importância que eles sabem que elas detêm no exercício da sua profissão. Relativamente próximos dos alunos de PSO, estão também os alunos de Gestão de Recursos Humanos (GRH).

Associados aos seguros, detectamos um cluster que inclui os cursos de Finanças, Gestão e Engenharia Industrial (GEI), Informática e Gestão de Empresas (IGE), Engenharia de Telecomunicações e Informática (ETI) e que cruzam as áreas da Gestão e das Tecnologias de Informação. São cursos para os quais a presença de disciplinas de MQ é inquestionável e os alunos que as frequentam tendem a geri-las sem grande dramatismo. Importa referir que, no acesso a todos esses cursos, a matemática é disciplina obrigatória, o que se de certa forma responsabiliza os alunos para a importância dessa área de conhecimentos levando, inclusive, a partilharem sentimentos como o desafio e o interesse e até mesmo simpatia (recorde-se o mapeamento evidenciado no Gráfico 5).

É o que não acontece por exemplo com alunos dos cursos de Marketing, já que estão mais próximos dos descrentes. Muitos desses alunos, para além de verem as disciplinas da área dos MQ como um aborrecimento, não lhes reconhecem qualquer utilidade. Os alunos de História e de Antropologia também partilham (sobretudo) de descrença, mas ainda assim estão a meio caminho entre descrentes e seguros. Poderíamos acrescentar, a propósito dessa relativa ambivalência das representações partilhadas pelos alunos de História e de Antropologia8 8 . Refira-se que esses são os cursos com o menor número de disciplinas nessa área: somente duas à data da aplicação do questionário. , que esta transparece na performance que eles adoptam como alunos e que se reflecte quer na própria aprendizagem, quer quando avaliamos o seu desempenho.

Relativamente aos alunos dos cursos de Gestão de Empresas, de Economia e de Engenharia Informática, dir-se-ia serem alunos com um perfil médio, não estando por isso claramente associados a nenhum dos quatro tipos identificados. São assim, e no contexto dessa instituição, os cursos mais heterogéneos no que se refere às representações que têm das disciplinas de MQ.

Da análise da associação do curso com as representações, poderíamos sistematizar dois aspectos. Parece existir uma certa cultura de grupo (no caso, curso) no que respeita à partilha de representações, nesse caso, dos MQ. Como se evidenciou, e à excepção (como acabámos de referir) de Gestão de Empresas, de Economia e de Engenharia Informática, são diversos os cursos nos quais sobressai uma associação privilegiada com um determinado tipo de representações, apontando assim para o que poderíamos designar de sobreposição de um certo status quo.

No entanto, quando se sobe na hierarquia, no que se refere à organização dos cursos em áreas científicas, é também importante constatar que as três grandes áreas que atravessam essa instituição universitária — Ciências Sociais e Humanas (Sociologia e Sociologia e Planeamento, Psicologia Social e das Organizações, História e Antropologia), Ciências de Gestão (Gestão, Gestão de Recursos Humanos, Gestão e Engenharia Industrial, Finanças e Marketing) e Ciências e Tecnologias da Informação (IGE, ETI e Engenharia Informática) pautam-se pela tendência para a multiplicidade na partilha das representações. Se a pertença a um certo curso tende a reproduzir a partilha de um certo tipo de representações, essa dinâmica não prevalece na área científica.

Conclusão

A análise conjugada das dimensões afectiva e instrumental permitiu-nos aferir sobre a configuração topológica do espaço das representações sociais dos MQ em contexto universitário. Revelou-se um espaço marcado pela heterogeneidade, no sentido em que nele coexistem representações distintas, e pela prevalência de sentimentos positivos.

A especificidade das diferentes configurações de representações concretiza-se pela articulação entre sentimentos negativos nuns casos e positivos noutros, com os níveis de importância que os alunos atribuem às disciplinas de MQ, no que se refere às competências que por meio delas adquirem e que julgam reverter no seu sucesso pessoal e profissional.

Se, da análise dos padrões de representações, ficou clara a reprodução também em meio universitário, do que identificámos como sendo uma certa tendência linear na relação entre a dimensão da utilidade e a dimensão afectiva (isto é, que a níveis mais elevados na percepção da utilidade dessas disciplinas correspondiam níveis mais elevados de autoconfiança e gosto pelas disciplinas), a articulação entre as duas dimensões não fica aí esgotada. Acresce a esse cenário, e ainda com base nos resultados da ACM, uma outra configuração de representações, na qual coexistem os sentimentos negativos com o reconhecimento de utilidade às disciplinas de MQ. Quer isso dizer que níveis menos elevados de autoconfiança e gosto por essas disciplinas podem de facto estar também associados a níveis elevados de utilidade.

Dos factores disponíveis para caracterizar os perfis dos alunos que partilham padrões de representações tão distintos, concluímos que, no que se refere à sua inserção no espaço académico, os mais importantes foram o curso e o ano frequentado. Para uma caracterização mais sociodemográfica dos alunos, apenas se revelou como factor significativo o sexo.

No que se refere à influência dessa variável, os dados evidenciaram que ambos os sexos têm um posicionamento idêntico no que se refere à dimensão afectiva. Pelo que concluímos pela não sustentabilidade da tese que aponta (pelo menos em contexto não universitário) para a feminização da falta de autoestima e da autoconfiança nas capacidades para lidar com disciplinas dessa área científica. O que se conclui também, e daí a influência significativa, é que os alunos do sexo feminino apresentam maior responsabilização no sentido em que atribuem níveis mais elevados de importância ao sucesso na disciplina, na perspectiva de ter o retorno em termos do seu futuro pessoal e profissional.

Por último, e no que se refere à influência (e a mais significativa) do curso, sistematizámos duas conclusões. A evidência do que designámos por uma certa cultura de curso. Como foi dado a observar, na sua quase generalidade, os cursos tendem a reflectir um padrão predominante de representações dos MQ. Parece assim poder concluir-se que a socialização entre os pares desencadeia a tendência para uma cultura mais homogénea no que se refere às representações dos MQ. Quando passamos para uma observação no nível da área científica, fica evidente a transversalidade dos padrões de representações, ficando claro que quanto maior a amplitude da área científica, mais evidente se torna a heterogeneidade das representações, sendo o caso mais paradigmático o da área das Ciências Sociais e Humanas.

Madalena Ramos, doutoramento em Educação, é investigadora da UNIDE/ISCTE. O estudo das representações sociais da matemática e a análise de dados aplicada às ciências sociais e humanas têm sido as áreas de investigação privilegiadas.

Helena Carvalho, doutoramento em sociologia, é investigadora do CIES/ISCTE. Investiga em métodos quantitativos e multivariados para variáveis categoriais. E-mail: helena.carvalho@iscte.pt

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  • Correspondência:

    Madalena Ramos
    Av. Forças Armadas
    1649-026 – Lisboa – Portugal
    e-mail:
  • 1
    . Consideram-se disciplinas da área científica dos MQ todas as disciplinas leccionadas da responsabilidade do Departamento de Métodos Quantitativos da universidade estudada, tais como: Matemática, Estatística, Estatística Aplicada, Métodos Quantitativos, Análise de Dados, Álgebra Linear, Métodos de Previsão, Sucessões Cronológicas, Econometria, Macroeconometria etc.
  • 2
    . Na universidade pesquisada, todos os cursos analisados têm no seu plano de estudos uma ou mais disciplinas da área científica dos MQ.
  • 3
    . Antropologia, Economia, Engenharia Informática, Engenharia de Telecomunicações e Informática, Finanças, Gestão, Gestão de Recursos Humanos, Gestão e Engenharia Industrial, História, Informática e Gestão de Empresas, Marketing, Psicologia Social e das Organizações, Sociologia e Sociologia e Planeamento.
  • 4
    . Alguns dos sentimentos que constavam da lista inicial acabariam por não ser considerados na análise, dado o reduzido número de escolhas.
  • 5
    . Refira-se que foi usado um nível de significância máximo de 5%.
  • 6
    . A solução de quatro grupos sugerida pela leitura do plano da ACM foi confirmada pela realização de uma Análise de Clusters Hierárquica, após o que se seguiu a definição final por via do método k-médias, optimizando assim a partição em quatro grupos (para mais desenvolvimentos técnicos, ver Carvalho, 2004).
  • 7
    . Refira-se que para essa análise não foram considerados os alunos do 5º ano, dado serem uma minoria, o que é explicável pelo facto de serem poucos os cursos que incluíam um currículo de 5 anos.
  • 8
    . Refira-se que esses são os cursos com o menor número de disciplinas nessa área: somente duas à data da aplicação do questionário.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009
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