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Parcerias público-privadas, empresas digitais e a produção de um espaço educacional neoliberal em escala européia

TRADUÇÃO

Parcerias público-privadas, empresas digitais e a produção de um espaço educacional neoliberal em escala européia* * Tradução do texto "Public-Private Partnerships, Digital Firms and the Production of a Neo-Liberal Education Space at the European Scale. In: (2007) K. N. Gulson and C. Symes (Eds.), Spatial Theories of Education: Policy and Geography Matters, London & New York: Routledge, feita pelo Prof. Dr. Jessé Rebello de Souza Junior e Sophia Marzouk. ,# # Texto enviado pela profa. Dra. Theresa Maria de Freitas Adrião (Depto de Educação do Instituto de Biociências da UNESP - Campus de Rio Claro) e Norma Suely Siqueira Eiras (mestranda em Educação pelo Instituto de Biociências da UNESP - Campus de Rio Claro).

Susan L. Robertson

Centre for Globalisation, Education and Societies University of Bristol, UK

Introdução

Aqueles que acompanham as políticas educacionais da União Européia já estão familiarizados com os objetivos estratégicos para a Europa propostos em 2000 pelo Conselho de Lisboa - "tornar-se a economia mais competitiva e baseada no conhecimento do mundo, capaz de crescer economicamente de forma sustentável, gerando mais e melhores empregos e maior coesão social" (§ 5). Observadores também estarão provavelmente familiarizados com a estratégia proposta pela Comissão para dar origem à reforma estrutural e desenvolver sua capacidade de elaboração de políticas, assim como com o desenvolvimento de ações girando em torno do aprendizado ao longo da vida e da Tecnologia de Informação e Computação (TIC), de maneira a criar o chamado Espaço de Educação Europeu. Essas metas, estratégias e ações são, segundo a Comissão, a resposta européia aos desafios oriundos da globalização, ou seja, são os meios pelos quais se garante a transição para uma economia e sociedade digitais baseadas no conhecimento (Lisbon European Council, 2000; Designing Tomorrow's Education, 2001a).

Essas iniciativas têm, pela primeira vez na história da UE, dado à Educação uma posição de destaque na agenda política da Comissão, com a especificação dos Objetivos Futuros Concretos da Educação (2001b), traduzidos subseqüentemente em ações em torno de uma série de indicadores que definem o padrão de referência de qualidade (2001c). Ao mesmo tempo, a Comissão desafiou os Estados Membros a revisarem e renovarem sua educação nacional e sistemas de formação de modo a prover "... elevados padrões educacionais, e incorporar uma cultura de aprendizado ao longo da vida em resposta ao aumento das exigências de qualificação (eLearning Summit Taskforce, 2001, p. 2). Segundo Dale (2002), esses desenvolvimentos representam "uma transformação significativa em direção, forma e propósito da relação estabelecida entre sistemas de educação nos níveis nacional e Europeu". Em particular, ele argumenta que "... tais mudanças podem levar não apenas ao desenvolvimento de uma política distinta a nível europeu e nacional, como também a uma nova divisão funcional do trabalho de coordenação desses planos educacionais" (p. 2) à medida que um novo espaço educacional é construído em um nível supranacional.

No entanto, a criação desse novo espaço de produção do conhecimento em escala supranacional, como um meio de superar obstáculos resultantes de interesses predeterminados em escala nacional, não é um processo neutro. Como apresentado neste capítulo, espaço, escala e criação do espaço constituem um processo altamente político e conseqüência de projetos e esforços específicos. Recorrendo a teorias de escala e reescalonamento (Smith, 1993; Swyngedouw, 1992; 1997; Brenner, 1998; 1999; 2004), demonstra-se como a Educação está sendo reorganizada no espaço, não apenas horizontalmente, mas também verticalmente, por meio de diferentes atividades educacionais organizadas em escalas diferentes. No caso em estudo aqui, tanto Comissão Européia quanto o capital transnacional têm seus próprios interesses em promover o eLearning e as parcerias público-privadas como um mecanismo para produção da educação nesse espaço. Isso permite a inserção do setor privado no mercado europeu de tecnologias digitais e de ensino, enquanto que do ponto de vista da Comissão Européia, a capacidade do setor privado é mobilizada para assegurar a realização do projeto político da UE - um espaço público europeu competitivo.

Este capítulo se inicia com um esboço dos principais argumentos teóricos sobre a produção de escala e a reorganização do espaço público para, em seguida, tratar de um estudo de caso: uma análise de discurso aplicada ao relatório do Encontro de Cúpula Europeu sobre eLearning (aprendizagem por meios eletrônicos) (European eLearning Summit), promovido pelo setor privado em 2001, na Bélgica. Apresenta-se ainda como tal iniciativa está ligada a um projeto europeu de maior amplitude - a criação de um Espaço Educacional Europeu, estrategicamente desenvolvido pela Comissão Européia - e argumenta-se que esse projeto pode ser visto como um processo de criação de territórios em âmbito europeu. Nas seções finais deste artigo, examina-se como os interesses do setor privado se inserem no projeto europeu de Educação, por meio do favorecimento de relações público-privadas como um mecanismo para o desenvolvimento. Por fim, conclui-se que esse novo mecanismo de governança constrói um conjunto de relações sociais em nível europeu que privilegia interesses particulares; os interesses de empresas digitais transnacionais e o tipo de conhecimento que elas promovem.

A produção de escala versus a reorganização do espaço público - notas teóricas

A proposta de Dale (2002) de que está emergindo uma nova divisão funcional e de escala nas atividades educacionais deixa dúvidas no ar por diversas razões. Em primeiro lugar, ela nos faz perguntar o que significa falar de escala e de divisão das atividades da Educação entre escalas. A tese de Dale sugere também um processo em andamento. Por fim, e dada a importância da Educação no quadro de projetos dos Estados nacionais, falar sobre a modificação da escala de abrangência das atividades educacionais, nesse caso no nível europeu, nos leva a pôr em questão os pressupostos implícitos que assumimos referentes à natureza das relações entre escalas de atuação existentes e emergentes e as instituições, projetos e políticas dessas diferentes escalas.

A fim de avaliar a importância de um projeto como a criação de um "Espaço de Educação Europeu", termo esse usado pela Comissão Européia para designar seu projeto, e questionar a lógica causal e possíveis explicações para essa emergente rota das políticas em escala supranacional, teorias críticas de espaço e escala (Lefebvre, 1974; Harvey, 1982; 1989; Smith, 1993) e uma economia política da escala (Collinge, 1999; 2005; Swyngedouw, 1992; 1997; Brenner, 1998; 2004), foram particularmente úteis para revelar a espacialidade dos projetos educacionais. Ao espacializar dessa forma a Educação, não se pretende inferir que isso seria conseqüência de uma região européia emergente e em expansão. Nesse aspecto, considera-se que tal abrangência espacial independa da expansão de certa região européia, seja ela emergente ou não. Sugere-se, pelo contrário, que projetos educacionais são constituídos sempre no espaço e, por sua vez, dão forma às relações sociais. Segue, então, que uma importante tarefa para os sociólogos da educação é compreender as conseqüências (políticas, econômicas e sociais) dos diferentes tipos de projetos de educação segundo sua organização espacial. De acordo com Andrew Sayer (2004), enquanto a noção de espaço físico é importante já que "todo fenômeno material tem necessariamente uma extensão espacial e está espacialmente localizado" (p. 267), essa importância não é sempre a mesma. Compreender a espacialidade das políticas, projetos e práticas educacionais significa "lidar com processos específicos, com suas forças causais peculiares, situados em contextos espaço-temporais específicos" (p. 267). O estudo de caso a seguir, relativo à criação do Espaço de Educação Europeu, posiciona assim o projeto de inserção de um novo grupo de interesses e políticas em nível europeu.

Outros fatores devem ser postos em causa a fim de esclarecer o raciocínio aqui proposto. O primeiro diz respeito à questão de escala e sua produção. Segundo Collinge (2005):

O discurso referente à escala é poderoso, oferecendo uma perspectiva totalizante que busca integrar diferentes níveis de investigação geográfica. Desta forma, chama a atenção para a divisão de formação social global não apenas com relação à estrutura "horizontal" (na qual atividades similares são organizadas em escalas similares em locais diferentes), como também à "vertical" (na qual atividades diferentes são organizadas em escalas diferentes, atuando nos mesmos locais). (p. 189)

A análise de escala opera reunindo uma série de categorias espaciais em um quadro hierárquico usado para investigação de mudanças sociais. Tanto Jessop (2004) quanto Brenner (1998; 2004), por exemplo, concentraram sua atenção na soberania do Estado e nos processos de mudanças de escala, alegando que diferentes áreas do poder público nacional, da formação de políticas e das lutas político-sociais estão sendo redefinidas em função das pressões globais e locais. Além disto, a contribuição inovadora de Collinge (1999) à análise de escala - "a relativização da escala" - distingue escalas dominantes e nodais em uma divisão de escalas de trabalho. A dominância da escala refere-se ao poder que organizações atuantes em determinadas escalas espaciais, como em nível nacional, por exemplo, são capazes de exercer sobre outras organizações em escalas maiores ou menores, enquanto escalas nodais são definidas por não serem dominantes na hierarquia das escalas como um todo. Estas servem, todavia, como lócus primários para o desempenho de certas atividades. Tratase, portanto, de um conjunto particularmente fértil de inovações conceituais em termos dos objetivos aqui propostos de entender a forma como a Educação está sendo reconstituída em escala supranacional.

O segundo ponto refere-se à idéia de soberania do Estado. Estados foram e continuam sendo instâncias importantes para a constituição da educação dentro dos territórios nacionais. Desde os anos 1970, tal soberania tem sofrido transformações em conseqüência das mudanças no panorama institucional do capitalismo contemporâneo - em particular com relação aos mecanismos, instâncias e objetos de governança. Não existe neste momento nenhuma escala de ação privilegiada como havia, por exemplo, no regime do Estado Nacional Keynesiano de Bem-Estar (Keynesian Welfare National State - KWNS) (Jessop, 1999) que dominou o período pós-guerra. Ao invés disso, novas escalas emergiram ou escalas existentes foram reconstituídas por meio de novos projetos políticos e de governança, como é o caso da escala local por meio de projetos políticos tais como a descentralização. Atividades que antes eram localizadas na escala nacional, por exemplo, aspectos da provisão ou regulamentação da Educação, estão sendo realocadas em escalas diferentes, por sua vez constituindo novos tipos de relações sociais dentro e entre escalas. Em outras palavras, o trabalho de Educação e sua governança ocorrem cada vez mais ao longo de gama de escalas - desde globais até locais - ao mesmo tempo em que o poder do Estado também se dispersa mediante essas escalas - desvinculando-se de sua concentração na escala nacional. Isso, por sua vez, revela os pressupostos metodológicos nacionalistas que se encontram na base de boa parte do pensamento acerca do Estado e da Educação (veja Brenner, 2004, com respeito ao Estado de maneira geral).

Um último ponto antes de se passar ao estudo de caso. Projetos envolvendo a questão do espaço são projetos políticos que incorporam certas idéias e mobilizam agentes particulares. Tais processos são, por sua vez, mediados por interesses conflitantes e pelas histórias dos contextos específicos. Assim, não é possível determinar com antecedência ou sequer inferir dos discursos públicos aos resultados precisos desses projetos. Tendo em mente essas observações preliminares, será analisada na seqüência a forma como esses processos operam na constituição de um espaço europeu de Educação.

O Encontro de Cúpula Europeu sobre eLearning e as Parcerias Público-Privadas (PPPs)

Na Declaração do Encontro de Cúpula realizado em La Hulpe, Bélgica, nos dias 10 e 11 de maio de 2001, o Comitê de Cúpula de eLearning apresentou os desafios que a 'Europa' enfrenta para atingir os objetivos propostos pelo Conselho de Lisboa (2000); "tornar-se a economia mais competitiva e baseada no conhecimento do mundo, capaz de crescer economicamente de forma sustentável, gerando mais e melhores empregos e maior coesão social". A intenção do Encontro de Cúpula era dar continuidade ao Plano de Ações da Comissão Européia, apresentado pelo Conselho da União Européia em março de 2001 aos Estados Membros:

1 Desenvolver a integração total do sistema de Tecnologia de Informação e Computação (TIC) com a Educação e formação.

2 Criar infra-estruturas flexíveis que coloquem o eLearning ao alcance de todos.

3 Desenvolver a alfabetização digital universal (digital literacy).

4 Criar uma cultura de aprendizagem ao longo da vida.

5 Desenvolver um conteúdo educacional europeu de alta qualidade.

Segundo o relatório do Encontro de Cúpula, "para alcançar tais objetivos, a Europa deve expandir sua oportunidade educacional". Oportunidade educacional implica que cada indivíduo tenha acesso ao TIC e meios para desenvolver o nível de alfabetização digital que lhes permita acompanhar o ritmo das mudanças econômicas, sociais e tecnológicas e, assim, garantir que cada um será capaz de assegurar seu próprio futuro por meio de um processo de aprendizagem ao longo da vida.

A Declaração do Encontro de Cúpula identificou vários desafios-chave enfrentados pela 'Europa'. Primeiramente, a fim de responder à demanda da economia do conhecimento, há necessidade de acelerar o processo de transformação e inovação. No entanto, o Comitê de Cúpula argumenta que as tentativas dos Estados Membros de gerar tais mudanças por meio da atualização dos professores não estão progredindo rápido o suficiente para garantir a concretização da estratégia do eLearning. O Comitê observa que:

Em vários países europeus, as condições necessárias ao desenvolvimento da função do professor e à promoção do status da profissão simplesmente não estão progredindo em um ritmo que permita à inovação pedagógica se espalhar rapidamente e, assim, se tornar parte sistêmica do sistema educacional. (p. 2)

Ainda segundo o Comitê, o eLearning exige investimentos imediatos e substanciais da parte dos governos e das instituições de Educação e formação para promover a alfabetização digital universal. Notou-se que o ritmo de implantação das mudanças, assim como a escala de investimento em infra-estrutura, ferramentas, serviços e conteúdo que serão requeridos, "devem ser significativamente aumentados" (p. 2). Para o Comitê de Cúpula, a solução que se impõe é: "... prover uma mudança de ritmo na implementação de modelos inovadores de eLearning, a transformação de instituições de ensino, e a percepção social da função e status dos profissionais da educação" (p. 3), PPPs devem ser exploradas já que oferecem considerável potencial como mecanismos de oferta de Educação e formação para o futuro, dada a carência de capital enfrentada pelos Estados Membros para investimento no setor público. Na visão do Comitê de Cúpula, "a participação ativa do setor privado no eLearning e as discussões contínuas com o setor público já não são apenas uma opção viável, mas sim uma necessidade urgente" e "um prenúncio da vinda de um novo estágio na cooperação européia sustentável" (p. 3). A Declaração conclui recomendando à Comissão que "explore o potencial de parcerias público-privadas" (p. 6).

O relatório do Comitê de Cúpula é, em vários aspectos, notável. Em primeiro lugar, o Comitê, presidido pela IBM Europa, foi composto por cinco companhias: IBM, Cisco, Nokia, SanomaWSOY e Smartforce. Foi este também o grupo que liderou a elaboração do Encontro de Cúpula e desempenhou um papel significativo nos projetos subseqüentes, incluindo o desenvolvimento da Career Space, uma iniciativa que será tratada posteriormente. O Encontro, realizado no Centro Internacional de Treinamento da IBM, atraiu mais de 350 participantes dos setores público e privado, dentre os quais responsáveis pelas políticas nacionais nos Ministérios da Educação e do Trabalho, altos funcionários da Comissão Européia e seus representantes. No Encontro, outras 25 companhias (3Com, Apex Interactive, Apple, Auralog, British Telecom, Centra, CEPIUS, Ge.world, Transware, CompTIA, Courseware Factory, De Wilde CBT, Digital Brain, EDS, EdskillsNTO, European Education Partnership, Granada Media, Intel, Interact Group, Manpower, Marconi, Oracle, Sonera) formaram um Grupo de Trabalho que se comprometeu a levar adiante as conclusões e recomendações propostas pelo Comitê de Cúpula. Essas empresas transnacionais têm grandes interesses na área de Tecnologia de Informação (TI), incluindo o fornecimento de hardware, software e educação e formação. O relatório do Encontro ressalta também que educação, tal como a conhecemos, deve ser reformulada. De acordo com o Comitê, a educação não será mais necessariamente provida por um sistema educacional e seus professores. Ao invés disso, o papel dos educadores, as práticas pedagógicas e os espaços educacionais serão redefinidos no âmbito da parceria entre os setores público e privado.

Se o relatório fosse tomado à parte dos outros eventos e programas da União Européia, poder-se-ia concluir que os interesses-chave do setor privado tomaram controle da pauta do Encontro de Cúpula, inserindo um aparentemente infundado argumento sobre a necessidade (de exploração) de parcerias público-privadas como meio para criar capacidade. Entretanto, já em 1996, a Comissão - na definição das orientações para as ações futuras da Comunidade 2000-6 Rumo à Europa do conhecimento - associou a idéia de habilidades e competências para uma economia do conhecimento com a definição de meios específicos para atingi-la - o setor privado. Por exemplo, no parágrafo 3 do Relatório, na seção As Partes Envolvidas, a Comissão nota que

deve haver um comprometimento no intuito de assegurar um maior envolvimento do setor empresarial... a linha que separa o mundo da educação e o da sociedade de informação é fluida e deve-se estabelecer conexões em ambas as direções.

A evidência sugere que em meados dos anos 1990, a Comissão privilegiou uma posição ideológica de como o espaço europeu de educação da economia e do conhecimento deveria ser desenvolvido. Tal preferência ideológica, referente à liberalização de mercados e às condições de comércio, adquiriu posteriormente força estrutural com o Pacto de Estabilidade, negociado em Colônia em junho de 1999, como parte das condições da Comissão para a expansão da União com a inclusão da região do sudeste da Europa (Comissão Européia, 1999). Vinculado ao Tratado de Maarstricht (1991), com ênfase no gerenciamento das despesas públicas, o Pacto de Estabilidade (PS) compromete os membros da União Européia e países em adesão com os princípios da liberalização de mercado como diretrizes básicas das despesas públicas:

1 as despesas públicas devem apresentar superávit - de 1% a 2.5% do PIB em 2002;

2 as despesas relacionadas ao governo central devem estar em equilíbrio;

3 os encargos totais do governo central devem estar abaixo do crescimento do orçamento total (Conselho Europeu, 2000).

Ao mesmo tempo em que o Pacto de Estabilidade é citado como o motivo para pressionar os Estados Membros e países em via de adesão a considerarem o financiamento privado das atividades previamente financiadas pelo setor público, a Comissão deixa clara sua firme posição ideológica de que sua capacidade de construir e administrar um espaço europeu de Educação alinhado com o Tratado de Maarstricht de 1991 e com a estratégia econômica da Comissão exigirá apoio substancial do setor empresarial.

Fundando um espaço europeu de Educação - o Conselho de Lisboa

Inserir a Educação em um espaço europeu não é um processo simples, especialmente porque idéias como 'educação européia' não são pré-existentes nem tampouco são categorias do senso comum com atividades e instituições identificáveis e também porque a Comissão tem demonstrado pouco desejo (em grande parte por causa de seu comprometimento ao princípio de subsidiariedade) e capacidade para administrar esse espaço em termos de políticas. No entanto, no contexto de criação de uma economia européia do conhecimento competitiva, era crucial a formação de um espaço de Educação europeu com mandato e capacidade específicos passível de ser governado. As conclusões da Presidência do Conselho Europeu realizado em Lisboa, nos dias 23 e 24 de Março de 2000, podem ser consideradas como marco decisivo nesse aspecto (Conselho Europeu de Barcelona, 2001). Nelas, o Conselho especifica uma diretriz clara para a Educação e formação, além dos meios para concretizá-la. O TIC foi um assunto importante na pauta. De acordo com o Conselho, investimentos em infra-estruturas para o TIC e a alfabetização digital são essenciais ao desenvolvimento do setor de serviços e à superação do crescente déficit nas qualificações em tecnologia de informação. Os meios para atingir esse objetivo passam pela formação de parcerias.

O Conselho identificou dois tipos de parcerias. O primeiro consiste na união de múltiplos sócios na criação de centros de educação diversificada (parágrafo 26). Esse tipo de parceria abriria o até então restrito universo de provedores de Educação para a entrada de toda uma nova gama de prestadores de serviço, em paralelo com os que tradicionalmente fazem parte desse setor, representando, ao mesmo tempo, um espaço acessível aos diferentes tipos de alunos (incluindo aqueles em Educação continuada). Um segundo tipo de parceria refere-se aos meios pelos quais o novo espaço europeu de Educação deverá ser consolidado. Sob o título Mobilizando os meios necessários (parágrafo 41), o Conselho declara que:

Para atingir o novo objetivo estratégico, recorrer-se-á principalmente ao setor privado e às parcerias público-privadas. Isto dependerá da mobilização dos recursos disponíveis no mercado e de esforços dos Estados Membros. O papel da União é atuar como catalisador neste processo, estabelecendo uma estrutura eficaz para mobilização de todos os recursos disponíveis para a transição à economia baseada no conhecimento, e acrescentando sua própria contribuição a este esforço dentro das políticas existentes da Comunidade, em acordo com a Agenda 2000.

Em 2001, a Comissão Européia, no Relatório europeu sobre a qualidade da Educação Escolar, estabeleceu uma estrutura para orientar ações e mobilizar recursos - 16 indicadores de qualidade para acelerar a mudança prevista pela Comissão. Na área do TIC, o indicador-chave era o "número de estudantes por computador" - um valor de referência que, segundo a Comissão, deve "... prover uma introdução à discussão de políticas, levantando diversas questões sobre o futuro papel, propósito e prática do TIC nas escolas européias" (p. 7) e porque o TIC já apresenta um efeito de grande amplitude na vida das pessoas e no aprendizado dos alunos, notando-se, por exemplo, que 40% de todas as ações no mercado britânico são de empresas da área de TIC. Embora na realidade o "número de estudantes por computador" como valor de referência de 'qualidade' revele pouco sobre as condições de acesso dos alunos nas escolas, sua presença como valor de referência revela a importância central do TIC na criação de um espaço de Educação europeu como parte de uma economia européia do conhecimento. Segundo Shore, embora as estatísticas européias por si mesmas sejam índices de opinião baseados em pouco mais do que dados agregados, elas:

...não apenas são instrumentos políticos poderosos para criação de uma 'população européia' e um 'espaço europeu' conhecíveis, quantificáveis e, portanto, mais tangíveis e governáveis: são de certa forma também poderosos formadores de consciência que fornecem as meta-classificações dentro das quais as identidades e subjetividades são formadas.

O Relatório da Comissão Européia levanta igualmente dúvidas sobre a relação custo/benefício de formas alternativas de provisão; por exemplo, qual parcela do aprendizado pode ser feita de forma independente, dirigida por um professor, por um grupo de pares, oferecida nas casas ou nas comunidades. Assim como em relatórios anteriores da Comissão, o Relatório Europeu argumenta que:

A explosão de informação exige uma reformulação fundamental dos conceitos tradicionais sobre o conhecimento, sua transmissão, exposição por parte dos professores e aquisição por parte dos alunos... Todas essas áreas do conhecimento e competências apresentam grandes desafios à profissão docente... A mudança requer reflexão, reconsideração e reavaliação das práticas vigentes, desafiando o que sempre foi feito e aceito. A mudança exige freqüentemente a

reestruturação e a mudança de cultura das organizações

. Isso implica em novas exigências para as hierarquias, status e relações. (minhas ênfases, p. 9)

O Relatório da Comissão volta-se à difícil questão dos recursos. Ela sugere que pedidos por mais recursos são uma resposta típica e acrescenta: 'mais' não é viável, especialmente quando os governos precisam lidar com um número crescente de alunos no sistema de ensino por um período maior de tempo. Essencialmente, o Relatório argumenta que o desafio dos recursos deve ser tratado de outro ponto de vista, especialmente porque "... jovens vêem a estrutura escolar, currículos e o ambiente de aprendizado" como irrelevantes a suas vidas.

Como apontado em declarações e relatórios anteriores, a Comissão identifica que as ameaças ao desenvolvimento de uma estratégia de economia do conhecimento residem tanto nas forças (professores) quanto nos meios (acesso à computação) de produção. Isto é, professores não possuem as habilidades necessárias e resistem ao emprego das TICs por enxergá-las como uma ameaça a seus empregos; o número de alunos por computador ainda é bastante desigual, e em muitos casos os computadores presentes nas escolas não são suficientemente atualizados para permitir o acesso aos programas desenvolvidos. Uma solução preferida decorre: a economia flexível do conhecimento significa que o aprovisionamento deve ser menos institucionalizado, com os indivíduos reunindo seus próprios módulos de conhecimento e qualificações de maneira informal e dentro de novos contextos. O Relatório observa que: "Todos os Estados Membros estão percebendo que o futuro traz consigo um desafio monumental à estrutura tradicional das instituições educacionais. Isso significa que se devem encontrar maneiras de educar as pessoas além da escola e fora das salas de aula, ajudando-as a adquirir as habilidades e competências que as tornarão menos vulneráveis na economia global" (p. 11). Levantam-se então as seguintes questões: Como seria possível criar parcerias com instituições ou organizações que possam ajudar a aumentar a disponibilidade de computadores nas escolas? Como as escolas podem ter garantia em longo prazo dos benefícios de tal abordagem?

Em seguida à Resolução do Conselho sobre o eLearning em julho de 2001 (Conselho da União Européia, 2001/C 204/02), um Relatório provisório - eLearning: projetando as escolas de amanhã - foi publicado pela Comissão Européia em fevereiro de 2002 com a intenção de "lançar as bases para ações concretas e sustentáveis" (p. 2), de forma a atingir as metas da Comissão relativas à economia do conhecimento por meio de uma estratégia de TIC e alfabetização digital. Com o aumento da qualidade e melhoria no acesso tratados de maneira recorrente como peças fundamentais para construção de uma sociedade européia do conhecimento, o relatório então define uma série de fatores que se traduzem em maior qualidade e acesso: universidades flexíveis e virtuais, instituições de ensino com múltiplos propósitos, desenvolvimento de um currículo de TIC para o século XXI, parcerias público-privadas. Novamente a questão dos recursos e dos meios para disponibilizá-los é considerada: "Esta necessidade é ainda mais urgente em um ambiente econômico mais difícil", ao mesmo tempo em que "Parceiras Público-Privadas devem ser exploradas" (p. 11). Ao mesmo tempo, o fato de esse espaço europeu ultrapassar a idéia de 'espaço para o aprendizado' em um sentido mais tradicional, torna-se evidente em diversas passagens desse Relatório. Ao reconhecer a recente baixa no setor de TIC e as consolidações no mercado dos produtos do eLearning, o Relatório nota que: "O mercado global relacionado ao eLearning e seus serviços deve crescer acentuadamente nos próximos anos, gerando desafios e oportunidades aos sistemas educacionais europeus e aos setores econômicos relacionados, como as publicações multimídia". O Relatório conclui que:

... está claro que a iniciativa do eLearning está desempenhando um papel importante para auxiliar a Europa a explorar o uso da TIC na Educação e formação e a efetivar seu potencial de tornar-se líder mundial em produtos e serviços direcionados ao aprendizado e no compartilhamento de recursos e

know-how

na área de educação e formação. (p. 5)

Um espaço europeu de economia do conhecimento: escala e políticas de organização territorial

Antes de examinar a escolha das parcerias público-privadas como meio para consolidar um espaço europeu de economia do conhecimento, devem ser considerados os processos políticos e sociais envolvidos na criação desse território. Em particular, como exposto anteriormente, o trabalho dos geógrafos críticos e suas análises do espaço, escala e organização territorial é particularmente útil à compreensão desse processo. Também úteis são os trabalhos de Shore (2000) e Rosamond (2002), os quais indicam que categorias tais como 'a economia européia' e 'competitividade européia' não são autoexplicativas. Rosamond (2002), em sua análise da construção de uma Europa competitiva, afirma que 'imaginar a economia européia' é uma estratégia retórica, parte de um processo ainda mais complexo de construção de um regime de governança econômica em escala supranacional - a União Européia. Demonstra, ainda, que 'idéias' como 'competitividade' podem se tornar "sedimentadas e 'banais', no sentido de se tornarem parte do senso comum e pouco discutidas" (p. 158), no processo de construção de identidades e subjetividades.

Da mesma forma, pode-se notar como o relato constante de conceitos como o 'espaço de educação europeu', uma 'economia competitiva baseada no conhecimento' e 'parcerias público-privadas', assim como as instituições empenhadas nesses relatos, passam a ser vistos como idéias do senso comum em uma escala que se situa além da escala nacional e local, onde é mais provável que essas idéias e demais projetos políticos sejam fortemente contestados ou até mesmo se tornem institucionalmente inviáveis. Observa-se, igualmente, o modo como tais idéias têm sua existência sustentada e consolidada em instituições e redes operacionais como práticas materiais por meio de manobras políticas adicionais, tais como a avaliação e comparação (benchmarking). Por fim, nota-se como tais estratégias privilegiam tipos particulares de interesses e acordos institucionais (como no caso do Encontro de Cúpula do eLearning e o desenvolvimento subseqüente do Espaço Carreira) e incorporam certo tipo de referencial para ações e certo tipo de senso comum. Segundo Robert Cox (1996), o referencial para ações ou estrutura histórica é "... uma combinação particular de modelos de pensamento, condições materiais e instituições humanas que tenham certa coerência entre seus elementos. Tais estruturas não determinam as ações das pessoas de maneira mecânica, mas constituem o contexto de hábitos, pressões, expectativas e restrições onde estas ocorrem" (p. 97). É crucial que esse processo seja coconstitutivo. Isto é, a construção do espaço como um tipo particular de território, moldado por tipos particulares de idéias, é tanto o objeto quanto o resultado de conflitos entre agentes operando em escalas diferentes.

No caso em questão, a criação do 'espaço de educação europeu' como maneira de criar uma Europa do conhecimento e uma economia do conhecimento competitivas significa comprometer-se com um conjunto de manobras estratégicas que legitima os direitos desse grupo de instituições supranacionais (Comissão Européia, Conselho da Europa, Organização para o Desenvolvimento Econômico e Cooperativo, Banco de Investimento Europeu) e empresas transnacionais que operam em escala supranacional de criar e administrar esse espaço. A estratégia discursiva da Comissão, tratada nos diversos relatórios, é valerse dos discursos de senso comum sobre a globalização para definir as ameaças externas, enquanto promove a unicidade do espaço europeu.

Dessa forma, legitima-se a criação de políticas nessa área e os meios para sua efetivação. No que diz respeito às ameaças, a Comissão e os principais agentes econômicos apontam para:

i. A inabilidade dos estados nacionais de gerar o nível de investimento em TIC e educação requerido para mantê-los atualizados;

ii. Os interesses arraigados dos professores pertencentes aos sistemas educacionais nacionais, dificultando assim o progresso rápido; e

iii. Os obstáculos colocados pelas mudanças na administração dos sistemas educacionais (descontinuidade), limitando a capacidade dos Estados nacionais de direcionarem os sistemas educacionais e assegurarem igualdade de acesso.

Quanto à unicidade, a Comissão argumenta que a escala e o ritmo de investimento somente são possíveis no nível europeu. Com relação aos meios, a Comissão insiste no envolvimento do setor privado no desenvolvimento da política educacional e na sua provisão. A identificação de imperativos significa que os agentes da Comissão são "... capazes de oferecer argumentos fortes ao desenvolvimento de soluções no nível europeu, efetivadas com o auxílio de instrumentos políticos e instituições, também no nível europeu" (Rosamond, 2002). Ele observa ainda que:

Tais modelos de prática retórica são possivelmente particulares à Comissão e podem de fato ser parte integrante da dinâmica característica de formação de política da UE, onde empreendedores supranacionais geram análises de possibilidades, contínua deliberação e interação. Isto é particularmente verdadeiro no caso da Comissão que, como nota Thomas Christiansen, desenvolveu ao longo do tempo estratégias sofisticadas para realização de seus propósitos institucionais: a expansão de sua competência em políticas. (p. 162)

Os principais agentes econômicos, como as grandes transnacionais IBM, Cisco e Nokia, dentre outras, têm participado ativamente na criação do espaço educacional europeu, gerando condições para seus investimentos atuais e futuros no lucrativo mercado da Educação, sem os impedimentos de acordos institucionais existentes, problemas de regulamentação estatal e pressões da sociedade civil sobre a função das grandes empresas privadas movidas a lucro no setor da Educação. Para que a CE se aventure na Educação e formação nesta escala sem precedentes, desimpedida pelas políticas locais e nacionais dos Estados Membros, ela deve desenvolver seu próprio sistema de inovação que lhe permita dar um 'salto quântico' em sua capacidade de realizar tais atividades. Isso significa desenvolver os meios necessários para ir além do estabelecimento de objetivos e referências. Significa fazer uso de um conjunto de recursos disponibilizados pelo setor privado para oferecer um tipo de educação que independa de um local físico, utilizando as novas tecnologias para ir além das fronteiras. A construção desse espaço de educação da economia do conhecimento carrega todas as características do espaço econômico emergente da EU, o qual, segundo Rosamond (2002), é bastante peculiar: "Resume-se a uma forma particular de internacionalização da economia envolvendo [...] a liberalização do comércio e desregulamentação significativa, combinadas com o estabelecimento de novas regras, com o desenvolvimento de políticas comuns, com a transferência do poder a instituições centrais e com o desenvolvimento de mecanismos de redistribuição" (p. 162). Entretanto, a questão a ser levantada é se a CE tem aparatos regulatórios suficientes em operação, para além dos meros parâmetros de qualidade do tipo 'o número de computadores por aluno', para assegurar que a igualdade social não seja minada quando o espaço social for aberto aos interesses privados orientados ao lucro.

PPPs - Inserindo interesses 'privados' no espaço educacional

Acompanhou-se a produção do espaço educacional europeu em escala supranacional seguindo o conceito de que educação e formação devem ser providas em parceria com o setor privado. De modo a efetivar essa idéia, o Banco de Investimento Europeu - um financiador substancial dos projetos de PPP desde os anos 1980 no setor público - deu prioridade aos financiamentos educacionais sob a iniciativa Inovação 2010 (i2i) "no intuito de diminuir a diferença de competitividade entre a Europa e os EUA/Japão" (Brown, 2004, p. 3). O programa i2i financia três áreas diferentes: Educação e Formação, Pesquisa e Desenvolvimento, e Tecnologias de Informação e Comunicação.

PPPs, como parte de uma estratégia de competitividade mais ampla, têm considerável afinidade com as políticas da Terceira Via (Third Way) ou de 'Neue Mitte' que caracterizam diversos programas de reestruturação e modernização atualmente em curso em vários países da Europa, incluindo Alemanha, Espanha e Grécia (Giddens, 2001; Mouzelis, 2001). Uma de suas idéias fundamentais é a de que o estado não deveria dominar a prestação de serviços públicos. Em vez disso, um conjunto de modelos incluindo o mercado e a sociedade civil deveria emergir, dando aos consumidores o direito à escolha e alimentando a concorrência de mercado.

Para a Comissão Européia, o conceito de parceria tem inúmeros propósitos; permite considerável alavancagem de um tipo particular de capacidade no campo da TIC, a habilidade de explorar as competências e recursos financeiros para aprimorar seus programas de organização territorial relativos aos Estados Membros, enquanto sugere a continuação da estratégia de parcerias da Comissão com estes (Rodrigues; Stoer, 2001). Nesse processo, o conceito de parcerias oculta até que ponto a Comissão tem procurado ser uma criadora de condições mais do que exploradora destas (Rosamond, 2002) nas principais áreas da política econômica e social.

Entretanto, a inserção dos interesses privados no espaço de educação europeu é potencialmente problemática, especialmente quando se trata da introdução nas parcerias dos interesses privados orientados ao lucro. De modo a analisar a situação mais detalhadamente, é importante considerar os exemplos de PPPs. Na UE, a PPP mais discutida atualmente é o desenvolvimento do 'Espaço Carreira' (www.career-space.com). O Espaço Carreira é um consórcio formado por grandes Companhias de Tecnologia de Informação e Comunicação - BT, Cisco Systems, IBM Europa, Microsoft, Intel, Nokiam Nortel Networks, Philips Semicondutores, Siemens AG, Telefonia S.A e Thales - além da Associação Européia de Tecnologia de Informação e Comunicação. O Espaço Carreira é concebido como um local alternativo que, como proposto, é essencial ao desenvolvimento da economia do conhecimento (ele afirma que o setor de TIC é responsável por mais de 6,3% do PIB). O propósito do Espaço Carreira é

Desenvolver uma estrutura para estudantes, instituições educacionais e governos que descreva as funções, qualificações e competências exigidas pela indústria de TIC na Europa. O primeiro passo foi o desenvolvimento de perfis genéricos de qualificações relevantes aos principais cargos oferecidos pelo setor de TIC e a criação de um

website

dedicado ao espaço (

www.career-space.com

), bem como o uso de outras ferramentas de comunicação para disponibilizar amplamente tal informação. Os perfis de qualificações genéricos descritos neste documento cobrem as principais áreas de trabalho com déficit de competências na indústria de TIC. Estes perfis centrais descrevem os cargos, expondo a visão, função e estilo de vida associados a eles. As áreas específicas de tecnologia e tarefas associadas a cada cargo estão igualmente descritas, assim como o nível de qualificações comportamentais e técnicas exigidas na realização dos trabalhos especificados (

www.career-space.com

).

O interesse das grandes empresas transnacionais na criação de uma estrutura curricular de TIC que forneça substância a, e atue em, um espaço europeu virtual de Educação e formação está preso a sua própria necessidade de gerar lucro e desenvolver as condições que dão origem à rentabilidade. O currículo, no entanto, como afirmou Apple (1982) há mais de duas décadas em seu trabalho com professores, textos e a lógica do controle curricular, não é um espaço neutro. Trata-se, mais exatamente, de um conjunto particular de discursos modelados segundo idéias específicas relativas ao mundo e a relações sociais apropriadas. A criação do espaço europeu de Educação permite às empresas que visam os lucros de se inserirem não somente como provedoras de infra-estruturas, mas também como formadoras de idéias sobre o mundo.

Observações finais

É difícil imaginar como o conceito de parcerias no nível europeu poderia atuar com qualquer senso de simetria de poder entre as esferas do público e do privado, especialmente quando envolve companhias poderosas como Apple, IBM e Cisco Systems, ou seja, as equivalentes no universo TIC do proprietário de mídia Rupert Murdoch. Segundo as observações de Mouzelis (2001) a respeito da Terceira Via proposta por Gidden, uma característica das sociedades da modernidade tardia é que os interesses econômicos se inseriram no meio cultural e que esse processo atingiu proporções sem precedentes. Mouzelis propõe uma abordagem regulatória que democratizaria a produção cultural, trazendo-a para dentro da esfera da 'sociedade civil', onde esta não funcionaria por lucro ou por lógica de estado/partido. Caso contrário, ele afirma, a economia de mercado deriva para uma sociedade de mercado, uma tendência que necessita ser revertida.

No entanto, não somente será cada vez mais problemático reverter as tendências dessas políticas, dadas às proteções concedidas aos investidores privados sob os termos dos acordos WTO/GATS (Robertson; Bonal; Dale, 2002), como se observa que se adota um foco nacional nas análises do tema. O verdadeiro desafio colocado por tais mudanças de escala, e que se evidencia no caso estudado aqui, é que se trata de manobras políticas por parte de agentes políticos e econômicos para ocultar ou revelar certos tipos de políticas. Não somente é difícil contestar uma solução cada vez mais considerada pertencente ao senso comum aos desafios da globalização, como o sistema que estrutura as relações sociais do espaço educacional europeu são (intencionalmente) menos visíveis nas arenas políticas da vida cotidiana. Conseqüentemente, o redimensionamento da divisão funcional do trabalho e a criação do espaço de Educação europeu tornam-se menos passíveis de contestação.

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    Tradução do texto "Public-Private Partnerships, Digital Firms and the Production of a Neo-Liberal Education Space at the European Scale. In: (2007) K. N. Gulson and C. Symes (Eds.), Spatial Theories of Education: Policy and Geography Matters, London & New York: Routledge, feita pelo Prof. Dr. Jessé Rebello de Souza Junior e Sophia Marzouk.
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    Texto enviado pela profa. Dra. Theresa Maria de Freitas Adrião (Depto de Educação do Instituto de Biociências da UNESP - Campus de Rio Claro) e Norma Suely Siqueira Eiras (mestranda em Educação pelo Instituto de Biociências da UNESP - Campus de Rio Claro).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
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