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História, filosofia e sociologia da educação matemática na formação do professor: um programa de pesquisa

Resumos

Neste artigo, apresentamos e discutimos algumas princípios orientadores de um programa de pesquisa que toma como objeto central de investigação o modo como os campos emergentes de investigação em história, filosofia e sociologia da educação matemática poderiam vir a participar, de forma crítica e qualificadora, da formação inicial e continuada de professores de matemática. Defendemos o ponto de vista de que tais cursos deveriam orientar-se por uma nova concepção de especificidade que pudesse instaurar um projeto pedagógico em que esses campos emergentes viessem a participar, de forma orgânica e esclarecedora, da constituição de problematizações multidimensionais das práticas escolares nas quais a matemática estivesse, de algum modo, envolvida. Para isso, tais problematizações deveriam estar assentadas em investigações acadêmicas sobre questões que hoje desafiam os professores no trabalho crítico de apropriação, re-significação, produção e transmissão da cultura matemática sob os condicionamentos da instituição escolar.

Educação matemática escolar; Formação de professores de matemática; Escola básica


We present and discuss in this article some features of a research program whose central object of investigation is the way in which the recent fields of history, philosophy, and sociology of mathematical education could take part in a critical and qualified manner in the initial and continuing training of teachers in this area. For that, we endorse the viewpoint that the courses for mathematics teacher education should be based on a conception of specificity through which a new pedagogical project could be established. In such project those new fields of investigation would participate, in an organic and clarifying way, in the constitution of multidimensional problematizations of school practices, in which mathematics would be involved, and that would be guided by academic investigations about the issues that currently challenge teachers in the critical work of incorporation, resignification, production, and transmission of mathematical culture in the context of the school institution.

Mathematical school education; Teacher education; Fundamental school


EM FOCO: EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM PERSPECTIVA

História, filosofia e sociologia da educação matemática na formação do professor: um programa de pesquisa

History, philosophy, and sociology of mathematical education in teachers training: a research program

Antonio Miguel

Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antonio Miguel Rua Jader Passos, 374 – c. 37 13091513 – Campinas – SP e-mail: miguel@unicamp.br

RESUMO

Neste artigo, apresentamos e discutimos algumas princípios orientadores de um programa de pesquisa que toma como objeto central de investigação o modo como os campos emergentes de investigação em história, filosofia e sociologia da educação matemática poderiam vir a participar, de forma crítica e qualificadora, da formação inicial e continuada de professores de matemática. Defendemos o ponto de vista de que tais cursos deveriam orientar-se por uma nova concepção de especificidade que pudesse instaurar um projeto pedagógico em que esses campos emergentes viessem a participar, de forma orgânica e esclarecedora, da constituição de problematizações multidimensionais das práticas escolares nas quais a matemática estivesse, de algum modo, envolvida. Para isso, tais problematizações deveriam estar assentadas em investigações acadêmicas sobre questões que hoje desafiam os professores no trabalho crítico de apropriação, re-significação, produção e transmissão da cultura matemática sob os condicionamentos da instituição escolar..

Palavras-chave: Educação matemática escolar - Formação de professores de matemática - Escola básica.

ABSTRACT

We present and discuss in this article some features of a research program whose central object of investigation is the way in which the recent fields of history, philosophy, and sociology of mathematical education could take part in a critical and qualified manner in the initial and continuing training of teachers in this area. For that, we endorse the viewpoint that the courses for mathematics teacher education should be based on a conception of specificity through which a new pedagogical project could be established. In such project those new fields of investigation would participate, in an organic and clarifying way, in the constitution of multidimensional problematizations of school practices, in which mathematics would be involved, and that would be guided by academic investigations about the issues that currently challenge teachers in the critical work of incorporation, resignification, production, and transmission of mathematical culture in the context of the school institution.

Keywords: Mathematical school education - Teacher education - Fundamental school.

Nos últimos anos, tanto em nosso país quanto em outros, muito se tem dito acerca das potencialidades crítica e formativa da participação orgânica da história da matemática na Educação Matemática Escolar e, como decorrência, também na formação de professores de matemática (Fauvel; van Maanen, 2000; Miguel; Miorim, 2002, 2004; Miguel, 2001; Miorim; Miguel, 2001, 2002; Miguel; Brito, 1996; Katz; Michalowicz, 2004). Com menos intensidade, vem-se também falando acerca da potencialidade crítica e formativa da filosofia da matemática para essa formação (Bkouche, 1997; Bicudo, 1999, 2003; Ernest, 1991, 1994, 1995; Garnica, 1999; Jesus, 2002; Miguel, 2003, 2004b; Steiner, 1987; Vianna, 2004). Por sua vez, embora atualmente sejam bastante intensas as discussões e investigações relativas às dimensões socioculturais e políticas, tanto da matemática quanto da educação matemática — discussões estas que vêm ocorrendo, sobretudo, no interior de movimentos surgidos na década de 80 do século XX, tais como o da etnoma-temática, o da educação matemática crítica e o da educação matemática e sociedade (D’Ambrosio, 1990, 2001; Knijnik, 2002; Frankenstein; Powell, 1997; Barton, 1999; Ferreira, 1990; Gerdes, 1991; Skovsmose, 2001) —, não chegamos a identificar qualquer produção escrita acerca do papel igualmente crítico e formativo que poderia ser desempenhado pela chamada sociologia da matemática na formação do professor de matemática.

Embora discussões acerca das relações entre pensamento e sociedade tenham aflorado pelo menos desde a Renascença tardia, a so-ciologia só se constituiu como área autônoma e científica de conhecimento no século XIX, com o advento do positivismo comteano. Já a sociologia do conhecimento começou a realizar os seus primeiros desenvolvimentos a partir da década de 30 do século XX, momento em que sociólogos como, por exemplo, Schütz, Merton, Berger, Luckmann e Searle reconheceram e passaram a considerar a circularidade da relação entre sociedade e conhecimento, o que os teria levado a conceber a própria sociedade, na sua totalidade, como o resultado de uma construção social (Crespi; Fornari, 2000). Por sua vez, a constituição independente da sociologia da ciência como uma especialidade acadêmica parece ter ocorrido, na década de 30 do século XX, nos Estados Unidos, tendo a obra de Robert Merton exercido uma influência decisiva para essa constituição autônoma da sociologia da ciência, uma vez que, por volta de 1945,

Merton já havia elaborado um enfoque no qual identificava a ciência como uma instituição social com um ethos característico. (Barnes, 1980, p. 12)

Finalmente, a expressão sociologia da matemática parece ter sido empregada, pela primeira vez, na década de 40 do século XX, mais precisamente em um artigo de autoria do historiador da matemática Dirk J. Struik, publicado, em 1942, na revista Science and Society, sob o título "On the sociology of mathematics". A partir dessa época, abordagens sociais, culturais ou socioculturais da matemática começam a se tornar mais freqüentes. Dentre elas, destacam-se: A base cultural da matemática, escrita por Raymond Wilder em 1950; os trabalhos de David Bloor — tais como, Uma abordagem naturalista da matemática, Negociação no pensamento lógico e matemático e Poderá existir uma matemática alternativa? — que começaram a ser publicados na década de 70 do século XX; e a obra mais recente de Sal Restivo, que começou a ser publicada a partir da década de 90 do século XX, da qual pode ser destacado o artigo "As raízes sociais da matemática pura".1 1 . Todos esses textos foram traduzidos para o português pelos integrantes do denominado Grupo de pesquisa TEM (Teoria da Educação Matemática), instalado na Universidade Nova de Lisboa. O leitor poderá encontrá-los na referência TEM, 1998. É também da década de 70 do século XX o sugestivo Sociology of Mathematics and Mathematicians, de J. Fang e K. P. Takayama (Fang; Takayama, 1975).

Os campos emergentes de pesquisa em história, filosofia e sociologia da educação matemática

Falar-se, porém, em história, filosofia e sociologia da matemática é, a nosso ver, bastante diferente de se falar em história, filosofia e sociologia da educação matemática. Embora a matemática, desde a Antigüidade, tenha se constituído em objeto de estudos históricos,2 2 . "Os historiadores da matemática são unânimes em assinalar o fato de histórias da aritmética, da geometria e da astronomia terem sido escritas por volta de 335 a.C. por Eudemo de Rhodes, um membro da escola aristotélica. Como essas obras se perderam, as poucas informações de que dispomos a respeito delas devem-se a Proclo, a Simplício e a Eutócio de Ascalon, comentadores da matemática grega que viveram, respectivamente, nos séculos V d.C., VI d.C. e VI d.C." (Miorim; Miguel, 2001, p. 35). e embora tenhamos conhecimento do fato de que histórias da matemática começaram a ser escritas desde essa época, foi somente no final do século XX que começaram a surgir os primeiros estudos relativos à história da educação matemática.3 3 . Em nosso país, duas referências nesse sentido devem ser destacadas: Miorim, 1998 e Valente, 1999. Registramos também o fato de que de um total de 169 trabalhos publicados, parcialmente ou na íntegra, em Anais de Encontros Nacionais e Luso-Brasileiros de História da Matemática, até o ano de 2002, cerca de 20% estavam inseridos no campo de investigação da história da educação matemática (Cf. Miorim; Miguel, 2002, p. 10). Já em nível internacional, merecem destaque, dentre outros, os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos nesse campo pelos professores Gert Schubring, do Instituto de Didática da Matemática da Universidade de Bielefeld (Alemanha) e Bruno Belhoste, do Institut Nacional de Recherche Pédagogique (INRP) de Paris.

Sabemos que, desde a Antigüidade, a matemática tem sido objeto de reflexões e de estudos filosóficos isolados. Segundo Fang & Takayama (1975, p. 33), a denominação Philosophia mathematica foi o título dado por Erhard Weigel a um livro de sua autoria publicado em 1693. Para esses autores, os conteúdos desse livro, dotados de uma certa conotação teológica, discorriam muito pouco sobre "matemática filosofizada ou sobre filosofia matematizada". Ainda segundo eles, o dúbio título da obra de Weigel poderia ser traduzido de dois modos: por matemática filosófica ou por filosofia matemática, denominações estas que, atualmente, seriam representativas de duas disciplinas ou campos de investigação distintos. A primeira delas — matemática filosófica — constituiria um domínio dos matemáticos propriamente dito, uma vez que tal campo é geralmente visto por essa comunidade como sendo aquele que tomaria como objeto de investigação teorias potencialmente "matema-tizáveis" ou "formalizáveis", no sentido de serem eventualmente capazes de integrarem o campo da matemática propriamente dito. É com esse sentido que muitos lógicos, ainda hoje, utilizam a denominação filosofia da matemática, isto é, como matemática filosófica. Representativa dessa concepção é a obra intitulada The Philosophy of Mathematics, publicada em 1969, na qual o seu editor, J. Hintikka, compila vários antigos artigos sobre lógica simbólica. Por sua vez, para Fang & Takayama (1975, p. 33), a filosofia matemática poderia ser encarada manifestamente como a região para filósofos, e teria como objeto de investigação certas teorias matemáticas de cunho especulativo que teriam sido introduzidas por matemáticos, mas que permaneceram ou permanecem pouco desenvolvidas.

Já a filosofia da educação matemática é bem mais recente, e parece que foi apenas na década de 80 do século XX que ela começou a se constituir como campo autônomo de investigação. Segundo Bicudo (1999, p. 22), o primeiro trabalho com o título filosofia da educação matemática foi a tese de doutorado de Eric Blaire, defendida no Instituto de Educação da Universidade de Londres, em dezembro de 1981. Mas tem sido, sobretudo, graças aos trabalhos que vêm sendo desenvolvidos por Paul Ernest, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Exeter, no Reino Unido, que esse campo mantém-se atualmente em franco desenvolvimento. De fato, Ernest é o editor da revista internacional eletrônica denominada Philosophy of Mathematics Education Journal que, desde 1990, vem publicando e divulgando estudos e investigações nesse terreno.4 4 . O leitor pode ter acesso, na íntegra, a todos os artigos publicados nessa revista no seguinte site: http://www.ex.ac.uk/~PErnest/

Até onde conseguimos investigar, foi apenas no ano de 1998 que surgiu uma obra que traz explicitamente em seu título o nome Sociologia da Educação Matemática. Trata-se do livro denominado The Sociology of Mathematics Education: mathematical myts/pedagogic texts, de autoria de Paul Dowling, sociólogo e professor do Instituto de Educação da Universidade de Londres.

No prefácio do livro de Dowling, o seu editor – Paul Ernest — explica do seguinte modo a emergência desse novo campo de investigação:

Com suas raízes na matemática, na psicologia e na prática cotidiana de sala de aula, pode-se dizer que a educação matemática está envolvida pela ideologia do individualismo (...). A educação matemática provém da era da Guerra Fria, quando o individualismo, supremo, ditava as regras no Ocidente e o comunitarismo e as perspectivas sociais ocupavam um segundo plano. Na década de 80 do século XX, contrapondo-se à voz individualista da psicologia do desenvolvimento, uma nova voz passou a ser ouvida na educação matemática. Trata-se da voz da sociologia e das teorias sociais a ela associadas. Embora uma corrente social tenha, já há algum tempo, estado presente em educação matemática, (...) aplicações profundas da teoria sociológica são ainda raras nesse terreno. A Sociologia se preocupa não apenas com os indivíduos, os grupos e com seus modos de inter-relacionamento. A moderna Sociologia também integra o conhecimento e a prática social em um todo complexo. Até a década de 80 do século XX, estudos que reconheciam esse complexo caráter eram virtualmente inexistentes em educação matemática. O movimento feminista fez uma crítica social da matemática, mas até o surgimento de trabalhos como os de Walkerdine (Ernest se refere aqui à obra The Mastery of Reason, desta autora, publicada em 1988), esses trabalhos eram subteorizados. Da mesma forma, os movimentos multiculturalista e etnomatemático produziram valiosos insigths sociais para o ensino da matemática e têm se tornado veículos amplamente reivindicadores de uma reforma da educação matemática. Mas, todos esses movimentos, muito freqüentemente, têm produzido perspectivas acríticas ou sub-teo-rizadas. Até o momento, há uma carência de abordagens sociológicas bem fundamentadas e experimentadas para a educação matemática que sejam capazes de suprir a lacuna aberta pela ausência de perspectivas teóricas e de responder à crítica. (Ernest, P. In: Dowling, 1998, pp. xiii-xiv)

Diante desse quadro atual, rico e complexo, de proliferação de novos campos de pesquisa relativos a dois setores específicos da cultura — a cultura matemática propriamente dita e a cultura educativa em matemática —, vamos passar, em seguida, a apresentar e discutir, ainda que preliminarmente, alguns princípios orientadores de um programa de pesquisa que se propõe a tomar como objeto central de investigação o modo como os campos da história, filosofia e sociologia da educação matemática poderiam vir a participar, de forma crítica e qualificadora, da formação inicial e continuada de professores de matemática.

Princípios orientadores do Programa de Pesquisa

Um primeiro princípio orientador desse programa é que a participação desses campos na formação de professores não deveria se dar através da mera transformação dos mesmos em novas disciplinas autônomas — tais como, por exemplo, história da matemática ou história da educação matemática; filosofia da matemática ou filosofia da educação matemática; sociologia da matemática ou sociologia da educação matemática — a serem acrescidas àquelas já integrantes dos currículos dos cursos de formação de professores de matemática. Primeiro, porque esse acréscimo acabaria praticamente inviabilizando essa própria formação devido à sobrecarga insustentável que pesaria sobre esses currículos. Além disso, pensamos que essa formação se veria muito mais qualitativamente enriquecida se ela fosse revista à luz de uma nova concepção de especificidade que estivesse pautada em um projeto pedagógico em que esses novos campos de investigação, dentre outros, viessem a participar de forma orgânica e esclarecedora da constituição de problematizações multidimensionais5 5 . Por problematização multidimensional das práticas escolares relativas à educação matemática entendemos todo debate crítico e esclarecedor que põe em evidência e incide sobre as várias dimensões constitutivas das práticas sociais que envolvem a matemática e que se realizam sob os condicionamentos da instituição escolar, quais sejam: a dimensão matemática, a epistemológica, a lógica, a sociológica, a metodológica, a antropológica, a axiológica, a histórica, a política, a ética, a didática, a lingüística, etc. (Miguel; Miorim, 2004, p. 154). das práticas escolares que envolvem a matemática, problematizações estas que fossem orientadas por investigações acadêmicas sobre questões que hoje desafiam os professores no trabalho crítico e produtivo de apropriação, resignificação, produção e transmissão da cultura matemática sob os condicionantes postos pela instituição escolar.

Um segundo princípio orientador desse programa de pesquisa diz respeito ao fato de que não estamos, nele, concebendo a filosofia, a história e a sociologia da educação matemática como uma justaposição mecânica de temas ou problemas extraídos dos campos da filosofia, da história e da sociologia da educação com outros produzidos no interior dos campos da filosofia, da história e da sociologia da matemática.

Isso porque pensamos que os objetos e os problemas sobre os quais incidem tanto a investigação quanto a ação pedagógica no terreno da educação matemática não estão restritos àqueles que, costumeiramente, têm feito parte dos campos da história da matemática, filosofia da matemática e sociologia da matemática, nem são da mesma natureza que eles e nem possuem a mesma relevância pedagógica que eles.

Em outras palavras, o que o segundo princípio orientador sugere é que os objetos sobre os quais deveriam incidir as investigações levadas a cabo nos campos da história, filosofia e sociologia da educação matemática não são as resultantes de somas de saberes produzidos pela filosofia, história e sociologia da matemática constituídas através de problemas enfrentados pelo matemático profissional, em suas atividades de pesquisa no domínio da matemática pura ou aplicada, com saberes produzidos por histórias, filosofias e sociologias gerais da educação constituídas na perspectiva do pedagogo.

Isso porque seria pouco provável que uma concepção dessa natureza viesse a produzir algo mais do que uma composição estanque, desarticulada e pouco efetiva de opções filosóficas extraídas desses dois terrenos. Além disso, tal composição seria pouco esclarecedora e de pouca utilidade para o enfrentamento dos problemas que se colocam ao professor de matemática.

Por um lado, as inconveniências que vemos em se tomar os problemas que se constituíram nos domínios da filosofia, história e sociologia da matemática como os eixos centrais de investigação dos campos da filosofia, história e sociologia da educação matemática são de pelo menos duas ordens. Primeiro, porque os movimentos em torno dos campos da filosofia, história e sociologia da matemática, em suas histórias bastante recentes, acabaram elegendo como objetos de análise e reflexão quase que exclusivamente a atividade e a cultura matemáticas dos matemáticos profissionais, ignorando dessa forma, por desinteresse, desconhecimento e/ou por preconceito, todas as outras formas de atividade e cultura matemáticas que têm sido produzidas em diferentes práticas sociais que têm sido realizadas em outros contextos institucionais que não o meio científico-acadêmico. Segundo, porque, no âmbito desta forma de se conceber e fazer história, filosofia e sociologia da matemática, os conhecimentos produzidos e as diferentes concepções de matemática que se evidenciaram, não se constituíram com base nos problemas e preocupações decorrentes da atividade matemática que se realiza no exercício de diferentes práticas sociais e, sobretudo, daquelas que se realizam na instituição escolar.

Por outro lado, as inconveniências que vemos em se tomar os problemas que se constituíram nos domínios da história, filosofia e sociologia da educação como o eixo central de investigação dos campos da filosofia, história e sociologia da educação matemática são também de pelo menos duas ordens, análogas às anteriores. Primeiro, porque as chamadas filosofias gerais da educação acabaram elegendo como objeto de análise e reflexão quase que exclusivamente uma atividade educativa genérica, universal, uniforme e abstrata, ignorando desse modo, por desconhecimento, desinteresse e/ou preconceito, não apenas a forma disciplinar específica com que a educação tem se realizado no contexto institu-cional escolar de todos os países, como também todas as outras formas de atividade educativa que têm sido realizadas em outras práticas sociais, que não as escolares, em diferentes contextos geopo-líticos e em diferentes épocas.

O terceiro princípio orientador de nosso programa propõe que o objeto sobre o qual deveriam incidir as investigações desses campos seja a educação matemática que vem se realizando na escola, isto é, sob os condicionamentos singulares da instituição escolar. Esse princípio, para ser compreendido do modo como gostaríamos que o fosse, requer alguns esclarecimentos.

Ele sugere, antes de mais nada, que o objeto sobre o qual deveriam incidir as investigações dos campos aqui considerados não deveria ser nem os conceitos genéricos e abstratos de saber matemático ou de cultura matemática, e nem os mais delimitados de matemática escolar ou de cultura matemática escolar, mas sim o de educação matemática escolar.

Mesmo que falar em educação matemática escolar em vez de matemática escolar seja uma opção, essa opção não constitui, a nosso ver, uma mera escolha terminológica sem maio-res conseqüências. Ela nos remete, antes de mais nada, ao controvertido problema de se saber em que medida e de que formas as práticas sociais de caráter educativo — escolares ou não — participariam, de forma ativa e criativa, da produção de cultura matemática ou de cultura de um modo geral. Práticas sociais produtoras de cultura matemática seriam incomensuráveis com práticas sociais produtoras de cultura educativa relativa à cultura matemática? Já tivemos a oportunidade de considerar a questão mais ampla do projeto de disciplinarização das práticas educativas relativas à cultura matemática na referência (Miguel & Garnica & Igliori & D’ Ambrosio, 2004, p. 80-89). Vamos retomar aqui alguns argumentos que já haviam sido levantados nessa referência, a fim de justificar a nossa opção pela expressão ‘educação matemática escolar’.

Schubring (2001, p. 297) defende o ponto de vista de que as pesquisas no terreno da história da educação matemática deveriam evitar qualquer separação entre produção e reprodução da cultura. Isso significa, em outras palavras, que o pesquisador, em suas investigações, deveria evitar trabalhar, implícita ou explicitamente, com o pressuposto maniqueísta que associa produção com invenção e ensino com socialização, divulgação ou recepção passiva da cultura. É importante que se evite um tal pressuposto porque ele nos leva, inelutavelmente, ao estabelecimento inadmissível de uma hierarquia entre invenção e transmissão, e nos leva, em seguida, a ver a pesquisa como uma atividade nobre, original e indispensável e o ensino como uma atividade secundária cujo exercício não requereria o mesmo grau de talento, imaginação e formação que aquele requerido pela atividade de pesquisa.

Mas, por outro lado, devemos admitir que a atividade matemática também não se realiza ou se manifesta em uma única prática social, qual seja, aquela na qual seus promotores se colocariam conscientemente, a si próprios, a tarefa de produzir cultura matemática. Isso implica que os chamados matemáticos profissionais — pelo fato de serem também professores, mas não exclusivamente por essa razão — realizam uma atividade educacional, bem como produzem cultura educacional — ainda que não seja essa a dimensão intencional, consciente e predominante de sua atividade. Mas implica ainda que outras comunidades de prática – nelas incluída, é claro, a comunidade dos educadores matemáticos - também realizam atividade matemática e também produzem cultura matemática – ainda que não seja essa a dimensão intencional, consciente e predominante de sua atividade.

Podemos dizer, então, que além de uma cultura específica e particular intencionalmente produzida e absolutamente necessária para que uma prática social seja realizada e sobreviva, as comunidades que a realizam acabam também se apropriando, de forma re-significadora e institucionalmente condicionada, de culturas produzidas na realização de outras práticas sociais, e acabam também produzindo uma cultura educacional de sobrevivência, culturas estas que, embora não sejam percebidas como tão importantes quanto aquela intencionalmente produzida na realização da prática social de referência, são também absolutamente necessárias para que a prática social de referência se realize, sobreviva e cumpra os seu propósitos sociais. E daí, resguardadas as diferenças, um matemático profissional não é um não-educador matemático, do mesmo modo que um educador matemático não é um não-matemático profissional.

Esse nosso ponto de vista é reforçado por Belhoste quando afirma que ainda que os matemáticos, em sua grande maioria, sejam hoje professores, dado que suas atividades se realizam dentro de um quadro universitário ou escolar, e ainda que, para a opinião pública, a matemática seja vista, antes de tudo, como uma disciplina de ensino, não é desse modo que os próprios matemáticos se vêem. Para eles, a atividade de pesquisa constitui o elemento definidor de sua identidade profissional, e ensinar matemática não é uma atividade vista como suficiente para ser matemático; para isso, seria preciso ainda, e sobretudo, produzir resultados matemáticos (Belhoste,1998, p. 291).

Entretanto, continua Belhoste, essa representação que o próprio matemático tem da sua identidade profissional é bastante recente, remontando ao final do século XIX. E quando se considera o estatuto de matemático, não como uma categoria ahistórica, mas como uma construção social, nada nos autorizaria a dizer que Descartes teria sido um matemático, ao invés de filósofo, enquanto que o professor de matemática de Galois, no liceu, não teria sido um matemático, uma vez que foi principalmente por meio da atividade de ensinar matemática que a própria atividade matemática se profissionalizou na Europa, dando origem ao matemático profissional de nossos dias. Desse modo, mesmo que nos dias de hoje matemáticos e educadores matemáticos, cada vez mais, constituam duas comunidades de prática que visam a propósitos diferentes, tanto no domínio da pesquisa quanto no da ação pedagógica, essas comunidades não deveriam ser vistas como radicalmente distintas, visto que elas não apenas compartilham pelo menos alguns objetivos, como também realizam atividades que se condicionam mutuamente. Entretanto, esse condicionamento pode não ser imediato, e sua natureza não é da ordem da subordinação passiva de uma dessas atividades em relação à outra; além disso, ambas as atividades são também condicionadas por outras atividades, do mesmo modo que condicionam a realização de outras práticas sociais.

Nesse sentido, na polêmica que estabeleceu com Chevallard (1991), Chervel defendeu, a nosso ver com razão, o ponto de vista episte-mológico e metodológico, parcialmente contrário àquele que orientou o primeiro autor, de que as disciplinas escolares não são reflexo, vulgarização ou adaptação pura e simples de saberes produzidos pelas ciências de referência. Em tom alternativo, Chervel afirmava, então, que o conceito que lhe parecia dever ser posto no centro de uma reflexão sobre a cultura escolar, não deveria ser o conceito de saber, mas o de disciplina, ou melhor, o de disciplina escolar ou de disciplina de ensino. A natureza dessa distinção sutil, porém fundamental e reorientadora, fica melhor caracterizada pelas palavras do próprio Chervel :

Minhas pesquisas não confirmam em nada a existência de um grupo social independente da escola, cuja função seria a de transformar o saber erudito em saber ensinável. Ao contrário, elas me levam a ver na escola (em sentido amplo) um lugar de produção de cultura, de uma cultura escolar, de conteúdos de ensino, de "disciplinas". É preciso, portanto, apresentar um outro quadro teórico no qual se possa conceber a escola como criadora de "conteúdos culturais". Mas é preciso, antes de mais nada, delimitar o domínio: aquele em que os ensinamentos são "disciplinas", isto é, conteúdos direcio-nados às crianças ou aos adolescentes em um processo que não é somente um processo de instrução, mas também de educação. (1992, p.197)

Por um lado, o ponto de vista de Chervel nos chama a atenção para a forma específica, disciplinar e compartimentada que assume a cultura escolar por força do condicionamento histórico a que está submetida, sendo a cultura matemática escolar um desses compartimentos. Por outro lado, esse ponto de vista nos adverte ainda para o perigo de se identificar o conceito de saber com o de conteúdos de ensino. Entretanto, ao nos fazer essa última advertência, Chervel acaba sugerindo uma dicotomia que parece contradizer o seu próprio ponto de vista, e que o aproxima, mais do que ele próprio desejaria, do ponto de vista de Chevallard. De fato, de acordo com Chervel, se os conteúdos de ensino, ainda que entendidos como conteúdos culturais, não poderiam ser vistos como saberes propriamente ditos, então, a escola, ainda que devesse ser vista como uma instância autônoma de produção cultural, não seria, a rigor, uma instância produtora de saber. Como se percebe, a concepção de cultura que informa esse ponto de vista de Chervel — e que desfaz a suposta contradição que parecia envolvê-lo — afirma que toda forma de saber é uma produção cultural, mas nem toda produção cultural — nela incluída a produção cultural escolar — é uma forma de saber.

Ainda que não sejam essas as nossas concepções de cultura e de cultura escolar,6 6 . Alternativamente, outras concepções de cultura escolar têm sido propostas por historiadores da educação. Para Jean Claude Forquin, cultura escolar é o "conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, ‘normalizados’, ‘rotinizados’, sob o efeito dos imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas". Para Antonio Viñao Frago, a cultura escolar é o conjunto dos aspectos institucionalizados que caracterizam a escola como organização, o que inclui práticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos – a história cotidiana do fazer escolar —, objetos materiais – função, uso, distribuição no espaço, materialidade física, simbologia, introdução, transformação, desaparecimento (...) —, e modos de pensar, bem como significados e idéias compartilhadas". Já para Dominique Julia, a cultura escolar se apresenta como "um conjunto de normas que definem saberes a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses saberes e a incorporação desses comportamentos, normas e práticas ordenadas de acordo com finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização)" (Valdemarin; Souza, 2000, p. 5-6). pensamos que o ponto de vista de Chervel — mas não o de Chevallard — nos possibilita afirmar que a cultura produzida pela disciplina de ensino denominada matemática não deveria ser confundida com a cultura produzida pela atividade matemática realizada por diferentes comunidades de prática e, sobretudo, pela comunidade dos matemáticos profissionais.

Esse mesmo tipo de advertência é também sugerido pelo ponto de vista defendido por João Filipe Matos — professor da Universidade de Lisboa — de substituir a disciplina matemática do currículo escolar por uma outra denominada educação matemática (Matos, 2003).

Mas o terceiro princípio orientador de nosso programa de pesquisa requer ainda um segundo tipo de esclarecimento. Quando propomos substituir o conceito de matemática escolar pelo de educação matemática escolar, o adjetivo escolar que qualifica a expressão educação matemática não é um mero detalhe. Ele não apenas contextualiza a educação matemática que queremos considerar como objeto de investigação histórica, filosófica e sociológica; mais do que isso, ele a institucionaliza.

Para explicar melhor isso, devemos dizer algumas palavras sobre o modo como estamos aqui entendendo o conceito sociológico de instituição. Uma instituição é, para nós, qualquer conjunto dinâmico e mutável de normas socialmente instituído a fim de se organizar, de determinado modo, as relações sociais dos integrantes de comunidades de prática que, sob a in-fluência desse conjunto de normas, realizam ações em vários lugares ou ambientes. Assim, por exemplo, quando nos referimos à IBM, ou à ciência, ou ainda à religião católica como instituições, estamos, a rigor, nos referindo ao conjunto explícito ou implícito de normas que, em cada momento determinado, organiza, controla e condiciona as relações interpessoais de qualquer natureza, bem como os modos pessoais de agir e pensar dos integrantes de comunidades de prática que se submeteram a essas normas, independentemente do topos ou espaço físico onde estejam agindo ou pensando.7 7 . Estamos aqui utilizando a palavra instituição de um modo bastante próximo àquele usado por (Thompson, 1995), isto é, "como uma estrutura – não necessariamente corporificada em uma propriedade material de cunho público ou privado – definida, específica e relativamente estável de relações sociais estabelecidas e organizadas por regras e recursos financeiros, e socialmente constituída com a finalidade de realizar ações de interesse social ou coletivo" (Miguel; Miorim, 2004, p. 157-158). Assim, a atividade de produção deste artigo — que foi condicionada por vários fatores como, por exemplo, o tema sobre o qual me propus a escrever, o limite de páginas que ele não deveria ultrapassar, a natureza do gênero literário, etc. — pode ser vista como uma atividade institucional, não porque eu o tivesse escrito em um lugar físico definido, mas porque essa atividade e todas as demais que realizei em minha casa ou na Unicamp para produzir este texto foram condicionadas pelo modo como eu próprio combinei e representei, a mim mesmo, o conjunto de regras de várias instituições: da instituição revista da Faculdade de Educação da USP, da instituição texto científico, da instituição escola, da instituição história, etc.

Esse modo de conceber o conceito de instituição nos obriga a ver toda a cultura – e a cultura matemática, em particular – como uma instituição social. Mas também nos impede de imaginar um momento histórico em que a cultura matemática teria existido sob um estado de vazio institucional. E daí, o adjetivo escolar que qualifica a expressão educação matemática, mais do que institucionalizá-la, a re-institucionaliza, o que significa ver sempre as práticas educativas escolares que envolvem cultura matemática — em cada tempo histórico, em cada contexto geopolítico e em cada situação concreta — como processos dinâmicos, criativos, produtivos, originais e singulares, ainda que condicionadas por conjuntos nem sempre identificáveis de normas provindas de diferentes instituições sociais, além daquelas provindas da própria instituição escola.

De acordo com esse ponto de vista, a cultura matemática passa a ser vista como todo e qualquer sistema normativo e público de signos produzidos através da atividade matemática realizada por diferentes comunidades de prática, e não apenas pela comunidade de matemáticos profissionais. Porém, a atividade matemática produtora de cultura matemática não é concebida como um tipo de atividade que é realizada e condicionada apenas por um determinado tipo ou conjunto único de normas institucionais e nem, alternativamente, como uma atividade que não estaria submetida a qualquer tipo de condicionamento institucional. Desse modo, a cultura matemática deixa de ser vista de maneira uniforme, isto é, como portadora de características, pro-priedades e propósitos sempre universais, fixos, bons e nobres. De fato, cada vez mais estamos tomando ciência de que a natureza da atividade matemática, bem como a natureza da cultura que essa atividade produz, variam não somente segundo épocas e contextos geopolíticos diferentes, mas também — em cada época e contexto — segundo a natureza, os propósitos e as formas de organização das instituições sociais condicionadoras dessa atividade. Isso significa que a atividade matemática acaba, quase sempre acri-ticamente, incorporando e retransmitindo os interesses e valores orientadores dos propósitos políticos dos grupos sociais que financiam a constituição e o funcionamento das instituições sociais nas quais essa atividade se realiza.

É claro que esse ponto de vista sociológico acerca da atividade matemática se repercute imediatamente no âmbito da educação matemática escolar. Nas palavras de Skovsmose, isso significa que

a Educação Matemática não pode simplesmente servir como uma "embaixatriz" da Matemática, visando trazê-la aos estudantes ou facilitando sua construção por estes. A Educação Matemática deve também lidar com uma forma de conhecimento que, como parte de um empreendimento tecnológico, cria maravilhas e horrores. (2004, p. 53)

Estamos, portanto, diante da necessidade surpreendente de se questionar as próprias relações tradicionais que a cultura produzida em educação matemática escolar vem estabelecendo com as próprias culturas matemáticas produzidas sob o condicionamento de outras instituições e práticas e, por decorrência, de se pôr em xeque o próprio postulado tradicional de se pensar a educação matemática escolar como uma mera correia de transmissão acrítica de uma cultura matemática considerada pura, universal, formal, autônoma, absolutista, não-controvertida, certa e neutra. Estamos, portanto, diante de um problema simultaneamente histórico, filosófico e sociológico que raramente tem sido posto ou devidamente considerado pelos campos da história, da filosofia e da sociologia da matemática. Entretanto, tal problema, por se mostrar fundamental para o exercício da ação pedagógica no âmbito da educação matemática escolar, o é também, por extensão, para a formação de professores de matemática.

Desse modo, pensamos que o ponto de vista de Chervel — que apresentou e ainda apresenta forte ressonância entre alguns historiadores da educação matemática e da educação em geral, em nosso país — teve não apenas o mérito de defender e ressaltar a especificidade e singularidade da cultura escolar perante as demais formas de manifestação cultural, mas também de ver a escola como espaço de produção cultural.

Entretanto, tendo presentes a crítica à concepção de cultura subjacente ao ponto de vista de Chervel, e também a natureza de nosso programa de pesquisa, pensamos que a noção mais delimitada de conteúdos de ensino comparativamente à noção genérica de saber, embora signifique um certo avanço conceitual, deveria passar por um certo refinamento a fim de mostrar as suas poten-cialidades. Para isso, propomos a substituição da noção de disciplina escolar ou de conteúdos de ensino pela noção não menos complexa e controvertida de prática social. Podemos, então, enunciar o quarto princípio orientador de nosso programa de pesquisa nos seguintes termos: o objeto sobre o qual deveriam incidir as investigações dos campos da história, filosofia e sociologia da educação matemática é o conjunto de práticas sociais que envolvem a matemática e que foram ou estão sendo realizadas na escola, isto é, sob os condicionamentos singulares da instituição escolar.

Para compreendermos o que esse quarto princípio significa, é preciso ressaltar aqui o fato de que, quando falamos em práticas sociais, não estamos concebendo a prática como um lócus, isto é, como um lugar ou espaço físico institu-cionalmente condicionado no qual desenvolvemos uma atividade profissional. Para nós, uma prática social — e as práticas escolares são exemplos de práticas sociais — é um conjunto de atividades ou ações físico-afetivo-intelectuais que se caracterizam por ser: 1. conscientemente orientadas por certas finalidades; 2. espácio-temporalmente configuradas; 3. realizadas sobre o mundo natural e/ou cultural por comunidades de prática cujos membros estabelecem entre si relações interpessoais institucionalizadas; 4. produtoras de conhecimentos, saberes, ações, tecnologias, discursos, artefatos, obras de arte, etc. ou, em uma palavra, produtoras de cultura, isto é, de um conjunto de formas simbólicas8 8 . Estamos aqui utilizando a expressão formas simbólicas no sentido a ela atribuído por Thompson, isto é, como "uma ampla variedade de fenômenos significativos, desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos, programas de televisão e obras de arte" (Thompson, 1995, p. 182-183). Nessa referência, Thompson distingue cinco características das formas simbólicas, quais sejam, os seus aspectos intencionais, convencionais, estruturais, referenciais e contextuais. De forma consonante a esse ponto de vista, estamos utilizando aqui a palavra cultura, em uma concepção semântica bastante ampla, como o conjunto das formas simbólicas produzidas pela humanidade. (Miguel; Miorim, 2004, p. 165).

É preciso assinalar ainda que nem todas as práticas que se realizam na escola, isto é, sob o condicionamento da instituição escolar, são realizadas apenas na escola e que algumas práticas que se realizam na escola se realizam apenas na escola, e ainda, que nem todas as práticas que se realizam fora da escola são também realizadas na escola. Por exemplo, a prática social de se realizar cálculos por escrito de acordo com as regras do sistema hindu-arábico é uma prática que circula na escola, mas não apenas nela. Já a prática social de se orientar espacialmente com base em um artefato tecnológico que opera segundo um sistema GPS9 9 . O GPS, acrônimo de Global Positioning System, "(...) é um sistema de radionavegação desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América (...) com o intuito de ser o principal sistema de navegação das Forças Armadas americanas. (...) Ele tem-se tornado uma tecnologia extremamente útil e inovadora para uma série de atividades de posicionamento. Podem-se citar aquelas relacionadas a Cartografia, Meio Ambiente, Controle de Frota de Veículos, Navegação Aérea e Marítima, Geodinâmica, Agricultura, etc." (Monico, 2000, p. 15 e 21). não é uma prática que circula na instituição escolar, embora possa, um dia, vir a fazê-lo. Pode ocorrer ainda que certas práticas escolares que foram realizadas na instituição escolar, durante um certo período de tempo, tenham se tornado obsoletas e tenham deixado de ser realizadas na escola. Por exemplo, a prática escolar de se realizar a verificação do resultado de uma operação aritmética com base na chamada prova dos nove, tornou-se obsoleta e parece não mais circular na escola da atualidade.

Mas ainda que o quarto princípio orien-tador de nosso programa de pesquisa sugira que se elejam as práticas educativas escolares que envolvem matemática como objeto central de investigação histórica, filosófica e sociológica, isso não significa que essas investigações devessem se limitar a olhar exclusivamente para a instituição escolar e para as práticas educativas que envolvem matemática que nela se realizam, como se tais práticas pudessem ser analisadas, compreendidas, explicadas, re-significadas e transformadas exclusivamente com base na análise daquilo que imediatamente se observa na escola.

Em vez disso, pensamos que, para se mostrarem úteis ao professor de matemática, sempre que se mostre procedente, a investigação de uma prática educativa escolar na qual a matemática se ache envolvida deveria ser orientar pelo método comparativo dos modos como essa prática social se constituiu e se transformou em diferentes contextos geopolíticos e institucionais, sendo um deles o contexto institucional escolar. Esse é o quinto princípio orientador de nosso programa de pesquisa.

Exemplificando-o, não basta investigar unilateralmente a natureza das práticas educativas escolares atuais que envolvem a trigonometria; é preciso também investigar os modos como e as razões pelas quais essas práticas escolares se constituíram e se transformaram, em nosso país, bem como a natureza das eventuais influências que sobre elas teriam exercido os saberes relativos à trigonometria que historicamente se constituíram e/ou circularam em outras práticas sociais realizadas em outros contextos geopolíticos e institucionais, tais como as práticas sociais da topografia, da navegação, da astrologia, da astronomia, da cartografia, das finanças e do comércio, da música, da guerra, da construção de instrumentos de medidas, etc.

Pensamos que investigações comparativas dessa natureza, desenvolvidas nos campos da história, filosofia e sociologia da educação matemática, poderiam vir a evidenciar os mecanismos institucionais de ordem política, econômica, legal, sociológica, axiológica, psicológica e ideológica que condicionam o processo de recepção, transmissão, apropriação, resigni-ficação e transformação das práticas educativas escolares que envolvem a matemática. Tais mecanismos tenderiam, portanto, a revelar o jogo dinâmico das relações assimétricas de poder que estaria na base da explicação de mudanças qualitativas específicas e concretas ocorridas no âmbito da educação matemática escolar.

A constituição de saberes relativos a esse jogo de relações assimétricas de poder em que a educação matemática escolar se achou e/ou se acha, de algum modo, envolvida constitui o sexto princípio orientador do nosso programa de pesquisa. Tais saberes poderiam subsidiar uma avaliação qualitativa mais profunda daquilo que atualmente ocorre nas salas de aula, tais como: as resistências dos estudantes ao processo de apropriação da cultura matemática; as dificuldades apresentadas pelos professores no processo de recepção, ressignificação e transmissão da cultura matemática; a artificialidade das práticas escolares que envolvem a matemática; a natureza algorítmica e pouco significativa da educação matemática escolar, etc. Poderiam ainda fornecer subsídios concretos para a tomada de decisões e para a reorientação das ações pedagógicas na escola a fim de torná-las mais significativas para os alunos e mais ajustada à natureza dos desafios que se colocaram e se colocam à humanidade no âmbito das relações que se estabelecem entre cultura matemática, educação matemática, sociedade, democracia e cidadania.

Um trabalho recentemente realizado nesse sentido por Souza (2004) poderia ilustrar esse nosso ponto de vista. Trabalhando em sessões interativas com um grupo de professoras das séries iniciais do ensino fundamental, a sua questão de investigação consistiu em identificar os valores que estariam sustentando a naturalização do processo de transmissão da prática social do cálculo escrito na instituição escolar. Tal identificação foi realizada através de uma problema-tização do diálogo ocorrido, durante as sessões, entre a pesquisadora e as professoras participantes. Por sua vez, essa problematização tomou como referência alguns aspectos da história dos processos de apropriação da prática social do cálculo escrito ao modo hindu-arábico, sobretudo no contexto geopolítico português nos séculos V e XVI. Inspirando-se na obra de Michel Foucault, o trabalho de Souza constitui um excelente exemplo de recorrência à história como possibilidade para se realizar uma problematização histórico-filosófica de uma prática social de cunho matemático amplamente valorizada e promovida nas escolas da atualidade.

Finalmente, um sétimo princípio orientador de nosso programa de pesquisa é a realização de esforços efetivos no sentido de se tentar, cada vez mais, tornar indistintas as fronteiras que separam os campos de investigação da história, filosofia e sociologia da educação matemática escolar. Isso porque, se todos eles tomam por objeto comum de investigação as práticas educativas escolares que envolvem matemática, uma possível distinção entre eles só poderia ser sustentada por um argumento que defendesse uma suposta natureza distinta da análise que cada um desses campos pudesse produzir, em função da diversidade de propósitos e métodos de investigação que estariam orientando cada uma dessas análises. Poderíamos, então, nos perguntar quão diferentes poderiam ser tais propósitos e métodos, e se tais supostas diferenças não estariam muito mais relacionadas a formas diferenciadas de se conceber tais propósitos e métodos do que a características distintivas incomensuráveis inerentes a cada um desses campos. Entretanto, dado que quando aqui falamos em história e em filosofia da educação matemática escolar estamos, na verdade, querendo significar história sócio-institucional e filosofia sócio-institucional da educação matemática escolar, então, tendemos a pensar que o meta-campo da sociologia da educação matemática poderia funcionar como um metacampo articulador dos três, construindo entre eles um território dialógico comum no interior do qual a discussão relativa ao intercâmbio, compartilhamento e constituição de novos recursos conceituais, metodoló-gicos e hermenêuticos subsidiários das investigações pudesse fluir de um modo efetivo e produtivo.

Em relação a este último princípio, gostaríamos de deixar à reflexão a oportuna e sugestiva advertência seguinte, feita por Struik, em 1942:

(...) Devemos estar sempre conscientes de que uma descoberta matemática, um estado de espírito em relação à matemática, ou um sistema de ensino, nunca são explicados por uma única causa. A vida é complexa e mesmo o mais modesto ou mais sutil ato reflete, de uma forma ou outra, uma infinidade de aspectos do mundo real. Não podemos afirmar que um fator particular foi responsável por uma ocorrência particular ou estado mental. Temos de descobrir como todos os fatores – sociológicos, lógicos, artísticos e pessoais – tiveram um papel no assunto sob investigação, nunca esquecendo, no entanto, de que o homem é um ser social, mesmo quando se preocupa com linhas retas e hipercones num espaço de dimensão sete. (Struik, In: Grupo TEM, 1998, p. 29)

Recebido em 20.01.05

Aprovado em 03.03.05

Antonio Miguel é professor da Área Temática de Educação Matemática da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (SP) e coordenador do grupo de pesquisa HIFEM (História, Filosofia e Educação Matemática).

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  • Endereço para correspondência
    Antonio Miguel
    Rua Jader Passos, 374 – c. 37
    13091513 – Campinas – SP
    e-mail:
  • 1
    . Todos esses textos foram traduzidos para o português pelos integrantes do denominado Grupo de pesquisa TEM (Teoria da Educação Matemática), instalado na Universidade Nova de Lisboa. O leitor poderá encontrá-los na referência TEM, 1998.
  • 2
    . "Os historiadores da matemática são unânimes em assinalar o fato de histórias da aritmética, da geometria e da astronomia terem sido escritas por volta de 335 a.C. por Eudemo de Rhodes, um membro da escola aristotélica. Como essas obras se perderam, as poucas informações de que dispomos a respeito delas devem-se a Proclo, a Simplício e a Eutócio de Ascalon, comentadores da matemática grega que viveram, respectivamente, nos séculos V d.C., VI d.C. e VI d.C." (Miorim; Miguel, 2001, p. 35).
  • 3
    . Em nosso país, duas referências nesse sentido devem ser destacadas: Miorim, 1998 e Valente, 1999. Registramos também o fato de que de um total de 169 trabalhos publicados, parcialmente ou na íntegra, em Anais de Encontros Nacionais e Luso-Brasileiros de História da Matemática, até o ano de 2002, cerca de 20% estavam inseridos no campo de investigação da história da educação matemática (Cf. Miorim; Miguel, 2002, p. 10). Já em nível internacional, merecem destaque, dentre outros, os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos nesse campo pelos professores Gert Schubring, do Instituto de Didática da Matemática da Universidade de Bielefeld (Alemanha) e Bruno Belhoste, do Institut Nacional de Recherche Pédagogique (INRP) de Paris.
  • 4
    . O leitor pode ter acesso, na íntegra, a todos os artigos publicados nessa revista no seguinte site:
  • 5
    . Por
    problematização multidimensional das práticas escolares relativas à educação matemática entendemos todo debate crítico e esclarecedor que põe em evidência e incide sobre as várias dimensões constitutivas das práticas sociais que envolvem a matemática e que se realizam sob os condicionamentos da instituição escolar, quais sejam: a dimensão matemática, a epistemológica, a lógica, a sociológica, a metodológica, a antropológica, a axiológica, a histórica, a política, a ética, a didática, a lingüística, etc. (Miguel; Miorim, 2004, p. 154).
  • 6
    . Alternativamente, outras concepções de cultura escolar têm sido propostas por historiadores da educação. Para Jean Claude Forquin, cultura escolar é o "conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, ‘normalizados’, ‘rotinizados’, sob o efeito dos imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas". Para Antonio Viñao Frago, a cultura escolar é o conjunto dos aspectos institucionalizados que caracterizam a escola como organização, o que inclui práticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos – a história cotidiana do fazer escolar —, objetos materiais – função, uso, distribuição no espaço, materialidade física, simbologia, introdução, transformação, desaparecimento (...) —, e modos de pensar, bem como significados e idéias compartilhadas". Já para Dominique Julia, a cultura escolar se apresenta como "um conjunto de normas que definem saberes a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses saberes e a incorporação desses comportamentos, normas e práticas ordenadas de acordo com finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização)" (Valdemarin; Souza, 2000, p. 5-6).
  • 7
    . Estamos aqui utilizando a palavra
    instituição de um modo bastante próximo àquele usado por (Thompson, 1995), isto é, "como uma estrutura – não necessariamente corporificada em uma propriedade material de cunho público ou privado – definida, específica e relativamente estável de relações sociais estabelecidas e organizadas por regras e recursos financeiros, e socialmente constituída com a finalidade de realizar ações de interesse social ou coletivo" (Miguel; Miorim, 2004, p. 157-158).
  • 8
    . Estamos aqui utilizando a expressão formas simbólicas no sentido a ela atribuído por Thompson, isto é, como "uma ampla variedade de fenômenos significativos, desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos, programas de televisão e obras de arte" (Thompson, 1995, p. 182-183). Nessa referência, Thompson distingue cinco características das formas simbólicas, quais sejam, os seus aspectos intencionais, convencionais, estruturais, referenciais e contextuais. De forma consonante a esse ponto de vista, estamos utilizando aqui a palavra
    cultura, em uma concepção semântica bastante ampla, como o conjunto das formas simbólicas produzidas pela humanidade.
  • 9
    . O GPS, acrônimo de Global Positioning System, "(...) é um sistema de radionavegação desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América (...) com o intuito de ser o principal sistema de navegação das Forças Armadas americanas. (...) Ele tem-se tornado uma tecnologia extremamente útil e inovadora para uma série de atividades de posicionamento. Podem-se citar aquelas relacionadas a Cartografia, Meio Ambiente, Controle de Frota de Veículos, Navegação Aérea e Marítima, Geodinâmica, Agricultura, etc." (Monico, 2000, p. 15 e 21).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005

    Histórico

    • Recebido
      20 Jan 2005
    • Aceito
      03 Mar 2005
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