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Exclusão: problematizando o conceito

Exclusion: problematizing the concept

Resumos

Este trabalho resulta de indagações sugeridas pela pesquisa "Pedagogias de Esperança nos Movimentos Sociais Populares: Perspectivas para o trabalho, a política e a educação projetadas pelo MST", que vem sendo desenvolvida na UFRGS. Neste texto, problematiza-se o uso da categoria exclusão no que tange à sua potência para identificar se os movimentos sociais populares são capazes de romper processos de exclusão e encontrar alternativas de trabalho, de relações sociais e de educação. Entre as possibilidades de uso da categoria, encontra-se tanto o respaldo em Marx, quando este retraça a gênese da relação capital-trabalho, quanto a denúncia sobre a pobreza e a intolerância como constituintes da "nova questão social". O viés culturalista, a filiação à sociologia durkheiminiana e a imprecisão conceitual, entretanto, impõem limites à categoria, que não consegue alcançar a compreensão da pobreza e do desemprego como produzidos pela luta de classes. Portanto, não consegue apreender os movimentos sociais populares como produtores de alternativas solidárias para o trabalho, a sociedade e a educação.

Exclusão; Movimentos Sociais Populares; Educação


This work results from questions raised by the research project "Pedagogy of Hope in Popular Social Movements: Perspectives for work, politics and education envisaged by ‘Movimento dos Sem Terra’ - MST (Movement of Landless People)"carried out by the Federal University of Rio Grande do Sul. In this paper the use of the category ‘exclusion’ is problematized with the purpose of assessing its potential to identify the ability of the popular social movements to break with processes of social exclusion and to find alternatives for work, social relationships and education. Two possible uses of this category are the one made by Marx when retracing the genesis of the capital versus work relationship, and the exposure of poverty and intolerance as the ingredients of the "new social issue". The ‘culturalist bias’, the affiliation to the sociology of Durkheim and the conceptual vagueness, however, set limits to the category which thereby can not reach an understanding of poverty and unemployment as produced by the class struggle. Therefore, it can not apprehend popular social movements as producers of collective alternatives for work, society and education.

Exclusion; Popular Social Movements; Education


Exclusão : problematizando o conceito** Este trabalho foi apresentado na 22ª Reunião Anual da ANPed, realizada em Caxambu, MG (26 a 30/09/99) no Grupo de Trabalho Movimentos Sociais e Educação, com o título “Exclusão: problematização do conceito para análise da educação produzida nos movimentos sociais populares”. Este trabalho foi apresentado na 22ª Reunião Anual da ANPed, realizada em Caxambu, MG (26 a 30/09/99) no Grupo de Trabalho Movimentos Sociais e Educação, com o título “Exclusão: problematização do conceito para análise da educação produzida nos movimentos sociais populares”.

Marlene Ribeiro

Faculdade de Educação – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo

Este trabalho resulta de indagações sugeridas pela pesquisa “Pedagogias de Esperança nos Movimentos Sociais Populares: Perspectivas para o trabalho, a política e a educação projetadas pelo MST”, que vem sendo desenvolvida na UFRGS. Neste texto, problematiza-se o uso da categoria exclusão no que tange à sua potência para identificar se os movimentos sociais populares são capazes de romper processos de exclusão e encontrar alternativas de trabalho, de relações sociais e de educação. Entre as possibilidades de uso da categoria, encontra-se tanto o respaldo em Marx, quando este retraça a gênese da relação capital–trabalho, quanto a denúncia sobre a pobreza e a intolerância como constituintes da “nova questão social”. O viés culturalista, a filiação à sociologia durkheiminiana e a imprecisão conceitual, entretanto, impõem limites à categoria, que não consegue alcançar a compreensão da pobreza e do desemprego como produzidos pela luta de classes. Portanto, não consegue apreender os movimentos sociais populares como produtores de alternativas solidárias para o trabalho, a sociedade e a educação.

Palavras-chave

Exclusão – Movimentos Sociais Populares – Educação.

Exclusion : problematizing the concept*

Marlene Ribeiro

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Abstract

This work results from questions raised by the research project “Pedagogy of Hope in Popular Social Movements: Perspectives for work, politics and education envisaged by ‘Movimento dos Sem Terra’ – MST (Movement of Landless People)”carried out by the Federal University of Rio Grande do Sul.

In this paper the use of the category ‘exclusion’ is problematized with the purpose of assessing its potential to identify the ability of the popular social movements to break with processes of social exclusion and to find alternatives for work, social relationships and education. Two possible uses of this category are the one made by Marx when retracing the genesis of the capital versus work relationship, and the exposure of poverty and intolerance as the ingredients of the “new social issue”. The ‘culturalist bias’, the affiliation to the sociology of Durkheim and the conceptual vagueness, however, set limits to the category which thereby can not reach an understanding of poverty and unemployment as produced by the class struggle. Therefore, it can not apprehend popular social movements as producers of collective alternatives for work, society and education.

Key words

Exclusion – Popular Social Movements – Education.

Há quase um consenso, nestes últimos tempos, com referência a tratar os problemas das camadas populares – desemprego, pobreza, desescolarização – como decorrentes da exclusão, seja do mundo do trabalho, seja da proteção do Estado, seja das possibilidades de acesso à escola e de permanência nela. A questão que me proponho é então:

A categoria exclusão tem potência explicativa para a análise da realidade das camadas populares, principalmente para identificar se os movimentos sociais populares estão sendo capazes de romper processos de exclusão e de encontrar alternativas de trabalho, de relações sociais e de educação?

Proponho-me, neste trabalho, a problematizar a categoria sociológica exclusão, trazendo para o debate o que me parecem ser algumas possibilidades e limites de uso desta categoria para a compreensão de processos que se configuram como uma nova “questão social”. Mais especificamente, quero saber o seu potencial explicativo para a compreensão das ações que as camadas populares empreendem no sentido de enfrentar as situações caracterizadas como de exclusão do trabalho, da sociedade e da escola. Meu interesse de pesquisa está voltado para os movimentos sociais populares, principalmente para as alternativas que estes criam para enfrentar a expulsão da terra, do emprego e da escola. Entretanto, meu propósito não é fazer análise desses movimentos nem das possíveis alternativas por eles criadas, porque isso me afastaria muito do objetivo pretendido para este texto; proponho-me, apenas, a averiguar se o conceito exclusão dá conta de explicar, para além das situações de exclusão social, as ações que os movimentos sociais populares desenvolvem no enfrentamento de tais situações.1

Não pretendo esgotar o tema, mas levantar alguns elementos que permitam abrir o debate sobre o conceito de exclusão que, na análise da escolarização/não escolarização das camadas populares, veio substituir os conceitos de marginalidade (da sociedade e da escola) e de fracasso escolar. Quanto ao de marginalidade, usado, entre outros, por Saviani (1983), explica-se que este conceito estaria limitado porque o crescente aumento da pobreza, em vista do desemprego estrutural e tecnológico, teria obstruído os poros que permeabilizavam a relação sistema/margens, “despotencializando”, também, o conceito referido a essa relação. Quanto ao de fracasso escolar, também concebido no âmbito da possibilidade de inserção social, é rejeitado tanto porque é cada vez mais nítido o esgotamento dessa possibilidade, quanto porque o termo parece indiciar as populações expulsas na e da escola como autoras de seu “fracasso”, apesar dos esforços na direção de caracterizar a “produção social do fracasso escolar” (Patto, 1990).

Também não me proponho a trazer toda a vasta literatura, principalmente francesa, que usa a noção de exclusão para compreender a questão social, tendo como referência o aumento da pobreza. Vou situar um pouco o surgimento do conceito e destacar alguns enfoques sobre a questão da exclusão, em que pretendo fundamentar a minha pretensão inicial de problematizar o uso da categoria exclusão, apontando suas possibilidades e limites.

Em princípio, o estado de exclusão é velho como a humanidade e refere-se a processos de segregação justificados sob diferentes motivações. Por questões religiosas, tem sido explicada a segregação milenar dos párias na Índia e, mais recentemente, dos católicos na Irlanda; por questões de saúde, tem sido explicada a segregação dos leprosos na antigüidade e dos aidéticos na modernidade; por questões políticas, têm sido explicados o ostracismo entre os gregos e o exílio de subversivos modernos; por questões étnicas, têm sido explicadas a segregação e a subordinação do povo Maku entre o povo Tukano2, dos judeus alemães entre os alemães pretensamente arianos, e dos povos africanos negros entre os povos descendentes de europeus brancos; por questões econômicas, tem sido explicada a segregação dos “vagabundos” na sociedade inglesa do século XVIII e dos “não-empregáveis” na sociedade contemporânea globalizada, estes últimos colocados como objetos privilegiados de estudos sobre processos de exclusão.

No sentido atual que a sociologia a ele confere, há indícios de que o conceito exclusão tenha aparecido na França, ainda nas décadas de 50/60, quando cientistas sociais tiveram sua atenção despertada para o aumento das populações situadas fora do mundo do trabalho, constituindo uma pobreza que os economistas classificavam como “residual”. Nessa época, começa a tornar-se visível o empobrecimento acentuado de uma parte considerável da população francesa em relação à prosperidade de uma outra parte. Hélène Thomas (1997) faz referência à obra de Rene Lenoir3, que teria despertado muita atenção, dando início a uma mudança na representação do fenômeno da pobreza na França desenvolvida. O autor citado por Thomas mostrava essa pobreza como um fato que já não podia mais ser ignorado e, ainda, que os mecanismos de seguridade do Estado-providência não eram adequados ao aumento crescente de um determinado tipo de pessoas pobres. O autor criticava certas interpretações que caracterizam a “nova pobreza” como um caso de inadaptação social (Lenoir, 1974, apud Thomas, 1997, p.35).

No Brasil, Luciano Oliveira (1997), ao procurar caracterizar a realidade que dá conteúdo à exclusão social, identifica obras em que, já nos anos 70, aparecia a denúncia sobre a exclusão vista como decorrente seja do modelo econômico, seja do olhar etnocêntrico que discrimina pobres e determinadas etnias e raças. Oliveira também reconhece situações de discriminação e opressão identificadas como excludentes; porém, ressalta a pobreza resultante do desemprego e do subemprego, com todas as suas conseqüências, como o fenômeno central dentro da categoria exclusão. Com referência à educação, Miguel Arroyo (1987) questiona processos que excluem as camadas populares da cidadania com a justificativa de que essas camadas não estariam preparadas ou “esclarecidas” para exercê-la. No âmbito de tais processos, podem ser compreendidas, segundo Arroyo, as “lutas do povo pela escola e pelo saber, tão legítimas e tão urgentes” (1987, p.79).

A noção de exclusão, por um lado, está fundamentalmente ligada ao que alguns autores chamam a “nova questão social”, referente a uma pobreza que, sob certos aspectos, é igual; sob outros, é diferente, por isso nova, daquela que, no século XVIII, mereceu estudos sob as rubricas de “vagabundagem” e “proletarização”. Mas, por outro lado, como veremos, ela é marcada por movimentos de contestação às instituições prisionais, pedagógicas e psiquiátricas, nos anos 60 e 70, que desembocaram no Movimento de Análise Institucional4, produzindo estudos que contribuíram para um processo de reformulação do tratamento psiquiátrico, da formação escolar e da reeducação de presos. Destaco, principalmente, as pesquisas de Michel Foucault sobre o nascimento da clínica psiquiátrica e os seus esforços, por aproximadamente dez anos, para validar tais pesquisas que lhe respaldariam o ingresso e o exercício da docência no Collège de France5, onde, em discurso inaugural, caracteriza três formas de exclusão do discurso.6

A obra de Foucault põe a nu o processo de constituição das chamadas ciências humanas e ciências sociais, desmascarando a relação entre o controle das populações e a produção de saberes que fazem do homem, a partir do século XVIII, sujeito e objeto de conhecimento (Foucault, 1987a; 1987b). Há todo um contexto explicativo para as questões da discriminação, da opressão e da dominação, que encontra suas referências tanto no movimento iniciado na França, que, a partir de maio de 1968, alastrou-se pela Europa, transbordando para outros países fora deste continente, quanto nos chamados “novos movimentos sociais” dos anos 70. Michelle Perrot (1998) e Jacques Donzelot (1993) são autores que trabalham a questão da exclusão, aquela na perspectiva de privilegiar, na pesquisa histórica, a voz dos excluídos e os saberes silenciados das lutas, esse último preocupado com o novo social, ambos despertados por questões colocadas por Michel Foucault acerca da relação entre poder e verdade no discurso das ciências e nas práticas institucionais.

Em largos traços, este é o contexto em que se constrói o conceito de exclusão que retrata uma realidade de aparecimento de “novos pobres”, de lutas libertárias, de desencanto com o esvaziamento da utopia comunista que alimentou a Revolução Russa, de insuficiência tanto das categorias funcionalistas quanto marxistas para a compreensão desta realidade complexa. Nesse contexto, a presença das chamadas “novas classes médias” (Goldmann, 1978; Offe, 1992; Santos, 1994) explica, de um certo modo, o deslocamento das questões que anteriomente eram dirigidas ao econômico (exploração), para o político (dominação e opressão), e as experiências de autogestão (Lapassade,1983, e Goldmann, 1978). O malogro do “socialismo real” que se iria completar no período de 1989/91, e o desnudamento das relações de poder, sobre as quais se afirmam os modelos de conhecimento tornados “regimes de verdade”, colocam sob suspeita os conceitos marxistas de classes sociais, luta de classes e ideologia. Tais conceitos são acusados de não captar realidades novas muito fortes, tais como: a) a discriminação racial; b) a opressão presente nas relações de gênero; c) a subordinação étnica; d) o surgimento de uma população trabalhadora heterogênea que modifica a composição do sujeito revolucionário classe operária; e) a concentração/diluição dos sujeitos do capital em corporações comerciais, industriais e financeiras. Porém, a realidade que faz o termo exclusão afirmar seu estatuto sociológico é o desemprego em massa associado à reestruturação produtiva, à globalização econômica e à destruição do Estado social, cujo melhor retrato é feito por Viviane Forrester (1997) em O Horror Econômico, dispensando maiores comentários.

Portanto, a noção de exclusão, tal como se afirma na recente sociologia, está impregnada: a) pela emergência e afirmação do enfoque culturalista no bojo das lutas de libertação e dos “novos movimentos sociais”; b) pelas experiências de autogestão que criticam as formas tradicionais de poder; c) pela contestação à utopia socialista, à teoria revolucionária e ao sujeito unitário (marxismo e classe operária”) como condutores dos processos de transformação social. O questionamento teórico vem associado com as denúncias sobre a forma de Estado totalitário e burocrático que assumiu o comunismo soviético, culminando com o fracasso do “socialismo real”. O descrédito da chamada “classe revolucionária” tem várias explicações, entre as quais: o aumento das classes médias acompanhado pela relativa diminuição dos operários não qualificados; a configuração reformista e burocratizada que adotaram os sindicatos e partidos social-democratas europeus; a combinação de elementos, como o desemprego e a “precarização” das relações de trabalho, que fragilizaram as organizações operárias sufocadas pelo avanço do capitalismo neoliberal globalizado.

O retorno de uma pobreza expropriada de meios e instrumentos de produção, vivendo em condições de miséria absoluta, como no século XVIII, porém sem perspectivas de proletarização que se afirmaram no século XIX, nem de seguridade social conquistada no século XX, assume contornos tão visíveis a ponto de configurar uma “nova questão social” que desafia os cientistas sociais. Estes parecem não ter mais à mão uma utopia, uma teoria e uma classe revolucionária que dêem conta de explicar o presente e de predizer o futuro desses “novos” pobres. É no interior desta “nova questão social” que ganha força o conceito de exclusão. Contudo, é justamente nesse contexto e nessa singularidade do conceito, vinculado à realidade da pobreza, que me parecem estar seus maiores limites.

Começo a desconstrução do conceito pelo enfoque do potencial explicativo da categoria a determinados processos sociais a partir de alguns autores, para, em um segundo momento, abordar o que penso serem os limites da categoria exclusão para uma compreensão mais radical da crise do modelo liberal de escola, crise esta que julgo ser potencializadora de alternativas colocadas pelos movimentos sociais populares para a educação.

A categoria exclusão, conforme já vimos, adquiriu visibilidade e força explicativa associada à realidade do aumento da pobreza produzido pelo desemprego. Como mostra Ferraro(1998), a categoria exclusão, quando referida à obra de Marx10, tem uma potência explicativa para a compreensão de processos históricos de expulsão da terra e de perda dos instrumentos de trabalho, compreensão esta que, segundo o autor, pode estender-se ao exame de processos escolares. Com um sentido bastante próximo ao que lhe confere Ferraro, a referida categoria vem sendo trabalhada por José de Souza Martins, desde o início dos anos 80, ao tratar dos movimentos sociais no campo dentro do processo de modernização da agricultura e de intensificação dos processos que definem a propriedade da terra como reserva de valor, contrapondo “à terra de trabalho a terra de negócio” (Martins, 1982). Em Os Camponeses e a Política no Brasil, o autor afirma que o camponês como um excluído é “ausente na apropriação dos resultados objetivos do seu trabalho, que aparece como se fosse desnecessário, de um lado, e alheio de outro lado” (Martins, 1983, p.25). Em obra mais recente, o autor contesta a noção vaga e imprecisa de exclusão, usada para a compreensão de situações de intensificação da pobreza. Tal noção, de acordo com o autor, não substitui a idéia sociológica de processos de exclusão. Nesse sentido, Martins confirma a atualidade da categoria sociológica exclusão para a análise de processos sociais contemporâneos, de caráter mais amplo e permanente, que vão além da perda do emprego para tornar-se “um modo de vida” em que se ”cria uma sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político” (Martins, 1997, p.34).

Fazendo uma crítica semelhante à de Martins, Paul Singer (1998) diferencia a realidade da exclusão, evidenciada por situações de desemprego e de aumento da pobreza, dos processos históricos fundadores de sentido da categoria sociológica que explica as diferentes formas e níveis sob os quais se efetiva a exclusão na atualidade. Luciano Oliveira (1997) também critica o uso indevido e indiscriminado do conceito exclusão, o que ocasiona “uma certa diluição retórica de sua especificidade” (p.50). Admitindo, no entanto, a realidade da exclusão, julga que tanto uma visão antidualista, a qual vai às causas do fenômeno, principalmente de natureza econômica, quanto uma visão ética e política, que nos interroga sobre o tipo de civilização que estamos construindo, são necessárias para a compreensão dessa realidade.

Em quaisquer dos casos, parece que os autores, Ferraro, Martins e Singer, fundamentaram a categoria exclusão em processos históricos que dão a ele conteúdo e, portanto, potência para explicitar os mencionados processos. No entanto, além das críticas que faz Martins a ela, essa categoria tem-se desgastado em análises superficiais da escola, pressupondo, em seus horizontes conclusivos, lutas por inclusão que tanto desmerecem o papel dos sujeitos dessas lutas quanto mantém o modelo social produtor da exclusão.

Até bem pouco tempo, a categoria exclusão parecia-me a mais apropriada para a compreensão da crise da educação e de algumas alternativas para a escola que penso estarem sendo apontadas pelos movimentos sociais populares. Como os autores anteriormente citados, Ferraro, Martins e Singer, buscava sua referência no processo original de instituição das relações capital versus trabalho, analisado por Marx em O Capital (1982). Hoje, apesar de concordar com a argumentação destes autores sobre a indicação dos processos de exclusão como constitutivos da gênese das relações capital versus trabalho, penso que a categoria que tem predominado na literatura afasta-se de tais processos, de tal forma que se corre o risco de ter mais um conceito funcional às justificativas de políticas públicas compensatórias, como foi o caso da marginalidade e do fracasso escolar das camadas populares e como está sendo, na atualidade, o conceito de renda mínima. (Castel, 1998).

Sob esta ótica, levanto algumas questões sobre os limites da categoria, a começar pela definição léxica da palavra, que aparece no Dicionário de Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Hollanda – exclusão: ato pelo qual alguém é privado ou excluído de determinadas funções –, em que na sua composição está o prefixo ex (fora), que separa, corta, inviabiliza a relação. Quer dizer, o sentido, a imagem e a realidade dos excluídos mostram contingentes humanos colocados do lado de fora de uma sociedade cujos mecanismos de impermeabilização de suas fronteiras não permitem o retorno ou a possibilidade de estabelecer relações com os que estão dentro, os incluídos, estes aterrorizados diante da ameaça constante de serem os próximos a ficarem do lado de fora.

Expressão mais concreta do que tem sido caracterizado como exclusão, o desemprego pode ser entendido como expulsão cada vez mais intensa do trabalho vivo de homens e mulheres, substituídos pela máquina, como previra Hegel, que, em 1820, já usara o termo “excluído”.11 Marx (1982) apontara a virtualidade contraditória da ausência do trabalho assalariado tanto como expulsão quanto como libertação do “trabalho alienado”. Lembremo-nos de que os trabalhadores desempregados atuais, aos quais nos estamos referindo, (sobre)vivem em uma sociedade capitalista. Nesta, os seres, inclusive os humanos, encontram-se universalizados sob a forma de mercadoria; a relação entre as mercadorias é mediada pela mercadoria dinheiro, que o capital convenciona como moeda universal para a troca. Ora, a mercadoria força de trabalho, que não encontra comprador no mercado, é excluída da possibilidade do movimento que a coloca em relação com as outras mercadorias, ao ser cortada a sua relação com o capital no processo de trabalho, pelo qual recebe um salário, sob a forma de moeda, para continuar reproduzindo-se como operário. Essa pretensa “libertação” do trabalho, portanto, é contraditória.

Quer dizer, o operário ainda permanece na relação enquanto suas necessidades básicas o obrigam a adquirir mercadorias; ele está excluído da relação enquanto eliminado da possibilidade de estabelecer um contrato de trabalho pelo qual possa receber um salário e comprar aquelas mercadorias. Nesse caso, a “libertação”, tal como ocorreu na fase de expropriação da terra e dos instrumentos de trabalho, analisada por Marx, é mais um despojamento, uma “desposse”, desta vez do vínculo com o capital, por meio do trabalho que lhe permite reproduzir-se como trabalhador sem que, com isto, esteja desvinculado do mundo das mercadorias que necessita para sobreviver. Mais preso do que nunca, o trabalhador encontra-se no limite de seu despojamento, aquele em que parece não haver outra alternativa senão a morte, a concordância com a necessidade da “queima do estoque excessivo da mercadoria mão-de-obra” para garantir os índices de produtividade e competivividade exigidos pelo processo de acumulação de capital. Aceitará o trabalhador esse desígnio, este segundo despojamento que significa a expropriação, não da terra e dos instrumentos de trabalho, mas da própria vida pela eliminação da via da proletarização? É no sentido de reconstituir o vínculo rompido pelo capital por meio dos processos de reestruturação produtiva, de “precarização” das relações de trabalho, de destruição de políticas de seguridade social, de massacre do sindicalismo, ou melhor, é na direção de aceitar tais condições que devem orientar-se os movimentos sociais populares e suas propostas para a educação?

Com essa argumentação e questões, penso ter começado a mostrar algumas das dificuldades de uso da categoria exclusão. No meu entendimento, ela não chega a captar a relação contraditória que os sujeitos do trabalho continuam a manter tanto com o mercado de trabalho, na busca inútil dos empregos perdidos e na constituição de novas alternativas de trabalho, quanto com o mercado de bens de sobrevivência. A categoria exclusão, nesse caso, não somente perde a perspectiva da relação e do movimento, como também designa aos excluídos um papel de meros objetos, seres amorfos que aceitam a inexorabilidade de sua exclusão, ofuscando, desse modo, a sua atuação como sujeitos que pressionam, que reivindicam e que, principalmente, constroem novas formas de relações entre si, com a natureza e com a produção, portanto, novas práticas/concepções de educação. Exclusão, nessa perspectiva, parece-me frágil por duas razões. Primeiro, porque a realidade de hoje é diferente daquela sobre a qual se debruçou Marx para a compreensão das relações contraditórias que estão na gênese do capital, ou seja, a categoria exclusão explica, até certo ponto, os processos de expulsão dos empregos, mas poderia dizer-se metaforicamente que é curta para abarcar a contradição que expulsa o trabalhador do mercado da produção e o mantém preso ao mercado de bens de consumo, que Thomas (1997) aponta como um duplo distanciamento em relação aos sistemas produtivo e de consumo. Segundo, porque o uso da categoria pode implicar a aceitação da ordem que exclui, uma vez que a luta pela inclusão é também uma luta para manter a sociedade que produz a exclusão.

Outro limite refere-se ao vínculo do conceito com a realidade da pobreza e com o seu tratamento por meio de políticas sociais. Esse tratamento aparece principalmente na literatura francesa. Segundo Thomas (1997), a exclusão propõe uma nova forma de problematização da questão social e, conseqüentemente, do seu tratamento, que precisa de categorias práticas para definir as políticas públicas e as respectivas ações sociais.

Como o estado de exclusão que atinge determinadas populações segregadas, as situações que hoje dão conteúdo e visibilidade ao conceito também não são novas. A miséria, o desemprego, a ameaça de ruptura social por processos revolucionários foram presenças constantes nos séculos que prepararam as condições para o capitalismo; estas situações mantiveram-se no século XIX em que o capitalismo se consolidou; impuseram-se no início do século XX, quando a continuidade deste sistema foi colocada em risco após a Revolução Russa de 1917 e a grande crise do período de 1929 a 1933. Esta crise foi alimentada pela depressão econômica, pelo desemprego e pela pobreza, componentes bastante atuais. O enfrentamento dessa crise pôs frações da burguesia em confronto tendo, de um lado, os partidários das políticas keynesianas, que fundamentaram a instituição do Estado social, e, de outro, os doutrinários do neoliberalismo.12 Estes esperaram cerca de três décadas para que novas condições de crise de acumulação fossem propícias à eliminação de um fundo público destinado à reprodução da força de trabalho, mantendo, porém, o fundo público destinado à reprodução do capital (Francisco de Oliveira, 1998). Não há mais interesse pelo financiamento público da reprodução da força de trabalho, portanto, pela sua formação, porque, com a aplicação de novas tecnologias aos processos produtivos, o operariado passa a ter um peso cada vez menor na produção. Produz-se, assim, o desemprego tecnológico aliado ao desemprego estrutural, que resultam na pobreza caracterizada como exclusão dos processos produtivos econômicos e sociais, processos esses dos quais faz parte a educação pública.

Quer dizer, a realidade da exclusão ou a dimensão da pobreza que a faz visível não pode ser dissociada dos processos de destruição de uma política de direitos de cidadania – saúde, educação, segurança, habitação, regulamentação do trabalho – instituídos com o Estado social. É para essa perda de lugares sociais, garantidos por empregos, por direitos e por reconhecimento, que os cientistas sociais, no mais das vezes, dirigem suas críticas, quando não são os próprios organismos estatais de assistência que definem os “excluídos” como objetos de políticas de inserção (Castel, 1998). Isso quer dizer que a exclusão está amarrada, em uma ponta, ao desemprego estrutural e tecnológico, em que uma política de lucratividade delibera sobre a transformação de trabalhadores em lixo industrial, e, na outra, à destruição de toda uma legislação de amparo ao trabalhador, o qual, tornado lixo, se presume que dela não necessite.13

A exclusão tornada instrumento de análise pela sociologia atual tem o mérito de contribuir para denunciar a intolerância para com a diferença, a perda de direitos conquistados pela instituição do Estado do bem-estar e, no limite, a perda do direito a ter direitos (Nascimento, 1994). Ela põe em evidência a transformação da cidadania em mercado, e do cidadão em um consumidor pelo avesso, que precisa consumir-se a si mesmo, por não dispor de moeda que lhe permita fazer trocas nesse mercado.

Porém, como reconhecem alguns autores, se o conceito de exclusão oferece plasticidade para mostrar as diferentes faces sob as quais se mostra a “questão social”, nessa mesma plasticidade encontra seus limites, principalmente na indeterminação (Martins, 1997 e Castel, 1998) e na pulverização de tratamentos específicos adotados nas políticas sociais que tornam problemática a unidade da categoria (Thomas, 1998).

O vínculo com a pobreza que marca o olhar culturalista sobre a exclusão se, por um ângulo, contribui para chamar a atenção sobre as diferenças, sobrepondo-se ao totalitarismo da unidade de pensamento, de raça, de gênero masculino, de etnia, por outro, detém-se mais sobre a problematização dos processos primários e secundários de socialização (filiação/desfiliação e socialização/dessocialização14), e deixa em segundo plano, ou mesmo não aborda, as relações sociais contraditórias às quais estão presos os sujeitos excluídos e os sujeitos que controlam e decidem impor aos primeiros o estado de exclusão. Tais como outros conceitos funcionais para a explicação da questão social – marginalização, fracasso, carência, inadaptação –, o conceito de exclusão define as camadas populares pelo negativo, ocultando a sua condição de sujeitos sociais que obrigam o capital a reagir, na tentativa de livrar-se da relação contraditória que mantém com o trabalho. A reação do capital efetua-se pela marginalização e pela expulsão dos trabalhadores dos processos de trabalho e de participação política. Assim sendo, a exclusão, como um foco de luz lançado em direção à pobreza, desvia-se dos processos sociais produtores da pobreza e obscurece as ações dos movimentos sociais como ações de luta e de construção de novas relações sociais.

A categoria exclusão presta-se à compaixão, evidenciando uma “ideologia perversa” que tanto oculta uma política deliberada de produção da exclusão quanto divide o sujeito ético em dois, colocando, de um lado, a vítima sujeita à exclusão; de outro, o sujeito da compaixão. Com a análise que faz sobre a forma que toma a ideologia, em que a ética assume a forma de compaixão, Chaui (1999, p.3) mostra que a vitimização da maioria das pessoas, tornadas “desnecessárias e descartáveis” pela organização dos processos contemporâneos de trabalho, “faz com que o agir ou a ação fiquem concentrados nas mãos dos não-sofredores, das não-vítimas que devem trazer, de fora, a justiça para os injustiçados. Estes, portanto, perderam a condição de sujeitos éticos para se tornar objetos de nossa compaixão...”

Os limites que percebo no termo exclusão, alçado à condição de categoria analítica pela sociologia francesa desafiada pelo que intitula “a nova questão social”, pelo menos nos autores em que busquei fundamentar minhas críticas, podem ser, de modo geral, remetidos à sua proximidade com o pensamento clássico de Durkheim. Isso aparece, por exemplo, em alguns conceitos como marginalização (Touraine e Castel), desfiliação (Castel) e dessocialização (Thomas). Observa-se, como transfundo de suas análises, os movimentos rebeldes e predatórios de jovens dos subúrbios parisienses e uma pobreza insolente, que atinge principalmente os povos migrantes e que teima em crescer e mostrar-se, ambos desafiando as autoridades, as políticas governamentais e os conceitos sociológicos. Estes conceitos não são funcionais para interpretar fenômenos cuja relevância não cabe na “inadaptação comum”, porque já não há um lugar, um emprego, uma forma de vida tradicional, uma comunidade à qual “integrar-se”. Como em um passe de mágica, Touraine (1991) coloca as diferenças, que antes separavam as classes entre “os de cima e os de baixo”, superadas por uma sociedade horizontal que separa os que estão dentro (in) dos que estão fora (out), sem explicar o movimento que provoca tal milagre. Sua preocupação é a de que, na sociedade francesa, a segregação dê origem ao ghetto existente na sociedade americana.

O conceito de exclusão focaliza a pobreza no sentido do assujeitamento como paciente das ações do capital e das políticas de bem-estar. Assim, coloca o Estado social no horizonte das lutas por inclusão (direitos) sem considerar a história deste Estado ou as relações de força que, na crise do período entre guerras, eram favoráveis aos movimentos sociais e arrancaram conquistas, como como “potenciadores” de alternativas de trabalho, de sociedade e de educação gestadas nos movimentos sociais populares.

Mascarando a guerra de classes, a perspectiva da exclusão confere a iniciativa da ação ao capital, designando a defensiva ou a “resistência” às camadas populares. Seriam essas camadas sujeitos sociais que reagem? Não se poderia ler a exclusão do ângulo da defensiva do capital ao avanço dos movimentos sindicais, que, historicamente, vem impondo a ele uma constante diminuição dos lucros?

Tomando o seu contrário, a inclusão, a exclusão não é e nem pretende ser uma categoria móvel. Para ver isso basta remetê-la à metáfora em que se inspira. Assim sendo, não permite a síntese, uma vez que é uma categoria dura, diferente de expropriação/proletarização, cuja síntese é feita pelo terceiro elemento, a organização como negação da negação (Ribeiro, 1987).

Contrariando Touraine, segundo o qual vivemos neste momento “le passage d’une société verticale, que nous avions pris l’habitude d’appeler une société de classes avec des gens en haut et des gens en bas, à une société horizontale où l’ important est de savoir si on est au centre ou à la périphérie”16, penso que, mais do que nunca, vivemos o momento da luta de classes em que a correlação de forças está favorável ao capital. Isso não pressupõe que as camadas populares tenham perdido a capacidade de lutar e de tomar iniciativas. Nesse sentido, será que o enfrentamento ao capital consiste na luta por subempregos, por esmolas do Estado social, que hoje são apenas promessas vazias? Não seriam os movimentos sociais populares capazes de criar suas próprias alternativas, subvertendo as atuais relações de produção, que são relações de exclusão?

Algumas experiências de sócio-economia popular e solidária17 e a organização dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – sujeitos/objetos privilegiados em minha pesquisa – estão tentando fazer e pensar coisas novas, entre estas, uma escola que reconheça a dignidade do trabalho do homem e da mulher rurais.18 Consegue a exclusão captar esta nova realidade em toda a sua plasticidade e contradições? Penso que não, e que o velho, gasto e sumido conceito luta de classes ainda é pleno de conteúdo, como algumas análises vêm mostrando.19 É nesta direção que concluo este trabalho, afirmando que os limites do conceito exclusão social, identificado com a “nova pobreza” decorrente do desemprego, são, ao mesmo tempo, a imprecisão conceitual e o viés ideológico.

Apressadamente, muitos cientistas sociais adaptaram-se ao realismo conformado contemporâneo e, identificando a obra de Marx com o modelo adotado pelo Estado soviético, caracterizaram o marxismo como uma meta-teoria. Discordando de um posicionamento hegeliano de “fim da história”, vejo na crítica à economia política, feita por Marx, a possibilidade tanto de concordar com o uso do conceito exclusão para explicitar processos originais de expropriação/proletarização, quanto de refutar o uso da categoria exclusão para a compreensão do desemprego, produtor do estado de pobreza ou de exclusão social e educacional.

Marx (1982) demonstra, com riqueza de detalhes, nos capítulos “Cooperação”, “Divisão do Trabalho e Manufatura” e “A Maquinaria e a Indústria Moderna”, o processo de transformação na base técnica e na gestão do trabalho, que constitui e consolida a divisão social do trabalho. Este processo é atravessado por violenta luta para manter/romper a relação contraditória capital versus trabalho a que estão dialeticamente vinculadas as classes sociais. É, portanto, no âmago da produção especificamente capitalista que o conceito exclusão social mostra sua imprecisão e seu viés ideológico. Primeiro, sua imprecisão, porque a dinâmica do sistema, tal como explicita Marx nos capítulos acima referidos, pressupõe a exclusão cada vez maior de trabalhadores expulsos pela tecnologia – conhecimento e ciência expropriados aos trabalhadores – transformada em força produtiva que concentra trabalho morto na máquina e, no mesmo movimento, expulsa o trabalho vivo, ou seja, os trabalhadores. Portanto, a exclusão está incluída na própria dinâmica do processo de produção capitalista, daí porque Hegel (1990), já antes de Marx, não fez mais que apreender esta dinâmica.

Segundo, seu viés ideológico, porque desloca a atenção da luta de classes, que se dá no coração da produção capitalista, para a luta por políticas sociais compensatórias (de inserção e/ou de inclusão). Nesse sentido, deixa de considerar tanto a concepção de Estado como árbitro dos conflitos sociais, referida à sociedade capitalista, quanto o papel que este Estado, historicamente, tem desempenhado em tais conflitos, resolvendo-os de modo a garantir que as conquistas dos trabalhadores tornem-se, concomitantemente, conquistas do capital. O Estado do Bem-Estar social realiza-se como um fundo público que garante, ao mesmo tempo, a acumulação de capital e a reprodução da força de trabalho (Oliveira, 1998). Alguns pensadores liberais20 têm-se rendido a essas evidências que temos dificuldade de perceber. Por essa razão, o conceito de exclusão tem um viés ideológico que conduz os movimentos e as lutas na direção de políticas sociais, entre as quais a educação pública, que, pronunciadas em discursos e até regulamentadas em leis e decretos, não chegam a materializar-se em práticas.

O conceito exclusão e suas derivações políticas consegue desviar a atenção que deveria centrar-se na compreensão da guerra que o capital, na sua feição neoliberal, move contra o trabalho. Dificulta, desse modo, a formulação de estratégias para o enfrentamento à realidade e ao estado de exclusão. Movimentos sociais populares e trabalhadores excluídos dos processos produtivos mostram, na prática, com a criação de alternativas cooperativas e solidárias de produção e consumo, que sinalizam para uma formação/educação diferente, o que os cientistas sociais e educacionais estão com dificuldades para captar. Pode ser que as suas experiências de sócio-economia solidária sejam, elas também, cooptadas pelo dinamismo do capital. Não posso antecipar; em todo caso, penso que estas experiências também projetam novas práticas/concepções de escola que o conceito de exclusão não permite visualizar, pelo menos não consegue captar o potencial de mudança contido nessas experiências. Essa convicção me autoriza a concluir, retomando o propósito colocado para este trabalho, que o conceito de exclusão não tem potência nem para explicar processos de pobreza e “precarização” das relações de trabalho que inviabilizam o acesso à escola e/ou a permanência nela das camadas populares, nem para compreender as alternativas que os movimentos sociais populares criam para enfrentar a expulsão da terra, do emprego e da escola.

Recebido em 11 maio 1999

Aprovado em 15 out. 1999

Correspondência para: Rua Fernandes Vieira, 400/301 – Bom Fim 90035-090 – Porto Alegre – RS

email: maribe@adufrgs.ufrgs.br

Correspondence: Rua Fernandes Vieira, 400/301 – Bom Fim90035-090 – Porto Alegre – RS

email: maribe@adufrgs.ufrgs.br

* This work was presented at the 22nd ANPED Meeting, held in Caxambu (September, 1999), in the Work Group ‘Social Movements and Education’, under the title “Exclusion: problematizing the concept to the analysis of the education produced within the popular social movements”.

1. A pesquisa encontra-se na fase de construção de conceitos, em que se trava uma relação dialética entre os referenciais teóricos adotados e os sujeitos participantes da pesquisa. Na sua continuidade, serão abordadas algumas alternativas que os trabalhadores assentados elaboram para a sobrevivência e que implicam novas concepções/práticas de trabalho, de relações sociais e de educação escolar.

2. Povos indígenas que habitam o Estado do Amazonas.

3. Este autor é uma referência para o surgimento da categoria sociológica exclusão, aparecendo tanto na obra de Castel (1998), quanto na de Thomas (1997). LENOIR, Rene. Les exclus. Un français sur dix. Paris: Ed. du Seuil, 1974. p. 28 (apud Thomas, 1997. p. 35).

4. Ver: Baremblitt (1992); Lapassade (1983).

5. Consultar: Rabinow & Dreyfus (1995).

6. O autor ressalta os “três grandes sistemas de exclusão que atingem o discurso, a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade”. Foucault (1996, p.19).

7. Pesquisas eram alimentadas pelas lutas de libertação da dominação colonial, pelas denúncias contra o totalitarismo comunista e pelas críticas dirigidas à indústria cultural, ao modelo americano de “sociedade administrada”, massificada e consumista7 e à burocratização do Estado social.8 Há, nessa época, todo um questionamento tanto ao rumo autoritário que tomou a Revolução Russa quanto à teoria em que pretensamente se fundamentara o estruturalismo marxista, que, estratificado em categorias estáticas e mecânicas, não dava conta de questões localizadas e específicas concernentes às populações excluídas do discurso oficial das ciências e de práticas políticas de participação democrática e de proteção social. Essas questões da dominação, da discriminação e da opressão, principalmente das mulheres, das raças e das etnias, dão conteúdo e forma aos chamados “novos movimentos sociais” que põem em causa os movimentos operários tradicionais, as idéias que os sustentaram e, ao mesmo tempo, as políticas burocráticas do Estado social.9 Consultar ADORNO, Theodor. W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, em que, na página 46, já aparece a expressão “estar excluído do trabalho” com o sentido de mutilação, tanto para os desempregados quanto para os empregados, que, como peças, tornam-se substituíveis a qualquer momento, segundo o autor. Atente-se que a obra foi escrita em 1944.

8. Pesquisas eram alimentadas pelas lutas de libertação da dominação colonial, pelas denúncias contra o totalitarismo comunista e pelas críticas dirigidas à indústria cultural, ao modelo americano de “sociedade administrada”, massificada e consumista7 e à burocratização do Estado social.8 Há, nessa época, todo um questionamento tanto ao rumo autoritário que tomou a Revolução Russa quanto à teoria em que pretensamente se fundamentara o estruturalismo marxista, que, estratificado em categorias estáticas e mecânicas, não dava conta de questões localizadas e específicas concernentes às populações excluídas do discurso oficial das ciências e de práticas políticas de participação democrática e de proteção social. Essas questões da dominação, da discriminação e da opressão, principalmente das mulheres, das raças e das etnias, dão conteúdo e forma aos chamados “novos movimentos sociais” que põem em causa os movimentos operários tradicionais, as idéias que os sustentaram e, ao mesmo tempo, as políticas burocráticas do Estado social.9 Ver, sobre o assunto: Habermas (1975 e 1987); Goldmann (1978); e Castel (1998).

9. Pesquisas eram alimentadas pelas lutas de libertação da dominação colonial, pelas denúncias contra o totalitarismo comunista e pelas críticas dirigidas à indústria cultural, ao modelo americano de “sociedade administrada”, massificada e consumista7 e à burocratização do Estado social.8 Há, nessa época, todo um questionamento tanto ao rumo autoritário que tomou a Revolução Russa quanto à teoria em que pretensamente se fundamentara o estruturalismo marxista, que, estratificado em categorias estáticas e mecânicas, não dava conta de questões localizadas e específicas concernentes às populações excluídas do discurso oficial das ciências e de práticas políticas de participação democrática e de proteção social. Essas questões da dominação, da discriminação e da opressão, principalmente das mulheres, das raças e das etnias, dão conteúdo e forma aos chamados “novos movimentos sociais” que põem em causa os movimentos operários tradicionais, as idéias que os sustentaram e, ao mesmo tempo, as políticas burocráticas do Estado social.9 Sobre os “novos movimentos sociais” e suas relações com o Estado, ver: Offe (1992) e Ribeiro (1998)

10. A exclusão já aparece nos estudos clássicos sobre processos de expropriação da terra associada à proletarização do camponês. Marx (1992, p.828-894) faz esta análise no capítulo “A Chamada Acumulação Primitiva”; a expressão aparece também em análise sobre os mesmos processos, na obra de KAUTSKY, Karl. A Questão Agrária. v.I. Porto: Portucalense, 1972, em que este autor reconstitui processos de expropriação/proletarização do camponês medieval europeu.

11.“a abstração da produção leva a mecanizar cada vez mais o trabalho e, por fim, é possível que o homem seja excluído e a máquina o substitua”. Hegel (1990, p.188). O grifo é meu.

12. HAYEK, VON MISES, FRIEDMAN, POPPER et al. Sobre a origem e a trajetória do neoliberalismo, consultar: DIXON, Keith. Les évangelistes du marché. Paris: Raisons D´Agir, 1998; ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. SADER, Emir e GENTILI, Pablo. Pós-Neoliberalismo. As Políticas Sociais e o Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p.09-23; e FERRARO, Alceu R. O movimento neoliberal: gênese, natureza e trajetória. In: Sociedade em Debate. Pelotas/RS: Educat/UCPel, 1997. p.33-58. (9)

13. Castel (1998, p.519) chega a afirmar que as empresas cada vez mais funcionam como “máquinas de excluir”.

14. Forma que encontrei para traduzir dèssocialization.

15. “Não sejamos reticentes: nós socialmente engajados somos os guardiães da tradição e da ação política que salvaram o capitalismo clássico de si mesmo, ainda que essa salvação tenha-se efetuado contra a oposição tenaz e muitas vezes veemente dos que se salvaram”. GALBRAITH, John Kennet. O engajamento social hoje. Folha de São Paulo. São Paulo, 20 dez. 98. Caderno Mais, p.4-5.

16. “a passagem de uma sociedade vertical, que tínhamos tomado por hábito chamar uma sociedade de classes com pessoas em cima e pessoas em baixo, a uma sociedade horizontal onde o importante é saber-se se estamos (se está) no centro ou na periferia” (Touraine, 1991, p.8).

17. Para não fugir ao tema, indico publicações sobre sócio-economia solidária produzidas para assessoria aos movimentos sociais populares e aos trabalhadores organizados em cooperativas, pelo Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), na Rua Joaquim Silva, 56/8º andar. Rio de Janeiro/RJ.

Ver, sobre o assunto: THERRIEN, Jacques & DAMASCENO, Maria Nobre (org.). Educação e Escola no Campo. Campinas/SP: Papirus, 1993; CALDART, Roseli. Educação em Movimento. Petrópolis: Vozes, 1997; CAMINI, Isabela. Formação do professor na perspectiva popular: Contribuição para o meio rural; e FILIPE, Jane. Novas perspectivas para uma escola infantil nos assentamentos do Rio Grande do Sul. In: FISCHER, Nilton Bueno et al. Educação e Classes Populares. Porto Alegre: Mediação, 1996. p.43-78.

18. Ver, por exemplo, CHOMSKY, Noam. Novas e Velhas Ordens Mundiais. São Paulo: Scritta, 1996; CHOMSKY, Noam. A Luta de Classes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999; CHESNAIS, François. 19. “Rumo a uma mudança total dos parâmetros econômicos mundiais dos enfrentamentos políticos e sociais”. In: Outubro (1). São Paulo: Xamã, 1998. P.07-32.

19. “Rumo a uma mudança total dos parâmetros econômicos mundiais dos enfrentamentos políticos e sociais”. In: Outubro (1). São Paulo: Xamã, 1998. p.07-32.

20. Estou referindo-me particularmente a Galbraith, que aparece na nota de rodapé nº 18, e a Keynes. Sobre este último, ver a edição comemorativa do cinqüentenário do “homem que pretendia humanizar o capitalismo”. John Maynard Keynes (1883-1946). O Último Profeta da Economia. Folha de São Paulo, São Paulo, 21 abr. 96. Caderno Mais.

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  • * Este trabalho foi apresentado na 22ª Reunião Anual da ANPed, realizada em Caxambu, MG (26 a 30/09/99) no Grupo de Trabalho Movimentos Sociais e Educação, com o título “Exclusão: problematização do conceito para análise da educação produzida nos movimentos sociais populares”.
    Este trabalho foi apresentado na 22ª Reunião Anual da ANPed, realizada em Caxambu, MG (26 a 30/09/99) no Grupo de Trabalho Movimentos Sociais e Educação, com o título “Exclusão: problematização do conceito para análise da educação produzida nos movimentos sociais populares”.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 1999

    Histórico

    • Aceito
      15 Out 1999
    • Recebido
      11 Maio 1999
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