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Uso de sapatilha de ponta e ocorrência de sintomas musculoesqueléticos (SME) em bailarinas

Resumos

INTRODUÇÃO: A literatura técnica pertinente descreve elevadas frequências de lesões em bailarinas clássicas que dançam na ponta, no entanto, são escassas as informações sobre os efeitos crônicos permanentes desses agravos. OBJETIVO: Comparar a presença de SME em bailarinas com uso e sem uso de sapatilha de ponta. MÉTODOS: A pesquisa foi realizada no 27° Festival de Joinville, em Santa Catarina. Participaram do estudo 111 bailarinas, das quais 88 eram usuárias de sapatilha de ponta e 23 que não a utilizavam. Para obtenção das informações referentes aos SME e agravos específicos nos pés causados pela prática da dança foram utilizados protocolos específicos. RESULTADOS: As estruturas mais acometidas foram o joelho (29,7% ponta versus 39% sem ponta), coluna vertebral (26,4 ponta versus 22,0% sem ponta) e tornozelo/pé (20,0% ponta versus 12,2% sem ponta). Através da taxa de Odds Ratio (OR) e respectivos Intervalos de Confiança (IC95%) foi identificado fator de proteção nos joelhos (0,24; IC95% - 0,09-0,64) e pernas (0,11; IC95% - 0,02-0,65) para bailarinas que usam sapatilha de ponta. Em contrapartida, constatou-se que o risco de ocorrência de agravos específicos nas estruturas dos pés é significativamente superior entre as bailarinas que utilizam sapatilha ponta. Neste caso, a ocorrência de joanetes (9,74; IC95% - 1,25-75,99), calos nos artelhos (3,46; IC95% - 1,29-9,27) e a associação dos três agravos (4,47; IC95% - 1,69-11,83) foram aquelas que apresentaram fator de risco aumentado quando comparados com bailarinas que não dançam na ponta. CONCLUSÃO: Em bailarinas da elite brasileira o uso de sapatilhas de ponta foi associado à menor ocorrência de SME na região do joelho e perna, porém, o uso da mesma está fortemente associado à presença de deformidades nos pés.

dor; lesões; sistema musculoesquelético


INTRODUCTION: Technical literature shows high frequencies of injuries occurring in classical ballet dancers, however, only limited information about the permanent effects of chronic diseases are mentioned. OBJECTIVE: To compare the presence of MSD among dancers who wear pointe shoes and those who do not. METHODS: The research was conducted at the 27th Festival of Joinville in Santa Catarina. The study had the participation of 111 dancers, 88 of whom wore pointe shoes while 23 did not. Specific procedures were used to obtain information related to MSD and foot injuries caused by dancing. RESULTS: The most affected parts were the knees (29.7% with pointe shoes versus 39% without), spine (26.4% with pointe shoes versus 22% without), and ankle/foot (20% with pointe shoes versus 12.2% without). Through odds ratio and respective confidence intervals (IC95%), the study identified protection factor in the knees (0.24; CI95% - 0.09-0.64) and legs (0.11; CI95% - 0.02-0.65) for dancers who wear pointe shoes. It was found that the risk of injuries in specific structures of the foot is significantly higher among those dancers. In this case, the appearance of bunions (9.74; CI95% - 1.25-75,99), calluses on the toes (3.46; CI95% - 1.29-9.27) and the association of the three (4.47; CI95% - 1.69-11.83) were those that showed an increased risk factor compared to dancers who do not stand en pointe. CONCLUSION: The use of pointe shoes in elite Brazilian dancers was associated to lower occurrence of MSD in the knee and leg, however it was strongly associated to foot injuries

pain; injuries; musculoskeletal system


ARTIGO ORIGINAL

APARELHO LOCOMOTOR NO EXERCÍCIO E NO ESPORTE

Uso de sapatilha de ponta e ocorrência de sintomas musculoesqueléticos (SME) em bailarinas

Lia Grego Muniz de AraújoI,III; Rômulo de Araújo FernandesII; Carlos Marcelo PastreII; Henrique Luiz MonteiroI

ILaboratório de Avaliação e Prescrição de Exercícios, Faculdade de Ciências, UNESP, Campus de Bauru, SP, Brasil

IIFaculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, UNESP, Campus de Presidente Prudente, SP, Brasil

IIIFaculdades Integradas de Bauru, SP Brasil

Correspondência Correspondência: Rua Dr. Armando Pieroni, 3-39, Jardim Aeroporto 17017-050 Bauru, SP, Brasil. E-mail: liagregomuniz@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A literatura técnica pertinente descreve elevadas frequências de lesões em bailarinas clássicas que dançam na ponta, no entanto, são escassas as informações sobre os efeitos crônicos permanentes desses agravos.

OBJETIVO: Comparar a presença de SME em bailarinas com uso e sem uso de sapatilha de ponta.

MÉTODOS: A pesquisa foi realizada no 27° Festival de Joinville, em Santa Catarina. Participaram do estudo 111 bailarinas, das quais 88 eram usuárias de sapatilha de ponta e 23 que não a utilizavam. Para obtenção das informações referentes aos SME e agravos específicos nos pés causados pela prática da dança foram utilizados protocolos específicos.

RESULTADOS: As estruturas mais acometidas foram o joelho (29,7% ponta versus 39% sem ponta), coluna vertebral (26,4 ponta versus 22,0% sem ponta) e tornozelo/pé (20,0% ponta versus 12,2% sem ponta). Através da taxa de Odds Ratio (OR) e respectivos Intervalos de Confiança (IC95%) foi identificado fator de proteção nos joelhos (0,24; IC95% – 0,09-0,64) e pernas (0,11; IC95% – 0,02-0,65) para bailarinas que usam sapatilha de ponta. Em contrapartida, constatou-se que o risco de ocorrência de agravos específicos nas estruturas dos pés é significativamente superior entre as bailarinas que utilizam sapatilha ponta. Neste caso, a ocorrência de joanetes (9,74; IC95% – 1,25-75,99), calos nos artelhos (3,46; IC95% – 1,29-9,27) e a associação dos três agravos (4,47; IC95% – 1,69-11,83) foram aquelas que apresentaram fator de risco aumentado quando comparados com bailarinas que não dançam na ponta.

CONCLUSÃO: Em bailarinas da elite brasileira o uso de sapatilhas de ponta foi associado à menor ocorrência de SME na região do joelho e perna, porém, o uso da mesma está fortemente associado à presença de deformidades nos pés.

Palavras-chave: dor, lesões, sistema musculoesquelético.

INTRODUÇÃO

Para a prática do balé clássico, bailarinas utilizam calçados específicos denominados sapatilhas, que podem ser de ponta e meia ponta. São confeccionadas em couro, lona, cetim, papéis especiais, palmilhas e cola1,2. Embora diferentes aspectos do balé tenham presenciado significativa evolução ao longo dos anos, bailarinas ainda dançam com sapatilhas com estrutura de papelão endurecido com cola. Colluci e Klein3 indicam que centenas de lesões e deformidades ósseas são observadas devido à concepção primitiva deste calçado. A manutenção deste design é atribuído à crença de que os desconfortos e as dores nos pés são decorrentes do ofício em questão, razão pelo qual a associação entre dor e o uso de sapatilhas de ponta é investigada.

Este calçado possui uma palmilha rígida e uma gáspea (estrutura da sapatilha que acomoda os artelhos), as quais são particularmente desconfortáveis para os artelhos, pois devem se ajustar nesse local e, então, alcançar a completa flexão plantar, que caracteriza a posição em "pontas"2,4. Para Kadel1 a praticante de balé clássico permanece muito tempo na posição de ponta, sobrecarregando não só os músculos intrínsecos dos pés, mas também os que circundam o tornozelo, por serem extremamente requisitados. O peso do corpo é suportado na articulação do tornozelo, juntamente com as pontas do primeiro e segundo dedo. Quando a bailarina está nesta posição, a pressão plantar na ponta é de 1,5 Mega Pascal.

Cunningham et al.4 e Kadel1 acrescentam que a gáspea é projetada para assegurar a proteção dos pés e, quando perde sua integridade estrutural, aumenta o risco de lesões. Com isso, dedos, arcos plantares e borda anterior dos pés ficam comprimidos e formam a principal região de apoio e sustentação para a bailarina, resultando em estresse neuromuscular, fisiológico e ósseo. Nesta direção, Hiller et al.5 afirmam que o uso de sapatilha de ponta predispõe à incidência de lesões, bem como que o treinamento repetitivo e as longas horas de ensaios são fatores que interagem causando lesões por excesso de esforço6.

Paralelamente, praticantes de balé e de dança moderna apresentam alta ocorrência de lesões (67% a 95% e 17% a 24%, respectivamente), das quais a extremidade inferior responde por 75% dos agravos1,7. Bronner et al.8 acrescentam que o excesso de uso é responsável pela maioria das lesões (60%-76%). Embora a literatura aponte elevadas frequências de lesões entre bailarinas que dançam na ponta, são escassas as informações sobre os efeitos crônicos permanentes desses agravos9

Considerando a alta prevalência de lesões na dança e uma condição técnica de risco para instalação de agravos, o objetivo deste estudo foi comparar os sintomas musculoesqueléticos (SME) e deformidades ósseas de bailarinas que usam e não usam sapatilha de ponta.

MÉTODOS

Casuística e local do estudo

A pesquisa foi realizada no 27° Festival de Joinville, em Santa Catarina, o principal evento brasileiro da área, e recebe participantes de todas as regiões do País e do exterior, sendo citado no Guinness Book, em 2005, como o maior festival de dança do mundo10. Antes da sua realização, um grupo de especialistas de renome nacional classifica os bailarinos em: (i) participantes de mostra competitiva no teatro principal, (ii) mostra competitiva "Meia Ponta" em palco anexo ao principal, (iii) apresentações não competitivas em palcos abertos distribuídos pela cidade. A mostra competitiva no teatro principal é composta por oito noites de espetáculos, na qual os grupos e escolas de dança se apresentam em sete modalidades diferentes: balé clássico (incluindo repertório), dança contemporânea, sapateado, jazz, dança de rua e danças populares.

Para o estudo foram identificados no Festival 173 bailarinos, coreógrafos e professores participantes da mostra competitiva no teatro principal, todos com mais de 10 anos de prática. Desse número, foram computados para a presente pesquisa 111 participantes do sexo feminino (65%), das quais 88 bailarinas usuárias de sapatilha de ponta e 23 que não a utilizavam. Foram excluídas 25 ex-dançarinas e 37 bailarinos.

O Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP aprovou a realização do estudo (Processo 1050/46/01/10).

Procedimentos de campo

A coleta foi efetuada durante a Mostra Competitiva nos momentos de marcação de palco, quando os participantes tinham horário agendado para ensaiar suas coreografias no próprio dia e local da competição. Assim que as competidoras chegavam, a pesquisadora se apresentava aos responsáveis pelos grupos explicando os objetivos da pesquisa. Durante as atividades de aquecimento e alongamento, ou após a marcação do palco, as bailarinas que aceitavam participar eram entrevistadas. Dos 36 grupos abordados quatro não aceitaram participar do estudo, todos com a alegação de estarem ocupados ou atrasados para compromissos.

Avaliação

As bailarinas responderam a um protocolo que continha informações pessoais (nome, número do protocolo, idade, telefone e e-mail), formação profissional (posição/função na academia/grupo, número de anos que atuaram no corpo de baile), como, coreógrafo ou professor, tempo dedicado para os diferentes estilos de dança, número de aulas por semana, tempo de cada sessão e tempo que fez uso de sapatilha de ponta (protocolo adaptado de Schon e Weinfeld6).

Para obtenção das informações referentes aos SME, as bailarinas responderam um protocolo adaptado do Questionário Nórdico de Desconfortos Musculoesqueléticos, proposto por Campoy et al.9. Para efeito de estudo, considerou-se SME todo episódio onde a praticante tenha referido dor, formigamento ou sensação de peso, relacionado à prática de exercícios físicos. A pessoa deveria informar se no último mês sentiu algum desses sintomas de maneira persistente em diferentes regiões corporais. Adicionalmente, sobre esses sintomas, a pessoa também informou sobre o tipo de desconforto (dor, sensação de peso ou formigamento), intensidade (fraca, moderada ou forte), duração (durante o movimento, constante e após o movimento) e se a dor era localizada ou difusa para cada região corporal. Este modelo foi adaptado de Coury11 e utilizado em pesquisa com população de mesma natureza que a deste estudo12. A última etapa foi adaptada do protocolo de Grego et al.13 onde continham informações a respeito da presença de calos nos dedos dos pés. Valores referidos de peso e estatura foram utilizados para o cálculo do índice de massa corporal (IMC).

ANÁLISE DOS DADOS

Os dados numéricos foram expressos como valores de médias e desvio padrão, bem como o teste t de Student para amostras independentes estabeleceu comparações entre os mesmos. Para o tratamento dos dados categóricos, o teste do Qui-quadrado analisou a existência de associações (para tabelas de contingência 2x2 foi utilizada a correção de Yates) e a regressão logística binária expressou a magnitude das mesmas por meio de valores de razão de chance (RC) e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Significância estatística foi fixada em p < 0,05 e o software SPSS (versão 13.0) foi utilizado para processar as análises.

RESULTADOS

No que se refere ao uso de sapatilhas com ponta ou sem não houve diferenças para idade, altura e tempo de dança. Porém, houve diferença para peso, índice de massa corporal (IMC) e tempo de treinamento semanal. Bailarinas que não usam sapatilha de ponta têm IMC maior e treinam menos por semana (tabela 1). As regiões mais acometidas por SME foram coluna (42,3 [IC95%: 33,1-51,5]), joelho (42,3 [IC95%: 33,1-51,5]) e tornozelo/pé (30,6 [IC95%: 22,1-39,2]). De acordo com o uso de sapatilhas, houve diferença para a ocorrência de SME para a região do joelho (Uso 35,2% e Sem uso 69,6%; p= 0,006) e perna (Uso 2,3% e Sem uso 17,4%; p =0,012). A figura 1 apresenta a associação entre o uso de sapatilha de ponta e o percentual de SME referidos. Quando comparado ao grupo que não informou nenhum SME, houve maior ocorrência de uso de sapatilha sem ponta nos grupos com 2 SME (p= 0,016) e ≥3 (p= 0,010) SME, ao passo que houve similaridade com o grupo que só possuía 1 SME (p= 0,348).


A tabela 2 informa a associação entre presença de sintomas musculoesqueléticos segundo regiões corporais dos membros inferiores e o uso de sapatilha de ponta. Para as estruturas do quadril, coxa e tornozelo/pés não se observou associação significativa, porém, para os joelhos (RC= 0,24 [0,09-0,64]) e pernas (RC= 0,11 [0,02-0,65]) as bailarinas que usam sapatilha de ponta apresentaram menor ocorrência de SME.

Por fim, na tabela 3 constatou-se que o risco de serem acometidos por agravos específicos das estruturas dos pés é significativamente superior entre as bailarinas que utilizam sapatilha de ponta. Nesse caso, a ocorrência de joanetes (RC= 11,5 [1,43-92,1]), calos nos artelhos (RC= 4,52 [1,58-12,9), calo nos calcâneos (RC= 12,9 [1,57-106,5] e a associação dos três agravos (RC= 5,74 [2,01-16,39]) foram estatisticamente significativas, como demonstrado nas razões de chance apresentadas na tabela 3.

DISCUSSÃO

As participantes da pesquisa apresentaram uma rotina de treinamento semanal intensa, onde as usuárias de sapatilha de ponta se destacam apresentando um tempo mais elevado (14h/sem) do que as não usuárias de ponta (7h/sem). Além disso, ambos os grupos apresentaram longo tempo de experiência na dança. Tais resultados são similares aos apresentados por estudos prévios14,15 nos quais bailarinos profissionais informaram elevado tempo semanal de prática da atividade em questão, bem como aliados aos dados de tempo prévio de prática ratificam o alto nível da amostra analisada. Em nosso estudo, bailarinas que não usam sapatilha de ponta apresentam maior número de SME. Nesta direção, Walter et al.16, investigando as possíveis causas de lesão nos membros inferiores de bailarinas, abordaram a relação entre a força de reação terrestre para saltos do balé e o tipo de calçado. Cada participante da pesquisa realizou 12 saltos básicos do balé clássico em uma plataforma de força, realizando seis com sapatilhas de meia ponta e seis com sapatilhas de ponta. Concluíram que a força de reação do solo foi significativamente maior quando as bailarinas aterrizavam com sapatilhas de meia ponta do que com sapatilhas de ponta (p= 0,003). Não houve diferença significativa na altura do salto entre as duas condições de calçado. Os autores acreditam que o aumento da força de reação do solo foi produzido principalmente pelo tipo de sapatilha utilizada. Este achado pode ser uma explicação para o fato das bailarinas que usam a sapatilha de meia ponta se queixarem mais de sintomas musculoesqueléticos. Em nosso estudo constatou-se que a ocorrência de agravos específicos nas estruturas dos pés é significativamente superior entre as bailarinas que utilizam sapatilha ponta. Similarmente, estudo anterior envolvendo 122 bailarinas de Bauru, SP (mais de três anos de prática), constatou que o uso de sapatilha de ponta associou-se à presença de calos (OR = 4,93); bolhas (OR= 2,60); joanetes (OR= 2,90) e lesões agudas (OR= 2,64)13.

Menezes et al.17 correlacionaram as características antropométricas dos pés de bailarinas com disfunções ortopédicas. Investigaram 54 bailarinas de Aracaju, SE, Brasil e constataram que 86% das bailarinas que usavam ponta tinham a presença de calos contra 26% das que não usavam este calçado.

Sobre este assunto, Bambirra18 considera que a criança, aos 11 ou 12 anos, já está preparada para receber o esforço de um trabalho na ponta dos pés. O treinamento de ponta deve se iniciar quando a extremidade inferior é suficientemente forte para manter o equilíbrio e o alinhamento correto sem a ajuda proporcionada pelo contato de todo o pé no chão. A sustentação do corpo sobre as pontas não é somente uma evolução técnica, mas também uma adaptação do corpo a uma nova forma de equilíbrio, com a fortificação de ossos, tendões, ligamentos e músculos19. Se não forem seguidas as observações quanto às sapatilhas e ao trabalho físico dos pés, ocorrerão dores e dificuldades na manutenção da posição, comprometendo a estabilidade e a integridade das estruturas anatômicas dos pés. E, com a insistência no erro, haverá danos para a saúde e dificuldade na execução da técnica da ponta18. No presente estudo a região do joelho foi alvo de grande número de queixas de dor musculoesquelética. A predominância de lesões nesta articulação também foi observada por outros pesquisadores15,20-23. Peña et al.20, investigando 47 alunos de dança, verificaram que dor no joelho (31,9%) foi a mais frequente. Nesse caso, foi realizado o exame clínico-cinesiológico, que diagnosticou a Síndrome Patelo Femural como mais frequente. Segundo Leite22, trata-se de um problema comum em indivíduos ativos e responde por mais de 50% das queixas no joelho de bailarinos. Embora os fatores etiológicos dessa síndrome sejam desconhecidos, as alterações biomecânicas do membro inferior são apontadas como causa principal, as quais decorrem de desequilíbrios estáticos e dinâmicos. Com relação ao equilíbrio estático, são referidas anormalidades como pronação subtalar excessiva, aumento do ângulo Q, torção tibial externa e retração do retináculo lateral. Em meio ao desequilíbrio dos estabilizadores dinâmicos estão principalmente os componentes mediais e laterais do músculo quadríceps e, mais recentemente, a porção oblíqua do vasto lateral22,24. O modelo de regressão apontou o uso de sapatilhas de ponta como fator de proteção para joelhos e pernas. Uma hipótese explicativa para tal fato é que diversas posições de ponta do balé clássico possuem em comum a base de sustentação extremamente diminuída, o que requer um grande esforço muscular e neurofisiológico25. Esse esforço pode trazer consequente fortalecimento muscular representando uma proteção para a usuária de ponta26. Neste mesmo sentido, Albisetti et al.26 afirmam que, devido aos repetidos esforços do membro inferior, as desordens patelares são comuns em bailarinos. Após estudo de caso, atribuíram a deficiência do vasto medial como um dos fatores que provocam a síndrome Patelo Femural e, portanto, o devido fortalecimento deste músculo poderia evitar o desenvolvimento da síndrome.

Nesta direção, Liederbach et al.27 estudaram a lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) em bailarinos clássicos e em bailarinos de dança moderna ao longo de cinco anos em quatro diferentes grupos de dança. Dos 298 bailarinos investigados, 12 experimentaram uma lesão do LCA.

Em 92% dos casos, o mecanismo de lesão foi o salto sobre uma perna. Não houve diferença entre sexo, raça, uso de anticoncepcional ou grupos de dança. Por outro lado, as bailarinas de dança moderna que normalmente dançam descalças ou com sapatilhas de meia ponta apresentaram risco relativo três a cinco vezes superior ao observado em bailarinas clássicas que utilizam sapatilha de ponta. Os autores concluem que os inúmeros saltos e habilidades realizadas pelas clássicas em suas aulas e ensaios podem protegê-las da lesão do LCA. A região lombar também foi foco de grande número de SME. Apesar disso, as lesões registradas nessa região parecem ocorrer com menor frequência que a observada na população em geral28-29. Capel et al.29 realizaram pesquisa com 40 bailarinas entre 18 e 31 anos de idade, com mais de 12 anos de prática na dança, e as compararam com grupo controle (20 mulheres). Todas as participantes do estudo foram submetidas ao exame de ressonância magnética da coluna lombar. Observaram que 45% do grupo controle apresentaram degeneração dos discos intervertebrais, enquanto o grupo de dança, 32,5%. Concluíram que a dança não pode ser considerada fator de risco para degeneração dos discos intervertebrais em mulheres. Grego et al.12 investigaram a ocorrência de agravos musculoesqueléticos entre praticantes de balé clássico, bailarinas sem formação clássica e escolares participantes apenas de aulas de Educação Física. Nesta mesma direção, também constataram que as escolares têm mais queixas na coluna lombar (21,6%) que as clássicas (14,8%) e não-clássicas (0%). Frequências mais elevadas de dores na coluna lombar foram encontradas por Dore e Guerra30 ao analisarem 141 bailarinos profissionais com idade média de 26,1±6,1 anos. As regiões mais acometidas foram a coluna lombar com 85,8% e os joelhos com 59,6% dos participantes do estudo. Esses achados salientam que essa região corporal pode sofrer sobrecarga durante a prática do balé e, por esse motivo, merece especial atenção por parte de técnicos e profissionais da saúde.

Salienta-se que o delineamento transversal do estudo constitui uma limitação por não possibilitar o estabelecimento de relações de causalidade entre as variáveis analisadas, bem como sugere-se a realização de estudos prospectivos envolvendo a temática em questão, também com a tentativa de se investigar grupos mais similares quanto à equidade do número de participantes em cada grupo amostral.

CONCLUSÃO

Em bailarinas da elite brasileira o uso de sapatilhas de ponta foi associado a menor ocorrência de SME na região do joelho e perna, porém, o uso da mesma está fortemente associada à presença de deformidades nos pés.

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.

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    • Publicação nesta coleção
      19 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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