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Resistência à insulina com a suplementação de creatina em animais de experimentação

Resistencia a la insulina con la suplementación de creatina en animales de experimentación

Resumos

INTRODUÇÃO E OBJETIVO: A suplementação de creatina tem sido usada para melhorar o desempenho muscular. Esta afeta o metabolismo da glicose e estimula a secreção de insulina in vitro e in vivo. No entanto, a hipersecreção de insulina em longo prazo pode induzir também resistência à insulina. O presente trabalho analisou os efeitos da suplementação oral de creatina para avaliar a possibilidade da ocorrência de resistência à insulina in vivo. MÉTODOS: Quarenta e oito ratos Wistar (24 fêmeas/24 machos) foram divididos em dois grupos de 24 (controle e estudo) e subdivididos em seis grupos de oito. Por quatro semanas, foram alimentados com ração padrão, tendo livre acesso a água. Além disso, o grupo de estudo recebeu dieta suplementar de creatina (0,4g de creatina para 30mL de água por rato/dia). Nos 7º, 14º, 21º e 28º dias do experimento, 12 ratos foram anestesiados (tiopental sódico 0,15mL/100g), após jejum de seis horas, sendo submetidos ao teste intravenoso de tolerância à insulina (0,5mL de uma solução de 30% de insulina humana regular e 70% de salina). As amostras de sangue foram coletadas das veias dos rabos dos ratos, nos tempos basal, três, seis, nove, 12 e 15 minutos após a administração da insulina. A mensuração da glicose foi feita pelo método da glicose-oxidase. O trabalho foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do CCMB- PUCSP. RESULTADOS: A média da constante de decaimento da glicose (K ITT) foi calculada pela fórmula 0,693/T1/2. O grupo de estudo, quando comparado com o grupo controle, apresentou resistência insulínica no 21º dia (p < 0,0004) e 28º dia (p < 0,0001). CONCLUSÃO: Este trabalho mostra que a suplementação prolongada de creatina pode levar à resistência à insulina e que deveria ser usada com cautela em indivíduos com distúrbios do metabolismo da glicose.

Glicose; Suplementos dietéticos; Esportes


INTRODUCCIÓN Y OBJETIVO: La suplementación con creatina viene siendo usada para mejorar el desempeño muscular. Esta afecta el metabolismo de la glucose y estimula la secreción de insulina in vitro e in vivo. Entretanto, la hipersecreción de insulina a largo plazo puede inducir tambien resistencia a la insulina. El presente trabajo analizó los efectos de la suplementación oral de creatina para evaluar la posibilidad de la ocurrencia de resistencia a la insulina in vivo. MÉTODOS: Cuarenta y ocho ratones Wistar (24 hembras/24 machos) fueron divididos en dos grupos de 24 (control y estudio) y subdivididos en seis grupos de ocho. Por cuatro semanas, fueron alimentados con ración padrón, teniendo libre acceso al agua. Además de eso, el grupo estudio recibió dieta suplementaria de creatina (0,4 g de creatina para 30 mL de água por ratón/día). En los días 7, 14, 21 e 28 del experimento, 12 ratones fueron anestesiados (tiopental sódico 0,15 mL/100 g), despues de seis horas de ayuno, y sometidos a un test intravenoso de tolerancia a la insulina (0,5 ml de una solución de 30% de insulina humana regular y 70% de salina). Las muestras de sangre fueron colectadas de las venas de los rabos de los ratones, en los tiempos basal, tres, seis, nueve, 12 y 15 minutos trás la administración de insulina. La medida de la glucosa fué hecha por el método de la glucosa oxidasa. El trabajo fué previamente aprobado por lo Comité de Ética en Investigación del CCMB-PUCSP. RESULTADOS: La media constante de descenso de la glucosa (K ITT) fué calculada por la fórmula 0,693/T1/2. El grupo de estudio cuando fué comparado con el grupo control presentó resistencia insulínica en el día 21 (p < 0,0004) y en el dia 28 (p < 0,0001). CONCLUSIÓN: Este trabajo muestra que la suplementación prolongada con creatina puede llevar a resistencia a la insulina y que debería ser usada con cautela en individuos con disturbios del metabolismo de la glucose.

Glucosa; Suplementos dietéticos; Deportes


INTRODUCTION AND OBJECTIVE: Creatine supplementation has been used in order to improve muscular performance. This substance affects glucose metabolism and stimulates the in vitro as well as the in vivo insulin secretion. Nevertheless, long-term insulin hypersecretion may also induce insulin resistance. The present work analyzed the effects of creatine oral supplementation in order to evaluate the possibility of occurrence of resistance to in vivo insulin. METHODS: Forty-eight Wistar rats (24 female/24 male) were divided in two groups of 24 (control and study) and subdivided in six groups of eight. They were fed with standard food during four weeks, having water ad libitum. Moreover, the study group received dietetic supplement of creatine (0.4 g creatine for 30 ml of water per rat/day). In the 7th, 14th, 21st and 28th day of the experiment, 12 rats were anesthetized (sodium thiopental 0.15 mL/100 g) after six hour-fasting, being submitted to intravenous insulin tolerance test (0.5 mL of 30% regular human insulin and 70% saline solution). The blood samples were collected from the tail veins of the rats, in the basal, three, six, nine, 12 and 15 minutes after insulin administration times. The glucose measurement was performed through the glucose oxidase method. The study was previously approved by the Research Ethics Committee of CCMB- PUC-SP. RESULTS: The mean of the glucose decrease constant (K ITT) was calculated through the formula 0.693/T1/2. The study group, when compared with the control group, presented insulin resistance at day 21 (p < 0.0004) and day 28 (p < 0.0001). CONCLUSION: This study shows that extended creatine supplementation may lead to insulin resistance. Besides that, it should be carefully used in individuals with glucose metabolism disturbances.

Glucose; Dietetic supplements; Sports


ARTIGO ORIGINAL

Resistência à insulina com a suplementação de creatina em animais de experimentação* * Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-Sorocaba. Centro de Ciências Médicas e Biológicas (CCMB). Sorocaba, SP – Brasil.

Resistencia a la insulina con la suplementación de creatina en animales de experimentación

Beatriz L. CostallatI; Lísia MiglioliI; Phelipe A.C. SilvaI; Neil F. NovoII; João L.G. DuarteIII

IAluno de graduação do curso de Medicina

IIProfessor Doutor do Departamento de Morfologia e Patologia

IIIProfessor Doutor do Departamento de Ciências Fisiológicas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Beatriz Lavras Costallat Rua Ezequiel Magalhães, 26 – J. Paineiras 13092-522 – Campinas, SP E-mail: biacostalat@hotmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO E OBJETIVO: A suplementação de creatina tem sido usada para melhorar o desempenho muscular. Esta afeta o metabolismo da glicose e estimula a secreção de insulina in vitro e in vivo. No entanto, a hipersecreção de insulina em longo prazo pode induzir também resistência à insulina. O presente trabalho analisou os efeitos da suplementação oral de creatina para avaliar a possibilidade da ocorrência de resistência à insulina in vivo.

MÉTODOS: Quarenta e oito ratos Wistar (24 fêmeas/24 machos) foram divididos em dois grupos de 24 (controle e estudo) e subdivididos em seis grupos de oito. Por quatro semanas, foram alimentados com ração padrão, tendo livre acesso a água. Além disso, o grupo de estudo recebeu dieta suplementar de creatina (0,4g de creatina para 30mL de água por rato/dia). Nos 7º, 14º, 21º e 28º dias do experimento, 12 ratos foram anestesiados (tiopental sódico 0,15mL/100g), após jejum de seis horas, sendo submetidos ao teste intravenoso de tolerância à insulina (0,5mL de uma solução de 30% de insulina humana regular e 70% de salina). As amostras de sangue foram coletadas das veias dos rabos dos ratos, nos tempos basal, três, seis, nove, 12 e 15 minutos após a administração da insulina. A mensuração da glicose foi feita pelo método da glicose-oxidase. O trabalho foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do CCMB- PUCSP.

RESULTADOS: A média da constante de decaimento da glicose (KITT) foi calculada pela fórmula 0,693/T1/2. O grupo de estudo, quando comparado com o grupo controle, apresentou resistência insulínica no 21º dia (p < 0,0004) e 28º dia (p < 0,0001).

CONCLUSÃO: Este trabalho mostra que a suplementação prolongada de creatina pode levar à resistência à insulina e que deveria ser usada com cautela em indivíduos com distúrbios do metabolismo da glicose.

Palavras-chave: Glicose. Suplementos dietéticos. Esportes.

RESUMEN

INTRODUCCIÓN Y OBJETIVO: La suplementación con creatina viene siendo usada para mejorar el desempeño muscular. Esta afecta el metabolismo de la glucose y estimula la secreción de insulina in vitro e in vivo. Entretanto, la hipersecreción de insulina a largo plazo puede inducir tambien resistencia a la insulina. El presente trabajo analizó los efectos de la suplementación oral de creatina para evaluar la posibilidad de la ocurrencia de resistencia a la insulina in vivo.

MÉTODOS: Cuarenta y ocho ratones Wistar (24 hembras/24 machos) fueron divididos en dos grupos de 24 (control y estudio) y subdivididos en seis grupos de ocho. Por cuatro semanas, fueron alimentados con ración padrón, teniendo libre acceso al agua. Además de eso, el grupo estudio recibió dieta suplementaria de creatina (0,4 g de creatina para 30 mL de água por ratón/día). En los días 7, 14, 21 e 28 del experimento, 12 ratones fueron anestesiados (tiopental sódico 0,15 mL/100 g), despues de seis horas de ayuno, y sometidos a un test intravenoso de tolerancia a la insulina (0,5 ml de una solución de 30% de insulina humana regular y 70% de salina). Las muestras de sangre fueron colectadas de las venas de los rabos de los ratones, en los tiempos basal, tres, seis, nueve, 12 y 15 minutos trás la administración de insulina. La medida de la glucosa fué hecha por el método de la glucosa oxidasa. El trabajo fué previamente aprobado por lo Comité de Ética en Investigación del CCMB-PUCSP.

RESULTADOS: La media constante de descenso de la glucosa (KITT) fué calculada por la fórmula 0,693/T1/2. El grupo de estudio cuando fué comparado con el grupo control presentó resistencia insulínica en el día 21 (p < 0,0004) y en el dia 28 (p < 0,0001).

CONCLUSIÓN: Este trabajo muestra que la suplementación prolongada con creatina puede llevar a resistencia a la insulina y que debería ser usada con cautela en individuos con disturbios del metabolismo de la glucose.

Palabras-clave: Glucosa; Suplementos dietéticos; Deportes.

INTRODUÇÃO

A suplementação oral com creatina é generalizada em atletas profissionais e amadores, em diversas faixas etárias e recomendada pelo American College of Sports Medicine para melhorar o desempenho em exercícios de curtos períodos e extrema potência(1-2). A creatina é um nutriente natural, de origem animal, encontrada em carnes e peixes. É sintetizada de maneira endógena no fígado, pâncreas e rins, a partir de alguns aminoácidos (glicina, arginina, metionina). É um importante reservatório de energia para a contração muscular, pois cerca de 95% da creatina corporal são armazenados no músculo esquelético sob a forma livre e fosforilada (como creatina fosfato – PCr). Quando a demanda de energia aumenta, a creatina fosfato fornece o fosfato para a adenosina difosfato (ADP) com a finalidade de sintetizar adenosina trifosfato (ATP). Esse tipo de reação ocorre rápido e resulta em energia para atividades físicas de alta intensidade e curta duração. O uso suplementar de creatina tem como objetivo aumentar o conteúdo de fosfocreatina muscular, embora os resultados quanto à sua eficácia sejam ainda controversos(3). Além de aumentar os estoques de creatina muscular, a suplementação dietética com creatina pode aumentar a ressíntese de creatina fosfato(4), embora isso não seja sempre observado(5).

Ainda que seja considerada lícita e segura pelo Comitê Olímpico Internacional, certamente, além dos benefícios, há alguns riscos com essa suplementação(6). Existem trabalhos que mostram que existem efeitos indesejáveis da suplementação crônica de creatina(7), levando à sobrecarga hepática e renal, embora não se tenha encontrado, em outro estudo(8), sobrecarga renal em indivíduos sadios ainda que indique que aqueles com disfunção renal não a devam utilizar.

A creatina afeta também o metabolismo dos carboidratos. Ao ser injetada intraperitonealmente, leva a hipoglicemia(9) e sua suplementação na dieta tem mostrado melhora quando existe alteração da tolerância à glicose(10). Desde a década de 70, estudos com animais e in vitro demonstraram que a insulina acentua o transporte da creatina sanguínea para dentro do músculo esquelético de ratos(11-12). Tem sido demonstrado, também, que a creatina aumenta os estoques musculares de glicogênio(13). A ressíntese do glicogênio(14) e o aumento da proteína carreadora de glicose(15) têm sido observados na suplementação de creatina, alterando a regulação do metabolismo da glicose(16-17).

Possivelmente, o mecanismo pelo qual a creatina afeta o metabolismo da glicose é estimulando a secreção pancreática de insulina, pois, embora a glicose seja o maior estimulante da secreção da insulina, esta também pode ser induzida por proteínas e aminoácidos. O papel da creatina, como estimulante da secreção de insulina, tem sido demonstrado em estudos in vitro(18-19) e estudos in vivo comprovando essas mesmas alterações(16-17).

No entanto, essa hipersecreção de insulina, ao longo prazo, pode induzir também resistência à insulina(20), o que não tinha sido previamente estudado em suplementação de creatina. Foi propósito do presente trabalho analisar os efeitos da suplementação oral de creatina sobre o metabolismo dos carboidratos, em especial para avaliar a possibilidade de ocorrer resistência à insulina in vivo, em animais de experimentação (ratos) recebendo dieta suplementar com creatina por quatro semanas.

MÉTODOS

Os testes foram realizados no Laboratório de Fisiologia do Centro de Ciências Médicas e Biológicas (CCMB), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Campus Sorocaba. Foram selecionados 48 ratos Wistar albinos, sendo 24 machos e 24 fêmeas, provenientes do Biotério do CCMB. Esses animais foram divididos em oito gaiolas de polivinilcarboneto (PVC) revestidas com serragem de pinho branco esterilizado (aproximadamente 65cm2 de área para cada animal); seis ratos do mesmo sexo foram distribuídos por cada gaiola. Quatro gaiolas eram do grupo controle e quatro do grupo estudo, contendo, ambos os grupos, duas gaiolas com ratos fêmeas e duas com ratos machos. A temperatura ambiente de aproximadamente 20ºC e a umidade relativa do ar (UR) ao redor de 50-55% foram mantidas como ideais para os animais. Todos os animais foram alimentados com a mesma ração (nome comercial Labina, marca Purina) na forma de pellets (30g/dia por animal) e com livre acesso a água pura para o grupo controle e água com creatina dissolvida para o grupo estudo. O grupo estudo recebeu dieta suplementar de creatina, na proporção de 0,4g de creatina para 30mL de água por rato/dia por quatro semanas. Os experimentos ocorreram no 7º, 14º, 21º e 28º dias de pesquisa. Em cada dia do experimento, foram escolhidos das gaiolas seis ratos do grupo controle e seis ratos do grupo estudo (três machos e três fêmeas cada). Todos foram colocados em jejum alimentar por seis horas, iniciado às sete horas da manhã do dia do experimento. Para o grupo estudo também foi retirada a água com creatina, que foi substituída por água pura.

Estimativa da ação da insulina in vivo usando o teste de tolerância à insulina de 15 minutos (ITT) – Às 13 horas do dia do experimento iniciou-se o teste de tolerância à insulina, sendo os ratos anestesiados intraperitonealmente (tiopental sódico 0,15mL/100g), utilizando-se seringa descartável de 1mL e agulha 27,5G½. Quando necessária, a anestesia foi completada com éter etílico. Foi realizada pequena secção na extremidade distal dos rabos dos ratos para realização das coletas das amostras de sangue. A primeira coleta foi realizada antes da administração de insulina (basal). As gotas foram pipetadas com pipeta de 20µl e ponteiras descartáveis. A amostra foi colocada em tubos ependorff com 100µl de solução de ácido tricloroacético (TCA) a 5%, levemente agitada e reservada em recipiente com gelo. Esse procedimento foi realizado de forma idêntica para todos os grupos. Foi administrado 0,5mL de uma solução de 30% de insulina regular (Biohulin U-100) e 70% de salina, que foi mantida sempre gelada, em seringa estéril e descartável de 1mL (100U), da marca BD Plastipak, a ambos os grupos, após laparotomia do animal, com o objetivo de administrar a solução na veia cava inferior. As coletas de sangue foram realizadas, em ambos os grupos, nos tempos basal (0 minuto), três, seis, nove, 12 e 15 minutos, após a administração de insulina.

Todas as amostras obtidas foram centrifugadas em centrífuga refrigerada, a –4ºC, a 3.000rpm por 10 minutos no Setor de Biologia Médica, Seção Micobactérias, Laboratório Regional de Sorocaba do Instituto Adolfo Lutz. O sobrenadante foi pipetado e em seguida foram realizadas as dosagens de glicose. O restante do sobrenadante foi congelado em freezer convencional a –20ºC. Ao final de cada dia, nos quatro dias de experimento, os animais foram sacrificados pela secção do músculo diafragma.

Concentração de glicose sanguínea – Foi utilizado o método enzimático para dosagem de concentração de glicose sanguínea, usando o kit glicose-oxidase (marca Laborlab).

Bioética – O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do CMBB-PUCSP de acordo com as resoluções específicas para experimentos com animais, em 29 de setembro de 2003.

Análise estatística – Foi utilizada análise de variância para valores repetidos(21), com o objetivo de comparar, em separado para cada grupo, os valores observados nos tempos basal, três, seis, nove, 12, 15 minutos, em cada um dos experimentos. Teste t de Student foi usado para comparar os grupos estudo e controle em relação aos valores observados em cada um dos tempos acima. Análise de variância a um critério foi aplicada com a finalidade de comparar os quatro dias, para cada grupo em cada um dos tempos considerados(21).

A razão da constante de decaimento (coeficiente angular) da glicose (KITT) foi calculada através da fórmula 0,693/(T1/2), sendo T1/2 o tempo necessário para reduzir a glicemia basal para metade. O T1/2 da glicose plasmática foi calculado a partir da inclinação da curva de decaimento da glicose durante sua fase linear(22).

O valor de p foi fixado em 0,05 ou 5% o nível de significância.

RESULTADOS

A análise de variância mostrou decréscimo significante dos valores médios de glicemia ao longo do tempo, para ambos os grupos (p < 0,001) nos dias sete, 14, 21 e 28. Para o 7º dia, o teste t de Student mostrou diferença significante entre as médias das glicemias nos tempos três (p < 0,01) e seis (p < 0,05), com valores maiores para o grupo controle. Para 14º dia, o teste t de Student mostrou diferença significante entre as médias das glicemias nos tempos basal (p < 0,001), seis (p < 0,001), 12 (p < 0,05) e 15 (p < 0,001), com valor maior para o grupo controle no tempo seis e valores maiores para o grupo estudo nos tempos basal, 12 e 15. Para o 21º dia, o teste t de Student mostrou diferença significante entre as médias das glicemias em todos os tempos (p < 0,001), com valores maiores para o grupo estudo em todos os tempos. O mesmo ocorreu no 28º dia, mostrou-se diferença significante entre as médias das glicemias (p < 0,001), com valores maiores para o grupo estudo em todos os tempos. Esses dados podem ser visibilizados na figura 1.


A análise de variância para cada um dos tempos e dias de experimento mostrou que no grupo controle não se observou diferença significante entre os valores médios de glicemia em cada tempo nos diferentes dias. Já para o grupo estudo, a análise revelou que, em todos os tempos, os valores médios após 28 dias foram significantemente maiores que os valores médios após sete e 14 dias e equivalentes aos valores médios após 21 dias (p < 0,001). Da mesma forma, os valores médios após 21 dias foram significantemente maiores que os valores médios após sete e 14 dias (p < 0,001). Os valores após 14 dias mostraram-se equivalentes aos após sete dias. Esses dados podem ser visibilizados na figura 2.


Para estimar a constante de decaimento da glicose, em ambos os grupos, nos 28 dias de experimento, utilizou-se o KITT segundo determinado por Bonora et al.(22). A figura 3 mostra que houve significante decaimento da concentração de glicose no grupo controle quando comparado com o grupo estudo aos 21 dias (p < 0,0004) e também aos 28 dias (p < 0,0001), indicando que ocorreu resistência à insulina, nas duas últimas semanas, no grupo que recebeu a suplementação com creatina, quando comparado com o controle.


DISCUSSÃO

A administração de creatina afeta a homeostase da glicose e os níveis de insulina. Já foi demonstrado in vitro(18-19) que a creatina afeta o metabolismo dos carboidratos ao estimular diretamente a secreção de insulina de ilhotas pancreáticas isoladas. Esse fato foi comprovado in vivo(16) em trabalho estudando a suplementação de creatina em ratos, para observar os efeitos no transporte e estoque de glicose no músculo esquelético em longo prazo, mostrando elevada secreção de insulina e alteração na homeostase da glicose após oito semanas de suplementação, quando comparados com os controles. Isso demonstrou que existe relação entre os efeitos da suplementação prolongada de creatina e sua atuação no metabolismo da glicose, com aumento da secreção pancreática de insulina concomitante com estado de hiperglicemia. Hipersecreção de insulina não foi observada com o uso de 5g de creatina(23) ou depois de três dias de suplementação de creatina em humanos(24), mas esses estudos não respondem à questão do uso crônico da creatina, pois, é usual que se faça suplementação por período superior a três dias.

Embora tenha sido demonstrado in vivo(16) que a suplementação crônica de creatina leva a hipersecreção de insulina, não foi estudado o fato de a hipersecreção de insulina ao longo prazo poder induzir também resistência à insulina (20), objeto de estudo do presente trabalho. Partindo dessa hipótese, investigamos os efeitos dessa hipersecreção de insulina frente à suplementação crônica de creatina, buscando evidências de resistência à insulina, em ratos, acompanhados semanalmente durante sete, 14, 21 e 28 dias.

Os achados deste estudo demonstraram que a dieta suplementar de creatina levou a aumento da glicemia do grupo estudo comparativamente ao grupo controle. Notou-se que, após sete dias de suplementação, não houve diferença significativa na curva glicêmica entre ambos os grupos; no entanto, após os 14 dias de experimento, observou-se aumento da glicemia nos tempos basal e 15' nos animais do grupo estudo. A partir do 21º dia, notou-se que tal aumento passou a ocorrer para todos os tempos, mostrando que no grupo estudo a suplementação oral de creatina alterava a curva glicêmica.

Para comprovar o decaimento da glicose nos 28 dias de experimento em ambos os grupos, utilizou-se o KITT, como previamente descrito(22). Nota-se que, no grupo estudo, não ocorre o decaimento da glicose como acontece com o grupo controle, mostrando que ocorreu resistência à insulina nos animais que receberam creatina a partir das duas últimas semanas.

Em modelo experimental de diabetes já foi observado que a suplementação de creatina pode melhorar a sensibilidade à insulina em locais extrapancreáticos(25). Outros trabalhos que estudam a relação do uso de creatina com o metabolismo da glicose mostram que essa suplementação, além dos benefícios esperados no emprego em medicina esportiva, poderia ter outras implicações, pois, como a suplementação ao longo prazo de creatina melhora a secreção pancreática de insulina e também a tolerância à glicose, poderia, portanto, ser empregada em pacientes com diabetes tipo 2(16). Muito embora ainda não haja uma clara definição do papel da creatina no tratamento dessa doença, dois estudos compararam o uso de creatina com medicamentos tradicionalmente usados em diabetes, sulfoniluréia e metformina. Observaram que o uso de creatina tem efeito semelhante ao da sulfoniluréia no controle glicêmico de pacientes diabéticos tipo 2(26) e que o uso de creatina pode ser semelhante ao do tratamento com metformina nesses doentes(27).

Por outro lado, o presente estudo mostrou que a suplementação oral de creatina em ratos levou ao desenvolvimento de resistência à insulina decorrente do uso crônico de creatina, que causa hipersecreção da insulina, o que, por sua vez, seria responsável pela própria resistência à insulina(20). Embora outros estudos experimentais devam ser desenvolvidos para dirimir se as alterações metabólicas encontradas são permanentes e estudos em humanos devam ser desenvolvidos para confirmar essas observações, a hipótese de que a suplementação com creatina poderia ser benéfica na prevenção ou tratamento do diabetes tipo 2 deixa de ser correta se ocorrer o desenvolvimento de resistência à insulina.

Baseado nesses achados experimentais, pode-se supor que possa haver, em humanos, o desenvolvimento de resistência à insulina em resposta à hipersecreção da mesma, estimulada pela prolongada suplementação de creatina. Atletas profissionais fazem uso rotineiro da suplementação oral da creatina e, além de preparo físico adequado, estão sob vigilância e monitoramento médico. No entanto, é importante ressaltar que atletas amadores também utilizam creatina para melhorar seu desempenho muscular, talvez sem fontes confiáveis de informação(28) e sem o devido acompanhamento médico. Embora não se observem alterações importantes no metabolismo dos carboidratos com uso em curto prazo da creatina(29), a informação de que o uso crônico dessa proteína pode levar à resistência à insulina deveria orientar protocolos médicos de avaliação de praticantes de atividades desportivas, sejam amadores e/ou profissionais, para melhor controle e indicação adequada da suplementação, principalmente naqueles com alterações prévias do metabolismo da glicose, o que tornaria o uso de creatina um risco considerável.

AGRADECIMENTOS

Bolsa de iniciação científica aos estudantes PIBIC-CEPE-PUC-SP.

Recebido em 2/4/06. Versão final recebida em 22/7/06. Aceito em 25/7/06.

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.

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  • Endereço para correspondência:
    Beatriz Lavras Costallat
    Rua Ezequiel Magalhães, 26 – J. Paineiras
    13092-522 – Campinas, SP
    E-mail:
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    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-Sorocaba. Centro de Ciências Médicas e Biológicas (CCMB). Sorocaba, SP – Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Aceito
      25 Jul 2006
    • Revisado
      22 Jul 2006
    • Recebido
      02 Abr 2006
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