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O papel da enfermagem na administração do ferro por via parenteral

The role of nurses in parenteral iron administration

Resumos

Este artigo tem como objetivo descrever os cuidados de enfermagem na administração de ferro parenteral intramuscular e endovenoso. A escolha da apresentação de ferro a ser usada depende da tolerabilidade do paciente. A administração de um medicamento por via intramuscular ou endovenosa envolve mais do que a injeção de uma solução no interior da massa muscular ou veia, mas também uma avaliação sobre a melhor região e músculo a ser selecionado. Tal procedimento deve ser realizado por pessoas que possuam conhecimentos sobre os aspectos fundamentais de sua execução, ou seja, a equipe de enfermagem. Isso requer conhecimentos de farmacologia relacionados ao tipo da droga, mecanismos de ação, excreção, atuação nos sistemas orgânicos, além de conhecimentos de semiologia e semiotécnica, e avaliação clínica do estado de saúde do paciente.

Ferro; anemia; dosagem; cuidados de enfermagem


This article aims at describing nursing care with the intramuscular and intravenous administration of parenteral iron. The choice of the type of iron to be used depends on the tolerability of the patient. The intramuscular or intravenous administration of a medicine involves more than just the injection of a solution inside the muscle mass or vein, an evaluation of the best site for the injection must also be considered. This procedure must be carried out by a professional with knowledge on the basic aspects of administration, that is, the nursing team. It requires knowledge of the pharmacology of the drug type, mechanisms of action, excretion and performance in organic systems, as well as knowledge of the clinical evaluation of the patient's state of health.

Iron; anemia; dosage; nursing care


REVISÃO / REVIEW

O papel da enfermagem na administração do ferro por via parenteral

The role of nurses in parenteral iron administration

Ana Elizabeth P. L. Figueiredo

Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia (Faenfi) da PUCRS. Enfermeira responsável técnica da Unidade de Diálise do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) - Porto Alegre-RS

Correspondência Correspondência: Ana Elizabeth Prado Lima Figueiredo Rua Miracema, 407 - Chácara das Pedras 91330-490 - Porto Alegre-RJ - Brasil E-mail: anaef@pucrs.br

RESUMO

Este artigo tem como objetivo descrever os cuidados de enfermagem na administração de ferro parenteral intramuscular e endovenoso. A escolha da apresentação de ferro a ser usada depende da tolerabilidade do paciente. A administração de um medicamento por via intramuscular ou endovenosa envolve mais do que a injeção de uma solução no interior da massa muscular ou veia, mas também uma avaliação sobre a melhor região e músculo a ser selecionado. Tal procedimento deve ser realizado por pessoas que possuam conhecimentos sobre os aspectos fundamentais de sua execução, ou seja, a equipe de enfermagem. Isso requer conhecimentos de farmacologia relacionados ao tipo da droga, mecanismos de ação, excreção, atuação nos sistemas orgânicos, além de conhecimentos de semiologia e semiotécnica, e avaliação clínica do estado de saúde do paciente.

Palavras-chave: Ferro; anemia; dosagem; cuidados de enfermagem.

ABSTRACT

This article aims at describing nursing care with the intramuscular and intravenous administration of parenteral iron. The choice of the type of iron to be used depends on the tolerability of the patient. The intramuscular or intravenous administration of a medicine involves more than just the injection of a solution inside the muscle mass or vein, an evaluation of the best site for the injection must also be considered. This procedure must be carried out by a professional with knowledge on the basic aspects of administration, that is, the nursing team. It requires knowledge of the pharmacology of the drug type, mechanisms of action, excretion and performance in organic systems, as well as knowledge of the clinical evaluation of the patient's state of health.

Key words: Iron; anemia; dosage; nursing care.

Introdução

A administração de ferro se faz necessária para o tratamento da anemia ferropriva, em conjunto com a identificação e correção das causas. A reposição de ferro pode ser feita por diversas vias (oral, intramuscular e endovenosa). Em geral, a recomendação é a administração por via oral com doses de acordo com o peso corpóreo para a normalização dos valores da hemoglobina e restauração dos estoques normais de ferro. No entanto, a efetividade de tal tratamento depende da tolerância do paciente ao tratamento oral, da capacidade de absorção intestinal de ferro e da intensidade dos efeitos colaterais, sobretudo gastrointestinais, que ocorrem em cerca de 10,0% a 40,0% dos pacientes. Às vezes, a absorção de ferro pelo trato gastrointestinal é insuficiente frente às necessidades do paciente, em especial naqueles com perdas crônicas ou portadores de doença renal crônica.1,2

A escolha da preparação de ferro a ser usada depende da doença, assim como a habilidade do paciente tolerar a apresentação oral.1 O tratamento com ferro oral é simples, barato e relativamente não tóxico; acredita-se que todos os pacientes com deficiência de ferro, sintomáticos ou não, devam ser tratados com ferro oral. Em comparação com o tratamento oral, o parenteral é mais complexo, mais caro, e pode estar associado ao aparecimento de reações adversas. Deve ser reservado para aqueles pacientes com intolerância severa à terapia oral, ou com sangramento continuado, em geral gastrointestinal, que excede a habilidade de o trato gastrointestinal absorver o ferro. A resposta hematológica ao ferro parenteral não é mais rápida do que a resposta à administração por via oral.

Nem sempre a terapia com ferro oral é capaz de repor as perdas crônicas; neste caso, o uso de ferro parenteral é indicado. Estas situações são: pacientes com doença intestinal inflamatória e deficiência de ferro com intolerância à terapia com ferro oral, pacientes em diálise (hemodiálise e diálise peritoneal), que incluem as perdas de sangue associadas ao procedimento, necessidade de quantidades adequadas de ferro para uma resposta à administração de eritropoetina, assim como a frequente inabilidade destes pacientes para tolerar o ferro oral.3,4,5

A via parenteral também é a escolhida para pacientes anêmicos com câncer, tratados com agentes estimulantes da eritropoese. Dessa forma, quando o tratamento com ferro oral é inviável, a utilização de ferro por via parenteral, particularmente por via intravenosa, é uma opção terapêutica.1

Existem várias apresentações para o ferro endovenoso, e alguns mitos relacionados à sua administração, principalmente relacionados ao uso de ferro dextrana, que estava associado à elevada incidência de reações adversas e de complicações graves após administração, limitando a indicação do tratamento com ferro parenteral. A partir da década de 90, dois novos compostos de ferro para utilização por via intravenosa foram aprovados pelo FDA (Food and Drug Administration) norte-americano e introduzidos no mercado brasileiro; esses compostos correspondem ao gluconato férrico de sódio e ao sacarato de hidróxido de ferro III.1,6

A administração de ferro é feita pelo profissional de enfermagem, e é fundamental que o enfermeiro esteja familiarizado com os cuidados específicos na administração das diferentes formulações de ferro.

Administração intramuscular

A administração de um medicamento por via intramuscular (IM) envolve mais do que a injeção de uma solução no interior da massa muscular, mas também uma avaliação sobre a melhor região e músculo a ser selecionado. Tal procedimento deve ser realizado por pessoas que possuam conhecimentos sobre os aspectos fundamentais de sua execução, ou seja, a equipe de enfermagem.7 Existem relatos de lesões com necrose tecidual, contratura de grupos musculares, fibrose e até perda de amplitude de movimentos articulares em crianças e adultos que fizeram uso de medicação intramuscular. As complicações ocorrem principalmente quando se utilizam os músculos deltoide, glúteo máximo e vasto lateral da coxa. Relatos de complicações relacionadas à administração IM são raras quando os músculos glúteos médio e mínimo são utilizados, ou quando é selecionada a região ventro-glútea, região esta idealizada e testada pelo anatomista suíço Von Hochstetter, em 1954. A região ventroglútea é o local de menor risco, pois é livre de vasos ou nervos importantes e seu tecido subcutâneo de menor espessura, se comparado a outros músculos utilizados para IM.7 Na prática clínica, esta é uma região muito pouco escolhida e a mudança dessa realidade depende da equipe de enfermagem, que, recebendo treinamento adequado e sendo supervisionada, talvez passe a incorporá-la em sua prática. Cabe, no entanto à equipe de enfermagem, durante o tratamento de um paciente que necessita de um medicamento intramuscular, assegurar que o procedimento seja feito da maneira mais segura possível, evitando assim complicações relacionadas à aplicação de medicamentos por essa via.7,8

Erros existem nestes processos e estes podem estar relacionados com fatores individuais, como falta de atenção, lapsos de memória, deficiências da formação acadêmica, inexperiência etc., mas, também, com falhas sistêmicas, como problemas no ambiente (iluminação, nível de barulho, interrupções frequentes), falta ou falha no treinamento, falta de profissionais, falha na comunicação, problemas nas políticas e procedimentos, ou mesmo produtos inadequados utilizados na medicação do paciente. Cabe ao enfermeiro o planejamento das ações de enfermagem, seja disponibilizando recursos materiais adequados e seguros, seja capacitando a equipe de enfermagem ou promovendo condições tanto ambientais como de trabalho adequadas para o desempenho das atividades, garantindo segurança para o paciente.9,10

Quando o tratamento com ferro oral é inviável, a utilização de ferro por via parenteral, intramuscular (IM) e, em particular, por via intravenosa, é uma opção terapêutica.1 Além das desvantagens do uso IM, existe um risco aumentado de problemas pela falta de pessoal treinado para sua correta administração.11

A mobilização do ferro dos locais de intramuscular é lento e ocasionalmente incompleto; como resultado, o aumento na concentração de hemoglobina é discretamente mais rápido do que por via oral.12

A administração de produtos de ferro IM não deve ser considerada como prática rotineira. Algumas formulações requerem cuidados especiais e atenção; o ferro sacarato, por ser muito alcalino, pH 10,5 a 11, não deve ser administrado por via subcutânea (SC) ou IM., enquanto o gluconato sódico de ferro não é aprovado para administração IM. A formulação de ferro dextrana pode ser administrada por via IM, mas existe a possibilidade de vazamento dentro do tecido subcutâneo, podendo causar dor, descoloração da pele, sangramento e/ ou necrose tecidual, o que limita seu uso (www.healthcare.uiowa.edu).

O complexo de hidróxido de ferro (III) polimaltosado (ferripolimaltose) intramuscular em solução aquosa, quase isotônica, tem boa tolerabilidade pelo fato de que o ferro encontrase na forma de um complexo de ferro não iônico. Mesmo nesta apresentação, a administração requer cuidados especiais de aplicação. Se estes cuidados não forem seguidos à risca pelo aplicador, pode ocorrer refluxo do líquido injetado, sua deposição sob a pele e formação de manchas escuras de longa permanência e difícil remoção. Deve-se ter cautela com pacientes obesos, para garantir que a agulha atinja o tecido muscular.

Cuidados genéricos devem ser seguidos na administração de apresentações de ferro intramuscular, mas alguns cuidados são especiais, tais como: a técnica de aplicação intramuscular deve ser em Z ou no ventro-glúteo; não deve ser misturado com outros medicamentos; as ampolas devem ser visualmente inspecionadas quanto à presença de sedimentos e danos antes de serem utilizadas; após aberta a ampola, a administração deve ser imediata; deve-se ter o cuidado de aspirar o conteúdo da ampola, utilizando-se outra agulha diferente da que acompanha a embalagem, a qual deve ser reservada exclusivamente para a aplicação da injeção; a seringa com hidróxido de ferro III deve conter uma pequena bolha de ar, 0,2 mL a 0,3 mL, para evitar o gotejamento do medicamento e a infiltração tecidual.13

O uso da técnica em Z é recomendado para administrar injeção IM, para minimizar a irritação local da pele, uma vez que esta técnica bloqueia o medicamento dentro do tecido muscular. O enfermeiro seleciona uma região para IM, preferencialmente um músculo grande e profundo, como o músculo ventro-glúteo. Deve-se colocar uma agulha nova na seringa depois que o medicamento tiver sido preparado, de tal forma que nenhuma solução permaneça do lado de fora da haste da agulha. Depois de fazer a antissepsia da região, o enfermeiro puxa lateralmente a pele e os tecidos subcutâneos aproximadamente 2,5 cm a 3,5 cm. Segurando a pele esticada com a mão não dominante, o enfermeiro introduz a agulha profundamente no músculo. Segurar a seringa e aspirar com uma mão; não havendo retorno de sangue na aspiração, injetar o medicamento devagar. A agulha permanece por 10 segundos para permitir que o medicamento seja disperso de maneira homogênia. Após a retirada da agulha, a pele é solta, o que cria um caminho em ziguezague, promovendo um tampão que ocluirá o ponto de introdução da mesma no músculo, de modo que a solução não refluirá no tecido subcutâneo, o que poderia provocar irritação. Esta técnica foi demonstrada em 1939 por Shaffer e indicada para injeções profundas de medicamentos ou drogas irritantes, como o ferro. Sendo assim, o medicamento não tem como escapar do tecido muscular. As injeções que utilizam esta técnica resultam em menor desconforto e diminuem a ocorrência de lesões na região da injeção.7,8,14,15

As informações contidas na bula da medicação recomendam que a administração de ferro parenteral intramuscular deve ser evitada em pacientes com massa muscular insuficiente para aplicação IM profunda, absorção muscular insuficiente, devido a estases ou edemas, possibilidade de hemorragias musculares incontroláveis e indicação de reposição de ferro maciça, rápida e prolongada, onde, então, o benefício da aplicação EV é superior aos respectivos riscos. Pacientes com desnutrição podem não ser candidatos ao uso intramuscular devido à marcada redução da massa muscular.

Administração endovenosa

A equipe de enfermagem deve observar e avaliar sistematicamente o paciente quanto a possíveis incompatibilidades farmacológicas, reações indesejadas, bem como interações medicamentosas, com o intuito de minimizar riscos ao paciente. Salienta-se que, ao enfermeiro, cabe a detecção precoce, a prevenção de riscos e de possíveis complicações advindas da terapia medicamentosa. Destaca-se que tais observações e avaliações somente poderão ser oriundas de profissionais com conhecimento em farmacologia.8 A administração de medicamentos é um procedimento que pode ser realizado por alguns profissionais de saúde, no entanto é uma prática realizada cotidianamente pela equipe de enfermagem. Requer conhecimentos de farmacologia relacionados ao tipo da droga, mecanismos de ação, excreção, atuação nos sistemas orgânicos, além de conhecimentos de semiologia e semiotécnica, e avaliação clínica do estado de saúde do cliente. Entre as particularidades, enquanto prática clínica, o profissional precisa ter preparo técnico e científico, em destaque o conhecimento dos efeitos adversos das drogas, que podem ser de grandes proporções. É do nosso conhecimento a possibilidade do comprometimento do sistema renal e hepático, que são sistemas responsáveis pelo metabolismo e excreção dos fármacos, além das reações ocasionadas por hipersensibilidade, situações estas que podem acontecer mesmo quando a medicação é preparada cuidadosamente.10

As preparações de ferro endovenoso atualmente disponíveis na América Latina são: ferro dextrana de alto peso molecular, ferro dextrana de baixo peso molecular, gluconato de ferro e ferro sacarato. Diferenciam-se pela dose máxima que pode ser administrada como bolus, formulação e pelas reações adversas que podem causar.5

O ferro endovenoso é comumente administrado em pacientes em hemodiálise devido às perdas de sangue continuadas associadas aos procedimentos; existe a necessidade de uma adequada reposição de ferro para garantir uma resposta à administração de eritropoetina, e a frequente inabilidade de utilizar o ferro administrado por via oral.2,3 O ferro endovenoso é frequentemente utilizado em pacientes com câncer que utilizam agentes estimulantes da eritropoetina.

As diferentes formas de apresentação endovenosa são: Ferro gluconato - quando este complexo de ferro é utilizado (Ferrlecit®, Schein Pharmaceutical), uma dose teste de 2 mL (25 mg de ferro) deve ser diluída em 50 mL de solução salina e infundida em sessenta minutos. Se não houver reação, até 125 mg (10 mL) podem ser administrados de uma só vez, diluído em 100 mL de SF e infundido em uma hora. O resto da dose calculada deve ser administrado em outras sessões de hemodiálise.16

O ferro gluconato, quando comparado com o ferro dextrana, tem uma reduzida incidência de reações alérgicas 3.3 versus 8.7 respectivamente.17 Um estudo relatou a eficácia e segurança na administração de 125 mg de complexo de ferro gluconato não diluídos em bolus endovenoso lento a uma taxa de 12,5 mg/ min, ou diluídos em 100 mL de solução isotônica em trinta a sessenta minutos em pacientes com anemia por deficiência de ferro e creatinina normal.18

Sacarato de ferro, nesta formulação, não é necessário uma dose teste, no entanto, a dose teste (25 mg em infusão lenta) deve ser feita se o paciente se mostrou sensível ao uso de ferro dextrana ou tem outras alergias. A dose recomendada para pacientes anêmicos com câncer, que estão recebendo agentes estimulantes da eritropoetina, é de 200 mg infundidos num período de sessenta minutos, repetidos a cada duas ou três semanas.12

As apresentações de ferro dextrana contêm 50 mg de ferro elementar, podem ser administradas IM ou EV; as apresentações com baixo peso molecular são preferidas, pois apresentam uma incidência menor de efeitos adversos. Uma dose teste com 25 mg administrados por infusão lenta em cinco minutos deve ser realizada quando a medicação é administrada pela primeira vez. A dose real não deve ser administrada antes de uma hora depois da dose teste ter sido aplicada e sem que haja nenhuma reação de hipersensibilidade. As doses subsequentes podem ser administradas em bolus endovenoso com taxa igual ou menor que 50 mg/ minuto ou diluídas em 250 mL a 1000 mL de solução salina num período de uma a seis horas. Os primeiros 25 mL devem ser administrados lentamente e o paciente observado para aparecimento de efeitos adversos.19

Efeitos colaterais sistêmicos e locais podem ocorrer depois do uso de ferro dextrana com uma frequência antecipada de 4,7%.20 A formulação com maior peso molecular está associada com um maior número de efeitos adversos quando comparada à de menor peso molecular.4,12,19 Reações locais incluem dor e flebite nos vasos em que foram administrados. Reação anafilática ocorre em aproximadamente 1% dos pacientes.21 Outros efeitos sistêmicos incluem febre, urticária e uma crise de artrite em pacientes com artrite reumatoide. Tendo em vista o número de relato de reações adversas com a administração de ferro endovenoso, sugere-se que, antes de proceder a infusão, a equipe de enfermagem verifique os sinais vitais do paciente e os registre para possibilitar o acompanhamento e comparações quando necessárias.

Informações sobre hidróxido de ferro III endovenoso

O ferro presente no hidróxido de ferro III endovenoso está na forma trivalente como um complexo coloidal macro-molecular de sacarato de hidróxido férrico. A aplicação pela via endovenosa promove utilização instantânea do ferro, o que constitui um fator relevante, particularmente em casos de anemias muito pronunciadas. Estudos clínicos demonstraram que a resposta hematológica é mais rápida com a administração endovenosa do complexo de sacarato de hidróxido férrico do que com a administração oral de produtos solúveis à base de ferro. O ligante do complexo é a sacarose (dissacarídeo), não contendo dextrana (polissacarídeo), portanto não ocorre nenhuma reação com o anticorpo específico para dextrana, que determinaria uma reação anafilática induzida pelo mesmo.

A administração parenteral de preparados de ferro pode causar reações alérgicas ou anafiláticas, que podem ser potencialmente letais. Suporte para ressuscitação cardiopulmonar deve estar disponível. Observa-se que pacientes que recebem betabloqueadores simultaneamente à terapia férrica não reagem adequadamente à adrenalina. Deve ser administrado com cuidado em pacientes com histórico de asma brônquica, eczema, outras alergias ou reações alérgicas por outras preparações parenterais de ferro, e pacientes com disfunção hepática ou renais. Deve-se ter um cuidado especial na administração do produto em pacientes que sofrem de infecções agudas ou crônicas que possuem valores excessivos de ferritina, uma vez que a administração parenteral de ferro pode influenciar desfavoravelmente uma infecção viral ou bacteriana. A administração rápida pode levar à hipotensão. O Quadro 1 apresenta de maneira resumida os cuidados de enfermagem preconizados.


O extravasamento deve ser evitado, pois o hidróxido de ferro III endovenoso no local da injeção pode causar dor, inflamação, necrose do tecido, abscesso estéril e manchas na pele. Quando as ampolas são armazenadas de maneira inadequada, há possibilidade de formação de sedimentos. A administração concomitante de inibidores da ECA (ex. Enalapril) pode aumentar os efeitos sistêmicos de preparações de ferro parenteral.

As mais frequentes reações adversas a medicamentos relatadas foram deturpação passageira do paladar, hipotensão, febre e tremores, sensação de calor, reações no local da injeção, espasmos venosos no local da veia puncionada e naúsea, ocorrendo em 0,5% a 1,5% dos pacientes. Pode ocorrer hipotensão se a injeção for administrada rapidamente.

A posologia do hidróxido de ferro III endovenoso deverá ser determinada individualmente, conforme a necessidade total de ferro, levando-se em conta três fatores: 1) Grau de deficiência de ferro (em mg), déficit total de ferro em mg; 2) Peso do paciente em kg; 3) Reserva necessária de ferro. Se a dose total necessária exceder a dose única máxima permitida, a administração deve ser dividida.

Posologia média recomendada para adultos e pacientes idosos: 5 mL-10 mL de hidróxido de ferro III endovenoso (100 mg a 200 mg de ferro) uma a três vezes por semana, dependendo do nível de hemoglobina. Dose única máxima tolerada em adultos e pacientes idosos: Injeção: 10 mL de hidróxido de ferro III endovenoso (200 mg de ferro) administrados em, no mínimo, 10 minutos. Infusão: Quando a situação clínica exigiu, doses de até 500 mg foram administradas. A dose única máxima tolerada é de 7 mg de ferro por kg de peso corporal administrada uma vez por semana, mas não excedendo 25 mL de hidróxido de ferro III endovenoso (500 mg de ferro) diluídos em 500 mL de solução fisiológica estéril, administrados em, no mínimo, três horas e meia. Uma incidência mais elevada de reações adversas (em particular, hipotensão), que pode ser também mais grave, é associada às doses mais elevadas. Consequentemente, os tempos de infusão recomendados pela bula nesse item devem ser estritamente seguidos até mesmo se o paciente não receber a dose única máxima tolerada.

Em pacientes com doença renal crônica, em tratamento conservador ou em diálise, a reposição de ferro endovenoso deverá ser feita na diluição adequada, exclusivamente em solução fisiológica a 0,9% (SF), em velocidade tanto mais lenta quanto maior for a dose a ser administrada, variando de 10 mg em 100 mL SF em quinze minutos até 300 mg em 300 mL SF em noventa minutos.2 Na prática, para pacientes em hemodiálise, uma dose de 40 mg-50 mg é suficiente e segura para manter os estoques de ferro destes pacientes.2

Controlar os níveis de hemoglobina em pacientes anêmicos, em diálise ou não, é um desafio para a equipe. Um dos tratamentos é balancear as dose de ferro endovenoso e otimizar o manejo dos agentes estimulantes da eritropoese. O ferro endovenoso pode melhorar a resposta destes agentes, reduzindo a quantidade a ser administrada, enquanto ajuda a manter a hemoglobina em níveis aceitáveis.

Recebido: 15/12/2009

Aceito: 15/01/2010

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) - Porto Alegre-RS.

O tema foi sugerido e avaliado pelo coeditor deste fascículo educativo, Rodolfo Delfini Cançado, e pelo board interno da RBHH, e publicado após a concordância do editor, Milton Artur Ruiz.

Conflito de interesse: sem conflito de interesse

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  • Correspondência:

    Ana Elizabeth Prado Lima Figueiredo
    Rua Miracema, 407 - Chácara das Pedras
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      15 Dez 2009
    • Aceito
      15 Jan 2010
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