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Infecção pelo vírus sincicial respiratório e o diagnóstico das infecções virais pós-transplante de células-tronco hematopoéticas no Brasil

Respiratory syncytial virus infections and the diagnosis of viral infection after hematopoietic stem cell transplantation

EDITORIAIS E COMENTÁRIOS EDITORIALS AND COMMENTS

Infecção pelo vírus sincicial respiratório e o diagnóstico das infecções virais pós-transplante de células-tronco hematopoéticas no Brasil

Respiratory syncytial virus infections and the diagnosis of viral infection after hematopoietic stem cell transplantation

Clarisse M. Machado

Serviço de TMO da Fundação Amaral Carvalho, Jaú, SP Laboratório de Virologia do IMTSP - USP

Correspondência Correspondência: Clarisse M. Machado Rua Ministro Sinesio Rocha, 341 - Sumarezinho 50030-000 - São Paulo-SP - Brasil E-mail: clarimm@usp.br

Os vírus respiratórios da comunidade (VRC) circulam anualmente com intensidade variável, e a recente pandemia de influenza A H1N1 evidenciou a facilidade de disseminação destas viroses. Todos os seres humanos do planeta estão expostos, assim como outros animais suscetíveis. Se para a maioria desses hospedeiros os VRC não causam maior dano, para os imunocomprometidos estas infecções podem ser fatais.

Dentre os VRC, o vírus sincicial respiratório (RSV) é o mais frequentemente identificado em receptores de TCTH. Dados da literatura indicam incidências de cerca de 8% em todo o mundo.1 No Brasil, a incidência das infecções pelo RSV varia de ano a ano, dependendo da atividade de circulação do vírus sazonalmente, da estratégia de identificação de casos empregada por cada centro de transplante, e da eficiência das medidas adotadas para o controle da transmissão.

Estudo retrospectivo realizado na Universidade Federal do Paraná registrou uma incidência de cerca de 4% entre 1993 e 1999.2 Em 2001, estudo prospectivo realizado na Divisão de TMO da Faculdade de Medicina da USP registrou incidência de 15% de RSV.3 No Serviço de TMO da Fundação Amaral Carvalho em Jaú observou-se uma incidência de 12% em 2008 e de 21,8% em 2009, quando foi adotada no serviço uma estratégia mais agressiva de busca de sintomas respiratórios, coleta de amostras e diagnóstico.4

A importância do diagnóstico das infecções pelo RSV se apoia nos seguintes fatos:

1. Além de maior frequência, o RSV é também responsável por grande morbidade. A principal complicação é a progressão para pneumonia, que ocorre em mais de 50% dos casos.

2. Maior gravidade se observa na infecção que ocorre antes da enxertia. Consequentemente, recomenda-se que o transplante seja adiado caso o RSV seja diagnosticado antes do início do regime de condicionamento. Mortalidade de cerca de 30% se observa nas pneumonias pelo RSV que ocorrem nesse período.5

3. Excreção prolongada, mais complicações e maior mortalidade são esperadas nos transplantes de maior complexidade, tais como os não aparentados. A excreção prolongada tem impacto considerável na transmissão intra-hospitalar do agente. Mesmo com todos os cuidados de prevenção, cerca de 20% dos episódios são de aquisição nosocomial.4

4. As opções terapêuticas são escassas e de eficácia questionável; assim, todo o esforço deve ser concentrado no controle da transmissão do RSV. Para que isso seja possível, é indispensável a identificação dos casos através do diagnóstico.

O estudo de Piazera e colaboradores6 traz a experiência encorajadora da Universidade Federal do Paraná no tratamento das infecções pelo RSV com a ribavirina inalatória. Vale lembrar que o Hospital de Clínicas da UFPR não só dispõe do diagnóstico do RSV há décadas como também foi o pioneiro no manejo destas infecções em receptores de transplante em nosso país, experiência essa generosamente compartilhada com outros centros, que, a partir da implantação do diagnóstico, passaram a conviver com o problema (Piazera 2009). Nesse estudo, o modelo de regressão de Cox evidenciou maior sobrevida global nos pacientes que foram tratados com a ribavirina inalatória. Entretanto, os resultados de Curitiba diferem da experiência de dois outros centros brasileiros nos quais o uso da ribavirina não se refletiu em maior sobrevida dos pacientes.3,4

A polêmica do benefício do uso da ribavirina inalatória para tratamento das infecções pelo RSV em receptores de TCTH persiste. O único estudo randomizado e controlado conduzido nesta população de pacientes foi interrompido em decorrência da lenta inclusão de casos. Concluiu-se apenas que houve redução na carga viral do RSV em secreção de nasofaringe dos pacientes que receberam ribavirina em comparação com o grupo que recebeu apenas cuidados gerais. Não se observou redução significante na ocorrência de pneumonia ou na mortalidade.6

Portanto, não dispomos atualmente de recursos terapêuticos eficazes para tratamento das infecções pelo RSV. O uso profilático de palivizumab tem mostrado benefício em populações pediátricas de risco, tais como prematuros, cardiopatias congênitas cianóticas ou com hipertensão pulmonar e doença pulmonar crônica que necessite tratamento antes do segundo ano de vida. A experiência em receptores de transplante e em adultos é substancialmente menor e tem como fator limitante o alto custo (dose por kg de peso).

Assim, resta-nos a prevenção e a adoção de todas as medidas que levam a ela, a saber:

1) Identificação de casos oligossintomáticos à admissão através da coleta de amostras antes da internação do paciente. O transplante deve ser adiado caso o RSV seja identificado.

2) Busca ativa de sintomas respiratórios pós-transplante para aumentar a captação dos casos, uma vez que, de forma geral, os sintomas respiratórios moderados ou leves são negligenciados tanto pelos profissionais de saúde como pelos próprios pacientes e familiares.4

3) Educação continuada com ênfase em lavagem de mãos e formas de transmissão das viroses respiratórias. O benefício desta estratégia é maior quando inclui toda a equipe multidisciplinar como também os familiares e acompanhantes. A participação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar é essencial nestas atividades.

4) Restrição de visitantes menores de 12 anos de idade na unidade de transplante e afastamento do contato direto com o paciente do profissional de saúde que apresentar sintomas respiratórios.

Estas medidas auxiliam na prevenção não só do RSV como também das demais viroses respiratórias e devem ser adotadas especialmente entre abril e outubro, quando aumenta consideravelmente o número de casos nas regiões sul e sudeste. Adicionalmente, a vacinação anual contra a influenza deve ser enfaticamente recomendada aos profissionais de saúde, familiares e candidatos a transplante.

Este ano comemoramos 30 anos de transplante de medula óssea no Brasil. Ao longo destes anos, acompanhamos com grande entusiasmo as mudanças e os avanços na tecnologia dos transplantes em todo o mundo. Temos hoje no Brasil mais de 52 centros transplantadores e, de modo geral, nos orgulhamos de nossos resultados.

Entretanto, temos pela frente a árdua tarefa de desenvolvimento de programas de apoio aos transplantes, especialmente na área de diagnóstico. Com a maior complexidade dos procedimentos, outros vírus emergiram como causadores de complicações pós-transplante, tais como o vírus de Epstein Barr (EBV) e o herpesvírus humano-6 (HHV-6).7 O controle das infecções virais pós-TCTH não pode e não deve estar restrito apenas à antigenemia para o citomegalovírus.

Recebido: 04/11/2009

Aceito: 04/11/2009

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

  • 1. Kim YJ, Boeckh M, Englund JA. Community respiratory virus infections in immunocompromised patients: hematopoietic stem cell and solid organ transplant recipients, and individuals with human immunodeficiency virus infection. Semin Respir Crit Care Med. 2007;28(2):222-42.
  • 2. Raboni SM, Nogueira MB, Tsuchiya LR, Takahashi GA, Pereira LA, Pasquini R, et al. Respiratory tract viral infections in bone marrow transplant patients. Transplantation. 2003;76(1):142-6.
  • 3. Machado CM, Boas LS, Mendes AV, Santos MF, da R, I, Sturaro D, et al. Low mortality rates related to respiratory virus infections after bone marrow transplantation. Bone Marrow Transplant. 2003;31(8):695-700.
  • 4. Santos ACF, Perilio L, Zerbinati RM, Oliveira M, Colturato VR, Souza MP, et al. Respiratory symptom surveillance to optimize the detection of community respiratory virus in hematopoietic stem cell transplant (HSCT) recipients: preliminary results. Bone Marrow Transplant. 43[Suppl 1], S63-S64. 2009. Ref Type:
  • 5. Peck AJ, Corey L, Boeckh M. Pretransplantation respiratory syncytial virus infection: impact of a strategy to delay transplantation. Clin Infect Dis. 2004;39(5):673-80.
  • 6. Piazzera FZ, Fortier SC, Morando J, Bonfim CMS, Silva RB, Cunha CA, et al. Análise retrospectiva dos pacientes infectados por RSV na Unidade de Transplante de Medula Óssea. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2009;31(6):413-6.
  • 7. Boeckh M, Englund J, Li Y, Miller C, Cross A, Fernandez H, et al. Randomized controlled multicenter trial of aerosolized ribavirin for respiratory syncytial virus upper respiratory tract infection in hematopoietic cell transplant recipients. Clin Infect Dis. 2007; 44(2):245-9.
  • 8. Tateno AF, do Canto CLM, Santos ACF, Carneiro A, D'Amico NG, Colturato VAR, et al Revisiting herpesvirus surveillance after HSCT: HHV-6 and EBV infections. 49th ICAAC - slide session V - 1251 . 10-9-2009. Ref Type: Unpublished Work.
  • Correspondência:
    Clarisse M. Machado
    Rua Ministro Sinesio Rocha, 341 - Sumarezinho
    50030-000 - São Paulo-SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2010
    • Data do Fascículo
      2009
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