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Transplante de células-tronco hematopoéticas e a regeneração da hematopoese

Hematopoietic stem cell transplant and recovery of hematopoiesis

Resumos

As células-tronco hematopoéticas periféricas (CTP) praticamente substituíram a medula óssea (MO) como fonte de células-tronco hematopoéticas nos transplantes autólogos e nos últimos anos é usada com maior frequência nos alogênicos, particularmente no tratamento de doenças avançadas. A recuperação hematopoética, utilizando esta fonte de células, é mais rápida após a utilização de CTP comparada com a MO. O sangue de cordão umbilical surgiu como uma outra fonte de células-tronco hematopoéticas para a realização de transplantes. O risco mínimo para o doador e a rápida disponibilidade estão entre as vantagens desta fonte de células. A recuperação mais lenta de neutrófilos e plaquetas é a maior preocupação do ponto de vista clínico. A biópsia de MO pode ser uma importante ferramenta para a obtenção de informações em relação à recuperação hematopoética após os transplantes de células-tronco hematopoéticas (TCTH). A histopatologia da reconstituição hematopoética da MO, após um transplante de sangue de cordão umbilical, demonstra um atraso quando comparada com os transplantes de MO. Entretanto, ocorre uma recuperação hematopoética gradual e, tardiamente, não são observadas diferenças entre os transplantes com MO e sangue de cordão umbilical. A histologia da MO, por sua vez, não esclarece a origem genotípica da hematopoese pós-transplante. Assim, a análise do quimerismo tornou-se um instrumento importante para o acompanhamento da enxertia e é a base da intervenção terapêutica para evitar a rejeição do enxerto, manter a enxertia e tratar uma recidiva clínica iminente através da imunoterapia. Esta revisão destacará a recuperação hematopoética após a realização de um TCTH.

Transplante de células-tronco hematopoéticas; regeneração; hemopoiese


Mobilized peripheral blood has replaced the use of bone marrow as a source of hematopoietic stem cells in most autologous transplants and is increasingly used in allogeneic transplants. The hematopoietic reconstitution after using mobilized peripheral blood is faster compared to bone marrow. Umbilical cord blood has emerged as another rich source of hematopoietic stem cells for transplantation. The minimal risk to the donor and the rapid availability are among the great advantages of this stem cell source. The slow recovery of neutrophil and platelet counts is the major clinical concern. Bone marrow biopsy is an important tool for obtaining information regarding the hematopoietic recovery after hematopoietic stem cell transplantation. The histopathological hematopoietic reconstitution of the bone marrow after umbilical cord blood transplantation is delayed compared to bone marrow transplantation. However, gradual hematopoietic recovery is seen, and afterwards no other differences comparing bone marrow and umbilical cord transplants are observed. Bone marrow histology does not elucidate the genotypic origin of post-transplant hematopoiesis. Hence, chimerism analysis has become an important instrument for engraftment surveillance, and is the basis for treatment intervention to avoid graft rejection, to maintain engraftment, and to treat clinical imminent relapse by immunotherapy. This review focuses on the hematopoietic recovery after hematopoietic stem cell transplantation.

Hematopoietic stem cell transplant; recovery; hematopoiesis


ARTIGO ESPECIAL SPECIAL ARTICLE

Transplante de células-tronco hematopoéticas e a regeneração da hematopoese

Hematopoietic stem cell transplant and recovery of hematopoiesis

Afonso C. VigoritoI; Cármino A. de SouzaII

ISupervisor da Unidade de Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH) – Centro de Hematologia e Hemoterapia (Hemocentro)/Hospital das Clínicas (HC) – Unicamp – Campinas-SP

IIProfessor Titular de Hematologia/Hemoterapia – Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Unicamp. Coordenador do Centro de Hematologia e Hemoterapia (Hemocentro) – Unicamp – Campinas-SP

Correspondência Correspondência: Afonso Celso Vigorito Hemocentro da Unicamp Rua Carlos Chagas, 480 - Campus Universitário "Zeferino Vaz" – Unicamp CX Postal: 6198 13083-970 – Campinas-SP – Brasil Tel.: (55 19) 3521-8740 – Fax: (55 19) 3521-8600 E-mail: afonso@unicamp.br Doi:10.1590/S1516-84842009005000057

RESUMO

As células-tronco hematopoéticas periféricas (CTP) praticamente substituíram a medula óssea (MO) como fonte de células-tronco hematopoéticas nos transplantes autólogos e nos últimos anos é usada com maior frequência nos alogênicos, particularmente no tratamento de doenças avançadas. A recuperação hematopoética, utilizando esta fonte de células, é mais rápida após a utilização de CTP comparada com a MO. O sangue de cordão umbilical surgiu como uma outra fonte de células-tronco hematopoéticas para a realização de transplantes. O risco mínimo para o doador e a rápida disponibilidade estão entre as vantagens desta fonte de células. A recuperação mais lenta de neutrófilos e plaquetas é a maior preocupação do ponto de vista clínico. A biópsia de MO pode ser uma importante ferramenta para a obtenção de informações em relação à recuperação hematopoética após os transplantes de células-tronco hematopoéticas (TCTH). A histopatologia da reconstituição hematopoética da MO, após um transplante de sangue de cordão umbilical, demonstra um atraso quando comparada com os transplantes de MO. Entretanto, ocorre uma recuperação hematopoética gradual e, tardiamente, não são observadas diferenças entre os transplantes com MO e sangue de cordão umbilical. A histologia da MO, por sua vez, não esclarece a origem genotípica da hematopoese pós-transplante. Assim, a análise do quimerismo tornou-se um instrumento importante para o acompanhamento da enxertia e é a base da intervenção terapêutica para evitar a rejeição do enxerto, manter a enxertia e tratar uma recidiva clínica iminente através da imunoterapia. Esta revisão destacará a recuperação hematopoética após a realização de um TCTH.

Palavras-chave: Transplante de células-tronco hematopoéticas; regeneração; hemopoiese.

ABSTRACT

Mobilized peripheral blood has replaced the use of bone marrow as a source of hematopoietic stem cells in most autologous transplants and is increasingly used in allogeneic transplants. The hematopoietic reconstitution after using mobilized peripheral blood is faster compared to bone marrow. Umbilical cord blood has emerged as another rich source of hematopoietic stem cells for transplantation. The minimal risk to the donor and the rapid availability are among the great advantages of this stem cell source. The slow recovery of neutrophil and platelet counts is the major clinical concern. Bone marrow biopsy is an important tool for obtaining information regarding the hematopoietic recovery after hematopoietic stem cell transplantation. The histopathological hematopoietic reconstitution of the bone marrow after umbilical cord blood transplantation is delayed compared to bone marrow transplantation. However, gradual hematopoietic recovery is seen, and afterwards no other differences comparing bone marrow and umbilical cord transplants are observed. Bone marrow histology does not elucidate the genotypic origin of post-transplant hematopoiesis. Hence, chimerism analysis has become an important instrument for engraftment surveillance, and is the basis for treatment intervention to avoid graft rejection, to maintain engraftment, and to treat clinical imminent relapse by immunotherapy. This review focuses on the hematopoietic recovery after hematopoietic stem cell transplantation.

Key words: Hematopoietic stem cell transplant; recovery; hematopoiesis.

Introdução

Pequenos clusters de células hematopoéticas podem ser observados em material de biópsia de medula óssea (MO) obtido num período compreendido entre 10-14 dias após a realização de um transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH).1 A celularidade da MO aumenta rapidamente depois de duas a quatro semanas e mostra evidências morfológicas de todos os componenentes mieloides. Entretanto, pode ser necessário um período de seis a 12 meses antes que a celularidade atinja a densidade normal. O tempo mediano para se atingir um número de neutrófilos de 1.0 x109/L é de 23 dias, variando de 12 a 45 dias. Para atingir reticulócitos de 100 x 109/L, a mediana é de 24 dias, variando 12-72 dias, e de plaquetas de 100 x 109/L de 39 dias. Entretanto, 25% dos pacientes necessitam de três a seis meses para produzir este número de plaquetas. Os pacientes com doença do enxerto contra o hospedeiro crônica (DECH-c) podem, particularmente, apresentar uma maior lentidão na recuperação da contagem plaquetária.2 Apesar da variação individual, no período inicial após o TCTH, a maioria dos pacientes apresentará contagem normal do sangue periférico. As células hematopoéticas após o TCTH são geralmente de origem do doador, porém, poderá ocorrer a coexistência de células do doador e do receptor em alguns pacientes.3

A falência do enxerto, definida como uma incapacidade de se estabelecer, ou sustentar, uma hematopoese funcionante, é relativamente incomum nos pacientes transplantados com enxerto não manipulado e nos portadores de doenças hematológicas malignas. Em contraste, a falência pode ser um problema mais comum nos pacientes com anemia aplástica grave (AAG) ou em receptores de enxertos depletados de linfócitos T. Uma enxertia inadequada, ou uma rejeição precoce, nos pacientes com AAG parece estar relacionada a atividade de linfócitos T residuais do hospedeiro, células estas que podem ter sido responsáveis pelo desenvolvimento da aplasia de MO original. Este problema é menos comum nos pacientes que receberam profilaxia da DECH com esquemas que continham ciclosporina. A razão para a falência nos receptores de enxertos depletados de linfócitos T é menos compreendida. Acredita-se que os linfócitos T favorecem a enxertia pela produção de fatores de crescimento que são necessários para o processo da hematopoese. Esta teoria é apoiada pela observação de vários fatores de crescimento presentes na circulação de receptores de enxertos não manipulados.4,5

Em contraste com as contagens de sangue periférico e MO normais, a frequência de progenitores clonogênicos permanece significativamente reduzida.6-9 O acompanhamento de pacientes por 10-12 anos mostrou que a frequência de progenitores clonogênicos não aumentou com o passar dos anos. Quando o estado do ciclo celular destes progenitores foi avaliado, quase todos as células clonogênicas proliferavam ativamente,7 contrastando com o ciclo dos progenitores de doadores normais, nos quais pode ser identificada uma população de células em repouso. Esta observação sugere que a MO de receptores de TCTH funciona com pouca ou nenhuma reserva e que um número menor de clones participa da hematopoese após o TCTH.10

Nos últimos anos, progressos importantes foram realizados no campo da biologia das células-tronco, nos estudos referentes à obtenção de diferentes fontes de enxerto e de novos desenvolvimentos na área de TCTH.

Biologia da célula-tronco

As células-tronco hematopoéticas são células com a capacidade única de produzir progenitores celulares mais diferenciados, assim como células filhas, que mantêm a capacidade de autorrenovação. Embora o TCTH humano seja referido frequentemente como um "transplante de células-tronco", na verdade o enxerto utilizado no TCHT contém uma mistura de células progenitoras hematopoéticas imaturas e mais maduras, incluindo as células-tronco com capacidade de autorrenovação.11 É sabido, por mais de duas décadas, que as células do estroma da MO são necessárias para dar suporte ao crescimento e desenvolvimento das células iniciadoras de cultura de longa duração, que são essenciais para manter e regular a atividade das células-tronco hematopoéticas.12 As células mesenquimais do estroma, multipotentes, foram isoladas da MO e mostraram-se capazes de diferenciar-se in vitro em tecido adiposo, cartilagem e osso. Estas células são consideradas importantes reguladoras da atividade hematopoética, mas também são precursoras de tecidos não hematopoéticos.11

Fontes de células-tronco

Até recentemente, apenas a MO era utilizada como fornecedora de células-tronco hematopoéticas, mas outras fontes como, por exemplo, o sangue de cordão umbilical possuem também células transplantáveis, porém, em número limitado.13

A constatação de que células-tronco hematopoéticas são encontradas em pequena quantidade no sangue periférico (CTP) levou à investigação do uso do sangue periférico como mais uma alternativa para o fornecimento destas células. A habilidade de mobilizar tais células do compartimento medular para a periferia, utilizando a quimioterapia e/ou fatores de crescimento hematopoético, possibilitou a coleta de um número suficiente de CTP para a realização dos transplantes.13 O sangue periférico mobilizado substituiu amplamente a MO como fonte de células-tronco hematopoéticas no transplante autólogo e o seu uso está aumentando no TCTH alogênico.

Uma grande quantidade de células CD34+ pode ser mobilizada a partir de doadores normais com a utilização do G-CSF. Esta estratégia aumenta o número de células-tronco hematopoéticas circulantes em 100 vezes ou mais. Estas células promovem uma recuperação hematopoética duradoura, além de terem vantagens sobre a MO porque permitem uma enxertia mais rápida de neutrófilos e plaquetas provavelmente devido a uma maior conteúdo de células-tronco hematopoéticas comprometidas.14,15

Teoricamente, as CTP alogênicas podem ter outras vantagens por apresentarem muitos linfócitos T e células natural killer, os quais poderão ter função no efeito enxerto contra leucemia, diminuindo assim o risco de recidiva após o transplante.15,16 Uma desvantagem, entretanto, é o aumento da frequência da DECH-c.15

O antígeno CD 34+ é o identificador das células-tronco hematopoéticas. Ele está presente em 1% a 4% das células da MO responsáveis pela formação das colônias hematopoéticas e que são capazes de reconstituir a hematopoese, indicando que as células progenitoras pluripotenciais estão presentes dentro deste compartimento. No entanto, as células CD 34+, na periferia, correspondem a 1/10 da concentração da MO, em condições normais.17

As características fenotípicas das CTP coletadas, após a utilização de fatores de crescimento, são uma mistura de precursores hematopoéticos primitivos e comprometidos, não apresentando diferenças marcantes com as da MO. A análise antigênica das células periféricas CD 34+ revela que elas co-expressam uma variedade de antígenos de diferenciação. As subpopulações com antígenos mieloides, como o CD33, parecem ser progenitores comprometidos e provavelmente responsáveis pela primeira fase da recuperação hematopoética. Em contraste, as que não apresentam antígenos associados tanto à linhagem (por ex. CD33) ou à ativação (HLA-DR, CD38), são consideradas mais primitivas e contribuem para a sustentação da hematopoese (células que reconstituem a hematopoese a longo termo prazo). Assim, podem ser encontradas as seguintes subpopulações: CD34+/CD33+, CD34+/CD 38-, CD34+/HLA-DR.17-20

Dados recentes indicam que as CTP apresentam uma capacidade intrínseca para reconstituir os neutrófilos mais rapidamente, o que não está somente relacionado ao número de células formadoras de colônias de granulócitos e monócitos (CFU-GM) infundidas.21 Foi demonstrado que as CTP apresentam uma baixa atividade do ciclo celular, in vivo, mas são capazes, no entanto, de uma rápida ativação, in vitro. Além do mais, em contraste com os progenitores derivados da MO, os do sangue não apresentam atraso na proliferação, atraso esse causado pelas células estromais da MO.21 Estas reduzem a probabilidade de as células entrarem em um ciclo celular.22 Outra característica é que os progenitores periféricos produzem, preferencialmente, mais células formadoras de colônias de granulócitos e monócitos (CFU-GM), em detrimento das unidades formadoras de colônia de eritrócitos (BFU-E). Tanto a resposta reduzida de mediação das células estromais da MO quanto a produção seletiva de progenitores granulocíticos poderiam contribuir para uma rápida recuperação dos neutrófilos, nos transplantes com CTP.21

O sangue de cordão umbilical, recentemente, surgiu como outra fonte rica de células-tronco hematopoéticas para utilização no transplante. O risco mínimo para o doador e a rápida disponibilidade do sangue de cordão umbilical são uma das grandes vantagens desta fonte de células-tronco. Além do mais, a incidência da doença do enxerto contra o hospedeiro, tanto aguda como crônica, após o transplante com sangue de cordão com doadores irmãos idênticos, é menor quando comparada com o transplante de MO também utilizando doadores idênticos.23 Uma desvantagem do TCTH com o sangue de cordão é a recuperação lenta da contagem de neutrófilos e plaquetas. A dose de células e o grau de incompatibilidade do HLA são importantes fatores prognósticos. Os melhores resultados são vistos em receptores que receberam unidades de sangue de cordão com uma dose alta de células mononucleares e não mais do que uma diferença no HLA.24 O número limitado de células no sangue de cordão tem sido um importante fator limitante para a sua utilização em adultos.25 Embora o número de células CD 34+ transplantadas parece ser um dos maiores fatores para a recuperação hematopoética, pouco é sabido porque a velocidade da enxertia é menor no sangue de cordão umbilical.26 As células-tronco hematopoéticas transplantadas precisam migrar para o microambiente da MO para a sua proliferação e diferenciação. Neste processo de homing estão envolvidas várias moléculas de adesão presentes nas células-tronco hematopoéticas e nas células endoteliais. Alguns dados sugerem que o potencial de adesão das células CD 34+ do sangue de cordão umbilical seria menor do que as da medula óssea.27 Isto poderia explicar porque a enxertia é atrasada no sangue de cordão umbilical.

Um estudo avaliou a histopatologia da reconstituição da MO após a realização de transplantes com sangue de cordão umbilical e medula óssea.28 Nas biópsias obtidas até 29 dias após o transplante de MO, a celularidade estava aumentada com a presença de megacariócitos. Neste mesmo período, após o transplante de sangue de cordão umbilical, as biópsias mostraram uma diminuição acentuada da celularidade e megacariócitos quase ausentes. Além do mais, poucas células CD 34+ foram observadas após o transplante de sangue de cordão umbilical comparado com os transplantes com MO. Houve um aumento gradual da recuperação hematopoética da MO após o dia 30 do transplante de sangue de cordão umbilical, e após o dia 100 nenhuma diferença significativa foi observada comparando-se os transplantes com sangue de cordão umbilical e MO.28

Quimerismo

Após o transplante é importante definir se o novo sistema hematopoético é de origem do receptor ou do doador. A investigação da origem genotípica da hematopoese pós-transplante é denominada análise de quimerismo.29

Originalmente, acreditou-se que uma hematopoese completa do doador era essencial para manter a enxertia após um TCTH alogênico.30 Nas últimas décadas, entretanto, tornou-se evidente que a hematopoese do doador e receptor poderia coexistir no receptor após um TCTH alogênico. Este estado é denominado de quimerismo misto, que pode terminar em uma recuperação autóloga.29 Se todas as células hematopoéticas pós-transplante são de origem do doador, isto é denominado quimerismo completo. Foi demonstrado, entretanto, que a evolução do quimerismo pós-transplante é um processo dinâmico.31-33 Assim, pacientes com quimerismo completo em um determinado período pós-transplante pode mais tarde desenvolver um estado de quimerismo misto e vice-versa. Nos casos de quimerismo misto, o grau de células autólogas pode aumentar ou diminuir, caracterizando um quimerismo crescente ou decrescente.32,34,35

A análise do quimerismo tem sido recentemente usada como um indicador da recidiva de uma doença maligna ou não maligna. Esta investigação tornou-se a base para uma intervenção terapêutica, como, por exemplo, evitar a rejeição, manter a enxertia e tratar uma recidiva iminente através de imunoterapia.29

Um estado de quimerismo misto hematopoético, em pacientes com leucemias, pode reduzir o efeito enxerto-versus-leucemia produzido por células efetoras alorreativas derivadas do doador, facilitando a proliferação de células malignas residuais que podem ter sobrevivido ao condicionamento.29

A análise do quimerismo fornece informação a respeito da alorreatividade e/ou tolerância do enxerto, e portanto, serve mais como um "fator prognóstico" do que um marcador indireto de doença residual mínima (DRM). Desta maneira, é importante ressaltar, devido à baixa sensibilidade, que o estudo do quimerismo não deve ser considerado um método de escolha para a detecção DRM.29 Nestes casos, a DRM deve ser avaliada através de métodos específicos. Quando um marcador específico da doença não estiver disponível, a análise do quimerismo em subpopulações celulares pode servir como um marcador de DRM.29

A análise seriada e quantitativa do quimerismo no sangue periférico total pode definir os pacientes de alto risco para recidiva. Entretanto, nem todos os pacientes poderão ser identificados porque o intervalo entre a quimera mista e a recidiva é muito curto. Portanto, é essencial que as análises sejam realizadas semanalmente até o dia 100, em subpopulações de células, o que aumenta a sensibilidade da técnica. Nesta situação, o quimerismo pode ser considerado um marcador de DRM.29

A combinação do quimerismo e DRM pode permitir uma documentação da enxertia e da situação da doença, permitindo uma base racional para a utilização de imunoterapia precoce para a prevenção da recidiva.29

Conclusão

A velocidade da recuperação da hematopoese é influenciada caso o TCTH seja realizado com células-tronco provenientes da MO, do sangue periférico ou cordão umbilical.

A biópsia de MO pode ser mais uma ferramenta para a avaliação da hematopoese pós-transplante e o quimerismo é fundamental para a investigação da origem genotípica da hematopoese pós-transplante, além de poder ser um indicador da recidiva de doenças malignas e não malignas. Desta maneira, é importante ressaltar, devido à baixa sensibilidade, que o estudo do quimerismo não deve ser considerado um método de escolha para a detecção de DRM. Quando um marcador específico da doença não estiver disponível, a análise do quimerismo em subpopulações celulares pode servir como um marcador de DRM.

Recebido: 22/12/2008

Aceito após modificações: 16/04/2009

Unidade de Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH) – Centro de Hematologia e Hemoterapia (Hemocentro)/Hospital das Clínicas (HC) Unicamp – Campinas-SP.

Avaliação: Editor e dois revisres externos

Conflito de interesses: sem conflito de interesses

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  • Correspondência:
    Afonso Celso Vigorito
    Hemocentro da Unicamp
    Rua Carlos Chagas, 480 - Campus Universitário "Zeferino Vaz" – Unicamp
    CX Postal: 6198
    13083-970 – Campinas-SP – Brasil
    Tel.: (55 19) 3521-8740 – Fax: (55 19) 3521-8600
    E-mail:
    Doi:10.1590/S1516-84842009005000057
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      16 Abr 2009
    • Recebido
      22 Dez 2008
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