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Physics teachers' perspectives on High School national curriculum policies

Perspectivas de professores de física sobre as políticas curriculares nacionais para o Ensino Médio

Abstracts

This study aimed to identify, in the context of an activity developed in online course for continuing education and from the theoretical approach of Mikhail Bakhtin, the discursive appropriation of PCNEM by high school physics teachers who work in different regional realities. The analysis indicated a positive perspective by teachers related to PCNEM, in addition to full accordance with the main path indicated by the legislation: the contextualized teaching. Despite the differences between educational regions we could not identify explicit signs of how these differences impacted the appropriation of terms found in PCNEM. The silence of teachers in relation to non-methodological aspects of physics teaching shapes their perspectives and also emphasizes the concern for didactic transposition of the content required by the curriculum, leaving out the question of why we have this curriculum and not other.

Discursive appropriation; Teachers'perspectives; Curriculum policies


O presente trabalho teve como objetivo identificar, no contexto de uma atividade desenvolvida em um curso online de formação continuada e a partir do aporte teórico de Mikhail Bakhtin, como se deu a apropriação discursiva dos PCNEM por professores de Física de nível Médio que atuam em diferentes realidades regionais. As análises realizadas apontaram para uma perspectiva favorável dos professores em relação aos PCNEM de Física, além da total concordância com o principal caminho apontado pela legislação: o ensino contextualizado. Apesar das diferenças educacionais entre regiões, não foi possível identificar marcas explícitas, nos enunciados, de como estas diferenças impactaram a apropriação de termos presentes nos PCNEM. O silêncio dos professores em relação a aspectos não metodológicos do ensino de Física molda, igualmente, suas perspectivas e acentua a preocupação com a transposição didática dos conteúdos exigidos pelo currículo, deixando de fora o questionamento sobre por que este currículo, e não outro.

Apropriação discursiva; Perspectivas docentes; Políticas curriculares


Introdução

Entre os anos de 1995 e 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso empreendeu a reforma educacional preconizada pela lei nº 9.394 de 1996 (BRASIL, 1996), que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional, em resposta ao posicionamento do Brasil no novo contexto socioeconômico mundial. Embora contemplasse outros aspectos, como mudanças em legislações, na gestão das escolas, nas formas de financiamento etc., foram as mudanças nas políticas curriculares que ganharam maior destaque na reforma empreendida, a ponto de serem consideradas, desde então, como a reforma educacional em si (LOPES, 2004a).

Em relação ao nível Médio, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 2000) podem ser considerados o principal empreendimento de implantação de um currículo nacional ocorrido neste nível de ensino no país. Este documento, apesar de não ter caráter de lei, foi criado no sentido de nortear o conteúdo a ser aprendido pelos estudantes em cada disciplina, servindo, ao mesmo tempo, como orientação para a formação do novo cidadão do século XXI e como referencial de qualidade para a educação no país. Sua elaboração contou com uma equipe composta por representantes do MEC, cerca de 60 estudiosos da educação brasileira e mais representantes da Argentina, Colômbia, Chile e Espanha, países nos quais haviam sido recentemente promovidas mudanças curriculares em sintonia com a visão neoliberal de educação. Assim, percebe-se que a instituição dos PCNEM não foi, de fato, um movimento apartado de toda a dinâmica política, social e econômica que vinha se dando no Brasil e no mundo.

Ao lado das competências e habilidades, a contextualização e a interdisciplinaridade integram os eixos principais em que se apoiam os PCNEM, sendo muitas as críticas dirigidas pelo documento ao ensino propedêutico, descontextualizado e baseado no acúmulo de informações. Entretanto, também foram inúmeras as críticas dirigidas aos parâmetros curriculares, desde a sua versão preliminar até a sua ampla divulgação oficial. A primeira e principal delas diz respeito ao documento se constituir em uma tentativa de currículo nacional, baseando-se no pressuposto de que seria necessária uma homogeneidade de padrões e saberes básicos a serem ensinados a todos. Lopes (2004a) critica esta visão e defende que os parâmetros curriculares estabelecidos para os níveis Fundamental e Médio deveriam ser concebidos apenas como uma das propostas possíveis entre outras propostas curriculares que produzissem novos sentidos nos estados, nos municípios e nas próprias escolas, "valorizando o currículo como espaço de pluralidade de saberes, de valores e de racionalidades" (p. 116).

Uma outra crítica feita aos parâmetros curriculares se refere à preconização do ensino baseado em competências e habilidades, que, segundo Lopes (2001), é entendido como um discurso que relaciona a educação ao processo formativo responsável por inserir os sujeitos na estrutura social vigente e em seus processos produtivos. Sendo assim, o currículo não pode ser considerado um elemento inocente e neutro, com pretensões desinteressadas. Pelo contrário, o currículo está atrelado a relações de poder e "transmite visões sociais particulares e interessadas [...], [produzindo] identidades individuais e sociais particulares" (SILVA, 1996, p. 83).

Mas, embora as reformas curriculares tenham consequências capitais para a educação, uma revisão da literatura sobre PCNEM e políticas curriculares em artigos publicados nos principais periódicos das áreas de Educação e Educação em Ciências, entre os anos 2000 e 2010 (FERRAZ; OLIVEIRA; REZENDE, 2011), mostrou que, desde a sua ampla divulgação até os dias atuais, ainda há pouca produção sobre o tema (apenas 0,78% do total de trabalhos publicados nas revistas pesquisadas). Na área de Educação em Ciências, foram encontrados 12 trabalhos que tinham como foco as políticas curriculares num total de 1.558 e, na área de Educação, apenas nove trabalhos num total de 1.266. Muito poucos destes trabalhos vão além da preocupação com a implementação das políticas curriculares. Essa atitude mostra que, em um grande número desses trabalhos, a concepção predominante é a do currículo como prescrição (GOODSON, 2007), que, presente tanto na esfera governamental quanto no meio acadêmico, avalia as escolas por sua capacidade de implementação ou não dos parâmetros curriculares. Assim, os dirigentes questionam a escola e os professores por não seguirem, devidamente, as políticas oficiais; e os professores questionam o governo por produzir políticas que as escolas não conseguem implementar, reduzindo-se a escola, em ambos os casos, a um espaço para implementação das propostas oficiais.

O documento de Física dos PCNEM

A equipe que elaborou a parte III dos PCNEM, referente à área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias - que abrange as disciplinas de Física, Química, Biologia e Matemática - foi constituída por professores atuantes na formação de professores e/ou em projetos de pesquisa e extensão das suas respectivas disciplinas. É possível ver registrados, nestes documentos, convicções e princípios teóricos, hegemônicos ou não, dos grupos disciplinares a que esses professores pertencem, marcando profundas diferenças epistemológicas e pedagógicas entre os documentos disciplinares (LOPES, 2004b). A análise dessas diferenças não caberia no escopo deste texto, sendo nossa intenção apenas a de apresentar uma análise preliminar de alguns aspectos epistemológicos e pedagógicos do documento de Física.

Acompanhando os outros textos da área de Ciências da Natureza e suas tecnologias, o documento de Física aborda, ao mesmo tempo, os conteúdos curriculares e aspectos do ensino da disciplina. Mais do que uma simples reformulação de conteúdos ou tópicos, pretende-se promover, com o ensino de Física, um conhecimento contextualizado e integrado à vida cotidiana, tomando o mundo vivencial dos alunos como ponto de partida e de chegada (BRASIL, 2000).

O documento dirige uma crítica ao ensino tradicional, afirmando que o ensino de Física tem sido realizado mediante a apresentação de conceitos, leis e fórmulas, distantes do mundo vivenciado pelos alunos e professores, e, embora não apenas por isso, vazios de significado. O documento propõe os conteúdos a serem ensinados - ótica, mecânica, eletromagnetismo etc. -, mas são as competências e habilidades a serem desenvolvidas que ganham maior destaque, sendo, inclusive, as mesmas, listadas ao final do documento. Para Lopes (2004b), esse privilégio conferido às competências pode ser associado ao processo de submissão do ensino de ciências ao mundo produtivo.

Embora não haja menção direta ao mundo do trabalho ou mundo produtivo, o efetivo uso das tecnologias associado ao conceito de contextualização - muito enfatizada no documento e entendida como processo de relacionar os conceitos físicos com o mundo vivido pelos alunos e professores - pode, segundo Lopes (2002), ser relacionado a princípios eficientistas, sob os quais a vida assume um caráter altamente produtivo.

Ao contrário do documento de outras áreas, o de Física não faz menção direta à interdisciplinaridade. O que existe é apenas uma rápida referência da importância de interligar a Física à cultura humana mais ampla, apontando, inclusive, "a presença de elementos da Física em obras literárias, peças de teatro ou obras de arte" (BRASIL, 2000).

Uma análise dos conteúdos curriculares apresentados nos PCNEM de Física a partir da teoria Bakhtiniana (FERRAZ; BORGES; REZENDE, 2010) mostrou que o documentose apropria, majoritariamente, da voz empirista (PRAIA; CACHAPUZ; GIL-PÉREZ, 2002), que atribui uma linguagem e métodos próprios à ciência. A colocação da Física como sujeito da frase em várias passagens do documento produz um sentido de autonomia da ciência em relação aos atores sociais. Omitindo-se a construção humana, vincula-se à Física a ideia de algo que se faz e se move por si próprio.

O documento é claro quanto à abordagem do ensino de Física que privilegia a compreensão do mundo concreto, entendido como mundo natural e tecnológico, e exemplifica essa abordagem com os conteúdos de mecânica e termodinâmica. Entretanto, o vivencial apresentado não se distingue daquele presente nas propostas propedêuticas, que, no caso da mecânica, foca a análise de "situações práticas" de movimentos da realidade cotidiana e, na termodinâmica, as máquinas térmicas e processos cíclicos.

Assim, parece que a novidade pedagógica trazida pelo documento de Física seria a contextualização do mundo natural ampliada ao mundo tecnológico. Na medida em que, segundo Lopes (2002), a compreensão deste atende aos requisitos da "vida adulta" e, consequentemente, ao mundo produtivo, parece que a proposta, assim como a de Química e a de Matemática, está submetida ao mundo do trabalho.

O final do documento apresenta a preocupação de ligar ciência, tecnologia e sociedade. Entretanto, percebe-se uma separação entre o cerne do documento e esta parte final. A nosso ver, o documento como um todo restringe-se ao modismo da chamada Física do cotidiano, que se limita a nomear, cientificamente, os processos físicos envolvidos no funcionamento de aparelhos eletroeletrônicos.

Quadro teórico-metodológico

Neste trabalho, temos como objetivo identificar, no contexto de uma atividade desenvolvida em um curso online de formação continuada e a partir do aporte teórico de Mikhail Bakhtin, como se deu a apropriação discursiva do documento de Física dos PCNEM por professores de Física de nível Médio que atuam em diferentes regiões do país. No referencial bakhtiniano, falar significa, antes de tudo, construir enunciados, já que não aprendemos a língua materna "a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam" (BAKHTIN, 2003, p. 283). Assim, em cada uma das palavras que usamos para falar, estão as vozes daqueles com quem as aprendemos e as vozes daqueles com quem eles as aprenderam, e assim por diante, em uma interação contínua e constante com os enunciados individuais dos outros. Essa experiência pode, segundo Bakhtin (2003), ser caracterizada em certo sentido, como um processo de assimilação da palavra do outro, sendo possível associá-lo ao que Bakhtin (2006) denomina de apropriação, na medida em que, neste processo, a mescla do discurso próprio com o alheio é capaz de melhor mediar as próprias intenções e acentos do falante.

Antes do momento de apropriação, a palavra já não existe de forma neutra e impessoal, mas ela existe na boca de outras pessoas, em contextos de outras pessoas, servindo a intenções de outras pessoas: é a partir destas situações que tomamos a palavra e as tornamos próprias. Se, em dado momento, operamos a palavra alheia em uma determinada situação, com intenção própria, reconhecemos, neste fenômeno linguístico, a apropriação discursiva, dando origem à expressão da nossa voz. O conceito de voz está intimamente relacionado ao de enunciado, pois "um enunciado oral ou escrito se expressa sempre desde um ponto de vista (uma voz)" (WERTSCH, 1993, p. 71). Para Bakhtin (2003), o conceito de voz pode ser descrito como a interação das múltiplas perspectivas individuais e sociais. Assim, não há enunciado neutro que não expresse uma visão de mundo, uma voz. Para explicitar a carga axiológica do conceito de voz, Wertsch (1993) o aproxima de perspectiva.

Enquanto as frases, períodos ou orações, sempre retirados do contexto em que se inserem, seriam unidades de análise da linguística clássica, a concepção bakhtiniana tem como unidade de análise o enunciado, sempre analisado na cadeia de comunicação verbal em que se insere. Um enunciado é um ato de linguagem sempre destinado a um outro e seus contornos permitem e solicitam que este outro realize uma apreciação valorativa com relação àquilo que falamos ou escrevemos, numa alternância de sujeitos falantes. Esse 'outro', assim como descreve Amorim (2002), é também conhecido como destinatário suposto, e refere-se à imagem que o falante faz do seu destinatário real, aquele de carne e osso. O estilo de um enunciado é constituído pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua. Seu conteúdo temático referencial diz respeito ao conteúdo propriamente dito, enquanto a construção composicional corresponderia à estrutura do enunciado. A relação do enunciado com o próprio falante se dá justamente pela escolha dos meios linguísticos e por sua relação subjetiva e emocionalmente valorativa com o conteúdo e sentido do seu enunciado. A relação do enunciado com os outros participantes se dá pelo seu conteúdo semântico-objetal, ao qual respondemos, e pela antecipação que o falante faz das respostas do ouvinte. A conclusibilidade é um aspecto interno do enunciado e que está intimamente relacionado à alternância de sujeitos falantes. Ela sinalizaria que o falante já teria dito tudo o que queria dizer naquele turno de fala e, assim, caberia ao ouvinte responder ao enunciado.

Entretanto, como apontam Voloshinov3 3 Autor pertencente ao chamado Círculo de Bakhtin, grupo multidisciplinar de intelectuais russos que se reuniam regularmente entre 1919 e 1929. e Bakhtin (1926), o enunciado é "claramente não auto-suficiente" (p. 4), justamente porque ele "nasce de uma situação pragmática extraverbal e mantém a conexão mais próxima possível com esta situação" (p. 4). Segundo os autores, o contexto extraverbal compreenderia o horizonte espacial comum dos interlocutores, o conhecimento e compreensão comuns da situação por parte dos interlocutores e sua avaliação comum dessa situação. Os autores destacam que, em um enunciado cujo horizonte espacial presumido é estreito, estamos diante de uma coincidência entre o horizonte espacial presumido e o horizonte real, já que as duas pessoas estão percebendo a mesma coisa. Porém, "a mudança mais momentânea dentro deste horizonte pode [vir a] se tornar a parte presumida" (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1926, p. 6) e, diante de um campo de alcance mais amplo, "o enunciado pode agir apenas se sustentado em fatores constantes e estáveis da vida e em avaliações sociais substantivas e fundamentais" (p. 6).

Voloshinov e Bakhtin (1926) ainda salientam que qualquer locução dita em voz alta ou escrita numa comunicação inteligível, ou seja, qualquer palavra, exceto as depositadas num dicionário, é o produto da interação social de três participantes: o falante (autor), o interlocutor (leitor/ouvinte) e o tópico (o que ou quem) da fala (o herói). Quanto ao autor, Amorim (2002), pautando-se na teoria bakhtiniana, ainda faz uma distinção entre autor-pessoa e autorcriador. O autor-pessoa seria o escritor propriamente dito, sujeito empírico. Em "Os gêneros do discurso", Bakhtin (2003) se refere a esse sujeito como falante. Já o autor-criador (ou apenas autor, para Amorim) é o responsável pelo todo estético da obra, sua voz é "portadora de um olhar e de um ponto de vista que trabalha o texto do início ao fim" (AMORIM, 2002, p. 11). Entretanto, muito embora não haja identidade entre autor-criador e autor-pessoa, não se pode deixar de considerar, a partir do referencial bakhtiniano, que entre ambos há uma relação de proximidade e intimidade.

É importante distinguir, ainda, o autor-criador do locutor, aquele que diz "eu" no texto. Para Amorim (2002), a voz do autor não está nas declarações do locutor, mesmo quando este faz declarações diretas do tipo "gosto disso", "concordo com aquilo" etc. Isso ocorre pois o "locutor é sempre um personagem, enquanto a voz do autor está em todo lugar e em nenhum lugar em particular. Mais precisamente, ela pode ser ouvida ali, no ponto crucial de encontro entre a forma e o conteúdo do texto" (AMORIM, 2002, p. 10).

Dispositivo analítico

A partir do quadro teórico, foi desenhado um dispositivo analítico para análise dos enunciados, que compreende quatro etapas, descritas abaixo.

Identificação do enunciado. A partir das ideias apresentadas pode-se concluir que a própria alternância entre os sujeitos falantes já é suficiente para identificar o enunciado, ou seja, o enunciado inicia-se no momento em que o falante toma a palavra para si e finaliza-se no momento em que este termina o que gostaria de dizer, permitindo que o outro também fale.

Leitura preliminar do enunciado. O objetivo desta etapa é o primeiro contato com os enunciados no sentido de identificar, preliminarmente, seus elementos linguísticos (estilo, construção composicional, unidade temática, relação com o falante/outros participantes, conclusibilidade) e fazer uma articulação prévia entre o material linguístico, as questões de pesquisa e os conceitos bakhtinianos.

Descrição do contexto extraverbal. A partir da leitura preliminar e da articulação prévia das questões de pesquisa com os conceitos bakhtinianos, é realizada uma investigação do contexto extraverbal para identificar, dentre os vários elementos, aqueles que mais contribuirão para a análise. Esses elementos são então descritos e articulados com vistas a estabelecer: o horizonte espacial comum dos interlocutores, seu conhecimento e compreensão da situação, sua avaliação comum dessa situação, o momento social e histórico em que ocorre, a rede de enunciados a que se relaciona etc. Nesta etapa, também serão trazidos os contextos individuais dos sujeitos pesquisados enquanto autores-pessoas. No presente estudo, serão trazidos dados dos professores investigados, como formação, tempo de magistério, idade, região e Estado da federação a que pertence etc., que poderão ajudar a compor o entendimento dos enunciados, pois, como já foi mencionado, há uma relação de proximidade entre ambos.

Análise do enunciado. Consiste em articular os elementos linguísticos, o contexto extraverbal e os conceitos bakhtinianos envolvidos, para responder às questões de pesquisa.

Objeto do estudo

O processo de reinterpretação e adaptação, no nível do discurso, das políticas curriculares será considerado, neste estudo, como sendo a apropriação discursiva dessas políticas, pois, segundo Bakhtin (2006), a apropriação consiste, justamente, em povoar a palavra do outro com suas próprias palavras, sua própria intenção, seu próprio acento, adaptando-a à sua própria intenção semântica e expressiva.

Diante das possíveis perspectivas sobre o currículo e sobre as políticas curriculares preliminarmente levantadas na introdução, o presente trabalho pretende investigar o discurso dos professores de Física de nível Médio no contexto de uma atividade desenvolvida num curso online de formação continuada à distância. O objetivo principal é identificar como se dá a apropriação discursiva do documento de Física dos PCNEM, por professores que atuam em diferentes realidades regionais, procurando sinalizar em que medida as perspectivas dos professores em relação ao documento dialogam com outras, já apresentadas aqui, com possibilidades ainda não previstas e, ainda, as aproximações e afastamentos entre as perspectivas apresentadas por esses professores.

Entendendo a perspectiva como a voz do(a) professor(a), e que a mesma não pode ser construída a não ser a partir do diálogo com outras perspectivas, consideramos que as seguintes questões de pesquisa ajudam a investigá-la: Como os professores, em seus enunciados, se posicionam diante dos PCNEM, em especial, diante do documento de Física? Que concepção de currículo e posicionamento diante da implementação de um currículo nacional estão implícitos na perspectiva do professor? Quais as aproximações e afastamentos encontrados entre as perspectivas dos professores investigados? Tais questões permearão todo o processo de análise, na tentativa de respondê-las a partir da análise do enunciado do(a) professor(a).

Corpus do estudo

O corpus do presente estudo foi composto pelos enunciados de cinco professores, sendo cada um deles atuante em uma das cinco regiões do país, em escolas públicas, em resposta ao que foi solicitado na primeira atividade do curso online de formação continuada intitulado "Os Parâmetros Curriculares Nacionais e os objetivos do ensino de Física". Embora 21 professores tenham respondido à atividade, foi feito um recorte no sentido de compor um corpus de enunciados que apresentassem semelhanças - todos pertencentes a escolas públicas - e diferenças - todos pertencentes a regiões diferentes. Julgamos que este recorte poderia proporcionar a discussão e compreensão de como esses professores construíram suas perspectivas, e revelar possíveis relações com os contextos regionais em que estavam inseridos.

O último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB4 4 O IDEB foi criado em 2007 para medir a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino. O indicador é calculado com base no desempenho do estudante em avaliações do INEP e em taxas de aprovação. ), tanto da região quanto do Estado a que o professor pertence, aferido em 2009, foi tomado como um balizador das diferenças educacionais existentes entre as regiões. O IDEB da região Norte era 3,3, o da região Sul era 4,1, o da região Sudeste era 3,8, o da região Nordeste era 3,3 e o da Centro-Oeste era 3,5.

A atividade a que os professores responderam foi apresentada pelo seguinte texto:

Prezados professores,

Nesta atividade, convidamos vocês a fazerem o seguinte:

1) Leiam os PCNEM de Física cuidadosamente.

2) Selecionem 3 trechos com, no máximo, 5 linhas cada.

3) Postem os trechos neste fórum, justificando, o mais detalhadamente possível, a sua escolha.

Tutor 1 e Tutor 2

Esta foi a primeira atividade formal do curso, já que as anteriores consistiram apenas em apresentações pessoais e familiarização com o ambiente virtual. Assim sendo, ao elegermos estes enunciados para análise, tivemos a intenção de encontrar a perspectiva do professor anterior às discussões teóricas realizadas ao longo do curso. Deste modo, embora tenha havido discussões e mediações posteriores à postagem dos trechos pelos professores, no presente estudo foi analisada apenas essa postagem realizada por eles.

Do ponto de vista da pesquisa, esta atividade mostrava-se promissora pois, em consonância com o conceito de apropriação, ao fazer a seleção e ao ter de justificar sua escolha, o professor estaria povoando a palavra do outro - ou seja, o documento oficial -, com suaspróprias palavras e sua própria visão de mundo. É necessário ressaltar que, em nenhum momento, foi pedido que o trecho devesse ser escolhido em função do que o professor considerasse certo ou errado, ou do que ele concordasse ou discordasse: deixar esse posicionamento a critério de cada professor foi, também, uma estratégia para que emergisse sua própria voz.

Síntese da análise

Devido à limitação de espaço, apresentamos, abaixo, uma síntese das análises dos enunciados dos cinco professores, transcritos na íntegra ao final do artigo (Apêndice). Os enunciados analisados respondiam a uma atividade que solicitava que os professores escolhessem três trechos do documento de Física dos PCNEM e justificassem suas escolhas. Sendo o documento o herói - aquilo sobre o que se fala - no cenário desenhado pelos enunciados, é importante observar que a escolha dos trechos do documento já seria parte da apropriação que cada professor fez do documento.

Os trechos selecionados pelos cinco professores têm como conteúdo temático o ensino contextualizado, sendo que três destacam, ainda, trechos que criticam o ensino propedêutico baseado na memorização ou no uso de fórmulas sem significado para o aluno e distantes do seu mundo vivencial. Foi interessante notar que, embora o documento tenha nove páginas, alguns professores selecionaram e postaram o mesmo trecho! Além de se apropriarem de temas semelhantes, suas perspectivas silenciaram aspectos mencionados nos trechos destacados, como, por exemplo, cidadania e leitura crítica da mídia, assim como todos os outros aspectos que estão no restante do documento, como, por exemplo, a menção feita, no final do documento, à abordagem Ciência-Tecnologia-Sociedade.

Entretanto, é na justificativa de determinada escolha que se materializa a apropriação em si, na medida em que o autor preenche de significado termos, conceitos e ideias não detalhados pelo documento, empregando, assim, à palavra do outro - o documento - seu próprio tom valorativo, sua própria intenção, seu próprio acento. Sua apropriação é feita por meio do diálogo com uma cadeia particular de enunciados, com o contexto extraverbal e com o seu contexto individual.

Sintetizamos, no Quadro 1, alguns aspectos da apropriação do documento de Física dos PCNEM pelos professores, imbricados na construção de cada perspectiva.

Quadro 1
Principais aspectos da apropriação do documento de Física dos PCNEM pelos professores

A partir da análise, é inegável que os enunciados dos professores investigados apresentam uma perspectiva favorável em relação ao documento de Física dos PCNEM. Todos os professores se manifestaram favoravelmente, se apropriando da crítica que o documento faz ao ensino propedêutico, como se estivessem 'vestindo a carapuça'. Além de concordarem com a crítica, concordaram com o principal caminho apontado pela legislação: o ensino contextualizado. Embora nem sempre explicitem a palavra contextualização,todos os professores aproximam a expressão mundo vivencial do ensino contextualizado, operando, praticamente, uma relação de uma identidade entre ambos, sentido aparentemente desejável do ponto de vista do documento.

Ao demonstrarem uma posição de aceitação das orientações dos PCNEM, os professores investigados desconsideraram, em seu discurso, as perspectivas trazidas na introdução deste trabalho, tais como: as relações de poder implicadas no currículo, a relação entre o currículo e a submissão ao mundo produtivo, a contextualização enquanto ferramenta para se atingir o eficientismo social, o questionamento sobre a seleção de conhecimentos que compõem um currículo nacional etc. As críticas levantadas pelos professores são de outra natureza, relacionando-se, sobretudo, às dificuldades de implementação das propostas oficiais pelos professores, e não diretamente ao teor do documento.

Na medida em que desconsideram as perspectivas críticas, o discurso desses professores acaba por legitimar: o conteúdo dos PCNEM; a concepção do currículo como prescrição; o conteúdo mínimo nacional; e as relações de poder existentes no currículo, o que os privou de se assumirem enquanto intelectuais transformadores.

O potencial do referencial bakhtiniano permitiu revelar divergências entre as perspectivas dos professores com respeito às suas intenções, ao utilizar os conceitos de contextualização e mundo vivencial, e revelou deslocamentos importantes na apropriação do conceito de contextualização, da mesma forma que seria possível com outros referenciais teóricos (como, por exemplo, Basil Bernstein, Stephan Ball e Ernesto Laclau) utilizados recentemente por autores da área de currículo.

Assim, o Professor Nordeste tem como principal intenção chamar os professores à responsabilidade pela formação em ensino de Física que considere o mundo vivencial de seus alunos, e que - conjuntamente com outras áreas das Ciências - esse aprendizado seja capaz de melhorar a qualidade de vida desses alunos. O professor se apropria e preenche, de forma muito mais ampla e abrangente, o conceito de mundo vivencial que, possivelmente, os autores do documento quiseram significar, chamando a responsabilidade dos professores para resolver problemas sociais desse mundo vivencial, no sentido de melhorar a qualidade de vida das pessoas. A perspectiva do professor vai além de apenas concordar com o documento - o que é feito em todo o enunciado - atribuindo à contextualização papéis muito mais abrangentes e relevantes, como o do letramento e alfabetização científica e a possibilidade de melhoria da qualidade de vida.

O Professor Centro-Oeste, de uma maneira geral, tem por objetivo principal valorizar o ensino que se inicie a partir do conhecimento do aluno, que aproximou do mundo vivencial, enfatizado no documento. A partir do seu enunciado, podemos supor que o professor equipara o sentido de mundo vivencial - contextualizado - aos conhecimentos prévios trazidos pelos alunos, aproximando o mundo vivencial de uma noção cognitivista de ensino. O professor também mostra uma apropriação do termo desenvolvimento de habilidades, embora, em nenhum dos trechos selecionados, houvesse menção a tal termo.

O Professor Sul tem por intenção principal dirigir críticas ao ensino de Física excessivamente matematizado e descontextualizado. Na perspectiva do professor, não há outra saída para o ensino de Física a não ser a de abranger o cotidiano. O professor faz referência explícita ao termo contextualizar e o integra ao termo interdisciplinaridade - que não é citado em todo o documento - para possibilitar a construção do conhecimento. Embora utilize os trechos do documento para apoiar sua concepção de ensino contextualizado com o qual concorda, o professor não entende o documento como fonte das respostas aos seus questionamentos sobre como empreender tal ensino. Esta perspectiva parece se alinhar com a crítica apontada anteriormente, a de que, muito embora o documento tente se afastar do ensino propedêutico e apontar o mundo vivencial do aluno como alternativa, ainda há fortes traços deste ensino propedêutico no texto e raros subsídios aos professores sobre como tornar o ensino, de fato, significativo e próximo da realidade do aluno.

O Professor Sudeste concorda com as orientações do documento, porém lhes dirige crítica quanto às possibilidades de implementá-las - especialmente a implementação de um ensino de fato contextualizado, que é aceito e desejado pelo professor. Assim, seu enunciado é marcado por afirmações que se alinham a uma perspectiva de que as propostas dos PCNEM são muito ambiciosas para a realidade na maioria das escolas. O professor considera o documento como de qualidade elevada e, sendo assim, sua perspectiva não é a de se posicionar contra o conteúdo dos PCNEM, mas de apontar as dificuldades de implementá-lo, em consonância com a tendência das pesquisas na área de ensino de Ciências. Embora utilize trechos que fazem referência à construção do conhecimento e competências adquiridas, o professor não faz menção a elas em suas justificativas, corroborando, ainda mais, sua principal perspectiva, construída essencialmente a partir das dicotomias entre o que é proposto versus o que é possível. Assim, de uma maneira geral, permanece sua perspectiva de que o documento por si só - embora eleito como um parâmetro de qualidade - não basta para que o ensino de Física tenha melhorias significativas.

A perspectiva do professor Sudeste também opera um deslocamento de sentido em relação a uma expressão usada no documento. Na medida em que os PCNEM não explicitam o que vem a ser a deformação estrutural do ensino de Física, o professor preenche seu sentido como sendo relacionado à sua origem e à forma como o ensino de Física foi concebido.

O Professor Norte apropria-se do documento para dirigir suas críticas ao ensino que visa, exclusivamente, ao vestibular e à formação inicial deficiente, que treina os professores para fazerem contas. Para o professor, o planejamento de ensino em consonância com a característica que destaca dos PCNEM - a inclusão da contextualização, que embora o autorcriador não tenha citado diretamente, se alinha com os temas destacados - seria desejável e capaz de formar cidadãos críticos. Nessa perspectiva, o ensino de acordo com os PCNEM teria qualidade superior ao ensino que visa a preparar, exclusivamente, para o vestibular. O professor também atribui fundamental importância à formação continuada, formal ou informal - através de livros e artigos publicados -, onde se obtêm subsídios para implementar estas políticas e, assim, suprir a deficiência da formação inicial. Neste sentido, seu enunciado se alinha com propostas direcionadas à formação do professor de Física comumente encontradas na produção da área de ensino de Ciências.

Discussão e considerações finais

Os professores têm em comum o fato de terem participado de um mesmo curso online sobre o documento de Física dos PCNEM, considerado como contexto extraverbal. Por outro lado, se consideramos os contextos individuais, observamos que os professores têm idade, formação e tempo de magistério diferentes, além de atuarem em escolas públicas que pertencem a diferentes regiões da federação. Ainda que não haja uma relação de identidade entre os autores-criadores e autores-pessoa, não se pode negar a influência do autor-pessoa no ato da criação do enunciado, como já foi abordado. Entretanto, a análise realizada não permitiu identificar marcas explícitas dos contextos individuais dos professores em seus enunciados.

Assim, apesar das diferenças regionais - os IDEB das regiões do Brasil variam de 4,1 a 3,3 e os dos Estados variam entre de 3,9 a 3,4 -, não foi possível identificar, por exemplo, quanto estas diferenças impactaram as diferentes significações de termos presentes nos PCNEM, assumidas por alguns professores autores-criadores, embora também não seja possível afirmar que esses diferentes contextos estão completamente apartados do enunciado.

Apesar das diferenças individuais entre os professores, foi observada a aceitação acrítica do documento em todas as perspectivas. Uma hipótese para explicar tal convergência poderia estar na forma como eles construíram a imagem do seu destinatário suposto: o fato de o curso ter sido oferecido por uma instituição federal pode ter levado o professor a pensar que o discurso oficial seria considerado pelos tutores com válido e desejável. Levando-se, também, em consideração que a atividade analisada foi, de fato, a primeira atividade formal do curso, é coerente pensar que os professores pudessem não se sentir totalmente à vontade para dirigir críticas ao documento. Porém, esta é apenas uma suposição, pois outras imagens até contrárias poderiam ter sido construídas por eles, como, por exemplo, a de que um curso de formação continuada mediado por pesquisadores em educação em ciências seria um contexto favorável à discussão e à crítica.

A apropriação acrítica do ensino contextualizado está em sintonia com as pesquisas realizadas no ensino de Ciências, já que muitos dos trabalhos fazem menção e enaltecem essa abordagem, priorizando, assim, os aspectos metodológicos do ensino de Física (REZENDE; OSTERMANN; FERRAZ, 2009). Não se trata de rejeitar o ensino contextualizado, mas entender que este não deveria ser o único aspecto a ser valorizado e considerado redentor dos males do ensino de Física, como salientado por Ferraz, Veneu e Rezende (2010). O silêncio em relação à formação do cidadão, aos objetivos do atual currículo e sua relação com o mercado de trabalho, a quem se pretende formar, ao papel do professor enquanto intelectual transformador, e não apenas enquanto técnico que implanta propostas curriculares, são apenas alguns exemplos que poderiam trazer a perspectiva do professor para um viés mais crítico, problematizando-as e relativizando-as a partir de outros fatores que não a mera consideração do mundo vivencial do aluno na sua prática pedagógica.

Assim, não só os temas escolhidos, mas também o silêncio molda a perspectiva dos professores autores-criadores, servindo para acentuar a preocupação metodológica com a realização da transposição didática dos conteúdos exigidos pelas políticas curriculares, mas deixando de fora o questionamento sobre por que se tem este e não outro currículo.

Buscando investigar possíveis relações entre os contextos regionais e as perspectivas expressas pelos professores investigados, encontramos, no trabalho de Carvalho e Rezende (2013), uma possibilidade de compreensão. A autora analisou a recontextualização dos PCNEM por professores das ciências naturais de duas escolas públicas, sendo uma com índice do ENEM alto e outra com índice do ENEM baixo, e descobriu que, na voz dos professores, a contextualização do conhecimento científico assume diferentes significados, condicionados pela realidade socioeconômica e educacional que enfrentam: os professores da escola de alto ENEM usavam a contextualização como um método de ensino, visando à preparação para os exames oficiais, enquanto os professores da escola de baixo ENEM usavam a contextualização para ensinar algo mais significativo para a vida do aluno, como uma espécie de prêmio de consolação.

Assumindo que quatro dos professores investigados no presente estudo atribuíram, ao conceito de contextualização, o sentido de método de ensino visando melhorar a aprendizagem de Física, seria possível afirmar que eles compartilham a perspectiva dos professores da escola de alto ENEM estudados por Carvalho e Rezende (2013); e que apenas um professor, que assume um sentido mais amplo para o conceito de contextualização, relacionando a este conceito o caminho para a melhoria da qualidade de vida da população, assume perspectiva semelhante aos professores das escolas que enfrentam realidades educacionais adversas. Caberia, aqui, um futuro estudo, partindo desta hipótese, incluindo novos dados relevantes.

Estas e outras questões poderão ser investigadas dando-se continuidade à análise, ampliando o corpus com os enunciados dos demais professores que participaram do curso, realizando outros estudos e, assim, aumentando a diversidade de contextos regionais e individuais. Juntando as perspectivas desses professores a respeito do documento de Física dos PCNEM às já identificadas, teremos mais elementos para aprofundar a compreensão da homogeneidade aparente encontrada no presente estudo e, dialeticamente, virmos a compreender a possível heterogeneidade entre perspectivas docentes que, possivelmente, venha a caracterizar o conjunto mais amplo.

  • 3
    Autor pertencente ao chamado Círculo de Bakhtin, grupo multidisciplinar de intelectuais russos que se reuniam regularmente entre 1919 e 1929.
  • 4
    O IDEB foi criado em 2007 para medir a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino. O indicador é calculado com base no desempenho do estudante em avaliações do INEP e em taxas de aprovação.

Apêndice

Professor Enunciado Professor Norte "... é essencial que o conhecimento físico seja explicitado como um processo histórico, objeto de contínua transformação e associado às outras formas de expressão e produção humana. É necessário também que essa cultura em Física inclua a compreensão do conjunto de equipamentos e procedimentos, técnicos ou tecnológicos, do cotidiano doméstico, social e profissional". Justificativa: Escolhi esse trecho do PCNEM de Física por considerar importante que o professor possibilite que os alunos tenham ciência de como foram (e como vão sendo) construídos os conhecimentos científicos. Não menos importante, é necessário também que o professor promova situações onde os alunos possam entender os princípios físicos que estão por trás das aplicações práticas que movimentam nossa sociedade e nossa vida. "... é imprescindível considerar o mundo vivencial dos alunos, sua realidade próxima ou distante, os objetos e fenômenos com que efetivamente lidam, ou os problemas e indagações que movem sua curiosidade." Justificativa: Achei esse trecho bastante interessante, pois expõe uma preocupação que muitos professores não têm quando planejam suas aulas. No ensino de física, é comum os professores direcionarem, quase que exclusivamente, suas ações didáticas no sentido de preparar os estudantes para os competitivos exames de vestibular, colocando em plano secundário a formação de jovens capazes de relacionarem o que é apresentado na sala de aula com sua vida, a sua realidade e o seu cotidiano. "Lidar com o arsenal de informação atualmente disponível depende de habilidades para obter, sistematizar, produzir e mesmo difundir informações, aprendendo a acompanhar o ritmo de transformação do mundo em que vivemos. Isso inclui ser um leitor crítico e atento das notícias científicas divulgadas de diferentes formas: vídeos, programas de televisão, sites da internet ou notícias de jornais." Justificativa: Selecionei esse trecho por considerar importante a discussão, em sala de aula, de questões atuais como, por exemplo, aquecimento global, energia nuclear, GPS etc. Não há como negar que esses temas contemporâneos têm efeitos imediatos em nossas vidas. Acredito que a grande dificuldade dos professores de física é como transpor a informação veiculada na mídia eletrônica e impressa para o ambiente escolar. Infelizmente a formação acadêmica não nos capacita para isso. Somos "treinados" na universidade para fazer conta. Como reverter essa situação? Acredito que indo atrás de livros e artigos publicados que tratam do assunto ajuda muito... Professor Sul Olá. Segue abaixo os trechos por mim escolhido e meus comentários. Grande abraço a todos. "O ensino de física tem-se realizado freqüentemente mediante a apresentação de conceitos e fórmulas, de forma desarticulada, distanciados do mundo vivido pelos alunos e professores e não só, mas também por isso, vazios de significados." É o que acontece na grande maioria das vezes, a física é apresentada ao aluno como sendo uma extensão da matemática, apenas, isto é, uma imensidão de equações a serem decoradas e aplicadas, sem nenhum significado, sem nenhuma conexão com o mundo real e então surge a fatídica pergunta, que muitos de nós ficamos reféns, "onde eu uso isso? Para que eu aprendo isso?" e muitas e muitas vezes não sabemos responder, por que também não sabemos, também questionamos e não obtivemos resposta ou quando a obtivemos, reproduzimos: no vestibular, no próximo ano, no próximo conteúdo. Precisamos nós, antes de mais ninguém identificarmos qual o significado daquilo que estamos passando ao nosso aluno, para que ele articule os conhecimentos formal e informal. "Insiste na solução de exercícios repetitivos, pretendendo que o aprendizado ocorra pela automatização ou memorização e não pela construção do conhecimento através das competências adquiridas." O quadro que se apresenta quando você ouve falar em física é esse, um monte de equações para ser decoradas e muitos exercícios de memorização e repetição do que foi trabalhado anteriormente. Tinha-se um modelo e a partir daí os demais seriam parecidos com ele. Com os modelos de provas do ENEM, a mudança começa ocorrer lentamente, a metodologia começa a ser modificada, mas ainda é um processo lento. Talvez isso ocorra pelo nosso despreparo em trabalharmos dessa forma e também porque muitos professores que atuam na área da física não tenham a formação adequada, embora, também vejamos muitos com formação, trabalhando de forma a priorizar o trabalho mecânico ao intelectual. "É preciso rediscutir qual física ensinar para possibilitar uma melhor compreensão do mundo e uma formação para a cidadania mais adequada. Sabemos todos que, para tanto, não existem soluções simples ou únicas, nem receitas prontas que garantam o sucesso." O ensino de física necessita sim de uma reformulação, é necessário adequar os conteúdos de forma que venham a abranger o cotidiano do nosso aluno e comecem a fazer sentido, caso contrário, continuaremos a "falar grego". Contextualizar, trabalhar de forma interdisciplinar, proporcionar ao aluno a construção do conhecimento, em que este seja um sujeito ativo nesse processo e não mais passivo e trabalhar aliando prática e teoria são sem dúvida algumas opções que já vem sendo discutidas e rediscutidas ao longo dos anos. Faz-se necessário deixar de lado a discussão somente e colocar essas propostas em prática. Fácil? Não, nunca é. Vai dar certo? Talvez, somente tentando saberemos. Professor Sudeste Olá a todos, Demorei um pouco a responder, mas aí estão os trechos que escolhi: "É necessário também que essa cultura em Física inclua a compreensão do conjunto de equipamentos e procedimentos, técnicos ou tecnológicos, do cotidiano doméstico, social e profissional." Professor Nordeste De uma maneira geral, acho que as propostas do PCN são muito ambiciosas diante do que temos hoje em termos de realidade na maioria das escolas. Esse trecho é um pouco o exemplo disso. Concordo sim que deve-se incluir "a compreensão do conjunto de equipamentos e procedimentos, técnicos ou tecnológicos, do cotidiano doméstico, social e profissional", mas da forma como é colocado, me parece que há uma obrigação de que esta e outras dezenas de coisas sejam feitas, mas só temos 2 ou 3 aulas por semana, e muitas vezes nenhum equipamento disponível. Como cobrar do professor que isso seja feito? Acho importente sim que o parâmetro de qualidade seja elevado, mas isso deve ser cobrado gradualmente, e de várias instâncias, não só do professor. Professor Centro-Oeste "Enfatiza a utilização de fórmulas, em situações artificiais, desvinculando a linguagem matemática que essas fórmulas representam de seu significado físico efetivo. Insiste na solução de exercícios repetitivos, pretendendo que o aprendizado ocorra pela automatização ou memorização e não pela construção do conhecimento através das competências adquiridas." Concordo que o ensino de física se utiliza de situações artificiais. Mas, teríamos condições de ensinar a trabalhar situações "reais"? Com resistência do ar, fluxos turbulentos, pêndulos físicos com atrito e tudo mais? Honestamente, não consigo nem fazer com que os alunos entendam situações fisicamente mais simples, quanto mais as mais complexas, com mais variáveis? Não acho que o uso de fórmulas necessariamente desvincula o significado físico e privilegie a automatização e memorização. Fórmulas existem como síntese de um processo de descoberta e modelização visando a resolução de problemas mais simples, ou a simplificação de algumas situações, que podem ser didaticamente trabalhadas. Como ensinar o que (para mim...) é mais complexo, se não consigo nem fazer os alunos entender o que é a princípio mais simples? "Esse quadro não decorre unicamente do despreparo dos professores, nem de limitações impostas pelas condições escolares deficientes. Expressa, ao contrário, uma deformação estrutural, que veio sendo gradualmente introjetada pelos participantes do sistema escolar e que passou a ser tomada como coisa natural." Pouca gente dá atenção a isso. É muito fácil culpar o professor. Aliás, já vi professores culparem outros professores pelo "fracasso" de suas aulas e outras empreitadas, quando na verdade, deveriam ajudar-se e ter consciência de que compartilham de um problema em comum. Acredito sim, de que seja um problema estrutural, essencial, da natureza da origem do ensino, da forma como o ensino de física foi concebido.Em resumo, sei que é preciso mudar muita coisa, mas na prática, não sei o que fazer. Leio e re-leio os PCNs, me parecem ótimas sugestões, concordo com a maioria, mas acho que é preciso exemplos de como fazer. Atualmente, essa é a minha busca. Um abraço a todos! Professor S Professor Nordeste Bom dia a todos. Espero que todos estejam gostando do curso como estou. Já fiz alguns amigos, mesmo que virtuais e espero conhecer mais pessoas. Um grande abraço e aí vai a minha resposta. "...o aprendizado da Física promove a articulação de toda uma visão de mundo, de uma compreensão dinâmica do universo, mais ampla do que nosso entorno material imediato, capaz portanto de transcender nossos limites temporais e espaciais. Assim, ao lado de um caráter mais prático, a Física revela também uma dimensão filosófica, com uma beleza e importância que não devem ser subestimadas no processo educativo."Nos tempos de hoje, com toda a produção tecnológica advinda de estudos da física (nosso entorno material), com todas as questões postas na relação da sociedade com estes bens de consumo e as inevitáveis transformações sociais que elas geram (dimensão filosófica) e, ainda, com todas as possibilidades de descobertas, dentro e fora do nosso âmbito de domínio - planeta Terra - que nos trazem questões milenares, como a existência de vida em outros sistemas, por exemplo (visão de mundo e compreensão do universo), é praticamente impossível pensar na sociedade atual sem os conhecimentos básicos desta ciência.Teríamos, pois a incumbência de levar conhecimentos relativos a estes problemas postos para toda a comunidade -alfabetização e letramento científicos - e, com a ajuda dos outros segmentos das ciências traçarmos soluções para a melhoria do nível da qualidade de vida de todos. "O ensino de Física tem-se realizado freqüentemente mediante a apresentação de conceitos, leis e fórmulas, de forma desarticulada, distanciados do mundo vivido pelos alunos e professores e não só, mas também por isso, vazios de significado. Privilegia a teoria e a abstração, desde o primeiro momento, em detrimento de um desenvolvimento gradual da abstração que, pelo menos, parta da prática e de exemplos concretos." Não é raro vermos os alunos privilegiando esta forma de ensino. Isso se dá por conta de uma certa "valorização" de uma única forma (ou manifestação) da inteligência. Sabe-se que, para o professor, é muito mais cômodo trabalhar da forma conteudista, pois com ela transfere-se a responsabilidade do aprender única e exclusivamente ao aluno. Daí, o aluno que se sai bem com esta abordagem torna-se "o sabixão", "o Rei da cocada preta", "o Cara", etc. Assim, este aluno que apresenta tais facilidades propaga para os outros que a única forma de se saber é esta, e como tem o aval do professor, esta idéia se propaga e os outros passam a se conformar com resultados de avaliações medíocres e, sabedores que são, de que a escola dará todas as chances possíveis e imagináveis para que ele progrida, mesmo sem o domínio da disciplina, ele faz o famoso jogo do "Ele finge que ensina, eu finjo que aprendo e vamos nós". "Investigar tem, contudo, um sentido mais amplo e requer ir mais longe, delimitando os problemas a serem enfrentados, desenvolvendo habilidades para medir e quantificar, seja com réguas, balanças, multímetros ou com instrumentos próprios, aprendendo a identificar os parâmetros relevantes, reunindo e analisando dados, propondo conclusões." Como visto no item anterior, a forma de trabalho que é cômoda não é eficaz. A eficácia do ensino de física deve ser buscada através de pesquisas e trabalhos voltados à realidade da vida de todos.Temos tantos exemplos da física aplicada ao cotidiano e a escola simplesmente se nega a perceber isto, como se fosse o avesso da escola aquilo que é da vida prática. Mas, para trabalhar desta forma o professor tem de suar a camisa. Muitas vezes tem de abandonar seu "recanto" para ir ao mundo mostrá-lo ao educando, mas isso requer esforço. Embora seja o modo mais gratificante de se trabalhar.Enquanto o professor não se aperceber de que o mundo nos dá todo o ferramental para trabalhar estaremos "malhando em ferro frio". Ou a física invade o mundo dos alunos ou eles não aceitam a física! Professor Centro-Oeste Olá a todos, os trechos escolhidos por mim são os abaixo descritos. "Para isso, é imprescindível considerar o mundo vivencial dos alunos, sua realidade próxima ou distante, os objetos e fenômenos com que efetivamente lidam, ou os problemas e indagações que movem sua curiosidade." Escolhi este trecho pois devemos levar em consideração os conhecimentos que os alunos tem, todos os alunos tem um certo conhecimento que trazem para a sala de aula, então a partir dos conhecimentos que eles trazem, podemos elaborar uma discussão e então encaminhá-los para o que se deseja, e com isso fica mais fácil construir o conhecimento, pois são os alunos que dão inicio aos trabalhos, exemplo real é o livro Na vida dez, na escola zero de Terezinha Carraher, e outros, onde na feira o personagem fazia as contas e passava o troco e na escola não conseguia efetuar tais contas. "Forma e conteúdo são, portanto, profundamente interdependentes e condicionados aos temas a serem trabalhados." Como havia uma certa continuação nos trechos este segundo evidencia os planejamentos que devemos fazer para que o mundo vivencial dos alunos sejam privilegiados e incluídos, é bem possível que isso só ira se realizar com a prática, pois o planejamento acontece antes do contato com os alunos, porém podemos ter uma idéia das duvidas e dos conhecimentos que os alunos trazem. "Como ponto de partida, trata-se de identificar questões e problemas a serem resolvidos, estimular a observação, classificação e organização dos fatos e fenômenos à nossa volta segundo os aspectos físicos e funcionais relevantes." E, como há um encadeamento das ideias, tem que ter um desenvolvimento, este trecho retrata bem como poderemos desenvolver as habilidades e incluir no nosso planejamento por em pratica toda essa gama de conhecimentos, através das orientações do trecho em questão. Bons estudos a todos.

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Publication Dates

  • Publication in this collection
    Apr-Jun 2014

History

  • Received
    12 Oct 2013
  • Accepted
    14 Feb 2014
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, campus de Bauru. Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Campus Universitário - Vargem Limpa CEP 17033-360 Bauru - SP/ Brasil , Tel./Fax: (55 14) 3103 6177 - Bauru - SP - Brazil
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