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"Amor e sexo: mitos, verdades e fantasias": jovens avaliam potencial de material multimídia educativo em saúde

"Love and sex: myths, truths and fantasies": youth evaluation of the multimedia resource as educational health material

Resumos

A educação sexual na escola é prática defendida e prescrita pelo Ministério da Educação nos Parâmetros Curriculares Nacionais como eixo transversal ao currículo. O tema é complexo e a proposta expressa demandas específicas, como a formação dos professores e materiais educativos adequados. O Museu da Vida, COC/Fiocruz, desenvolveu o multimídia «Amor e sexo: mitos, verdades e fantasias» e, neste artigo, apresenta a avaliação efetuada por 36 alunos do Ensino Médio de escolas públicas do Rio de Janeiro sobre o produto. A avaliação permitiu identificar o multimídia como recurso educativo capaz de promover o tema sexualidade em situações de aprendizagem. Um recurso do multimídia, denominado Caderno de Perguntas, mostrou-se como espaço de interlocução entre os jovens, permitindo troca anônima de dúvidas e ideias, e alimentando um banco de dados que permite aos professores e pesquisadores conhecerem melhor o pensamento dos adolescentes.

Tecnologia da Educação; Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação; Educação em Saúde; Sexualidade; Adolescência


Sex education in schools is advised and agreed as a universal theme in the National Curriculum of the Brazilian Education Ministry. This subject is complex and the proposal expresses specific needs, such as teacher training and the support of educational materials. The Museum of Life, COC/Fiocruz, developed the multimedia resource, "Love and Sex: myths, truths and fantasies" and this study presents the results of the evaluation made by 36 high school students from public schools, in Rio de Janeiro about the multimedia resource. The evaluation identified it as an educational resource, able to promote dialogue and support the the theme sexuality in teaching situations. A multimedia resource, called Answers Notebook, gives a dialogue space between adolescents, allowing anonymity in the exchange of doubts and ideas, and feeding into a database that allow teachers and professionals to know better how adolescents think.

Education Technology; New Information and Communication Technologies; Health Education; Sexuality; Adolescents


"Amor e sexo: mitos, verdades e fantasias": jovens avaliam potencial de material multimídia educativo em saúde

"Love and sex: myths, truths and fantasies": youth evaluation of the multimedia resource as educational health material

Sonia Maria Figueira ManoI ,1 1 Sede do Museu da Vida - Av. Brasil, 4365, sala 2 - Manguinhos - Rio de Janeiro, RJ 21.040-360 ; Fabio Castro GouveiaII; Virgínia Torres SchallIII

ILicenciada em Educação Artística, Doutora em Ciências; Tecnologista, Museu daVida, Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Rio de Janeiro, RJ, Brasil. mano@fiocruz.br

IIBacharel em Ciências Biológicas, Doutor em Ciências (Educação, Gestão e Difusão em Biociências); Tecnologista, Museu da Vida, COC, Fiocruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. fgouveia@fiocruz.br

IIIPsicóloga, Doutora em Educação; Pesquisadora, Centro de Pesquisas René Rachou, Belo Horizonte, MG, Brasil. vtschall@cpqrr.fiocruz.br

RESUMO

A educação sexual na escola é prática defendida e prescrita pelo Ministério da Educação nos Parâmetros Curriculares Nacionais como eixo transversal ao currículo. O tema é complexo e a proposta expressa demandas específicas, como a formação dos professores e materiais educativos adequados. O Museu da Vida, COC/Fiocruz, desenvolveu o multimídia «Amor e sexo: mitos, verdades e fantasias» e, neste artigo, apresenta a avaliação efetuada por 36 alunos do Ensino Médio de escolas públicas do Rio de Janeiro sobre o produto. A avaliação permitiu identificar o multimídia como recurso educativo capaz de promover o tema sexualidade em situações de aprendizagem. Um recurso do multimídia, denominado Caderno de Perguntas, mostrou-se como espaço de interlocução entre os jovens, permitindo troca anônima de dúvidas e ideias, e alimentando um banco de dados que permite aos professores e pesquisadores conhecerem melhor o pensamento dos adolescentes.

Palavras-chave: Tecnologia da Educação. Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação. Educação em Saúde. Sexualidade. Adolescência.

ABSTRACT

Sex education in schools is advised and agreed as a universal theme in the National Curriculum of the Brazilian Education Ministry. This subject is complex and the proposal expresses specific needs, such as teacher training and the support of educational materials. The Museum of Life, COC/Fiocruz, developed the multimedia resource, "Love and Sex: myths, truths and fantasies" and this study presents the results of the evaluation made by 36 high school students from public schools, in Rio de Janeiro about the multimedia resource. The evaluation identified it as an educational resource, able to promote dialogue and support the the theme sexuality in teaching situations. A multimedia resource, called Answers Notebook, gives a dialogue space between adolescents, allowing anonymity in the exchange of doubts and ideas, and feeding into a database that allow teachers and professionals to know better how adolescents think.

Keywords: Education Technology. New Information and Communication Technologies. Health Education. Sexuality. Adolescents.

Adolescência, sexualidade e educação

A orientação sexual tem, tradicionalmente, se centrado na prevenção de processos de adoecimento, como as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), em especial a Aids, ou na gravidez adolescente, a partir da prescrição de hábitos e condutas saudáveis. Nessa concepção, a informação disponível ao jovem brasileiro tem como objetivo conscientizar para uma prática sexual protegida.

O resultado desta política de informação centrada na visão do risco é questionado em pesquisas sobre o comportamento do adolescente. Autores como Heilborn (2006), Monteiro (2002), Abranmovay et al.(1999), entre diversos outros, observam que esse tipo de conhecimento não garante a adesão ao seu objetivo educativo, o de tornar relações sexuais uma prática segura, minimizando a ocorrência de danos à saúde física e emocional.

Cabral (2003), em seu estudo sobre a paternidade na adolescência e consequente interferência na vida de rapazes de camadas populares, é um exemplo disto. Seu estudo registrou o uso do preservativo em quatro dos 15 jovens pais entrevistados que declararam ter utilizado algum método anticoncepcional após o início do relacionamento. Oito outros jovens participantes alegaram que não usavam métodos contraceptivos e, nestes casos, a autora registrou a responsabilização da mulher pela proteção e a imprevisibilidade da prática sexual como justificativas para o "não-uso" de métodos preventivos. Estes comportamentos vinculam-se, segundo ela, a relações de gênero, o que pôde ser observado, também, na distinção feita pelos entrevistados sobre a prática do sexo sem proteção com as companheiras de "casa" e o uso do preservativo com as meninas da "rua".

Mais recente, a pesquisa "Gravidez na adolescência: estudo multicêntrico sobre jovens, sexualidade e reprodução no Brasil", realizada em três grandes centros urbanos brasileiros, foi outro estudo que reafirma a necessidade de ações educativas sobre sexualidade. As conclusões deste estudo corroboram a necessidade de orientação do adolescente para questões além do enfoque preventivo (HEILBORN, 2006). Nesta percepção, a educação para a sexualidade deve abranger também questões relacionadas a aspectos emocionais, como o prazer e o desejo, e sociais, como as diversas formas de relacionamento e comportamento envolvendo a questão de gênero. Deve abordar a relação entre pares, a expressão amorosa e afetiva, incluindo as diversas formas de relacionamento existentes no amplo quadro de socialização atual, e orientar para a conquista de autonomia e decisão informada (HEILBORN, 2006; SCHALL, 2000).

Esta diretriz é também orientada como eixo transversal ao currículo nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 1998), e coloca a escola como parceira da família e da sociedade na promoção da saúde da criança e do adolescente. A ação proposta pelo Ministério da Educação deve ser a de complementar a orientação familiar, mantendo uma abordagem pluralista sobre concepções, valores e escolhas sexuais, e estabelecer um debate integrado à prática educativa, como um processo natural da vida humana.

Esta proposta foi fortalecida no Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE (BRASIL, 2008) e no Programa de Saúde na Escola - PSE (BRASIL, 2008a), uma ação educativa articulada pelos Ministérios da Saúde e da Educação do governo brasileiro e as organizações internacionais Unesco, Unicef e Fundo de População das Nações Unidas - UNFPA. O PSE propõe a articulação entre secretarias municipais e estaduais de saúde e de educação e universidades e organizações sociais para a oferta de ações nas escolas e postos de saúde brasileiros. O Programa destina-se à prevenção da saúde sexual e reprodutiva associada ao debate sobre gênero e orientação sexual, introduzindo o conceito sobre direitos sexuais e reprodutivos.

A proposta do PSE é bem elaborada e traz um avanço efetivo no campo da educação em saúde na escola e na oferta de serviços de saúde à população adolescente, por fortalecer a participação social e divulgar a importância da orientação sobre sexualidade para o desenvolvimento de uma vida sadia. Além de ampliar significativamente o debate sobre o tema, o Programa vem gerando soluções para dificuldades operacionais, como a criação de mecanismos de formação do professor e a criação de materiais educativos (BRASIL, 2008b).

Promover esse encontro de diferentes instâncias para o atendimento de uma questão de valor vital para a saúde do adolescente e do jovem brasileiro representa um movimento importante para a promoção da saúde em sua premissa sobre a atenção para com o meio físico, social e cultural por sua relação direta com as condições de saúde de um indivíduo ou de uma coletividade.

A complexidade de abordar um tema como a sexualidade encontra-se na necessidade de um discurso claro diante de um tema tradicionalmente silenciado e considerado de foro íntimo. Significa também apresentar alternativas de pensamento, para respeitar a pluralidade de ideias presentes na sociedade, e a adequação da linguagem à faixa etária e grupo populacional. Uma postura educativa fundamenta-se, também, em uma visão holística, que procura tornar relativo o saber e, sobretudo, o poder de uma razão predefinida como correta, em detrimento do respeito a processos, vivências e escolhas pessoais. Assim, pontos polêmicos ou que envolvam propostas que interfiram com conceitos fundamentados em processos culturais ou sociais, ou até em um cunho ou um desejo pessoal, devem ser abordados em sua pluralidade.

A criação do multimídia "Amor e sexo: mitos, verdades e fantasias"

A utilização da informática na sociedade tornou-se um fato irreversível (AUGE, 2006), e seus desafios vão além do custo de acesso ao computador e o treinamento da população para o seu uso. É tarefa igualmente importante a oferta de materiais para fins educativos, que apresentem informação abalizada e ambientada em um cenário comunicativo, próximo à realidade de vida brasileira e ao interesse de seu público-alvo. Esses materiais devem pautar-se nas Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTICS) e aliar a flexibilidade na apresentação de conteúdos a uma abordagem interdisciplinar, favorecendo sua adaptação a diferentes usos, tipos de usuários e estilos de aprendizagem (STRUCHINER, RICCIARDI e GIA-NELLA, 2006).

A criação do multimídia "Amor e sexo" (MANO, GOUVEIA e PALMA, 2004) fundamenta-se neste tipo de abordagem. Esta iniciativa do Museu da Vida (Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz) partiu da realização, em 1996, do "Projeto Integrado de Arte e Ciência"2 2 O projeto foi realizado pelo Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde (LEAS - IOC) e pelo Museu da Vida (MV - COC), da Fiocruz, por iniciativa de Virgínia Schall, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e a Companhia Teatral Produções Literárias, de Sura Berdichevsky. (SCHALL, OTERO e FAZEH, 1999), que proporcionou um acervo de perguntas, com dúvidas de cerca de 3.500 adolescentes sobre o tema sexualidade. Essas questões nortearam o roteiro contemplado no edital SocInfo/ProTeM 01/2001/CNPq e que possibilitou sua confecção (MANO e GOUVEIA, 2004).

Essa proposta destinou-se à criação de um instrumento educativo que apresentasse informações de forma agradável e lúdica, dirimindo dúvidas, ampliando a reflexão sobre crenças e encorajando o debate da sexualidade.

O multimídia é apresentado em um cenário de uma praça, onde se veem jovens de aparências diferentes, numa imagem representativa de diversos tipos de jovens brasileiros. Da praça (Figura 1) acessa-se o Games, o Cinema, o Posto de Saúde e o Caderno de Perguntas (Figura 2).



O Games dá acesso ao Jogo do Sexo, um quiz cujas respostas permitem o avanço da animação sobre o relacionamento de um casal, e o Cinema exibe trechos selecionados de filmes cedidos pelo Canal Saúde, da Fiocruz, sobre os temas: aborto, prostituição, iniciação sexual, gênero e relacionamento amoroso.

O Posto de Saúde é o espaço onde são apresentados hipertextos com orientações específicas da saúde sexual e reprodutiva, como a fisiologia dos aparelhos reproduto-res, métodos contraceptivos, Doenças Sexualmente Transmissíveis e uso de preservativo, e orientação ginecológica e urológica sobre diversas questões. Ainda nesse ambiente, uma revista aborda um enfoque fundamental do trabalho - a questão da relação - com base em matérias sobre: comunicação nos relacionamentos, relação com o próprio corpo, incluindo a masturbação, abuso e relações de poder e violência sexual (Figura 2). Além destes, são apresentados temas de interesse para o jovem, como: a primeira relação sexual, uma entrevista com um pai adolescente e testes sobre comportamento amoroso, entre outros. O objetivo central dos textos é falar sobre sexo e sexualidade sob o enfoque das emoções e da relação humana (MANO, 2008).

Em um outro ambiente, um Caderno de Perguntas - atividade baseada em uma habitual brincadeira entre adolescentes - teve o objetivo de gerar uma forma de comunicação que permitisse a troca de pontos de vista e experiências entre colegas. As respostas digitadas são transferidas para um banco de dados e editadas de modo aleatório, entre os cinquenta últimos registros, preservando a privacidade do adolescente, ao mesmo tempo em que permitem o intercâmbio de questões nem sempre reveladas (Figura 3).


Esses registros podem, também, permitir o levantamento das ideias do adolescente e facilitar o acesso do profissional a questões que necessitem de esclarecimento, uma das dificuldades apontadas por Silva e Carvalho (2005) em sua pesquisa sobre a vivência de professores no trabalho sobre sexualidade na escola. A proposta do Caderno de Perguntas pode ser uma alternativa às dinâmicas presenciais por não expor o adolescente a possíveis inibições e constrangimentos.

A realização do multimídia contou com a consultoria de especialistas na área de educação em saúde, ginecologia e obstetrícia e com o parecer de um grupo de adolescentes. Antes do lançamento de sua primeira versão, em 2004, foram realizados três pré-testes do protótipo, elaborados por diferentes grupos de jovens, visando o aperfeiçoamento de seu formato e conteúdo3 3 A avaliação foi realizada após a liberação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fiocruz, em 20 de outubro de 2003. .

O multimídia foi também analisado, em 2007, por 14 profissionais da área de saúde, que o aprovaram como produto informativo e educativo para uso em programas de saúde.

A criação de produtos sobre temas como a sexualidade determina a necessidade de estudos avaliativos para assegurar sua atualidade em uma sociedade em transformação tanto de valores sociais como de conhecimentos. Com este objetivo e diante do desejo da equipe de realizar uma nova versão ampliada do multimídia, em 2008, foi realizada esta nova avaliação do produto e de sua estratégia de comunicação e educação. Esta avaliação foi centrada na visão de seus usuários e partiu da necessidade de ressegurar a receptividade do adolescente ao produto e levantar sugestões para seu aperfeiçoamento, afirmando a sua condição de auxiliar programas e projetos de educação e saúde em espaços formais e não-formais de ensino.

Procedimentos e metodologia de análise

A avaliação do multimídia foi realizada por 36 alunos do Curso de Monitores do Museu da Vida, jovens entre 16 e 21 anos que estudam no Ensino Médio de diferentes escolas públicas, e residem em comunidades de baixa renda, situadas nas imediações da Fiocruz, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro.

A escolha deste grupo foi definida por sua formação escolar, que lhes fornecia mais condição de crítica e, simultaneamente, por representarem uma população excluída de benefícios socioculturais extensivos à parcela significativa da população brasileira. A região, conhecida como Zona da Leopoldina, possui uma população aproximada de 600.000 habitantes, parte deles residindo em 35 conjuntos habitacionais e 69 comunidades. Duas delas, Maré e Manguinhos, têm famílias mantidas por apenas um membro, com renda média mensal de três salários-mínimos, o que as posiciona, segundo o Censo 2000 do IBGE, entre as mais baixos no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município (BRASIL, 2003).

O grupo de jovens participava do VI Curso de Formação de Monitores de Centros e Museus de Ciências, parte do Programa de Qualificação Profissional do Museu da Vida/COC/Fiocruz. O Curso tem a duração de 18 meses, entre o período de aulas e o estagio supervisionado de atendimento aos visitantes nas diversas áreas temáticas do Museu.

A escolha desse público específico deveu-se ao seu perfil representativo de comunidades da periferia de uma grande cidade e, prioritariamente, ao pertencimento do grupo a várias escolas públicas, o que amplia a amostra em termos de sua representatividade. Outra característica desejada foi a formação em informática fornecida aos alunos do Curso, uma vez que a habilidade no uso do computação é um fator interveniente importante em estudos que utilizam mídias digitais.

A navegação e posterior avaliação do multimídia foi optativa e formalmente consentida. Sua realização se fez por meio de um questionário digital com 25 perguntas, sendo 16 objetivas e nove abertas, que versaram sobre: a identificação do grupo e sua opinião e sugestões sobre o design, ambientes, linguagem, abordagem do tema, condição educativa e de utilização do produto. Deste questionário foram analisadas, para este trabalho, especificamente, as perguntas relacionadas à opinião sobre o multimídia e seus ambientes, e analisadas as respostas abertas relacionadas a esta questão.

Os dados foram analisados com base em tabulação das questões objetivas e do método de Análise do Discurso do Sujeito Coletivo - DSC das perguntas abertas, com o objetivo de resgatar o conjunto de pensamentos e sentimentos expressos pelos jovens sobre o produto.

Segundo o método DSC, a informação expressa no discurso deve ser analisada em uma leitura inicial e classificada por Expressão-Chave (E-Ch), que representa as principais questões de interesse apresentadas em cada resposta. A partir desta identificação, estas E-Ch são agrupadas, compondo um conjunto de pensamentos ou ideias que a coletividade de jovens expressou sobre cada questão. Uma nova leitura e análise das E-Ch permite a identificação de suas Ideias Centrais (ICs), que são também reunidas por sua semelhança, formando os discursos coletivos. Os textos originais são assim decompostos por suas expressões (E-Ch) de maior interesse de análise, e, em seguida, são categorizados por suas afinidades de sentido (ICs) e reunificados em um discurso construído, que expressa o pensamento coletivo sobre o tema e, em alguns casos, permite a percepção da Ancoragem ideológica dos discursos emitidos ( LEFÈVRE, LEFÈVRE e TEIXEIRA, 2000; LEFÈVRE e LEFÈVRE, 2005).

Avaliação da Expressão-Chave: educativa

A opinião dos jovens sobre o multimídia foi positiva, conforme a nota média 4,6 dada, numa escala de valor entre um, a pior nota, e cinco, a melhor nota. As características mais apontadas foram: o caráter educativo (17 respostas) e o interesse despertado (13). Analisando a motivação para as notas, 13 registros a relacionaram ao tema e a importância de informações sobre sexualidade. Essa idéia-chave é representada no seguinte discurso coletivo:

"Esse jogo auxilia os adolescentes na prevenção. É informativo e esclarecedor e nos faz pensar que não devemos fazer as coisas de qualquer maneira; temos que ter ciência do que estamos fazendo. É bem interessante, bastante explicativo, e tira muitas dúvidas que não temos coragem de perguntar. Adorei conhecer mais sobre a vida sexual e também sobre as doenças, coisa importante pra nossa vida no momento em que pretendemos ter relacionamentos."

Essa visão foi reafirmada na pergunta sobre os pontos negativos, uma vez que 18 dentre os 36 adolescentes declararam "não haver", enquanto quatro jovens consideraram aspectos como: monótono (4), cansativo (3), desinteressante (1) e chato (1). Esses jovens justificavam suas opiniões relacionando-as ao conhecimento do assunto "os quais eu já sabia".

Os dados da avaliação confirmaram o potencial do multimídia "Amor e Sexo: mitos, verdades e fantasias" como um instrumento que pode ser um facilitador da aprendizagem de jovens sobre a sexualidade.

Avaliação da Expressão-Chave: comunicação

Nessa segunda análise, 28 jovens avaliaram o visual geral (nota 4,6 em 5) e os ambientes do multimídia: a praça (4,7); o Jogo do Sexo (4,7); a Revista e o Posto de Saúde (4,5), o Caderno de Perguntas (4,3) e o Cinema (4,2).

A linguagem utilizada no multimídia, segundo 34 avaliadores que responderam a questão, foi definida como: clara e objetiva (19), compreensível (12) e faz pensar (2). Uma resposta assinalou que havia informação demais.

Sete jovens registraram os motivos de sua avaliação sobre a linguagem do multimídia. Desses textos foi possível ressaltar o seguinte discurso (DSC):

"O multimídia é muito informativo e super interativo, podemos dar nossa opinião e alguma dúvida que possamos ter já é tirada. Dá para compreender por que é uma linguagem descomplicada, como a linguagem jovem, e conseguiu esclarecer muitas dúvidas. É bem maneira, e muito parecida com a da gente, porque usa as gírias que os adolescentes usam."

O modo de tratamento do tema sexualidade foi considerado: natural (17), esclarecedor (11) e inovador (2). As sugestões apresentadas versaram sobre a inclusão de novos temas "assuntos que não saibamos" e, especificamente, houve uma solicitação de mais informações sobre a pílula e DSTs e a inclusão de "pelo menos mais um jogo".

Essa aceitação da linguagem e design do produto foi especialmente importante diante do tema abordado, ainda hoje sujeito a constrangimentos e preconceitos.

O reconhecimento da qualidade educativa do produto é particularmente importante em mídias digitais que pressupõem uma aprendizagem autônoma, fato geralmente condicionado à existência de uma proposta pedagógica que facilite uma atitude exploratória estimuladora da construção ativa do conhecimento (ALAVA, 2002).

Essa percepção também é registrada por um dos maiores incentivadores da informática educativa: Pierre Lévy. Lévy (1996) considera que multimídias são instrumentos que se adaptam a uma proposta ativa de aprendizagem, apoiada por uma comunicação que facilite o entendimento e a capacidade de discernir e fazer escolhas com liberdade de pensamento.

Avaliação do Caderno de Perguntas

A aprovação deste ambiente do multimídia foi expressa pelos jovens avaliadores tanto na nota dada (4,3 em 5) como pelo número de resposta registradas no "Caderno". A análise das respostas mostrou que este instrumento permite o posicionamento do jovem sobre um tema. Os discursos digitados apresentaram elementos importantes, como, por exemplo, a frequência do uso da palavra "certo" ("parceiro certo", "hora certa", "local certo") revelada em diversas falas registradas. O conteúdo apresentado foi também compatível com o obtido por meio de desenhos e respostas redigidas, solicitados aos participantes da pesquisa como forma de comparação dos discursos4 4 Este trabalho faz parte da tese de doutorado da autora (Sonia Mano), defendida em 2008 no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz/RJ), e está sendo consolidado em forma de artigo para publicação. .

Os textos digitados foram mais sucintos e objetivos do que geralmente se pode obter em entrevistas, pois compõem uma redação simplificada e "telegráfica", própria do discurso abreviado característico da comunicação pela internet, questão que, segundo Nicolaci-da-Costa, Leitão e Dias (2004), autores de pesquisas sobre novas tecnologias, é próprio das entrevistas por meio digital ou online. Mesmo reduzidas, são equivalentes à entrevista auditiva em termos de possibilidades de expressão. Se os entrevistados têm intimidade com o ambiente digital, as respostas, embora mais compactas e sem o aspecto repetitivo e prolixo da fala, são igualmente espontâneas. Este discurso difere, por exemplo, do emitido por meio redigido, geralmente mais pensado, e cuja elaboração tende a "limpar" as inconsistências, diminuindo a possibilidade de emissão de informações mais significativas.

Uma vantagem do Caderno é o anonimato, que facilita a exposição de pensamentos e informações, fornecendo dados importantes para a análise qualitativa. Isto depende, porém, de uma reflexão maior na elaboração das perguntas, pois, diferente da entrevista, não é possível replicar em busca da complementação ou do aprofundamento da resposta. Esta questão, entretanto, pode ser minimizada pela facilidade de alteração das perguntas e com a criação de pré-testes e versões diferentes do questionário para atender necessidades específicas de informações e, até, a execução de estudos continuados.

A análise das respostas emitidas no Caderno de Perguntas permitiu verificar a sua adequação como instrumento de coleta de relatos, o que pode tornar-se uma alternativa para professores e profissionais de saúde conhecerem informações essenciais para a prática de orientação educativa em saúde. Esta constatação indica que outros Cadernos podem ser inseridos em produtos educativos semelhantes e, preferencialmente, ser elaborados de forma a permitir que os próprios profissionais possam ter a opção de introduzir perguntas pertinentes às necessidades de seu grupo.

Algumas considerações

A avaliação realizada demonstrou que o jovem continua aprovando o multimídia "Amor e Sexo: mitos, verdades e fantasias" como veículo de informação, embora o tema e a pouca informação disponível sobre sexualidade possam ainda ser, por si só, um fator importante de motivação. A classificação do multimídia como educativo e comunicativo foi obtida segundo a opinião dos jovens e não comprovada por meio de testes específicos de conhecimento.

O produto é um meio produzido e dirigido para a educação não-formal, como é a prática da Educação em Saúde, cujo objetivo centra-se no diálogo participativo sobre informações que auxiliem a compreensão dos fatores envolvidos nas escolhas, suas repercussões e riscos, pelo incentivo ao debate e a obtenção de um posicionamento autônomo, porque informado e esclarecido. Não há implicitamente o desejo de ensinar práticas, mas de estimular o raciocínio e a capacidade de analisar informações e proceder escolhas, de acordo com a própria vontade, interesses e necessidades.

Jogos, filmes, testes, animações e o uso de meios comunicativos entre os próprios usuários, como o Caderno de Perguntas, são abordagens associadas ao lúdico. A apresentação da informação por estes meios pode favorecer a comunicação e auxiliar na reflexão de temas pouco abordados, associados à percepção emocional e envoltos em silêncios, meias-verdades e preconceitos. Neste caso, pode influenciar na reflexão e facilitar um posicionamento pessoal.

A produção de materiais educativos em mídia digital é fundamental, também, para atender a demanda existente diante do avanço da informática e da necessidade de produtos em língua portuguesa, centrados na realidade brasileira. Essa é uma área de conhecimento que está se construindo rapidamente, o que demanda maior reflexão sobre a concepção de produtos e a avaliação de seus resultados, sobretudo como recurso para educação em saúde e divulgação científica na sociedade.

É igualmente importante levantar as representações simbólicas do adolescente, pois estas podem gerar pistas sobre os meios em que ele baseia suas escolhas e facilitar a divulgação da informação sobre saúde de modo mais eficaz.

A avaliação trouxe novos elementos para a criação da versão atualizada do multimídia, que está sendo desenvolvida no Museu da Vida (COC/Fiocruz). Além de revisar conteúdos, acrescentar material sobre alguns temas e mais um jogo, um quiz sobre DSTs e Aids, a nova versão deverá possibilitar que as respostas dadas ao Caderno de Perguntas sejam enviadas, anonimamente, para formar um banco de dados sobre o pensamento do adolescente e do jovem sobre questões ligadas à sexualidade. Outra possibilidade que está sendo estudada é a criação de um site sobre o produto para profissionais interessados, o que permitiria, por download, a atualizações de filmes, cartazes, matérias e novas versões de questionários para o Caderno de Perguntas, além do acesso ao banco de dados.

O levantamento de saberes e percepções do adolescente sobre a sexualidade e o comportamento amoroso em diversas regiões do país, proporcionado pelo uso múltiplo e em diferentes locais do multimídia, pode torná-lo um instrumento importante para ampliar a compreensão das nossas diversas realidades e auxiliar o trabalho de profissionais de educação e da saúde no campo da orientação sexual.

Agradecimentos

Agradecemos às professoras Inesita Araújo (Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde/Fiocruz) e Isabel Mendes (Museu da Vida/COC/Fiocruz) pelo auxílio valioso no levantamento de dados da pesquisa. Agradecemos, também, ao CNPq, pelo apoio fornecido para a criação do multimídia Amor e Sexo: mitos, Verdades e Fantasias.

Artigo recebido em abril de 2009 e aceito em setembro de 2009.

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  • 1
    Sede do Museu da Vida - Av. Brasil, 4365, sala 2 - Manguinhos - Rio de Janeiro, RJ 21.040-360
  • 2
    O projeto foi realizado pelo Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde (LEAS - IOC) e pelo Museu da Vida (MV - COC), da Fiocruz, por iniciativa de Virgínia Schall, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e a Companhia Teatral Produções Literárias, de Sura Berdichevsky.
  • 3
    A avaliação foi realizada após a liberação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fiocruz, em 20 de outubro de 2003.
  • 4
    Este trabalho faz parte da tese de doutorado da autora (Sonia Mano), defendida em 2008 no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz/RJ), e está sendo consolidado em forma de artigo para publicação.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      Set 2009
    • Recebido
      Abr 2009
    Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, campus de Bauru. Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Campus Universitário - Vargem Limpa CEP 17033-360 Bauru - SP/ Brasil , Tel./Fax: (55 14) 3103 6177 - Bauru - SP - Brazil
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