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Taxas de digestão das frações protéicas e de carboidratos para as silagens de milho e de capim-elefante, o feno de capim-tifton-85 e o farelo de soja

Digestion rate of protein and carbohydrate fractions for corn silage, tifton-85 bermudagrass hay, elephantgrass silage and soybean meal

Resumos

Objetivou-se, com o presente trabalho, determinar as frações nitrogenadas e de carboidratos e estimar as respectivas taxas de digestão para as silagens de milho e de capim-elefante, o feno de capim-Tifton-85 e o farelo de soja. Foram determinados os teores de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE), matéria mineral (MM), carboidratos totais (CT), fibra insolúvel em detergente neutro (FDN), FDN corrigida para o seu conteúdo em cinzas e proteínas (FDNcp), FDN indigestível (FDNI), os compostos nitrogenados não-protéicos (NNP) e as frações nitrogenadas B1+B2, B3 e C, os carboidratos não-fibrosos (CNF) e as frações B2 e C dos CT. As taxas de digestão das frações dos CT foram estimadas por meio da técnica de produção de gases in vitro e as das frações protéicas, com proteases ruminais. As silagens de milho e de capim-elefante destacaram-se pela maior proporção de seus compostos nitrogenados (N) na forma de NNP; o feno de capim-Tifton-85, pela elevada proporção de B1+B2 e de fração B3; e o farelo de soja, pela elevada proporção de B1+B2. A silagem de milho e o farelo de soja destacaram-se pela elevada proporção de CNF (37,05 e 75,75%) e o feno de capim-Tifton-85 e a silagem de capim-elefante, pelo elevado teor das frações B2 e C (51,20 e 51,70%, 41,77 e 33,56%). As taxas de digestão das frações B1+B2 e B3 da PB variaram de 0,0469 a 0,1512 h-1 para o farelo de soja e a silagem de capim-elefante e de 0,0081 a 0,0757 h-1 para o feno de capim-Tifton-85 e a silagem de capim-elefante, respectivamente. As taxas de digestão estimadas para os CNF e a fração B2 variaram de 0,1294 a 0,1905 h-1 e de 0,0254 a 0,0300 h-1, para o feno de capim-Tifton-85 e a silagem de milho, respectivamente.

carboidrato; cinética; proteína; ruminante


The present work aimed to determine the nitrogen and carbohydrates fractions and to estimate the respective digestion rates for corn silage, Tifton-85 bermudagrass hay, elephantgrass silage and soybean meal. The contents of dry matter (DM), crude protein (CP), ether extract (EE), ash, total carbohydrates (TC), neutral detergent fiber (NDF), NDF corrected for ash and protein (NDFcp), indigestible NDF (INDF), non-protein nitrogen compounds (NPN) and B1+B2, B3 and C nitrogen fractions, nonfiber carbohydrates and B2 and C carbohydrates fractions were determined. TC digestion rates were estimated by in vitro gas production technique, while those of protein fractions were obtained by ruminal proteases utilization. The corn silage and elephantgrass silage showed high NPN proportion, the Tifton-85 bermudagrass hay showed high proportions of B1+B2 and B3 fractions and the soybean meal by high B1+B2 fraction. Corn silage and soybean meal showed high CNF proportion (37.05 and 75.75%) and the Tifton-85 bermudagrass hay and the elephantgrass silage showed high B2 and C fractions (51.20 and 51.70%, 41.77 and 33.56%). The digestion rates of B1+B2 and B3 protein fractions ranged from .0469 to .1512 h-1 for soybean meal and elephantgrass silage and from .0081 to .0757 h-1 for the Tifton-85 bermudagrass hay and elephantgrass silage, respectively. The estimated digestion rates for NFC and B2 fractions ranged from .1294 to .1905 h-1 and from .0254 to .0300 h-1 for Tifton-85 bermudagrass hay and corn silage, respectively.

carbohydrate; kinetic; protein; ruminant


RUMINANTES

Taxas de digestão das frações protéicas e de carboidratos para as silagens de milho e de capim-elefante, o feno de capim-tifton-85 e o farelo de soja1 1 Parte da tese de Doutorado do primeiro autor.

Digestion rate of protein and carbohydrate fractions for corn silage, tifton-85 bermudagrass hay, elephantgrass silage and soybean meal

Luciano da Silva CabralI; Sebastião de Campos Valadares FilhoII; Edenio DetmannIII; Joanis Tilemahos ZervoudakisI; Rafael Gonçalves VelosoIV; Poliana Mary Magalhães NunesIV

IZootecnista, DS, Professor Adjunto, Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá-MT. E-mail:cabralls@cpd.ufmt.br; joanis@pop.com.br

IIProfessor do Departamento de Zootecnia - UFV - 36571-000 - Viçosa - MG. Bolsista do CNPq. E-mail: scvfilho@ufv.br

IIIZootecnista, DS, Professor do Departamento de Zootecnia - UFV - 36571-000 - Viçosa - MG. E-mail: detmann@ufv.br

IVEstudante de Mestrado em Zootecnia - UFV - 36571-000 - Viçosa - MG

RESUMO

Objetivou-se, com o presente trabalho, determinar as frações nitrogenadas e de carboidratos e estimar as respectivas taxas de digestão para as silagens de milho e de capim-elefante, o feno de capim-Tifton-85 e o farelo de soja. Foram determinados os teores de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE), matéria mineral (MM), carboidratos totais (CT), fibra insolúvel em detergente neutro (FDN), FDN corrigida para o seu conteúdo em cinzas e proteínas (FDNcp), FDN indigestível (FDNI), os compostos nitrogenados não-protéicos (NNP) e as frações nitrogenadas B1+B2, B3 e C, os carboidratos não-fibrosos (CNF) e as frações B2 e C dos CT. As taxas de digestão das frações dos CT foram estimadas por meio da técnica de produção de gases in vitro e as das frações protéicas, com proteases ruminais. As silagens de milho e de capim-elefante destacaram-se pela maior proporção de seus compostos nitrogenados (N) na forma de NNP; o feno de capim-Tifton-85, pela elevada proporção de B1+B2 e de fração B3; e o farelo de soja, pela elevada proporção de B1+B2. A silagem de milho e o farelo de soja destacaram-se pela elevada proporção de CNF (37,05 e 75,75%) e o feno de capim-Tifton-85 e a silagem de capim-elefante, pelo elevado teor das frações B2 e C (51,20 e 51,70%, 41,77 e 33,56%). As taxas de digestão das frações B1+B2 e B3 da PB variaram de 0,0469 a 0,1512 h-1 para o farelo de soja e a silagem de capim-elefante e de 0,0081 a 0,0757 h-1 para o feno de capim-Tifton-85 e a silagem de capim-elefante, respectivamente. As taxas de digestão estimadas para os CNF e a fração B2 variaram de 0,1294 a 0,1905 h-1 e de 0,0254 a 0,0300 h-1, para o feno de capim-Tifton-85 e a silagem de milho, respectivamente.

Palavras-chave: carboidrato, cinética, proteína, ruminante

ABSTRACT

The present work aimed to determine the nitrogen and carbohydrates fractions and to estimate the respective digestion rates for corn silage, Tifton-85 bermudagrass hay, elephantgrass silage and soybean meal. The contents of dry matter (DM), crude protein (CP), ether extract (EE), ash, total carbohydrates (TC), neutral detergent fiber (NDF), NDF corrected for ash and protein (NDFcp), indigestible NDF (INDF), non-protein nitrogen compounds (NPN) and B1+B2, B3 and C nitrogen fractions, nonfiber carbohydrates and B2 and C carbohydrates fractions were determined. TC digestion rates were estimated by in vitro gas production technique, while those of protein fractions were obtained by ruminal proteases utilization. The corn silage and elephantgrass silage showed high NPN proportion, the Tifton-85 bermudagrass hay showed high proportions of B1+B2 and B3 fractions and the soybean meal by high B1+B2 fraction. Corn silage and soybean meal showed high CNF proportion (37.05 and 75.75%) and the Tifton-85 bermudagrass hay and the elephantgrass silage showed high B2 and C fractions (51.20 and 51.70%, 41.77 and 33.56%). The digestion rates of B1+B2 and B3 protein fractions ranged from .0469 to .1512 h-1 for soybean meal and elephantgrass silage and from .0081 to .0757 h-1 for the Tifton-85 bermudagrass hay and elephantgrass silage, respectively. The estimated digestion rates for NFC and B2 fractions ranged from .1294 to .1905 h-1 and from .0254 to .0300 h-1 for Tifton-85 bermudagrass hay and corn silage, respectively.

Key words: carbohydrate, kinetic, protein, ruminant

Introdução

Os requisitos nutricionais dos ruminantes, nos trópicos, são atendidos pela ingestão dos nutrientes contidos nas diversas partes das gramíneas tropicais, que são armazenados por intermédio da fixação da energia luminosa, durante a fotossíntese. Nestas gramíneas, verificam-se elevada taxa de crescimento e produção de matéria seca, em virtude da maior eficiência na fixação de carbono (C4) em relação às gramíneas temperadas (C3), porém a maior porção desta energia está associada aos polímeros da parede celular, que apresentam função de sustentação e proteção. O aproveitamento desta última fonte de energia é dependente da ação microbiana nos compartimentos fermentativos dos ruminantes.

A disponibilidade de energia e de proteína é o fator que mais afeta o desempenho dos animais (Van Soest, 1994) e, nos trópicos, é mais acentuada, pois o consumo é restrito pelas características químicas, físicas e anatômicas das gramíneas tropicais (Jung & Deetz, 1993; Wilson, 1994). Conseqüentemente, o desempenho dos animais é limitado pela capacidade de ingestão, em níveis abaixo da capacidade dos animais e da disponibilidade de massa verde. Dessa forma, a determinação do valor nutricional destas forrageiras torna-se de fundamental importância, para que se possa, pela seleção de espécies ou de variedades de plantas ou pela adequação dietética, melhorar os índices produtivos.

Em razão de a proteína microbiana sintetizada no rúmen ser a principal fonte de aminoácidos disponível no intestino dos ruminantes, a eficiência máxima de conversão dos constituintes da parede celular vegetal em massa microbiana é foco de pesquisas entre os nutricionistas de ruminantes. A síntese de proteína microbiana ocorre por meio da conversão das diversas formas de compostos nitrogenados (N), mediante utilização de energia proveniente dos carboidratos dietéticos, em polímeros de aminoácidos microbianos. Adicionalmente, é necessária grande parte dos minerais que atuam como integrantes de moléculas, principalmente com função enzimática.

Considerando que os alimentos tropicais apresentam elevado teor de carboidratos fibrosos (CF), que apresentam lenta digestão no rúmen, e que as fontes protéicas são rapidamente degradadas, pode-se inferir que a disponibilidade de energia por unidade de tempo é fator que mais limita a síntese microbiana.

Visando maximizar a eficiência microbiana no rúmen, bem como a eficiência dietética como um todo, o sistema Cornell (Sniffen et al., 1992; Russell et al., 1992) idealiza a sincronização de carboidratos e proteínas dietéticos. A população microbiana é separada de acordo com as exigências em compostos nitrogenados (N) e fontes de energia, tornando-se necessária a determinação destas frações nos alimentos, bem como de suas taxas de digestão, para boa adequação dietética (Russell et al., 1992). Embora desenvolvidos sob condições muito distintas do Brasil, sobretudo quanto às condições climáticas e às forrageiras utilizadas, os conceitos mecanicistas implícitos do sistema Cornell, particularmente os relativos ao ambiente ruminal, habilitam-no para ser usado em várias condições. Dessa forma, a determinação das frações de carboidratos e de proteínas dos alimentos e de suas taxas de digestão torna-se necessária.

A digestão dos nutrientes no trato gastrintestinal (TGI) é um processo dependente do tempo e, dessa forma, a taxa de digestão de um componente dietético, relativa à sua taxa de passagem, é um fator crítico que afeta a digestibilidade. Nutrientes não-fibrosos, por apresentarem elevada taxa de digestão ruminal, são pouco afetados quanto à digestibilidade, pela variação na taxa de passagem, enquanto os fibrosos tendem a ser grandemente afetados pela variação na taxa de passagem, uma vez que apresentam lenta taxa de digestão (Mertens, 1993; Mertens, 1996). Dessa forma, a estimação das taxas de digestão dos constituintes dos alimentos é fundamental para adequação dietética e predição do desempenho.

A técnica de produção de gases é amplamente utilizada para estimar a taxa de digestão dos carboidratos fibrosos e não-fibrosos (Pell & Schofield, 1993; Malafaia et al., 1999; Cabral et al., 2000a). Entretanto, a falta de conhecimento sobre a microbiologia de ruminantes e a própria técnica tem limitado os avanços em sua utilização, pois ainda requer validação.

A estimação das taxas de digestão das frações protéicas, utilizando inóculo ruminal, é trabalhosa, pela incapacidade metodológica de distinguir a proteína microbiana da dietética nos resíduos de incubação e pela incorporação da proteína digerida nas células microbianas. Existem métodos que utilizam inibidores do metabolismo microbiano (Broderick, 1987) e proteases comerciais ou isoladas da microbiota ruminal, que visam eliminar estes problemas (Kohn & Allen, 1995; Malafaia et al., 1997; Cabral et al., 2000b).

Objetivou-se, com este trabalho, determinar as taxas de digestão das frações de proteína e de carboidratos para a silagem de milho, o feno de capim-Tifton-85, a silagem de capim-elefante e o farelo de soja.

Material e Métodos

Para as silagens de milho (Zea mays, L.) e de capim-elefante (Pennisettum purpureum, schumm) variedade Cameroon, foi coletada uma amostra de cada silo (total de três) e, para o feno de capim-Tifton-85 (Cynodon spp.) e o farelo de soja, uma amostra de cada um dos três períodos do experimento in vivo (Cabral, 2002). O milho utilizado para ensilagem (híbrido AG 1051) foi adquirido junto a um produtor da região, colhido aos 110 dias após a germinação, quando os grãos atingiram o estádio farináceo-duro. O capim-elefante foi cultivado em área experimental do DZO-UFV e cortado com idade aproximada de 120 dias. O capim-Tifton-85 foi cultivado em área experimental da UFV na região de Capinópolis-MG e cortado para fenação com, aproximadamente, 80 dias.

As silagens de milho e de capim-elefante foram pré-secas em estufas de ventilação forçada a 55ºC, durante 72 horas. Posteriormente, as amostras de silagem, de feno de capim-Tifton-85 e de farelo de soja foram processadas em moinho com peneira de porosidade de 1 mm de diâmetro, para posteriores análises de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), matéria mineral (MM) e extrato etéreo (EE), conforme AOAC (1990). As análises de fibra insolúvel nos detergentes neutro (FDN) e ácido (FDA) (Van Soest et al. 1991) foram feitas em autoclave, conforme Pell & Schofield (1993).

Os compostos nitrogenados não-protéicos (NNP) foram determinados nas amostras in natura das silagens, das quais foram pesados 25 g em um béquer de 500 mL, onde foram adicionados 100 mL de água destilada, mantido em repouso por uma hora. Posteriormente, o material foi transferido para um copo de liqüidificador, triturado por 60 segundos e, em seguida, filtrado em camada dupla de gaze. O filtrado foi tratado com 5 mL de solução de ácido tricloroacético a 25%, permanecendo em repouso por 30 minutos. Após, o material foi centrifugado a 10.000 rpm, por 15 minutos, coletando-se 2 mL do sobrenadante, destilados com NaOH (3:1) em destilador de nitrogênio, para quantificação dos compostos nitrogenados não-protéicos.

Os compostos nitrogenados insolúveis em detergente neutro (NIDN) e ácido (NIDA) foram determinados conforme Licitra et al. (1996). A fração B3 da proteína foi obtida pela diferença entre o NIDN e o NIDA, ao passo que a proteína verdadeira solúvel em detergente neutro (frações B1+B2), pela diferença entre o N insolúvel em TCA e o NIDN.

Os carboidratos totais (CHO) foram determinados conforme Sniffen et al. (1992). Os carboidratos fibrosos (CF) foram obtidos a partir da FDN corrigida para seu conteúdo em cinzas e proteínas (FDNcp); os carboidratos não-fibrosos (CNF), pela diferença entre os CHO e a FDNcp; e a fração C, pela FDN indigerível após 144 horas de incubação in vitro. A fração B2, ou seja, a fração disponível da fibra, foi obtida pela diferença entre a FDNcp e a fração C.

As taxas de digestão dos CNF e da fração B2 dos CT foram estimadas pela técnica de produção de gases, conforme Pell & Schofield (1993), com pequenas adaptações. As incubações foram realizadas em frascos de vidro com capacidade de 50 mL, onde foram pesados aproximadamente 100 mg de substrato. Aos frascos foram adicionados 8 mL de tampão de McDougal (McDougal, 1949), previamente reduzido com CO2 (pH 6,9-7,0), e 2 mL de inóculo de um bovino fistulado no rúmen, filtrado em camada dupla de gaze sob aspersão de CO2. Imediatamente após, os frascos receberam tampa de borracha e lacre de alumínio e foram mantidos em mesa de agitação orbital a 390C, em sala climatizada. A mensuração dos gases foi realizada por meio de um sensor de pressão acoplado a um voltímetro, por 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 12, 18, 24, 30, 36, 48, 60 e 72 horas. As leituras realizadas em volts foram convertidas para mL de gás, utilizando-se o fator 8,7 (1 volt = 8,7 mL de gás), conforme Pell & Schofield (1993). A cinética da produção cumulativa dos gases foi avaliada utilizando-se o modelo logístico bicompartimental, descrito por Schofield et al. (1994):

V(t) = Vf1/(1+exp (2-4*c1*(T-L))) + Vf2/(1+exp(2-4*c2 *(T-L)))

no qual V(t) é o volume acumulado no tempo t; Vf1, o volume de gás oriundo da fração de rápida digestão (CNF); c1 (h-1), a taxa de degradação da fração de rápida digestão (CNF); L, a latência; e T, o tempo (h); Vf2, o volume de gás da fração de lenta degradação (B2); c2 (h-1), a taxa de degradação da fração B2.

As taxas de digestão das frações protéicas foram estimadas a partir da utilização de enzimas isoladas da microbiota ruminal, conforme Kohn & Allen (1995).

Resultados e Discussão

A composição químico-bromatológica e as frações nitrogenadas dos alimentos avaliados são apresentadas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente. As silagens de milho e de capim-elefante apresentaram valores de compostos nitrogenados não-protéicos (NNP) de 51,07 e 56,90% da PB, possivelmente em virtude da fermentação no silo, em que grande porção da proteína da planta, representada pela ribulose 1,5-bisfosfato carboxilase (RUBISCO), por ser altamente susceptível à proteólise, pode ser convertida a NNP (Van Soest, 1994).

Entre os fatores predisponentes à proteólise, o teor de umidade e, conseqüentemente, o pH elevado, são os principais (Van Soest, 1994). Embora, em silagens de baixa qualidade, a maior parte do NNP seja representada por NH3 e nitratos, naquelas de boa qualidade a maior parte de seu NNP aparece na forma de aminoácidos (Van Soest, 1994). O NNP, quando presente na forma de NH3, atende a 1/3 das exigências em N dos microrganismos que fermentam CNF e toda a exigência daqueles que fermentam CF (Russell et al., 1992).

A porcentagem de PB como NNP para a silagem de milho foi próxima do valor de 52,78%, encontrado por Cabral et al. (2000a), e de 45 a 55%, sugerido por Sniffen et al. (1992), para silagens de milho com teor de grãos de 45 a 25%, respectivamente. Cabral (2002) verificaram aumento linear do NNP, com o acréscimo de grãos à silagem de milho, cujos valores para as silagens com 0, 15, 30, 45 e 60% de grãos foram 34,05; 39,14; 50,67; 50,91 e 54,62% da PB. Assumindo-se que as silagens de milho não sejam confeccionadas sem grãos, pode-se inferir que a porcentagem de NNP na PB deve ser pelo menos superior a 34,05%.

Os teores de B1+B2 foram 34,56 e 22,39% da PB para as silagens de milho e de capim-elefante, respectivamente. O farelo de soja e o feno de capim-Tifton-85 destacam-se pela elevada proporção de B1+B2 (81,78 e 44,04%, respectivamente). A fração B1+B2, por apresentar rápida taxa de degradação ruminal relativa à fração B3, tende a ser extensivamente degradada no rúmen (Sniffen et al., 1992), contribuindo para o atendimento dos requisitos em N dos microrganismos deste compartimento. A rápida proteólise no rúmen da fração B1+B2 pode levar ao acúmulo de peptídeos e permitir o seu escape para os intestinos, com a fase líquida, uma vez que a utilização de peptídeos é considerada limitante à degradação de proteínas (Winter et al., 1964). Entretanto, considerando que proteínas como a do farelo de soja são rapidamente utilizadas pelos microrganismos do rúmen, em virtude de sua composição aminoacídica, esperar-se-ia aumento da produção de N-NH3 no rúmen, principalmente em condições de baixa concentração de CNF (Yang & Russell, 1993).

A fração B3 foi relativamente elevada (35,01%) para o feno de capim-Tifton-85 e muito baixa para a silagem de milho e o farelo de soja. Esta fração é representada pelas extensinas proteínas de ligação da parede celular que apresentam lenta taxa de degradação e, portanto, são digeridas principalmente nos intestinos. Quanto à fração C da proteína, o farelo de soja apresentou baixíssima proporção (1,87%), enquanto a silagem de milho e o feno de capim-Tifton-85, valores de 12,38 e 16,19%, respectivamente.Aumento da fração C ou NIDA de silagens pode ocorrer com a formação de produtos da reação de Maillard, em razão do aumento da temperatura em silagens com elevado teor de umidade (Van Soest, 1994).

Para a silagem de milho, foram encontrados valores para as frações B1+B2, B3 e C próximos aos de 29,96; 1,52 e 15,74%, respectivamente, encontrados por Cabral et al. (2000b). Sniffen et al. (1992) sugeriram valores de 84,0; 3,0 e 2,0% para as frações B1+B2, B3 e C para o farelo de soja, valores próximos aos obtidos no presente trabalho.

Na Tabela 3, são apresentadas as frações dos carboidratos totais. Os CNF foram a principal fração dos carboidratos no farelo de soja. Embora na silagem de milho parte dos CNF seja composta por ácidos orgânicos, a maioria dos CNF na silagem de milho e no farelo de soja é basicamente amido. Esta fração é utilizada pelos microrganismos fermentadores de CNF, que aumentam a demanda em proteína degradada no rúmen para atender aos requisitos em N desta população, quando a dieta é a base de silagem de milho ou apresenta elevado teor de grãos. A porcentagem de CNF da silagem de milho foi próxima do valor de 36,24% dos CT, predita pela equação de regressão Y = 100,37 - 1,3923 * % FDN, obtida para a relação entre a porcentagem de grãos e a porcentagem de FDN (Cabral, 2002).

A fração B2, ou seja, dos carboidratos fibrosos potencialmente digestíveis, foi a principal fração dos carboidratos do feno de capim-Tifton-85 e da silagem de capim-elefante, além de importante fração da silagem de milho. Esta fração, por apresentar lenta taxa de degradação ruminal, juntamente com a fração C (indigestível), que foi elevada no feno de capim-Tifton-85 e na silagem de capim-elefante, tende a afetar o consumo negativamente pelo enchimento ruminal e, por conseguinte, o desempenho dos animais (Mertens, 1987). Alimentos com elevado teor de fração B2, segundo Russell et al. (1992), demandam NNP para atender aos requisitos em N dos microrganismos fermentadores de carboidratos estruturais. Embora a proteína verdadeira não seja utilizada diretamente por esta população microbiana, a fermentação de aminoácidos de cadeia ramificada gera os ácidos graxos de cadeia ramificada (AGCR), necessários para o crescimento dos microrganismos fibrolíticos (Bryant, 1973, citado por Russell et al., 1992).

A utilização de fontes protéicas de rápida degradação ruminal, em dietas à base de alimentos com elevado teor da fração B2 dos carboidratos, pode promover elevada fermentação dos aminoácidos e peptídeos resultantes e acúmulo de N-NH3, que será excretada através da urina. Isto decorre da lenta taxa de degradação da fração B2 no rúmen, fazendo com que a proteína dietética seja utilizada para produção de energia, em vez de produção de biomassa. Dessa forma, a utilização de fontes protéicas de lenta degradação no rúmen pode trazer benefícios e aumentar a eficiência de utilização de N pelo animal.

Na Tabela 4, são apresentadas as taxas de digestão das frações de proteína e de carboidratos. Dos alimentos avaliados, a silagem de milho e o farelo de soja apresentaram elevada taxa de degradação dos CNF. A taxa de digestão dos CNF (0,1950 h-1) para a silagem de milho foi próxima ao valor sugerido por Sniffen et al. (1992) e ao encontrado por Cabral (2002) para silagens de milho com mais de 15% de grãos. A taxa de digestão sugerida por Sniffen et al. (1992), para os CNF do farelo de soja, variou de 0,40 a 0,50 h-1, bem superior à média de 0,1783 h-1 obtida neste trabalho. Este fato pode ser atribuído ao elevado teor de proteína deste alimento, cuja fermentação reduziu em 2,48 mL de gás por unidade de proteína fermentada (Cone & Van Gelder, 1999).

Quanto à fração B2 dos carboidratos, o feno de capim-Tifton-85 e a silagem de capim-elefante apresentaram baixa taxa de degradação (0,0254 e 0,0263 h-1, respectivamente), o que pode ser atribuído ao elevado teor de FDN destes alimentos, uma vez que Smith et al. (1972) observaram relação negativa entre a concentração de FDN e a taxa de digestão. A explicação para tal fato baseia-se na hipótese de que o aumento do teor de FDN na planta está associado ao espessamento da parede celular secundária e à menor fragilidade à ruptura mecânica e penetração microbiana, reduzindo a área superficial para ataque microbiano (Mertens, 1993).

A taxa de degradação estimada para a fração B2 dos carboidratos da silagem de milho foi próxima dos valores de 0,0305 a 0,0315h-1 para silagens com 15 e 60% de grãos, respectivamente, encontrados por Cabral (2002).

Para a fração B1+B2 da PB, as taxas de degradação estimadas para as silagens de milho e de capim-elefante foram elevadas (13,63 e 15,12, respectivamente). Entretanto, tal fato pode ser atribuído à intensa proteólise nos silos durante a fermentação, que pode gerar, além de NH3 e NO3-, elevadas quantidades de peptídeos (Van Soest, 1994), que, com peso molecular maior, podem ser incluídos na fração B1+B2, cuja taxa de hidrólise pelas enzimas extraídas da microbiota ruminal pode ser elevada.

Para a fração B3, somente a taxa de digestão para a silagem de capim-elefante foi muito superior aos valores de 0,0005 a 0,015 h-1 sugeridos por Sniffen et al. (1992).

A taxa de degradação da fração B1+B2 do farelo de soja foi superior à obtida por Cabral et al. (2000b), de 0,0475 h-1 para a fração B2, e próxima aos valores de 0,05 a 0,12 h-1 sugeridos por Sniffen et al. (1992) para a fração B2. Entretanto, a taxa de digestão estimada para a fração B3 para o farelo de soja foi semelhante à encontrada por Cabral et al. (2000b), (0,016h h-1), mas superior aos valores sugeridos por Sniffen et al. (1992), que variaram de 0,001 a 0,003 h-1.

Os carboidratos são a principal fonte de energia tanto para os microrganismos do rúmen quanto para o animal hospedeiro, sendo que a maior parte se encontra nos constituintes da parede celular vegetal. Estes compostos, por sua natureza química e por questões físico-anatômicas das gramíneas tropicais, são despolimerizados em uma taxa relativamente lenta pelos microrganismos do rúmen, o que limita a ingestão de alimentos, pela repleção dos compartimentos digestivos, ou o aproveitamento máximo do conteúdo energético. Portanto, estes compostos têm sido relacionados negativamente com a ingestão de alimentos e a disponibilidade de energia da dieta (Mertens, 1987).

O NRC (2001) propõe a estimação do conteúdo energético dos alimentos por meio da composição química. Entretanto, para gramíneas tropicais, a utilização da concentração de lignina pode superestimar a contribuição energética dos CF, uma vez que as características físico-anatômicas podem ser tão importantes quanto as químicas (Wilson & Mertens, 1995), sobretudo em gramíneas com maturidade avançada. Com base nisso, a estimação da disponibilidade dos CF, provavelmente, poderá ser mais acuradamente estimada a partir de sua taxa de digestão, bem como de suas frações digestíveis e indigestíveis. Considerando que os CF correspondem à maior proporção da energia de gramíneas tropicais, a estimação mais acurada de sua disponibilidade conduzirá a menores erros na predição do NDT.

A utilização do modelo bicompartimental (Schofield et al., 1994) permitiu estimar as taxas de digestão para os CF e CNF compatíveis com os valores citados na literatura, o que dispensa o isolamento da FDN e sua incubação e elimina as críticas relativas ao possível efeito da extração com detergente neutro e do calor sobre a estrutura da parede celular vegetal, alterando-a.

Conclusões

Os carboidratos não-fibrosos são importante fonte de energia em silagens de milho. A silagem de capim-elefante e o feno de capim-Tifton-85 apresentam elevado teor de carboidratos fibrosos.

A utilização do modelo bicampartimental para estimativa das taxas de digestão resultou em valores satisfatórios.

A fração B1+B2 é a principal fração protéica no farelo de soja e o feno de capim-Tifton-85 é boa fonte de B3.

Literatura Citada

Recebido em: 22/07/02

Aceito em: 02/10/03

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  • 1
    Parte da tese de Doutorado do primeiro autor.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      02 Out 2003
    • Recebido
      22 Jul 2002
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