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Pandemia popular

EDITORIAL

Pandemia popular

Desde 2005 a RBE vem tratando da ameaça de pandemia de influenza. Inicialmente uma de nossas colaboradoras (M.R.Donalísio) analisando seminário a respeito assinalava que:

"Grande parte das enfermidades humanas origina-se de reservatórios animais. A existência de múltiplos reservatórios do vírus da influenza na natureza favorece recombinações de vírus que circulam em humanos e animais ou mutações do genoma viral, aumentando a possibilidade de emergência de novos subtipos, aos quais a população humana é susceptível". (dezembro 2005)

Prosseguimos em números posteriores atribuindo à mesma pesquisadora a responsabilidade de conduzir um debate. Foram escolhidos temas e debatedores que transitavam pelas variadas questões levantadas por essa ameaça. Considerávamos então:

"A ameaça à saúde global é cada vez mais presente, com a descrição da gripe em aves migratórias e sua difusão em aves domésticas confinadas. Atingindo pessoas na Ásia e, mais recentemente, na Europa e na África. Publicamos neste número uma seção especial coordenada por Maria Rita Donalísio, com diversas opiniões de especialistas brasileiros sobre questões essenciais desse processo endemo-epidêmico. Apresentamos: (1) Perspectivas da vigilância virológica no Brasil, Terezinha Maria Paiva, do Laboratório de Vírus Respiratórios, Instituto Adolfo Lutz, São Paulo; (2) Possíveis mutações do vírus H5N1 e sua adaptação na transmissão inter-humana, Rita Catarina Medeiros Souza, do Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará e Laboratório de Vírus Respiratórios, Instituto Evandro Chagas; (3) Aspectos clínicos da influenza aviária, Luiz Jacintho da Silva, do Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp; (4) Eficácia da terapêutica antiviral em casos humanos, Dirceu Bartolomeu Greco, do Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais; (5) Perspectiva da produção da vacina no Brasil, Isaias Raw, do Instituto Butantan, São Paulo." (março 2006)

Na sequência, aproveitando os sucessivos relatórios da OMS, fomos dando conta da evolução da pandemia que já demonstrava ser ameaça menos temível do que se prenunciava:

"Gripe aviária: epidemiologia dos casos de infecção humana pelo virus H5N1" (junho 2006)

"Diez cosas que hay que saber sobre la gripe pandêmica" (setembro 2006)

"Atualização, divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), dos 261 casos confirmados laboratorialmente (incluindo 157 óbitos) de gripe aviária, distribuídos por país de ocorrência" (dezembro 2006)

Em seguida a pandemia tornou-se "impopular", até nos levar a suprimir novos e quase supérfluos comentários:

"O debate sobre a gripe aviária arrefeceu. Apresentamos apenas a tabela de casos e óbitos confirmados em laboratório divulgada pela OMS. Com a possível inauguração da fábrica de vacinas de influenza no Instituto Butantan, em São Paulo, voltaremos ao tema." (março 2007)

"Neste número, apenas atualizamos a tabela de casos e de óbitos de Gripe Aviária humana no mundo, divulgada pela OMS." (junho 2007)

Passados dois anos voltamos ao tema neste número da RBE, num contexto distinto em que a as mudanças ocorridas fazem dela uma "pandemia popular". Vamos empreender nova incursão pelo tema, convocando os mesmos colaboradores de antes, incorporando novos que possam dar conta da distinta maneira pela qual a nova ameaça se expressa. Devem ser analisadas: a origem presumível (suína), a complexa recombinação do vírus A(H1N1), a localização geográfica da origem (México) e, sobretudo, a moderna tecnologia de informação que permite monitorar a distribuição de novos casos em tempo real. Esta última é que faz a principal diferença e torna o atual processo endemo-epidêmico no mais popular de todos os tempos. Empregam-se todos os meios atuais de difusão de notícias e não apenas as usuais notificações que circulam pelo sistema de informação da saúde.

Desde logo, algumas novidades merecem destaque. Em primeiro lugar, a difícil relação dos gestores com a mídia ganha dimensão distinta da usual. É necessário explorar essa nova relação, em que aparentemente vigora um maior respeito pela interpretação dos cientistas e dos responsáveis pela saúde pública. Contrariando até o pessimismo que vigora em alguns meios acadêmicos, nos quais se nega a política "baseada" em evidências científicas. Alguns céticos preferem considerar no máximo que a política pode ser "influenciada" por essas evidências ou, os ainda mais radicais, que é apenas "informada" por elas.

Outro ponto a considerar remete às explicações alternativas de hábito, inclusive as idéias sempre presentes de organismos geneticamente modificados, ocasionalmente liberados ou especialmente produzidos em laboratório com idéias de guerra bacteriológica, ou ainda com interesses de mercado dos produtores de vacinas. Essas idéias têm sido sistematicamente descartadas pelo mundo científica convocado pela autoridade sanitária mundial.

Ainda mais polêmica tem sido a atitude assumida pelos produtores internacionais de vacinas e seu radicalismo no combate à posição liderada pelo Brasil na Assembléia Mundial de Saúde de considerar os resultados do esforço científico "bem público da humanidade", abrandando o acordo TRIPS que rege o acesso à propriedade intelectual.

Sobretudo devemos assinalar o relevante e sóbrio papel representado neste episódio pelas revistas científicas. Com destaque, no exterior, para New England Journal of Medicine que criou uma seção especial de acesso livre incorporando um "mapa da saúde" atualizado por informações provenientes das diversas possíveis fontes de informação. A elas se associa a R B E que se dispõe a acompanhar a "pandemia popular" com a mesma sobriedade e competência. É o que prometemos para os próximos números, quando se configurar com maior precisão o quadro da pandemia.

José da Rocha Carvalheiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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