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Gestão de Carteiras sob Múltiplos Regimes: Estratégias que Performam Acima do Mercado

Portfolio Management under Multiple Regimes: Strategies that Outperform the Market

RESUMO

Contexto:

modelos de múltiplos regimes econômicos para alocação de ativos sob a função utilidade estocástica diferencial não constavam na literatura até o modelo de Campani, Garcia e Lewin (2020). Esta função está na fronteira do conhecimento pois, mais realisticamente que as demais, separa os principais parâmetros de risco do investidor. Tal configuração, porém, torna-se complexa a ponto de não admitir solução exata na literatura e a simulação de Monte Carlo não é ágil para solucionar o problema em tempo real. O modelo resolve esta questão com uma aproximação precisa o suficiente para a alocação e nosso artigo oferece a primeira aplicação fora do cenário estadunidense.

Objetivo:

avaliar estratégias de portfólio montadas a partir do modelo em tela, e comparar suas performances aos retornos dos principais benchmarks do mercado.

Métodos:

propomos estratégias com e sem vendas a descoberto sob quatro regimes econômicos latentes a partir dos retornos dos ativos: cash (CDI), renda fixa (IMA-G), ações domésticas (IBrX-100) e ações internacionais (S&P 500) em reais. Com estes parâmetros, estimamos as probabilidades de ocorrência dos regimes e definimos os pesos de cada ativo nas carteiras (estratégias de múltiplos regimes). Comparamos as performances destas carteiras com índices de mercado e modelos míopes (estratégias de regime único), calculando a significância estatística dos resultados através do teste de Wilcox. Resultados: com esta pesquisa, tornamo-nos pioneiros ao identificar pela primeira vez quatro regimes econômicos no Brasil para otimização de carteiras. Os resultados indicam que (i) a política de portfólio depende fortemente do estado corrente da economia; e (ii) as estratégias propostas superam o mercado em termos de retornos e índice de Sharpe.

Conclusão:

os modelos de múltiplos regimes mostram-se relevantes para a gestão de carteiras e estratégias baseadas nestes modelos, por sua vez, podem implicar em soluções que beneficiem gestores de investimentos.

Palavras-chave:
estratégias de carteiras; alocação dinâmica; classes de ativos brasileiros; modelos com mudanças de regimes; economia de múltiplos regimes

ABSTRACT

Context:

regime switching models in asset allocation under the stochastic differential utility function were not included in the literature until Campani, Garcia and Lewin (2020) model. This function is at the knowledge edge because, more realistically than the others, it separates the investor main risk parameters. Such configuration, however, becomes so complex that it does not admit an exact solution in the literature and Monte Carlo simulation is not efficient to solve the problem in real time. The model solves that issue with an approximate solution, which is fairly accurate for allocation, and our article offers the first application outside the North American scenario.

Objective:

evaluate portfolio strategies based on the model on screen and compare their performances with the returns of the main benchmarks of the market.

Methods:

we propose strategies with and without short selling under four unobservable economic regimes based on the asset returns from: cash (CDI), fixed income (IMA-G), domestic stocks (IBrX-100) and international stocks (S&P 500) in Brazilian Reais. With these parameters, we estimate the regimes probabilities and define each asset weights in the portfolios (multi-regime strategies). Then, we compare these portfolios performances with market indexes and the myopic models (single regime strategies), calculating the statistical significance of the results using Wilcox test. Results: with this research, we pioneer identifying for the first time four economic regimes in Brazil for portfolio optimization. The results indicate that (i) the portfolio policy strongly depends on the current economy state; and (ii) the proposed strategies outperform the market in terms of returns and Sharpe ratio.

Conclusion:

regime switching models are relevant for portfolio management, and strategies based on these models might imply in solutions that benefit investment managers.

Keywords:
portfolio strategies; dynamic allocation; Brazilian asset classes; regime switching models; multiple regime economy

INTRODUÇÃO

Desde Markowitz (1952)Markowitz, H. (1952). Portfolio selection. The Journal of Finance, 7(1), 77-91. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1952.tb01525.x
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, muitos pesquisadores têm se dedicado a modelos de alocação de ativos visando maximização de performance. Hamilton (1989)Hamilton, J. D. (1989). A new approach to the economic analysis of nonstationary time series and the business cycle. Econometrica, 57(2), 357-384. https://doi.org/10.2307/1912559
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teve importante colaboração ao introduzir as cadeias de Markov, contribuindo também para problemas em outras áreas da economia e de finanças. Este método captura as mudanças entre os estados da economia, o que é essencial para prever ciclos e as decorrentes mudanças nos parâmetros que os definem. Os estados da economia são modelados por regimes que trocam de acordo com probabilidades de transição: são os chamados modelos de mudanças de regimes (regime switching models). A relevância desses modelos na alocação ótima de portfólios é confirmada na literatura por, Ang e Bekaert (2004)Ang, A., & Bekaert, G. (2004). How regimes affect asset allocation. Financial Analysts Journal, 60(2), 86-99. https://doi.org/10.2469/faj.v60.n2.2612
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, Tu (2010)Tu, J. (2010). Is regime switching in stock returns important in portfolio decisions? Management Science, 56(7), 1198-1215. https://doi.org/10.1287/mnsc.1100.1181
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e Guidolin e Hyde (2012)Guidolin, M., & Hyde, S. (2012). Can VAR models capture regime shifts in asset returns? A long-horizon strategic asset allocation perspective. Journal of Banking & Finance, 36(3), 695-716. https://doi.org/10.1016/j.jbankfin.2011.10.011
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, por exemplo.

O primeiro trabalho a estudar a alocação de portfólios utilizando modelos de mudanças de regimes foi Ang e Bekaert (2002)Ang, A., & Bekaert, G. (2002). International asset allocation with regime shifts. The Review of Financial Studies, 15(4), 1137-1187. https://doi.org/10.1093/rfs/15.4.1137
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. Eles configuraram um modelo com dois regimes observáveis (bull e bear markets) e n ativos de risco. Com igual configuração, Graflund e Nilsson (2003)Graflund, A., & Nilsson, B. (2003). Dynamic portfolio selection: The relevance of switching regimes and investment horizon. European Financial Management, 9(2), 179-200. https://doi.org/10.1111/1468-036X.00215
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trabalharam com apenas um ativo de risco e um livre de risco para analisar os efeitos temporais dos regimes na alocação de carteiras.

Os passos seguintes foram dados por Guidolin e Timmermann (2007)Guidolin, M. & Timmermann, A. (2007). Asset allocation under multivariate regime switching. Journal of Economic Dynamics and Control, 31(11), 3503-3544. https://doi.org/10.1016/j.jedc.2006.12.004
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, que identificaram a existência de quatro regimes não-observáveis nos retornos de ações e renda fixa estadunidenses. Eles geraram portfólios otimizados a partir de simulação de Monte Carlo. Até então, todos esses trabalhos utilizaram a função potência de utilidade (power utility). Tal função utilidade permite um tratamento matemático simplificado, porém não é considerada realista por prever uma relação matemática ad hoc entre os dois principais parâmetros de risco: o índice de aversão ao risco (γ) seria o inverso da elasticidade intertemporal de substituição (Ψ). Tais parâmetros medem a aversão do investidor ao risco em duas dimensões independentes (intratemporal e intertemporal), porém não há motivos que justifiquem tal relação, conforme apontam os autores a seguir.

Campani, Garcia e Lewin (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication. trabalham com quatro regimes latentes, considerando a função de utilidade estocástica diferencial de Duffie e Epstein (1992)Duffie, D., & Epstein, L. G. (1992). Stochastic differential utility. Econometrica, 60(2), 353-394. https://doi.org/10.2307/2951600
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, uma classe dentre as funções recursivas de utilidade, que opera sob tempo contínuo. Esta função está um passo à frente da clássica função potência pois separa os parâmetros γ e Ψ. Os autores implementaram a solução analítica aproximada proposta por Campani e Garcia (2019)Campani, C. H., & Garcia, R. (2019). Approximate analytical solutions for consumption/investment problems under recursive utility and finite horizon. North American Journal of Economics and Finance, 48, 364-384. https://doi.org/10.1016/j.najef.2019.03.005
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, a qual demonstraram ser suficientemente precisa para a alocação de ativos. Esta aproximação proporciona uma alternativa eficiente à limitação de tempo imposta pela simulação de Monte Carlo.

O objetivo do presente trabalho consiste na aplicação no mercado brasileiro da solução apresentada por Campani et al. (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication., doravante modelo CGL, com quatro regimes latentes na economia. Esta é a primeira vez que quatro regimes são identificados no Brasil para a finalidade de alocação de carteiras. As especificidades de um mercado em desenvolvimento, e.g., a importância dos ativos ligados às classes de juros, tornam relevante a nossa pesquisa para se avaliar a robustez do modelo CGL, podendo inclusive interessar a pesquisadores internacionais. Assim, propomos duas estratégias (com e sem vendas a descoberto) que podem ser utilizadas eficazmente por gestores de carteiras, pois os resultados obtidos com a aplicação do modelo CGL são significativamente superiores aos principais benchmarks brasileiros.

REVISÃO DA LITERATURA

Pesquisas recentes levaram os modelos de mudanças de regimes para diversas áreas de finanças. Hamilton, Harris, Hatzius e West (2016)Hamilton, J. D., Harris, E. S., Hatzius, J., & West, K. D. (2016). The equilibrium real funds rate: Past, present, and future. IMF Economic Review, 64(4), 660-707. https://doi.org/10.1057/s41308-016-0015-z
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, por exemplo, usaram o método para estudar a tendência de longo prazo e a flutuação das taxas de juros reais. Guidolin, Orlov e Pedio (2017)Guidolin, M., Orlov, A. G., & Pedio, M. (2017). The impact of monetary policy on corporate bonds under regime shifts. Journal of Banking & Finance, 80, 176-202. https://doi.org/10.1016/j.jbankfin.2017.03.011
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analisaram os efeitos da expansão monetária convencional e o quantitative easing sob um modelo de três regimes. Na precificação de commodities, Giampietro, Guidolin e Pedio (2018)Giampietro, M., Guidolin, M., & Pedio, M. (2018). Estimating stochastic discount factor models with hidden regimes: Applications to commodity pricing. European Journal of Operational Research, 265(2), 685-702. https://doi.org/10.1016/j.ejor.2017.07.045
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reportaram que a performance do método supera os modelos de regime único (que ignoram as mudanças de regimes). Bensoussan, Hoe, Yan e Yin (2017)Bensoussan, A., Hoe, S. R., Yan, Z. F., & Yin, G. (2017). Real options with competition and regime switching. Mathematical Finance, 27(1), 224-250. https://doi.org/10.1111/mafi.12085
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uniram técnicas de opções reais e de teoria dos jogos em diferentes estados econômicos para demonstrar a relevância dos diferentes regimes nas decisões ótimas de investimentos em estratégias de entrada de mercado, tais como os movimentos competitivos de líderes e seguidores.

Na área de alocação de ativos, Bae, Kim e Mulvey (2014)Bae, G. I., Kim, W. C., & Mulvey, J. M. (2014). Dynamic asset allocation for varied financial markets under regime switching framework. European Journal of Operational Research, 234(2), 450-458. https://doi.org/10.1016/j.ejor.2013.03.032
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estudaram um portfólio com renda variável, renda fixa e commodities, convertendo o modelo estático de média-variância para um problema de otimização. Considerando quatro regimes não-observáveis, eles concluíram que a informação sobre os regimes mitiga os riscos durante os períodos de crise. Jiang, Liu e Tse (2015)Jiang, P., Liu, Q., & Tse, Y. (2015). International asset allocation with regime switching: Evidence from the ETFs. Asia-Pacific Journal of Financial Studies, 44(5), 661-687. https://doi.org/10.1111/ajfs.12109
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, com modelos de mudanças de regimes, criaram uma estratégia para a alocação de ETFs (exchange traded funds) cobrindo EUA, Europa e Ásia visando aprimorar a informação sobre o risco sistêmico global. Utilizando tanto um portfólio de média-variância quanto uma carteira com pesos iguais, eles verificaram que um modelo com apenas dois regimes observáveis apresenta resultados superiores a um modelo de regime único. Zhang, Chen e Yao (2017)Zhang, M., Chen, P., & Yao, H. (2017). Mean-variance portfolio selection with only risky assets under regime switching. Economic Modelling, 62, 35-42. https://doi.org/10.1016/j.econmod.2016.12.030
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trabalharam apenas com ativos de risco para demonstrar como a fronteira eficiente é afetada pela troca de regimes e pelo horizonte do investidor.

No panorama brasileiro, Oliveira e Pereira (2014Oliveira, A. B., & Pereira, P. L. (2014, dezembro). Alocação de portfólio com mudança de regime: Fronteira eficiente e portfólio tangente com mudança de regime. Encontro Brasileiro de Econometria, Natal, RN, Brasil, 36.; 2018)Oliveira, A. B., & Pereira, P. L. V. (2018). Uncertainty times for portfolio selection at financial market [Working Paper no 473]. CEQEF - FGV São Paulo School of Economics, São Paulo, SP. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3143092
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estudaram a alocação de ativos com dois regimes não-observáveis (eles denotaram como mercados de alta e baixa). Os autores consideraram duas classes de ativos: o ativo livre de risco foi representado pela taxa CDI e a renda variável foi representada por uma seleção de ações que constavam em todas as composições do Ibovespa durante o período de observação (janeiro de 2009 até dezembro de 2016). Na maioria das ações, os autores verificaram que o mercado de baixa levava a retornos e volatilidade baixos, enquanto o mercado de alta levava a retornos e volatilidade altos. Os autores aplicaram as médias e variâncias resultantes do modelo de mudanças de regimes em duas estratégias de portfólio: tangente e mínima variância. Em cada uma, o modelo foi configurado de três formas: economia com regime único, economia com troca de regimes e inferindo o regime do próximo período. Adicionalmente, na estratégia de mínima variância, os autores ainda diferenciaram as restrições de venda a descoberto. No total, nove modelos foram comparados e o resultado do portfólio tangente (menor aversão ao risco) melhorou com a troca de regimes nos períodos de alta, mas o portfólio de mínima variância (maior aversão ao risco) foi pouco afetado com a troca de regimes. Nossos resultados mostrarão que um maior número de regimes acomoda melhor os movimentos de curto prazo durante as tendências de longo prazo, seja no mercado de alta ou no mercado de baixa; e que o ativo livre de risco e a renda variável carecem de todas as características para capturar os principais estados da economia brasileira. Os títulos do governo representam uma classe de ativos de suma importância no país - talvez seja a mais relevante para o mercado financeiro nacional - e, em alguns regimes, o prêmio de risco destes títulos sobre a taxa CDI apresenta volatilidades relevantes. Ademais, não trabalhar com índices de mercado pode gerar um viés de seleção: por exemplo, a seleção das ações feita pelos autores reduziu a classe para apenas 24 empresas, enquanto existiam 385 empresas listadas na bolsa de valores brasileira em 2009. Não obstante, as estratégias sujeitas à função quadrática limitaram a obtenção de uma solução mais realista para o problema.

Todas as pesquisas citadas utilizaram o modelo de média-variância de Markowitz (1952)Markowitz, H. (1952). Portfolio selection. The Journal of Finance, 7(1), 77-91. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1952.tb01525.x
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, que se utiliza da função de utilidade quadrática. Michaud e Michaud (2008)Michaud, R. O., & Michaud, R. O. (2008). Efficient asset management: A practical guide to stock portfolio optimization and asset allocation (2nd ed.). Oxford, UK: Oxford University Press. mostram que a função quadrática usada na otimização de portfólios de média-variância é empiricamente distante da realidade pois apenas considera média e variância para representar a utilidade e os objetivos do investidor. Esta função não considera momentos estatísticos mais elevados, tornando-a não aderente aos investidores. Ademais, a análise por média-variância é estática, isto é, ela modela apenas um período a frente sem enxergar períodos subsequentes. E, por último, esta análise não considera para o investidor a utilidade que advém do consumo.

Até onde sabemos, antes de Campani et al. (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication., houve três pesquisas que visaram a solução explícita para o problema do investidor utilizando um modelo de mudanças de regimes em mercados financeiros. Zhou e Yin (2003)Zhou, X. Y., & Yin, G. (2003). Markowitz’s mean-variance portfolio selection with regime switching: A continuous-time model. SIAM Journal on Control and Optimization, 42(4), 1466-1482. https://doi.org/10.1137/S0363012902405583
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resolveram o problema a partir de um portfólio de média-variância, sem considerar consumo, utilizando tempo contínuo e um horizonte finito para o investimento. Sotomayor e Cadenillas (2009)Sotomayor, L. R., & Cadenillas, A. (2009). Explicit solutions of consumption-investment problems in financial markets with regime switchings. Mathematical Finance, 19(2), 251-279. https://doi.org/10.1111/j.1467-9965.2009.00366.x
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ofereceram uma solução para um horizonte infinito, onde maximizaram a utilidade esperada da taxa de consumo para determinar as políticas de alocação de portfólio e consumo para o investidor de utilidade logarítmica e para o investidor com função potência de utilidade. O horizonte infinito limitava a análise dos efeitos de horizonte na segunda pesquisa. E ambas as pesquisas eram limitadas por considerar os regimes observáveis e funções utilidade não realistas.

Uma outra solução analítica foi proposta por Honda (2003)Honda, T. (2003). Optimal portfolio choice for unobservable and regime-switching mean returns. Journal of Economic Dynamics and Control, 28(1), 45-78. https://doi.org/10.1016/S0165-1889(02)00106-9
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, com dois regimes não-observáveis e horizonte finito, porém sob um caso extremamente específico e não realista onde o investidor teria uma taxa de aversão ao risco igual a 0,5. Para outros valores, o autor resolve numericamente a alocação via simulação de Monte Carlo. Ele usou a função potência de utilidade para achar a utilidade do consumo e da riqueza terminal, considerando apenas o retorno médio esperado dos ativos de risco como dependente do regime. Os demais parâmetros (incluindo volatilidades) foram mantidos constantes e independentes do regime.

Os modelos realistas para resolver o problema do investidor ainda não contam com soluções analíticas exatas em economias com mudanças de regimes. Isto abre caminho para soluções analíticas aproximadas, que se contrapõem às soluções numéricas via simulação de Monte Carlo. As soluções analíticas permitem respostas muito mais ágeis (sem necessidade de simulações) e uma avaliação das estratégias de alocação de forma mais profunda - por exemplo, o impacto dos parâmetros de mercado pode ser mais nitidamente verificado. Além disso, a função de utilidade estocástica diferencial introduzida por Duffie e Epstein (1992)Duffie, D., & Epstein, L. G. (1992). Stochastic differential utility. Econometrica, 60(2), 353-394. https://doi.org/10.2307/2951600
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é empiricamente mais relevante que as funções de utilidade usadas anteriormente, pois ela separa as escolhas de risco do investidor (especificamente, as funções utilidade de potência e logarítmica são subcasos da função estocástica diferencial). Campani et al. (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication. inovaram ao aplicar pioneiramente esta função para alocação de ativos com modelos de mudanças de regimes. Para resolver o problema, os autores aplicaram a técnica de aproximação de Campani e Garcia (2019)Campani, C. H., & Garcia, R. (2019). Approximate analytical solutions for consumption/investment problems under recursive utility and finite horizon. North American Journal of Economics and Finance, 48, 364-384. https://doi.org/10.1016/j.najef.2019.03.005
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ajustada a múltiplos regimes, e confirmaram que tal procedimento fornece resultados suficientemente precisos. Adicionalmente, a aproximação permite superar a severa limitação de tempo imposta pela simulação de Monte Carlo em configurações realistas.

Nossa pesquisa é pioneira ao aplicar o modelo CGL no mercado financeiro brasileiro. Pela primeira vez, quatro regimes não-observáveis foram estimados com o intuito de se explorar estratégias dinâmicas de portfólio no Brasil em uma configuração com o horizonte finito. A relevância desta aplicação se encontra na capacidade de absorção das idiossincrasias do mercado brasileiro pelo modelo CGL, o qual demonstra robustez na medida em que os resultados das estratégias propostas superam os resultados dos principais benchmarks.

O restante do artigo está estruturado com a próxima seção descrevendo o método usado para aplicar o modelo e a seção seguinte detalhando as classes de ativos. Na sequência, a seção apresenta os modelos míopes (isto é, que enxergam regimes únicos) usados para efeito de comparação. A especificação do modelo com quatro regimes e os resultados apresentados pelos portfólios dinâmicos estão, respectivamente, nas seguintes seções. E na última seção segue a conclusão. Os desenvolvimentos matemáticos, onde seguimos Campani et al. (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication., estão apresentados no arquivo suplementar deste trabalho, que pode ser encontrado na última página em ‘Disponibilização dos Dados’. Na seção (A), apresentamos a configuração da economia; na seção (B), a configuração do investidor; na seção (C) a solução para o problema do investidor; nas seções (D) e (E), respectivamente, os processos de estimação dos parâmetros e da matriz σπ; e na seção (F) os testes de precisão do modelo aplicado no Brasil.

MÉTODO

Geramos um modelo de mudanças de regimes de acordo com Hamilton (1989)Hamilton, J. D. (1989). A new approach to the economic analysis of nonstationary time series and the business cycle. Econometrica, 57(2), 357-384. https://doi.org/10.2307/1912559
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e definimos a alocação dos ativos de acordo com o modelo CGL usando um sistema de programas em MatLab®. Operamos da seguinte forma: em primeiro lugar, encontramos a alocação dos ativos para os modelos míopes (i.e., que enxergam apenas um regime na economia), cuja finalidade é a posterior comparação com os modelos de múltiplos regimes. A seguir, usando a máxima verossimilhança, estimamos os parâmetros do modelo de quatro regimes: médias e volatilidades dos ativos por regime, matrizes de correlações para os quatro regimes, as probabilidades de transição, bem como probabilidades filtradas e suavizadas. Feito isso, usamos a solução aproximada para definir as estratégias de alocação do modelo CGL e fizemos o teste de precisão (acurácia), rodando a simulação de Monte Carlo para encontrar a solução ótima e comparar com a solução aproximada (estes resultados encontram-se no arquivo suplementar a este artigo). Por fim, com o modelo CGL, propomos duas estratégias dinâmicas de portfólio, com e sem vendas a descoberto, e as comparamos com os benchmarks do mercado e com as soluções dadas pelos modelos míopes (de regimes únicos).

Configuramos um modelo de tempo contínuo, considerando um mercado sem atritos e sem arbitragens, incorporando n + 1 classes de ativos: um ativo de curto prazo livre de risco e n ativos arriscados. Utilizamos prêmios de risco para absorver a volatilidade do ativo livre de risco nos retornos dos ativos arriscados. Calculamos os retornos em excesso de t para t + 1

(1a) 1 + ra n , t + 1 1 + rf t + 1 1 , com

(1b) ra n , t + 1 = S n , t + 1 S n , t S n , t ,

onde, Sn,t é nível (preço) do ativo arriscado, ran,t+1 é o retorno do ativo arriscado e rft+1 é o retorno do ativo livre de risco. Assim, o prêmio do ativo livre de risco torna-se constante e igual a zero. A seção (A) do arquivo suplementar detalha os demais processos da economia, onde seguimos os passos apresentados por Campani et al. (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication..

A função de utilidade estocástica diferencial, usada no modelo CGL, separa a aversão ao risco (γ) da elasticidade intertemporal de substituição (Ψ). Neste trabalho, tomamos Ψ = ∞, para eliminar o consumo e restringir o problema à alocação dos ativos no portfólio. Seguindo Campani et al. (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication. e Guidolin e Timmermann (2007)Guidolin, M. & Timmermann, A. (2007). Asset allocation under multivariate regime switching. Journal of Economic Dynamics and Control, 31(11), 3503-3544. https://doi.org/10.1016/j.jedc.2006.12.004
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, consideramos o parâmetro que controla as atitudes do investidor em relação ao risco intratemporal como γ = 5, e a taxa de preferência no tempo foi ajustada ao equivalente a β = 2% ao ano. No arquivo suplementar, a seção (B) apresenta os demais processos do investidor e a seção (C) mostra o método utilizado para computar os pesos do portfólio - ambas as seções de acordo com o modelo CGL. Os detalhes para estimar os parâmetros da cadeia de Markov seguem na seção (D) do arquivo suplementar, e na seção (E), apresentamos a metodologia para estimação da matriz σπ.

Acompanhando o modelo original, discretizamos o processo de decisão. Usando a estratégia de tempo discreto, o investidor decide a alocação baseado na informação corrente e aguarda até o próximo período para refazer suas escolhas - quando receberá novas informações. Sabe-se que quanto mais curto for o período de rebalanceamento, mais similar ele será com o modelo contínuo (porém maiores serão os custos de rebalanceamento). Diferente de Guidolin e Timmermann (2007)Guidolin, M. & Timmermann, A. (2007). Asset allocation under multivariate regime switching. Journal of Economic Dynamics and Control, 31(11), 3503-3544. https://doi.org/10.1016/j.jedc.2006.12.004
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e Campani et al. (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication., o período de rebalanceamento escolhido foi semanal pois os dados selecionados se estendem apenas até cerca de 17 anos atrás e, portanto, optamos por aumentar o número de observações. Outro custo de termos dados semanais é que eles sobrecarregam a simulação (usada para avaliar a precisão do modelo).

O equivalente de perda de riqueza (wealth equivalent loss) foi usado para testar a precisão (acurácia) da solução gerada pelo modelo CGL, a qual é subótima pois se origina de uma aproximação, em comparação à solução ótima obtida pela simulação. Para fazer esta medição, seguindo Campani et al. (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication., estruturamos a simulação de Monte Carlo formando nodos com a combinação dos horizontes de investimentos e dois grids. Os horizontes foram formados de 13 a 260 semanas. O primeiro grid corresponde a todos os possíveis pesos para cada ativo do portfólio em escala de 12,5%. O segundo grid corresponde a todas as probabilidades de estar em cada um dos regimes, também em escala de 12,5%. Em cada nodo, rodamos N = 30.000 simulações - Guidolin e Timmermann (2007)Guidolin, M. & Timmermann, A. (2007). Asset allocation under multivariate regime switching. Journal of Economic Dynamics and Control, 31(11), 3503-3544. https://doi.org/10.1016/j.jedc.2006.12.004
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afirmam que N = 20.000 já é o suficiente para garantir a acurácia. Esta combinação exponencial demandou aproximadamente 127 horas de processamento em paralelo para completar a simulação.

O equivalente de perda de riqueza foi calculado considerando dois investidores idênticos, exceto que eles investem diferentes montantes. O primeiro segue a estratégia ótima e o segundo segue a estratégia aproximada (subótima). O segundo investidor investe um montante de $100. Dadas as duas estratégias, calculamos o montante que deveria ser inicialmente aportado pelo primeiro investidor para alcançar a mesma riqueza terminal do segundo investidor. Como o primeiro investidor segue a estratégia ótima, seu investimento inicial será menor do que $100. O percentual referente à diferença entre os montantes iniciais é o equivalente de perda de riqueza. Neste caso, uma menor perda significa maior acurácia. Os testes de acurácia do modelo CGL aplicado no Brasil exibem resultados satisfatórios, conforme mostrado na seção (F) do arquivo suplementar.

DADOS UTILIZADOS

Utilizamos um ativo livre de risco e três ativos de risco, selecionados para capturar as características dos mercados: cash, renda fixa, renda variável nacional e internacional (em reais). Esta composição forma as quatro classes que representam os ativos mais relevantes no mercado financeiro brasileiro. Estas classes são também as mais acessíveis ao investidor comum, o qual possui técnicas menos sofisticadas do que os investidores institucionais e menos instrumentos para empregar avaliações complexas. Seguimos Andrino e Leal (2018)Andrino, D. D., & Leal, R. P. C. (2018). Equally weighted strategic allocation and balanced funds in Brazil. Latin American Business Review, 19(1), 23-53. https://doi.org/10.1080/10978526.2018.1450150
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para selecionar as classes de ativos mais líquidas acessíveis aos investidores comuns por meio dos instrumentos disponíveis no mercado financeiro brasileiro. A única exceção foi que os autores especificaram inflação como uma classe própria para capturar a performance dos títulos que refletem a correção do custo de vida. Em vez disso, nomeamos uma classe como renda fixa para abranger uma maior diversificação de títulos associados à taxa de juros. Nas demais classes de ativos, acompanhamos a terminologia destes autores.

Todas as classes foram representadas por um índice correspondente para mitigar o viés de seleção. Extraímos os dados da Economática© utilizando uma janela de observações semanais de 7 de dezembro de 2001 até 31 de agosto de 2018 - totalizando 873 observações.

Cash

A taxa do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) representa um investimento amplamente utilizado no Brasil e frequentemente é considerada como a taxa livre de risco do país, como nas pesquisas de Andrino e Leal (2018)Andrino, D. D., & Leal, R. P. C. (2018). Equally weighted strategic allocation and balanced funds in Brazil. Latin American Business Review, 19(1), 23-53. https://doi.org/10.1080/10978526.2018.1450150
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e Oliveira e Pereira (2018)Oliveira, A. B., & Pereira, P. L. V. (2018). Uncertainty times for portfolio selection at financial market [Working Paper no 473]. CEQEF - FGV São Paulo School of Economics, São Paulo, SP. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3143092
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. A taxa CDI é calculada pela Cetip, que se uniu à BM&F Bovespa, a bolsa de valores, commodities e futuros, e deu origem à B3 - Brasil, Bolsa e Balcão. Além de ser calculada pelo setor privado, independente das instituições do governo, o uso da taxa CDI como benchmark para a taxa livre de risco brasileira se justifica pois ela acompanha, em valor e variação, as taxas de curto prazo dos títulos do tesouro (Selic, a taxa de juros básica da economia). A tabela 1 mostra a forte correspondência do CDI com o título do tesouro pós-fixado cuja rentabilidade segue a variação da Selic (LFT). Desse modo, a taxa CDI pode ser considerada um proxy confiável dos ativos de maior liquidez e, neste trabalho, foi utilizada para representar esta classe, denominada cash.

Tabela 1
Índices avaliados para compor as classes de ativos brasileiras.

Renda fixa

O Brasil se destaca pela elevada taxa de juros e o mercado de renda fixa se torna tão convidativo que chega a inibir o crescimento dos investimentos em outros mercados locais. Nesta classe, os títulos públicos são os ativos disparadamente mais líquidos. A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) fornece um amplo espectro de índices do tesouro. Entre os mais utilizados, o IMA-B representa os títulos lastreados pelo índice inflacionário IPCA (NTN-B); e o IRF-M representa os títulos pré-fixados (LTN e NTN-F). A Anbima também fornece o IMA-G, que representa um portfólio diversificado de títulos do tesouro: optamos por escolhê-lo representar a classe de renda fixa por ser o mais abrangente. A tabela 1 mostra a performance dos referidos índices. Além disso, o IMA-G é o índice da Anbima mais antigo (em operação) e, não obstante, sua data de início ainda tenha sido o fator que limitou a extensão da nossa janela de observações.

Renda variável nacional

O Ibovespa ou o IBrX-100 poderiam representar o mercado nacional de renda variável dado que a maioria dos instrumentos para investir em ações está ligado a um desses índices da B3. Porém, a metodologia de cálculo do IBrX-100 captura melhor o mercado. Até 2014, o Ibovespa era calculado com base na liquidez das empresas, o que permitia ações em queda livre e de valor na casa dos centavos, devido ao alto volume de negociação, ter sua participação aumentada na composição do índice. Apenas em 2014, entre outros ajustes, este método foi substituído por capitalização de mercado. Já o IBrX-100 se baseia na capitalização de mercado desde o seu início. Além disso, o IBrX-100 é composto pelas 100 maiores ações do mercado enquanto o Ibovespa não possui um número predeterminado de ações (em 5 de outubro de 2018, o Ibovespa era composto por 65 ações). Como resultado destas diferenças, a tabela 1 mostra que o IBrX-100 tem melhor performance do que o Ibovespa, com maior retorno e menor risco.

Denotaremos esta classe como ações BR sem segmentá-la, como fazem Guidolin e Timmerman (2007)Guidolin, M. & Timmermann, A. (2007). Asset allocation under multivariate regime switching. Journal of Economic Dynamics and Control, 31(11), 3503-3544. https://doi.org/10.1016/j.jedc.2006.12.004
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, em (índices MCLX e SMLL) devido à baixíssima liquidez das empresas menores no Brasil e porque o cálculo destes índices da B3 foi iniciado apenas em 2008. A tabela 1 mostra que a baixa liquidez e a curta série de dados implicam em resultados incomumente similares ao próprio IBrX-100, utilizado para representar as ações BR.

Renda variável internacional

Considerando que a taxa do câmbio dólar-real é inversamente relacionada com a renda variável nacional, a utilizamos como investimento alternativo para reduzir os riscos específicos (risco-pais) do investidor. Naresh, Vasudevan, Mahalakshmi e Thiyagarajan (2018)Naresh, G., Vasudevan, G., Mahalakshmi, S., & Thiyagarajan, S. (2018). Spillover effect of US dollar on the stock indices of BRICS. Research in International Business and Finance, 44, 359-368. https://doi.org/10.1016/j.ribaf.2017.07.105
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indicaram, por exemplo, que a apreciação das moedas dos BRICS contra o dólar americano aumenta o valor dos índices de ações dos respectivos países; e Oliveira e Maranhão (2018)Oliveira, W. S. M. de, & Maranhão, A. N. (2018). Spillovers of foreign exchange volatility and international financial markets in the brazilian stock market. Brazilian Review of Finance, 15(4), 569-603. http://dx.doi.org/10.12660/rbfin.v15n4.2017.63341
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mostraram que há precedência estatisticamente significativa entre os spillovers de câmbio e dos mercados financeiros internacionais e o índice Ibovespa. Além disso, ao diversificar em dólares, os investidores brasileiros podem aproveitar os recursos colocados em moeda forte para investir em oportunidades internacionais. Consideramos que, pela perspectiva do brasileiro, o índice que melhor reproduz estas oportunidades seria o S&P 500. Embora não seja o único proxy para a renda variável internacional, o S&P 500 pode ser considerado o mais relevante para os brasileiros haja vista que o investimento em outros países é menos comum.

O mercado de renda variável internacional (em reais) será referenciado no modelo como ações US. Para capturar o movimento do câmbio e da renda variável internacional, calculamos a classe de ações US como o retorno do S&P 500 em dólares juntamente com o retorno da taxa USD/BRL (dada pela taxa PTAX). A tabela 1 mostra o retorno e a volatilidade destes índices. Consideramos, também, que ao invés do investidor operar diretamente no exterior, há outros veículos mais simples que permitem o acesso às ações US: Exchange Traded Funds (ETF) e fundos multimercados nacionais que concentram seus investimentos no exterior. Infelizmente, os ETFs estão restritos aos investidores qualificados. Porém os fundos multimercados estão acessíveis aos investidores comuns em plataformas amplamente divulgadas no mercado.

Outros mercados

Analisamos outras classes de ativos, porém não as utilizamos na aplicação deste modelo por algumas razões: debêntures, fundos multimercados e imóveis. Estudamos as debêntures através de dois índices da Anbima: IDA-DI (ligadas a taxa CDI) e IDA-Geral (ligadas a taxa CDI ou inflação) e concluímos que os ativos subjacentes a estes índices têm baixíssima liquidez, de forma que perdem atratividade para o propósito deste estudo já que poderiam sugerir retornos baseados em preços irreais ‘marcados na curva’ e não no mercado. Por sua vez, o índice de hedge funds da Anbima (IHFA) é usado como benchmark para fundos multimercados, como explicado por Andrino e Leal (2018)Andrino, D. D., & Leal, R. P. C. (2018). Equally weighted strategic allocation and balanced funds in Brazil. Latin American Business Review, 19(1), 23-53. https://doi.org/10.1080/10978526.2018.1450150
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: não consideramos este índice como representativo de uma classe específica de ativos pois, ao combinar as classes de ativos já existentes, o modelo virtualmente pode alcançar a mesma diversificação - em outras palavras, tal índice não constitui uma nova classe propriamente dita, mas uma carteira formada por ativos oriundos de outras classes.

Apesar dos imóveis poderem ser considerados como uma relevante classe de ativos para diversificar no mercado brasileiro, o benchmark para imóveis da B3 (IFIX) apenas começou a ser calculado em dezembro de 2010: chegamos a testar o modelo com o IFIX, porém a curta janela de observações sujeitou a estimação dos regimes a excessivas influências de curto prazo. Já o índice de imóveis fornecido pelo IBRE/FGV/RJ (IGMI-C) começou em 2000, porém a sua base é trimestral e não inclui os imóveis residenciais, além de estar sujeito aos já ressaltados problemas de iliquidez: portanto também não utilizamos os imóveis como uma classe para o modelo aqui estabelecido.

MODELOS MÍOPES (DE REGIMES ÚNICOS)

Nossa pesquisa propõe a aplicação do modelo dinâmico com quatro regimes. Entretanto, para efeito de comparação, estimamos quatro modelos míopes, i.e., que enxergam apenas um único regime na economia. A tabela 2 mostra os parâmetros estimados para os modelos míopes para posterior comparação com os modelos dinâmicos de múltiplos regimes. O modelo estocástico diferencial utiliza a função utilidade de Duffie e Epstein (1992)Duffie, D., & Epstein, L. G. (1992). Stochastic differential utility. Econometrica, 60(2), 353-394. https://doi.org/10.2307/2951600
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e permite vendas a descoberto. O modelo estocástico diferencial restrito foi configurado como o anterior, porém sem vendas a descoberto. O modelo tangente utiliza a função quadrática de Markowitz (1952)Markowitz, H. (1952). Portfolio selection. The Journal of Finance, 7(1), 77-91. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1952.tb01525.x
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. E o último modelo considera pesos iguais entre os ativos.

Tabela 2
Parâmetros estimados para os modelos míopes.

MODELO DE MÚLTIPLOS REGIMES

Acompanhando Guidolin e Timmermann (2007)Guidolin, M. & Timmermann, A. (2007). Asset allocation under multivariate regime switching. Journal of Economic Dynamics and Control, 31(11), 3503-3544. https://doi.org/10.1016/j.jedc.2006.12.004
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, identificamos a presença de m = 4 regimes no Brasil (segundo estes autores, um modelo com menos regimes seria mal especificado e com mais, sofreria dos problemas de especificação excessiva). Diferente da literatura, no Brasil, constatamos que o segundo regime não apresenta características de um lento crescimento (o nome original é slow growth), porém assemelha-se ao bear market - e utilizamos esse nome para denotá-lo. Já no quarto regime, a literatura o nomeia referindo-se a uma recuperação favorável que decorre (geralmente) após um período de crash, porém no Brasil esta não foi a transição mais provável. Entretanto, para simplificar, respeitamos os mesmos nomes no caso do quarto e dos demais regimes. Frisamos que os resultados que mostraremos estão ligados aos estados da economia brasileira, incluindo as ações US (em reais). Em ordem ascendente de retorno do mercado acionário brasileiro, os regimes são: crash, bear, bull e recovery.

Especificação do modelo de múltiplos regimes

A tabela 3 mostra os parâmetros estimados pelo modelo CGL.

Tabela 3
Parâmetros estimados para os modelos de múltiplos regimes.

A característica do regime crash é o contraste entre o prêmio de risco fortemente negativo das ações BR e o mais alto prêmio de risco da renda fixa, enquanto as ações US estão apenas moderadamente negativas, o que se explica pela alta do dólar em períodos de crises no Brasil. Neste regime, todas as volatilidades são altas. O bear market se caracteriza por prêmios de risco moderadamente negativos nas ações BR e na renda fixa, e bastante positivo nas ações US. Já no bull market, as ações BR alcançam o terreno positivo. O prêmio de risco da renda fixa também é positivo, ao mesmo tempo em que as ações US voltam a ficar negativas. Aqui, as volatilidades são relativamente baixas. Por último, o recovery é o regime mais otimista para as ações BR, enquanto o prêmio de risco das ações US é fortemente negativo e a renda fixa praticamente zera sua performance com volatilidade bem baixa. As correlações apresentam tendências similares. Exceto por uma mudança de padrão no bear market, elas são mais fortes no crash e perdem intensidade nos regimes mais otimistas.

As probabilidades de transição, apresentadas na tabela 4, mostram que o regime crash é quase sempre seguido do bull market, permanecendo em média por 9 semanas. O bear market é o regime mais persistente, com duração de 40 semanas, e é possivelmente seguido pelos regimes crash ou bull market. O recovery, estado mais otimista, pode ser seguido por qualquer outro regime, mas, infelizmente, crash é o mais provável. A tabela 4 também mostra as probabilidades ergódigas (expectativa de longo prazo para o regime e/ou quando não se possui informações): os regimes extremos crash e recovery representam apenas 14% dos estados da economia, enquanto bear e bull markets representam cerca de 86% das observações.

Tabela 4
O processo probabilístico do modelo de múltiplos regimes.

Intuição econômica da especificação do modelo

A tabela 5 mostra a intuição por trás dos parâmetros estimados através de uma análise histórica (não uma estratégia), onde utilizamos as probabilidades suavizadas para segmentar os retornos. As classes diretamente ligadas às taxas de juros (cash e renda fixa) flutuam distintamente durantes os regimes - o que atende à necessidade de diversificação do modelo. As ações BR apresentaram uma tendência de alta do regime 1 ao 4, o que é bastante intuitivo. E a subdivisão da classe de ações US, mostra a PTAX com forte tendência de baixa do regime 1 ao 4, conforme esperado. Por outro lado, o S&P 500, nos regimes brasileiros, apresenta retornos aproximadamente uniformes do regime 2 ao 4 enquanto no crash é fortemente negativo. Com isso podemos perceber: (i) o crash no Brasil é correlacionado com um quadro pessimista internacional; e (ii) os demais regimes brasileiros independem dos mercados internacionais.

Tabela 5
Retornos absolutos no modelo de múltiplos regimes.

Em complemento, as probabilidades filtradas (Fig. 1) mostram que o recovery era o regime mais presente até 2006 no Brasil. Os regimes crash e bull eram mais frequentes até 2012. E após essa data, o bear market se tornou o regime mais persistente.

Figura 1
Probabilidades filtradas.

Os gráficos mostram as probabilidades filtradas de estar em cada regime. Isto é, para cada ponto no tempo (t), estas probabilidades foram realisticamente estimadas usando apenas a informação disponível antes do momento t. Iniciamos o filtro em 7 de dezembro de 2001 e após 12 semanas, as probabilidades já não eram mais sensíveis ao ponto de início. A janela de observações reportada acima vai de 5 de abril de 2002 até 31 de agosto de 2018.


Também é possível verificar eventos pontuais na Figura 1. Analisando os momentos de crash, verificamos a volatilidade referente às eleições de 2002; a crise do subprime de 2008-2009; e o impeachment de 2016. E analisando o bull market, vemos a tentativa da economia se recuperar em 2017-2018 com este regime apresentando picos de alta probabilidade de ocorrência - isto é, a economia brasileira passando a dar sinais de recuperação após o período de bear market desde 2012. A análise destas diferentes perspectivas fornece evidências econômicas interessantes e de aplicabilidade que transcendem o escopo deste artigo.

Estratégia dinâmica

A tabela 6 reporta as estratégias dinâmicas com quatro regimes propostas por este artigo. São elas as soluções a partir do modelo CGL com vendas a descoberto e sem vendas a descoberto. Como as estratégias variam de acordo com as probabilidades de estar em cada regime, a apresentação foi ilustrada em dois cenários. No primeiro, o ‘regime do próximo período conhecido’ representa as probabilidades filtradas indicando 100% de chance de ocorrer algum regime específico (outras referências de probabilidades foram suprimidas para viabilizar a apresentação tabulada). No segundo, o ‘regime do próximo período desconhecido’ denota o cenário onde o investidor admite estar em uma economia de múltiplos regimes, mas ele não tem acesso às probabilidades filtradas para inferir os regimes, e então utiliza a configuração mais conservadora, que são as probabilidades de longo prazo (ergódigas).

Tabela 6
Estratégias de portfólio com múltiplos regimes.

Analisamos os diversos horizontes de investimento, porém, na tabela 6, reportamos apenas o prazo de 260 semanas, uma vez que os resultados foram praticamente independentes do horizonte. Isto ocorreu porque estamos em uma economia governada por uma única variável de estado: a incerteza com relação ao regime em voga na economia. Tal incerteza gera pouca dependência do horizonte.

Intuição econômica da estratégia dinâmica

No modelo CGL, durante o regime crash, o investidor venderia ambas as classes de ações, porém mormente cash, para investir tudo em renda fixa (1280%). A preferência pela venda maciça de cash ao invés de ações BR deve-se a volatilidade desta última classe estar em seu valor máximo. Durante o bear market, a alavancagem geral é reduzida. Renda fixa (339%) e ações US (198%) se tornam os principais componentes do portfólio, enquanto o investidor permanece vendido a descoberto em ações BR e cash. A preferência por renda fixa ao invés de cash ocorre apesar do prêmio de risco da primeira classe ser ligeiramente negativo. Isto se justifica pelo fato de que a renda fixa apresenta forte correlação negativa com ações US, agindo como um seguro para a realização do investimento na classe de ativos com o maior retorno positivo durante o bear market. No bull market, a alavancagem em renda fixa aumenta novamente (2582%) e o investidor também compra ações BR (42%), ficando vendido a descoberto nas demais classes. Já o recovery, como regime mais otimista, indica a maior alavancagem. O investidor vende a descoberto renda fixa e ações US, e carrega em cash (4589%) e ações BR (135%). A renda fixa novamente apresenta um prêmio de risco ligeiramente negativo como durante o bear market, contudo agora ela não age mais como um seguro, logo o modelo indica uma forte venda a descoberto desta classe. A dinâmica do modelo CGL restrito, salvo as vendas a descoberto, segue o mesmo racional econômico para a alocação, haja vista que ele também se baseia nos parâmetros da tabela 3. Os resultados, acima de tudo, refletem a importância histórica da renda fixa no mercado financeiro brasileiro.

É notório que o regime afeta significativamente a alocação. Quando a informação sobre o próximo regime está clara, as estratégias são bastante agressivas para benefício do investidor. No cenário de probabilidades ergódigas (que pode ser interpretado por total falta de informação sobre o próximo regime, a não ser pelo histórico), o investidor lança mão de duas estratégias long-and-short: uma entre os ativos ligados à taxa de juros e a outra, entre as classes de ações. Esta estratégia se explica porque, neste cenário, os regimes 2 e 3 são os mais prováveis.

Analisando todo o histórico base deste estudo, percebemos que a maior probabilidade (indicando o regime mais provável de ocorrer) apresentou mediana acima de 86%. Verificamos também que as probabilidades iguais (25% de chance para cada regime, gerando total incerteza) não ocorreram em nenhum momento. Estas observações criam importância para os casos onde o próximo regime é conhecido, representados na tabela 6. Como consequência, não apenas a identificação de regimes na economia, mas também o acompanhamento das probabilidades filtradas, surgem como fatores importantíssimos para a alocação otimizada.

Um ponto que salta aos olhos é a forte alavancagem indicada pelo modelo: isso se dá em consequência do maior conhecimento em relação ao regime em voga na economia e é algo recorrente em modelos similares (Sangvinatsos e Wachter, 2005Sangvinatsos, A., & Wachter, J. A. (2005). Does the failure of the expectations hypothesis matter for long-term investors? Journal of Finance, 60(1), 179-230. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.2005.00728.x
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). Posições vendidas em títulos de renda fixa ou cash, por exemplo, podem ser replicadas com posições equivalentes no mercado brasileiro de derivativos de juros. Entretanto, em muitas situações, há restrições quanto à venda a descoberto, daí a proposição da estratégia restrita a pesos entre 0 e 100%. Na próxima seção apresentaremos testes de robustez para carteiras definidas com menor alavancagem.

COMPARAÇÃO DO MODELO CGL COM BENCHMARKS BRASILEIROS E ESTRATÉGIAS MÍOPES

Para efeito de comparação, a tabela 7 mostra as performances anualizadas das classes de ativos utilizados como benchmarks brasileiros, das estratégias míopes (que enxergam um único regime) e das carteiras sugeridas pelo modelo CGL com múltiplos regimes (com e sem venda a descoberto). Conforme vimos na seção anterior, desde o início das observações até 2012, os regimes mais frequentes eram crash, bull e recovery - aqui, observamos as devidas consequências. Em 2003 e 2009, os prêmios de risco da renda fixa ficaram ligeiramente acima de 3%. Já 2003, 2007 e 2009, mostram que os maiores resultados de ações BR ficaram pouco acima de 30%. E entre 2002 e 2010, as ações US ficaram negativas. Observamos também que o modelo estocástico diferencial e o modelo tangente têm resultados muito próximos à classe de renda fixa. Ao mesmo tempo, em 6 destes 10 anos de carteiras mais alavancadas, através do modelo CGL, o investidor poderia ter obtido prêmios de risco acima de 50% ao ano - sendo 2003, 2005 e 2006 acima de 95%. Apenas em 2007 e durante a crise do subprime, o modelo não apresentou performance acima do mercado.

Tabela 7
Resultados comparados com o mercado: performances anualizadas em termos de prêmio de risco.

Após 2012, o bear market se torna o regime mais persistente no Brasil. Observamos agora que as performances de renda fixa e das ações BR apresentam fortes flutuações, enquanto as ações US (em reais) consistentemente apresentam prêmios de risco em dígitos duplos (exceto 2016). Aqui, o modelo tangente se descola um pouco da performance da renda fixa (negativamente). Analisando os modelos com múltiplos regimes, dado que o bear market reduz o nível de alavancagem, observamos que os resultados produzidos apenas mudaram em magnitude, mais ainda superam o mercado em 4 destes 6 anos. Vemos que desde 2012 o modelo CGL restrito apresenta uma média superior às carteiras míopes. E, exceto 2017 e 2018 (o ano 2018 foi computado até agosto), o modelo CGL gera prêmios de risco acima de 33% ao ano.

Em 2017 e 2018, após um bear market excepcionalmente longo, o bull market ‘tenta’ se fazer presente novamente na economia brasileira, trazendo de volta maiores níveis de alavancagem. Em 2017, o resultado negativo produzido pelo modelo CGL decorre do mês de maio, quando houve a divulgação da delação premiada de um empresário envolvendo o então presidente da república. Em 2018, o resultado negativo produzido pelo modelo CGL também ocorre em maio, quando tem início uma greve nacional de caminhoneiros. Em ambos os momentos, quando se aguardavam reformas estruturantes, de forma abrupta, houve uma troca no estado da economia na direção de um forte pessimismo. Por isso, nestas observações, o modelo CGL acaba registrando perdas no acumulado de 52 semanas.

Na tabela 7, em especial, chama atenção as performances em toda a amostra. Nela, os resultados das duas carteiras sugeridas pelo modelo CGL superam os benchmarks do mercado e os modelos míopes. O modelo CGL restrito, com menos exposição a risco, supera inclusive os modelos míopes alavancados. Já o modelo CGL apresenta resultados ainda mais expressivos: o prêmio de risco ultrapassa 36% ao ano enquanto o índice de Sharpe mostra que a carteira se descola positivamente dos pares em termos da relação entre prêmio de risco e volatilidade.

Análise de robustez dos resultados do modelo CGL: testes estatísticos

Para analisarmos a significância dos retornos obtidos pela carteira CGL, aplicamos o teste de Wilcox sobre as séries de retornos semanais na amostra completa. Este teste compara a média dos retornos da carteira CGL com a média dos retornos de cada um dos investimentos analisados - classes de ativos e demais carteiras. A tabela 8 apresenta os p-valores para o teste unicaudal, cuja hipótese nula é que a média dos retornos da carteira CGL não seria maior que dos benchmarks. Note-se que todos os testes apresentaram significância estatística a menos de 1%, indicando que a carteira CGL apresentou melhores retornos com robustez. Portanto, os resultados levam à conclusão de que a média do retorno semanal da carteira CGL é estatisticamente superior às outras médias.

Tabela 8
P-valores do teste Wilcox - comparação entre médias dos retornos.

Análise de robustez dos resultados do modelo CGL: alavancagem

Dentre os principais parâmetros que caracterizam as preferências do investidor (Ψ, β e γ), o coeficiente de aversão ao risco (γ) é aquele que influencia significativamente a alavancagem da carteira. O objetivo de testar o modelo para um investidor com parâmetro de risco γ = 5 em primeiro lugar foi acompanhar Guidolin e Timmerman (2007)Guidolin, M. & Timmermann, A. (2007). Asset allocation under multivariate regime switching. Journal of Economic Dynamics and Control, 31(11), 3503-3544. https://doi.org/10.1016/j.jedc.2006.12.004
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, Campani e Garcia (2019)Campani, C. H., & Garcia, R. (2019). Approximate analytical solutions for consumption/investment problems under recursive utility and finite horizon. North American Journal of Economics and Finance, 48, 364-384. https://doi.org/10.1016/j.najef.2019.03.005
https://doi.org/10.1016/j.najef.2019.03....
e Campani et al. (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication. a fim de conferir comparabilidade aos resultados encontrados. Segundo, ao apresentar o resultado da carteira para γ = 5 indicamos a performance potencial do modelo, mas complementarmente apresentamos a carteira restrita onde não há alavancagem.

Para analisar a robustez dos resultados entre um extremo e outro, configuramos valores mais elevados do parâmetro de aversão ao risco (γ = 20, 40, 60, 80, 100). Representando investidores mais avessos ao risco, obtemos portfólios menos alavancados. A Figura 2 mostra a distribuição dos pesos nestas carteiras. Com a questão da preponderância na carteira dos ativos ligados às classes de juros já analisada na seção anterior, focamos agora na análise da alavancagem. Assim, é possível observar que a alavancagem apresenta maior diminuição com o aumento de γ até 40, depois tal redução começa a ser menos significativa. Entretanto, com γ = 100 notamos que a maior ocorrência dos pesos já se encontra entre 0 e 100% - aproximando-se da carteira restrita.

Figura 2
Distribuição dos pesos nas carteiras CGL alavancadas.

A figura ilustra a distribuição dos pesos nas carteiras formadas pelo modelo CGL alavancado, configurado para γ = 5, 20, 40, 60, 80, 100 com base na amostra de 5 de abril de 2002 até 31 de agosto de 2018. Para melhor visualização, outliers foram suprimidos da imagem e imprimimos as duas primeiras figuras em escalas maiores.


A Tabela 9 apresenta a performance das carteiras CGL em função da alavancagem. Como esperado, as carteiras menos alavancadas apresentam retornos menores que as carteiras mais alavancadas. Por outro lado, mesmo tais retornos sendo inferiores, seus valores são competitivos em relação ao mercado, vide Tabela 7. Ademais, o índice de Sharpe das carteiras menos alavancadas, representado a relação risco-retorno, não apenas supera todo o mercado (Tabela 7), mas inclusive a carteira mais arrojada com γ = 5. Isto indica que os resultados do modelo são robustos inclusive sob configurações mais realistas em termos de alavancagem.

Tabela 9
Resultados com menor alavancagem: performances anualizadas em termos de prêmio de risco.

Finalmente, também aplicamos aqui o teste unicaudal de Wilcox para comparar os retornos da carteira CGL com γ =5 em relação as demais carteiras CGL alavancadas. Os testes também apresentaram significância estatística a menos de 1%, confirmando que a carteira CGL com γ =5 de fato apresenta maiores retornos em relação às demais carteiras CGL alavancadas.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa aplicou a solução analítica aproximada de Campani et al. (2020)Campani, C. H., Garcia, R., & Lewin, M. (2020). Optimal portfolio strategies in the presence of regimes in asset returns. Manuscript submitted for publication. para resolver o problema de alocação de carteiras com a função estocástica diferencial de Duffie e Epstein (1992)Duffie, D., & Epstein, L. G. (1992). Stochastic differential utility. Econometrica, 60(2), 353-394. https://doi.org/10.2307/2951600
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na economia brasileira com quatro regimes não observáveis. Este artigo propõe duas versões do modelo CGL (com e sem vendas a descoberto), utilizando quatro classes de ativos brasileiros: cash (CDI), renda fixa, ações BR e ações US (em reais).

Observamos que as probabilidades filtradas impactam de forma significativa os pesos do portfólio, dado que a performance dos ativos depende fortemente dos estados da economia. Neste framework realista, a utilização de simulações para obter as soluções ótimas para os portfólios dinâmicos é extremamente limitada pelo tempo de processamento. A aproximação dada pelo modelo CGL permite resolver o problema de forma extremamente ágil.

A estratégia obtida restringindo-se vendas a descoberto mostra-se bastante interessante, tendo superado todos os benchmarks e estratégias míopes. Porém o modelo CGL irrestrito apresenta resultados ainda mais relevantes. Com significância estatística, o retorno do modelo CGL alavancado supera todos os demais modelos e benchmarks do mercado - e sob diversos níveis de alavancagem, também supera o mercado em termos de índice de Sharpe.

Como limitação deste trabalho, ressaltamos que custos de transação não foram considerados. Além disso, os parâmetros do modelo foram estimados dentro da amostra (in-sample), de forma que uma pesquisa com estimação dos parâmetros dinamicamente fora da amostra será o próximo passo natural a este trabalho. Não obstante, os resultados encontrados soam bastante promissores e abrem campo para a utilização de modelos de múltiplos regimes na alocação de carteiras no Brasil. Sob um novo cenário de juros em patamares muito baixos, seguindo tendência mundial, estratégias com maior exposição a risco têm apelo e relevância para um investidor que busque tal exposição em sua carteira.

  • Financiamento
    Os autores agradecem ao apoio técnico e financeiro da Cátedra BRASILPREV em Previdência e ao apoio financeiro das seguintes instituições de fomento à pesquisa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), Código de Financiamento 001; e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
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    Todos os dados foram disponibilizados publicamente por meio da plataforma Mendeley e podem ser acessados em:
    http://dx.doi.org/10.17632/jzypktvvs8.1 Lewin, Marcelo; Campani, Carlos Heitor (2020), “Data for: "Portfolio Management under Multiple Regimes: Strategies that Outperform the Market" published by RAC-Revista de Administração Contemporânea”, Mendeley Data, v1.
    Todos os materiais foram disponibilizados publicamente por meio da plataforma Mendeley e podem ser acessados em:
    http://dx.doi.org/10.17632/bjmfpmgw55.1 Lewin, Marcelo; Campani, Carlos Heitor (2020), “Online Appendix for "Portfolio Management under Multiple Regimes: Strategies that Outperform the Market" published by RAC - Revista de Administração Contemporânea”, Mendeley Data, v1.

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Editado por

Editor-chefe: Wesley Mendes-Da-Silva (Fundação Getulio Vargas, EAESP, Brasil) https://orcid.org/0000-0002-5500-4872
Pareceristas: Anderson Luis Saber Campos (Universidade Federal do ABC, Brasil.). https://orcid.org/0000-0001-9313-4857. Marcelo Cabús Klotze (PUC-Rio, IAG, Brasil.) https://orcid.org/0000-0002-5463-6333

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2019
  • Revisado
    12 Fev 2020
  • Aceito
    12 Fev 2020
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