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Administração com arte

RESENHAS BIBLIOGRÁFICAS

Elcemir Paço-Cunha

(UFJF)

ADMINISTRAÇÃO COM ARTE.

Eduardo Davel, Sylvia Constant Vergara e Djahanchah Philip Ghadiri (Orgs.). São Paulo: Atlas, 2007. 290 p.

ISBN 978-85-224-4723-7.

O livro pode ser lido de duas maneiras, isto é, pelas coisas que ele diz e pelas que não diz. Ele tem dois méritos a ser resumidos em um: a possibilidade de repensar a prática docente na experiência em sala de aula. Faz lembrar o significado desse lugar. Mais do que uma sala de quatro paredes, cadeiras, mesas, quadros e, recentemente, datashow, televisores e internet, é um lugar dos temores, das paixões, dos gozos intelectuais, das relações sociais, da criação e também das contradições, da autoridade e da reprodução social.

Pelas coisas que ele diz, trata-se objetivamente de um livro composto por experiências singulares de professores nacionais e estrangeiros na incorporação de formas alternativas à prática pedagógica. O espírito que anima o livro é o da possibilidade da transformação da relação pedagógica pela inserção da arte, em suas diferentes manifestações como fotografia, cinema, belas artes, literatura, música, teatro e dança. Cada capítulo em particular é a experiência vivida desses professores nas salas de aula, fazendo uso da arte para permitir o aprendizado de diferentes temas que compõem a administração, estendendo-se da teoria da administração até questões mercadológicas e de qualidade de vida.

Cada experiência é repleta de aprendizados por parte dos professores, e essa é uma das preocupações centrais do livro. A aplicação da arte no ensino da administração pode ser encarada como uma tentativa de romper com as formas tradicionais da prática docente. Entre percalços, os professores conseguem não apenas tornar as aulas mais atraentes como também repensar a sua própria a atividade. Eles descobrem que, pela arte, constrói-se um olhar diferente sobre as empresas e as práticas que lá se desenrolam e, sobretudo, repensa-se a própria relação pedagógica como uma possibilidade da criação e aprendizado coletivos.

O livro chega num momento histórico peculiar. Se no plano filosófico não são poucos os argumentos a favor da arte como forma de transformação, porque por ela a pessoa se expressa e ao fazê-lo modifica a si mesma, no plano das políticas públicas, têm aparecido espaços destinados à produção da arte (e do esporte), uma forma de inserção social e de levar a cidadania às pessoas. O livro pode ser visto como efeito dessas tendências, isto é, formas alternativas ante o fracasso dos meios racionalizantes de se lidar com o mundo. Assim, o livro trata de levar a consciência aos futuros administradores, fazendo-os refletir sobre sua atividade de maneira mais responsável e, por que não, mais humana.

Todavia, existem coisas que o livro não diz. Não é de hoje que ouvimos que cada vez mais os alunos que chegam aos cursos de administração têm cada vez menos interesse pela leitura. Vivemos um momento histórico em que a imagem é mais importante do que o conteúdo, em que a indústria cultural, da qual hoje a arte faz parte em grande medida, imbeciliza ao mesmo tempo que entretém. A aplicação da arte em sala de aula guarda o perigo de ser uma forma de mera adequação das relações pedagógicas a este contexto de valoração do espetáculo: quais são as fronteiras entre a arte e a espetacularização, entre a seriedade e a vulgaridade, entre reflexividade e mera diversão?

Freqüentemente, ouvimos de alunos de graduação, mestrado e doutorado que a administração deveria ser mais prática e menos teórica. Não se trata aqui de explorar este grande engano, mas indicar como a arte pode suprir esta, por assim dizer, sensação. De modo geral, a administração vive da promessa pragmática do resultado e os professores sérios sabem que não possuem tais respostas. Penso que a arte pode ser encarada como uma possibilidade falsa de fornecê-las. No plano da sala de aula, a arte pode ser perigosamente fonte de ampliação da sensação de prática, embora seja tão ficcional quanto outros métodos.

Por fim, outra questão, mais profunda, diz respeito à possibilidade de ser a arte uma forma de transformação. Algumas correntes das ciências humanas têm conclamado a arte como algo que contém um sentido libertário. O livro parece estar alinhado a essas correntes, considerando o espírito que o anima. Mas, por uma filosofia da suspeita, a arte pode estar sendo tomada apenas como um meio diferente e atrativo de se construir os mesmos conceitos ideologizantes da administração, apesar da intenção do livro ser a construção de pessoas mais humanas e responsáveis. No plano das empresas, por exemplo, filmes, músicas e o teatro têm sido utilizados para esclarecer processos de mudança, para realizar treinamentos, obter motivação, etc., sem, contudo, a intenção da transformação. No plano da sala de aula e nas próprias palavras dos autores

se formos bem-sucedidos, os estudantes adquirirão competências que lhes vão permitir administrar com arte, isto é, compreendendo o contexto organizacional, sua diversidade, suas múltiplas visões e ações e, ao mesmo tempo, a busca de realização de um propósito comum de forma responsável e consciente (Davel, Vergara, & Ghadiri, 2007, p. 290).

Os temas abordados pelo livro são indicativos: liderança, trabalho em equipe, estratégia, carreira, competências etc. Adquirir competências para ter uma compreensão mais profunda da organização, e administrar para alcançar um propósito comum é o mesmo que transformação?

Os organizadores do livro, em sua conclusão, afirmam que muitos alunos passaram a ver os filmes com outros olhos. Mas afirmam também que houve " casos de resistência de estudantes a recursos da arte" (Davel et al., 2007, p. 289). Os organizadores se perguntam sobre a importância dos motivos da resistência. Em suas próprias palavras, " que elementos de identidade são perdidos por estudantes, ao se defrontarem com uma novidade, fazendo-os a ela resistir?" (p. 289). Não consigo ver qual a diferença fundamental entre o que os organizadores se perguntam e as perguntas a que as empresas de consultoria e gestores tentam responder. Ora, usar a arte para continuar pensando como empresa não é o mesmo que o seu oposto. Nesse sentido, a arte aplicada à administração pode não produzir mais do que a reprodução social em seu sentido amplo, pelo aperfeiçoamento das formas de gerir. Em detrimento das metáforas da orquestra e do jazz, a administração não é mais do que ciência e arte tacanhas de fazer submissão humana.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2009
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