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A sexualidade na aurora do século XXI

RESENHAS DE LIVROS

Richard Couto

A sexualidade na aurora do século XXI

Alberti, Sonia (Org.)

Rio de Janeiro: Cia. de Freud/Capes, 2008. 428p.

O presente livro mantém a tradição do Programa de Pós-Graduação em Pesquisa e Clínica em Psicanálise do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro de publicar os trabalhos de seus docentes e dicentes. A periodicidade de publicação é de um livro por ano, o que demonstra o quanto o programa tem produzido e contribuído para a pesquisa em psicanálise na universidade.

O livro constitui uma oportunidade de debater e afirmar a descoberta freudiana do inconsciente, como também a descoberta da sexualidade infantil e da pulsão, que, articulada pela linguagem, faz da sexualidade humana uma sexualidade não instintual. Podemos até dizer que é uma tentativa de sustentar a subversão freudiana. Tal subversão é pontuada por Lacan na forma de uma indagação: "estaríamos à altura de sustentar o ser-para-o-sexo engendrado pela subversão freudiana?".

O livro, em alguns de seus artigos, traz questões polêmicas. A primeira diz respeito ao debate sobre a tendência de alguns psicanalistas diagnosticarem a chamada contemporaneidade como perversa. De acordo com um dos artigos, não se trata de estrutura perversa, nem de psicótica, pois nenhuma das duas estruturas clínicas tem como sustentar um laço social paradigmático. Em decorrência de tal impossibilidade, a resposta que a contemporaneidade dá ao impossível posto pelo sexo é a neurose obsessiva. Cabe esclarecer que não é uma constatação que se refere à neurose obsessiva clínica e sim de um traço obsessivo do mundo contemporâneo, não sintomático, mas endêmico. A segunda diz respeito à discussão do tão aclamado declínio da função paterna, que é considerado como uma outra marca da contemporaneidade, porém o pai declina desde Freud posto que há castração, logo o que é preciso considerar não é o declínio, mas a ampliação do conceito Nome-do-Pai, sua pluralização empreendida por Lacan. Ora, com tal pontuação, o livro nos ajuda a refletir sobre a invenção de supostos novos conceitos, como sujeito em estado-limite, psicose ordinária, entre outros, dado que uma leitura não criteriosa de tais conceitos pode nos levar ao risco de nos afastarmos das referências construídas por Freud e Lacan.

Essas questões polêmicas se articulam a observações sobre a contemporaneidade: Seria o sujeito uma neo-latusa, um objeto fabricado pela união de um ramo do discurso da ciência com o discurso capitalista, que se caracteriza pelo empuxo ao gozo autístico? Problematizar a questão ajuda a pensar a generalização e a banalização da pedofilia, por exemplo, questionando se a transformação do pedófilo no novo monstro da contemporaneidade não é uma produção do casamento entre uma vertente da ciência com o capitalismo. Encontramos também no livro o postulado que a contemporaneidade é perversa. É perversa devido à objetalização do humano, transformando o humano em objeto de gozo, o que pode levar à falência do Outro, símbolo da lei sustentada pelo Nome-do-Pai. O livro, portanto, porta o debate: estamos numa contemporaneidade perversa ou obsessiva? Cabe, agora, ao leitor opinar.

Como o livro reafirma a descoberta freudiana, há vários pontos da obra de Freud que são revisitados. Destacamos o artigo de Alberti que analisa o lugar da sexualidade para a psicanálise e o faz de forma muito interessante, a saber, através do comentário sobre o esquecimento do nome Signorelli descrito por Freud em 1898. Não temos espaço para descrever todas as nuanças de tal esquecimento, porém podemos situar um ponto em que a autora articula o esquecimento do nome à falta oriunda do real que escapa à simbolização, ou seja, a castração. O lugar do sexo para a psicanálise somente pode ser circunscrito pela referência à castração, logo pelo rochedo da castração, pois ele indica o impossível da relação sexual e a existência de um único significante para o sexual no inconsciente - o falo. Como Freud já indicava o impossível, verificamos sob a pena de Freud as referências ao registro do real; Alberti trabalha tal referência através do trauma freudiano, incluindo aí a cena sexual como traumática. Nesse texto de Alberti, o leitor poderá encontrar indicações preciosas para entender melhor a noção de ser-para-o-sexo, seguindo Lacan, ao questionar se os psicanalistas podem sustentar a subversão freudiana.

Ainda com relação às referências freudianas, Maria Helena Martinho analisa o texto de Freud "Bate-se numa criança" (1919), enfatizando principalmente o segundo tempo da constituição da fantasia e suas consequências na estrutura clínica da perversão. O referido trabalho guarda relação com o artigo da professora Marcia Melo de Lima, que trabalha um caso de perversão a partir das referências de Freud e Lacan.

As psicanalistas Geneviève Morel (francesa) e Elisabeth da Rocha Miranda (carioca) colaboram escrevendo sobre uma questão muito pontual do ensino de Lacan: a lei da mãe. Morel a articula tendo como referência uma crítica da fantasia fundamental, trabalhando um caso clínico. Para Morel, a fantasia fundamental e o sintoma funcionam como agentes que separam o sujeito da lei da mãe. Rocha Miranda trabalha a lei e o gozo da mãe a partir de questões suscitadas pelos conceitos de sintoma e sinthoma, trazendo com isso reflexões sobre a sexualidade feminina.

Não teríamos como tratar, aqui, de todos os artigos que compõem o livro; solicitamos ao leitor que percorra as questões não abordadas por nós, contudo não podemos terminar sem dizer que o livro traz ainda trabalhos sobre o transexualismo, sobre a literatura queer e que, sem dúvida, será um livro de referência para se reafirmar a descoberta freudiana diante dos arroubos de novidades do século XXI.

Richard Couto

Mestre em Pesquisa e Clínica em Psicanálise pelo Programa de Pós-graduação do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ (Rio de Janeiro, RJ, Brasil); doutorando em Pesquisa e Clínica em Psicanálise do mesmo Programa; psicanalista; membro de Formações Clínicas do Campo Lacaniano (Rio de Janeiro, RJ, Brasil); psicólogo do Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil João de Barro (Rio de Janeiro, RJ, Brasil).

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e-mail: rhmoz@yahoo.com.br

  • 1 Lacan, J. (1967). Alocução sobre as psicoses da criança. In: Outros escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
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    Sustentar a subversão realizada pela descoberta do inconsciente, da sexualidade infantil e traumática, do sintoma, da pulsão é afirmar o lugar da psicanálise na aurora do século XXI, abrindo um debate com a tendência de reduzir a sexualidade humana às conexões sinápticas dos neurônios e à atuação dos hormônios. Eis a tentativa do livro feita através dos artigos que o compõem.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009
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