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Vidas Precárias: a Performatividade na Constituição das Violências Fóbicas em Gêneros e Sexualidades

Precarious Lives: Performativity in the Constitution of Phobic Violence in Genders and Sexualities

Vidas Precarias: Performatividad en la Constitución de la Violencia Fóbica en Género y Sexualidade

Resumo

A homofobia se constitui por meio de crimes, demonizações, patologizações, violências físicas e psicológicas, muitas vezes ocasionando o extermínio de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais no mundo contemporâneo, sem que as pessoas que comentem esses atos sejam punidas. Esta violência é constituída pelo sistema hierárquico heteronormativo, heterocêntrico e heterodeterminado contra a visibilidade dos gêneros e das sexualidades não hegemônicas. Este artigo tem por objetivo analisar a matriz do conceito de homofobia e as diversas formas de manifestação da violência contra gêneros e sexualidades. Os autores partem da definição do conceito de “fobia” na psiquiatria, Psicologia e Psicanálise, para então analisar o conceito de homofobia e suas vicissitudes. Discutem que o termo homofobia não explicita as diversas manifestações de agressões contra a população LGBTI+ ao analisar marcadores históricos e sociais, e sugerem o termo “violências fóbicas em gêneros e sexualidades” para explicitar a precariedade da vida e a vulnerabilidade da população LGBTI+.

Performatividade; Violência; Gêneros; Sexualidades

Abstract

Homophobia consists of crimes, demonization, pathologization, physical and psychological violence, often leading to the extermination of lesbian, gay, bisexual, transvestite, transsexual and intersex people in the contemporary world, without persons who commit acts being punished. This violence is constituted by the heteronormative, heterocentric and heterodetermined hierarchical system against the visibility of the genres and non-hegemonic sexualities. This article aims to analyze the matrix of the concept of homophobia and the various forms of manifestations of violence against genders and sexualities. The authors start from the definition of “phobia” in psychiatry, psychology and psychoanalysis, to analyze the homophobia and its vicissitudes. We argue that the term homophobia does not spell out the various manifestations of aggression against the LGBTI+ population by discussing historical and social markers and suggest the term “phobic violence in genders and sexuality” to explain the precariousness of life and vulnerability of the LGBTI + population.

Performativity; Violence; Genders; Sexualities

Resumen

La homofobia se constituye a través de crímenes, demonizaciones, patologizaciones, violencia física y psicológica, que a menudo causa el exterminio de personas lesbianas, gays, bisexuales, travestis, transexuales e intersexuales en el mundo contemporáneo, sin que quienes comenten estos actos sean castigados. Este artículo tiene como objetivo analizar la matriz del concepto de homofobia y las diversas formas de manifestación de violencia contra género y sexualidad. Los autores comienzan desde la definición del concepto de “fobia” en psiquiatría, psicología y psicoanálisis, para luego analizar el concepto de homofobia y sus vicisitudes. Argumentan que el término homofobia no explicita las diversas manifestaciones de agresión contra la población LGBTI+ al analizar los marcadores históricos y sociales, y sugieren el término “violencia fóbica en género y sexualidad” para explicar la precariedad de la vida y la vulnerabilidad de la población LGBTI+.

Performatividad; Violencia; Género; Sexualidade

“Talvez gigantes que ainda ignoramos já estejam se movendo nas sombras, prontos para sentar-se nos nossos ombros de anões”

(Umberto Eco, Nos ombros dos gigantes).

Introdução

Desde outrora, a homofobia vem se cristalizando na sociedade, perfazendo-se por meio de crimes, demonizações, patologizações, violências físicas e psicológicas, além de assassinatos de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais (LGBTI) ao decorrer da história. Na maioria das vezes, esses sujeitos que perpetuam essas violências não têm dúvidas, medos ou arrependimentos de seus atos.

De um modo geral, podemos compreender a homofobia como comportamentos, ações e crimes decorrentes da violência física e psicológica contra pessoas LGBTI+1 1 O sinal de “+” expressa a continuidade de outras identidades e orientações sexuais. Porém, é importante destacar que cada grupo que compõe a sopa de letrinhas (Facchini, 2005) são representantes politicamente organizados e eleitos para este fim nas Conferências Nacionais de Políticas Públicas LGBTI (França, 2018). e que evidenciam alguma ameaça real ou simbólica à fronteira e/ou à hierarquia imposta pelo sistema heteronormativo, heterocêntrico e heterodeterminado contra a visibilidade dos gêneros e das sexualidades não hegemônicas.

Não se trata, portanto, de uma ação unicamente contra a dignidade humana. As violências físicas ou simbólicas trazem prejuízos psíquicos ao longo de toda uma vida. Trata-se, isto sim, da produção de uma precarização e banalização da vida, do modo como sujeitos LGBTI+ podem sofrer qualquer dano sem que a pessoa que o produziu possa ser criminalizada pelo seu ato. Numa época em que a violência doméstica não era crime, muitas mulheres pagaram um preço alto por toda a sorte de maus tratos que sofreram por seus algozes. Quando a Lei Maria da Penha passou a ser juridicamente constitucional, quando houve a criação de delegacias das mulheres, quando as denúncias passaram a ser frequentes pelas organizações não governamentais e pela própria mídia, houve minimamente políticas públicas que atendessem à reivindicação do movimento feminista diante das atrocidades que muitas dessas mulheres viviam em seu cotidiano, independente da sua classe social (Silva, 2008Silva, S. G. (2008). Preconceito, discriminação e intolerância: Uma análise da violência e dos direitos das mulheres. In E. Romero, & E. G. B. Pereira (Orgs.), O universo do corpo: Masculinidades e feminilidades (pp. 32-59). Rio de Janeiro, RJ: Shape.; 2010Silva, S. G. (2010). Preconceito e discriminação: As bases da violência contra a mulher. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(3), 556-571. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000300009
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).

No entanto, percebemos que o conceito “homofobia” não parece abarcar as vicissitudes de grande parte da população LGBTI+, uma vez que a constituição subjetiva destas pessoas os predispõe à violação de seus direitos, à sua dignidade e à sua vida de inúmeras formas. Ou seja, “homofobia”, conforme usamos no imaginário social coletivo, parece levar a crer em todos nós o entendimento que só os sujeitos homossexuais masculinos sofrem alguma violência pelas suas escolhas afetivas e sexuais. Isso é uma inverdade. Muitas mulheres lésbicas, além de travestis e mulheres transexuais já vieram a sofrer violência de gênero pelas suas próprias subjetividades. O mesmo ocorre com sujeitos bissexuais e intersexos. Logo, a palavra “homofobia” não parecer ser um termo apropriado para as violações à dignidade humana dessas pessoas.

Desse modo, este trabalho tem como objetivo discutir e problematizar o termo “homofobia” para tentar elencar um termo mais amplo que acolha a complexidade que envolve as violências fóbicas, que reiteradamente permanecem em nossa sociedade, tanto em relação aos gêneros quanto às sexualidades não hegemônicas. Para atingir o nosso objetivo, assim como a coruja é associada à filosofia por ser o único animal que olha para trás, olharemos para o passado com intuito de compreender algumas lacunas sobre a sistematização estrutural das fobias em gêneros e sexualidades que vêm aumentando através da história. Com isso, queremos suscitar algumas reflexões sobre a precarização da vida permeada pelas diversas formas de violência a partir de alguns marcadores históricos.

Breve etiologia sobre o conceito de fobia

Homofobia é um neologismo criado para nomear o preconceito, a discriminação e as violências físicas e simbólicas contra sujeitos LGBTI+. Em um primeiro momento, o termo fora empregado unicamente para designar as violências contra homossexuais masculinos, mas com o entendimento da pluralidade e diversidade sexual, sobretudo no final dos anos 19902 2 Os termos tiveram mais visibilidade como demanda específica por cada representação a partir do final dos anos 1990, com a inserção da institucionalização dos movimentos socais na luta por demandas específicas. Cada grupo se constituiu politicamente com reconhecimento do Estado a partir, especificamente, da primeira Conferência Nacional de Políticas Públicas GLBT (França, 2018). , o termo sofreu algumas mutações e passou a ser usado para designar violências às diversas sexualidades contemporâneas, a saber: transfobia (relativo às transexualidades); lesbofobia (relativo às lésbicas); travestifobia (relativo às travestis) e assim por diante. De qualquer modo, o sufixo “fobia” encontra-se presente em todas essas formas de manifestar o desagrado, o medo, o terror, o pânico e a consequente violência contra pessoas LGBTI+.

As diversas manifestações de “fobia” têm sua nosologia e etiologia próprias. Para a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a “fobia” é classificada em “F 40.0” – Transtornos Fóbicos e Ansiosos e “F 40.2” – Fobias específicas (isoladas). Os transtornos fóbicos ansiosos são caracterizados por uma ansiedade desencadeada por determinadas situações que não apresentam nenhum perigo real, no qual o sujeito evita ou suporta com algum temor. Apresenta sintomas específicos tais como palpitações, desmaio, medo de morrer, perda do autocontrole ou de sensação de loucura, podendo ocasionar uma antecipação da ansiedade. Essa ansiedade fóbica pode levar a outros diagnósticos: ansiedade fóbica e episódio depressivo, necessitando se levar em conta a ordem de ocorrência dos transtornos e quais medidas terapêuticas deverão ser consideradas pelo especialista médico. No que compete às fobias específicas, deve-se levar em consideração a proximidade de determinados objetos fóbicos: animais, locais elevados, trovões, lugares escuros, sangue, ferimentos etc. O contato com a situação fóbica pode levar a um estado de pânico generalizado como na agorafobia (medo de lugares abertos) ou na fobia social.

Na psicanálise, Sigmund Freud foi um dos primeiros a encontrar a fobia entre os sintomas que acometem o psiquismo, decorrente de algum tipo de manifestação da neurose ou psicose. Como sabemos, qualquer tipo de sentimento fóbico a um determinado objeto ou situação, não está desvinculado do meio social e da cultura em que o indivíduo vive. O medo a algum tipo de objeto é aprendido desde as primeiras relações objetais, conforme o que a cultura define como certo e errado no plano subjetivo, decorrente de pré-conceitos criados ao longo da história (Silva, 2003Silva, S. G. (2003). Preconceito no Brasil contemporâneo: As pequenas diferenças na constituição das subjetividades. Psicologia: Ciência e profissão, 23(2), 2-5. https://doi.org/10.1590/S1414-98932003000200002
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; 2008Silva, S. G. (2008). Preconceito, discriminação e intolerância: Uma análise da violência e dos direitos das mulheres. In E. Romero, & E. G. B. Pereira (Orgs.), O universo do corpo: Masculinidades e feminilidades (pp. 32-59). Rio de Janeiro, RJ: Shape.; 2010Silva, S. G. (2010). Preconceito e discriminação: As bases da violência contra a mulher. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(3), 556-571. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000300009
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).

Dito isto, a fobia é um termo derivado do grego phobos (medo) e utilizado com sufixo para designar o pavor de um sujeito em relação a um objeto real ou imaginário ou ainda a alguma situação específica. Na Grécia antiga, para conjurar o medo ou o pavor no combate, os guerreiros gregos divinizavam e honravam Fobos, antes de partirem para a guerra, remetendo a um pavor real e constante durante o combate (Roudinesco & Plon, 1998Roudinesco, E., Plon, M. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.).

O medo também foi objeto de estudo do historiador Jean Delumeau (2009)Delumeau, J. (2009). História do medo no ocidente (1300-1800): Uma cidade sitiada. São Paulo, SP: Companhia de Bolso. (Originalmente publicado em 1978)., no qual ele mostra, da antiguidade greco-romana até a renascença, os diferentes significados e contexto do medo na civilização ocidental. Enquanto a valentia individual era exaltada como justificativa masculina do valor e do poder dos heróis, o medo estava associado à vergonha, à covardia e presente nos subalternos da nobreza. Durante a ascensão do cristianismo e a partir da Idade Média, alguns dos medos ficaram associados à demonização e ao pecado (geralmente de cunho sexual, conforme veremos a seguir), imprimindo um pavor da transição do humano para o animal, do anjo para o demônio ou da alma para o corpo, impossibilitando que o pecador garantisse sua passagem, após a morte, ao lado de Deus. Foi a retirada deste medo e deste pavor do universo do pensamento religioso, que permitiu um saber médico-psiquiátrico sobre a fobia como uma entidade nosográfica específica.

Na transição do século XIX para o século XX, o conceito foi usado pela medicina psiquiátrica por volta de 1870 como substantivo, para designar uma neurose cujo sintoma central é um pavor sem razão frente a um ser vivo, um objeto, uma situação ou até a si mesmo, sem apresentar qualquer perigo real (Roudinesco & Plon, 1998Roudinesco, E., Plon, M. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.). Na psicanálise, a fobia foi retomada por Sigmund Freud para isolar uma neurose constituída basicamente pela angústia (neurose de angústia) e cujo sintoma central é a fobia como um mecanismo de defesa contra um conflito psíquico, que pode ser tanto incestuoso, quanto parricida; tanto de amor, quanto de ódio (Freud, 1895/1996aFreud, S. (1996a). Obsessões e fobias: Seu mecanismo psíquico e sua etiologia. In S. Freud, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (v. 3, Edição Standart Brasileira, pp. 79-86). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Originalmente publicada em 1895).; 1894/1996bFreud, S. (1996b). As neuropsicoses de defesa. In S. Freud, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (v. 3, Edição Standart Brasileira, pp. 53-66). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Originalmente publicada em 1894).).

Anos mais tarde, ao analisar a fobia no caso de um menino de cinco anos (o pequeno Hans), Freud descobriu que este conflito psíquico produzia uma angústia insuportável dentro do aparelho psíquico, precisando encontrar uma forma de escoamento em direção a um objeto real ou imaginário externo. Esse conflito pode ser decorrente de algum medo produzido nos primeiros contatos com a realidade externa (as pessoas que estão no entorno da criança) e tem sua gênese na sexualidade infantil (Freud, 1908/1996cFreud, S. (1996c). Três ensaios da teoria da sexualidade. In S. Freud, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (v. 7, Edição Standart Brasileira, pp. 13-230). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Originalmente publicada em 1905).). Dez anos depois, ao formular sua teoria sobre o recalque (repressão), Freud descobriu que o recalcamento dos conflitos internos não produzia a angústia, pelo contrário, era a angústia que produzia o recalcamento pelo acúmulo de tensão dentro do aparelho psíquico. Esta seria a origem dos sintomas fóbicos. A medida que o sujeito não consegue saber o porquê, nem suportar o mal de estar diante de uma sensação de perigo interno, ele tende a expulsar essa sensação de perigo, deslocando-o para um objeto externo real. Dito de outro modo, há um incômodo, um medo vivido dentro do psiquismo, no qual não temos acesso e nem sabemos o porquê - uma vez que este medo é inconsciente, entrando em ação os mecanismos de defesa da projeção ou deslocamento. Ou seja, a sensação vivida dentro do aparelho psíquico é tão intensa que, para aliviar a tensão interna, o aparelho psíquico tenta expulsar o que provocou o medo para fora do próprio Eu (ego), mas que na verdade já era vivido dentro de si mesmo como algo estranho. Foi assim que Freud compreendeu que toda a angústia, na verdade, levava o sujeito a ir de encontro com algum perigo real ou imaginário (Freud, 1909/1996eFreud, S. (1996e). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. In S. Freud, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (v. 10, Edição Standart Brasileira, pp. 11-134). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Originalmente publicada em 1909).).

Nesse sentido, a angústia aparecerá de duas formas: uma angústia automática, na qual o sujeito experimenta uma situação de perigo e desamparo psíquico, e uma angústia sinal, que é produzia diante de uma ameaça de tal situação de perigo. A angústia automática é compreendida como aquela em que o bebê se vê desamparado pela separação da mãe nos primeiros momentos de vida (Freud, 1915/1996fFreud, S. (1996f). O recalque. In S. Freud, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (v. 14, Edição Standart Brasileira, pp. 145-162). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Originalmente publicada em 1915).). Grosso modo, é assim quando estamos distantes de alguém a que amamos ou queremos bem ou quando vivenciamos um terror frente ao abandono ou ainda estamos perdidos em algum lugar desconhecido e que ofereça ou não perigo. Por outro lado, a angústia sinal é aquela que ameaça a nossa integridade psíquica, ou seja, é aquela que faz com que tentemos afastar esse sinal de perigo o mais distante de nós. Toda vez que encontramos um objeto que pode nos ameaçar, entramos em alerta e tentamos afastar o objeto externo de nós mesmos. Isto pode ser vivido quando nos deparamos com algum animal que nos oferece perigo, quando caminhamos por algum lugar ermo ou quando nos deparamos com sujeitos que podem ameaçar a nossa vida. Mas bem entendido, essa sensação pode ser real ou imaginária, uma vez que o recurso à fantasia é uma das características da neurose (Freud, 1926/1996gFreud, S. (1996g). Inibições, sintoma e angústia. In S. Freud, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (v. 20, Edição Standart Brasileira, pp. 79-172). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Originalmente publicada em 1926).).

Logo, qualquer sinal de perigo diante de um objeto estranho e que não pode ser reconhecido pelo sujeito, pode ameaçar a sua integridade física ou psíquica do Eu (ego). Freud já havia enfatizado como o Eu (ego) é extremamente narcísico, e como tal, ele suporta muito pouco as diferenças encontrados nos objetos que são, ao mesmo tempo, semelhantes mas diferentes de si mesmo, pois o Eu não consegue aceitar as rachaduras frente ao espelho em que se vê diante do outro. A isso, Freud (1926/1996h)Herek, G. M. (2004). Beyond “homophobia”: Thinking about sexual prejudice and stigma in the twenty-first century. Sexuality Research & Social Policy, 1(2), 6-24. https://doi.org/10.1525/srsp.2004.1.2.6
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denominou de “narcisismo das pequenas diferenças”. O narcisismo das pequenas diferenças é um modo de se relacionar com o mundo externo no qual o sujeito tende a destruir o objeto externo que é, ao mesmo tempo, seu semelhante e diferente de si. Diante da situação de desintegração e ameaça ao seu bem-estar no mundo, o outro surge como extremamente ameaçador. Ora, ele é tanto o meu igual, quanto difere minimamente de mim, uma pequena diferença, uma pequena particularidade que produz a rachadura no espelho. Todos os tipos de preconceito, discriminação, intolerância, vão encontrar sua gênese no narcisismo das pequenas diferenças. Há a impossibilidade de concretude do mandamento “ama teu próximo como a ti mesmo” pelas contingências das ameaças ao campo das satisfações das necessidades vitais do sujeito e ao campo das identificações. É aqui que encontramos a relação entre os conceitos de fobia e a homofobia.

A etiologia da “homofobia” e das “violências fóbicas em gêneros e sexualidades”

Etimologicamente, a palavra homofobia foi derivada do grego homos, que quer dizer “o mesmo”, e phobikos que significa “ter medo e/ou aversão a”, tendo sido utilizado pela primeira vez pelo psicoterapeuta e pesquisador Kenneth Smith em 1971. Porém, foi o psicoterapeuta George Weinberg, em 1972, quem se notabilizou como criador do termo. Weinberg menciona que Smith, após ler um trabalho seu sobre homofobia, e realizou uma das primeiras pesquisas sobre o tema. Os estudos de Smith versam sobre a personalidade homofóbica (Maya, 2008Maya, A. C. L. (2008). Homossexualidade: Saber e homofobia (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.). Para George Weinberg, o termo é usado para definir o medo e a repulsa face às relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Com efeito, a palavra homofobia inclui preconceito, discriminação, abuso verbal e atos de violência originados por esse medo e ódio (Blumenfeld, 2004Blumenfeld, W. J. (2004) Conceitos de homofobia e heterossexismo. Lisboa: Sapo.pt. Recuperado de http://homofobia.com.sapo.pt/definicoes.html
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; Herek, 2004Herek, G. M. (2004). Beyond “homophobia”: Thinking about sexual prejudice and stigma in the twenty-first century. Sexuality Research & Social Policy, 1(2), 6-24. https://doi.org/10.1525/srsp.2004.1.2.6
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).

Mas na acepção de Daniel Borrillo, a homofobia pode assumir dois sentidos: uma violência física, que atinge a integridade do corpo, podendo em casos mais graves incorrer no homicídio da vítima; ou uma violência simbólica, composta por xingamentos, tratamentos diferenciados, impedindo o acesso da vítima a determinados lugares. A homofobia, portanto, diz respeito a uma dimensão afetiva, manifesta através da rejeição de determinadas pessoas e uma dimensão cultural, que repudia a vítima como um fenômeno social (Borrillo, 2010Borrillo, D. (2010). Homofobia: História e crítica de um preconceito. Belo Horizonte, MG: Autêntica.).

Desde o seu surgimento, etimologicamente, a palavra homofobia é entendida por diferentes áreas do conhecimento, tanto nas ciências humanas como sociais, ou até mesmo no senso comum, embora tenha sido associada ao uso da palavra fobia na psiquiatria, na Psicologia e na Psicanálise. De acordo com Weinberg (1972)Weinberg, G. (1972). Society and the healthy homosexual. New York, NY: St. Martin’s., a homofobia remete ao medo ou fobia de ter contato com homossexuais. Não existe uma preocupação, por parte do autor, em estabelecer uma precisão quanto aos termos empregados, configurando-se, no mais das vezes, numa forma de preconceito e discriminação. O preconceito, segundo o autor, refere-se mais comumente aos homens heterossexuais do que as mulheres heterossexuais, pondo em evidência a forma passiva de relação sexual pertencente aos homossexuais, significando, simbolicamente, a perda da masculinidade. Em contrapartida, o repúdio da homossexualidade, proporciona ao indivíduo homofóbico, um sentimento de superioridade devido sua condição heterossexual. A homofobia pode acometer, inclusive, os homossexuais sob a forma de uma “homofobia internalizada”. É como se ela expressasse na figura do outro que lhe é estranho e ao mesmo tempo conhecido dentro de si mesmo, a sua real imagem que lhe é insuportável. O que produz a fobia, portanto, pode ser esse estranhamento do que é construído socialmente de negativo do outro, e que não sendo aceito, dentro de mim, externalizo, expurgo, ou dito em termos psicológicos e psicanalítico, eu tento expulsar, deslocar ou projetar no outro tudo o que não aceito dentro de mim mesmo.

Quando Guy Hocquenghem (1980)Hocquenghem, G. (1980). A contestação homossexual. São Paulo, SP: Brasiliense. criou o termo “unissexuais”, ele designou aqueles homossexuais que se utilizavam dos comportamentos heterossexuais para serem aceitos pela sociedade heteronormativa. Para Hocquenghem, não seria conveniente chamar homossexuais de heteronormativos, uma vez que ao serem “homos”, estariam contrários à normatividade construída para as pessoas heterossexuais. Tanto Weinberg, quanto Hocquenghem, eles vão se debruçar sobre as causas sistemáticas da homofobia, na qual torna o homossexual vítima de uma sociedade subjetivada e obstinada à normatividade identitária e sexual.

Assim, George Weinberg (1972)Weinberg, G. (1972). Society and the healthy homosexual. New York, NY: St. Martin’s. enumera cinco principais motivações psicológicas da homofobia, a saber: a) a motivação religiosa (os homossexuais são considerados pecadores por perseguirem o prazer sexual); b) a motivação pelo medo de ser homossexual (o combate da homossexualidade é a expressão de um desejo recalcado, de acordo com o mecanismo de defesa nomeado por Freud como formação reativa); c) a motivação pela inveja reprimida/recalcada (o homossexual representa uma ameaça para o atributo da masculinidade heterossexual construída pelo patriarcado); d) a motivação pela ameaça dos valores compartilhados pela maioria (o homossexual não atende à heteronormatividade pela singularidade dos seus desejos afetivos e sexuais) e e) a motivação pelo temor da morte (a ausência de filhos desnuda a mortalidade e a finitude homoerótica). Em todas elas, notamos a marca da cultura e da construção de valores e pré-conceitos quanto ao medo da homossexualidade e de outras identidades de gênero e sexuais.

Conforme afirmamos, as marcas da homofobia são constituídas pelas violências físicas e psicológicas. Estas podem ser apresentadas tanto contra os gêneros quanto às diversas sexualidades não hegemônicas. Mas a principal diferença é saber quais tipos de violências afetam aos gêneros – “transfobia”, “misoginia”, “putafobia”, “intersexofobia” etc. – como indicativo sistemático do ódio contra essas identidades e pela qual a feminilidade, a heterossexualidade e a cisgeneridade se colocam como norma da conduta social (Jesus, 2015Jesus, J. G. (2015). Homofobia: Identificar e prevenir. Rio de Janeiro, RJ: Metanoia.). Por outro lado, as violências cometidas contra as sexualidades não normativas, são expressões do ódio contra as pessoas que evidenciam, vivem e/ou expressam suas orientações e identidades sexuais, cuja heteronormatividade se coloca como norma social de conduta, evidenciando o que se chama de homofobia, panfobia, gayfobia, lesbofobia, bifobia, e assim por diante.

O sistema hierárquico, heteronormativo e simbólico forja pré-conceitos e medos a determinadas identidades de gênero e sexual, não conseguindo denominar por um único termo a pluralidade dessas violências com a palavra homofobia. Cada vez que tentamos expressar o medo, o pavor e o ódio ligados ao público LGBTI+, incorremos sempre no uso do sufixo “fobia” para expressar o conjunto de comportamentos contra esses sujeitos. De qualquer modo, a “fobia” (o medo do desconhecido em nós e no outro) está sempre presente nas várias manifestações de violências físicas e simbólicas contra a especificidade desses sujeitos. Contrariamente à etiologia da fobia, quando um sujeito se depara com um mal-estar diante da presença do que produz esse mal-estar, ao invés dele se afastar do objeto, transformando seu medo em horror ao objeto, o que notamos é que estes mesmos sujeitos incorrem na violência física ou simbólica, cujo objetivo é destruir o objeto que provoca o mal-estar.

Ao compreender que o sufixo “fobia” etimologicamente não se coaduna com os inúmeros prefixos das violências físicas e psicológicas, propomos ampliar o entendimento desses comportamentos violentos através do termo “violências fóbicas em gêneros e sexualidades”. Não é a fobia quem produz as diversas formas de violências, mas sim as diversas formas de “violências fóbicas” quem predispõe o público LGBTI+ a susceptibilidade da violência no mundo atual. Queremos com isso alertar para o aumento destas violências em nossa sociedade, que de alguma forma se acredita ser a causa de uma suposta ameaça contrária à cis-heterossexualidade.

Portanto, devemos refletir sobre as ações que envolvem as fobias em gêneros e sexualidades numa sociedade que foi construída e constituída através dos processos de subjetivação, para a formação da cis-heteronorma, do cis-heterocentrismo e da cis-heteroideologia. É importante ressaltar que a heterossexualidade e a cisgeneridade não são fatores a serem destituídos da sociedade, até porque eles também são processo de subjetivação, mas sim tirá-los deste lugar hegemônico da centro-cidade na produção de subjetividades.

A homofobia, conforme aprendemos, estaria sob o julgo da construção cultural e histórica, ou seja, ela foi se constituindo como processos de subjetivação aos indivíduos por meio de um ideal heterossexual, nos quais o casamento, a monogamia e a constituição de filhos na família nuclear burguesa, se tornaram aparatos para a formação da subjetividade normativa da sociedade. Por consequência, a repulsa aos homossexuais é aprendida desde a infância, a partir da cultura, ensinado pelos pais como ideal a ser seguido e valorizado pela maioria da sociedade, a ponto de se caracterizar em heteroterrorismo. Cria-se, então, um medo ou um pavor contra essas atrizes e esses atores sociais, diante da sua proximidade, gerando um sintoma de angústia pela simples existência desse outro que existe dentro de nós mesmos.

De modo semelhante, a questão da homofobia, em homens cis homossexuais, diz respeito ao medo e ao ódio de traços femininos percebidos em outros homens e em si mesmo; podendo ser inverso em mulheres cis homossexuais. De acordo com Brady (2011)Brady, M. T. (2011). Sometimes we are prejudiced against ourselves: Internalized and external homophobia in the treatment of an adolescent boy. Contemporary Psychoanalysis, 47(4), 458-479. https://doi.org/10.1080/00107530.2011.10746472
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, há um preconceito contra os seus próprios desejos afetivos e sexuais ao mesmo tempo que uma homofobia internalizada é colocada para fora contra outros homossexuais. Acrescente-se que nossa sociedade rotula todos os homens homossexuais como “femininos” e todas as mulheres lésbicas como “masculinas” ou “machonas”, seja porque desejam o mesmo sexo ou porque não apresentam um comportamento ou aparência masculina ou feminina convencional. No mundo contemporâneo, podemos compreender as “violências fóbicas em gêneros e sexualidades” como a impossibilidade de aceitar aspectos da feminilidade no homem ou da masculinidade na mulher, apesar dos aspectos de comportamentos de ambos os gêneros estarem presentes em todos nós (Maya, 2008Maya, A. C. L. (2008). Homossexualidade: Saber e homofobia (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.; Silva, 2006Silva, S. G. (2006). A crise da masculinidade: Uma crítica à identidade de gênero e a literatura masculinista. Psicologia: Ciência e Profissão, 26(1), 118-131. https://doi.org/10.1590/S1414-98932006000100011
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, 2014Silva, S. G. (2014). Masculinidade ontem e hoje: As raízes históricas do que é ser homem. Grandes Temas do Conhecimento: Psicologia, (14), 18-25.).

Para Contardo Calligaris, vários psicanalistas já pesquisaram sobre a origem do medo ou da fobia sobre o mesmo sexo ou gênero, referindo-se a um conflito interno ao nível do inconsciente sobre o desejo sexual de cada indivíduo. O desejo é aquilo que faz com que eu me aproxime, mas também me afaste, com medo do estranho, do inapreensível, do irrepresentável e, consequentemente, da culpa por sentir esse desejo, mas não reconhece-lo, situando o desejo no nível da neurose. Porém, o indivíduo recalca esses mesmos desejos ao nível do inconsciente. A resposta a essas vicissitudes se constitui como “violências fóbicas em gêneros e sexualidades”, irrompendo no ódio ao meu semelhante e na tentativa de destrui-lo devido aos mesmos sentimentos que vivencio dentro mim mesmo, ou dito de outro modo, há uma tentativa de conter os impulsos homossexuais existentes dentro de nós mesmos (Calligaris, 2011aCalligaris, C. (2011a). Por que a homossexualidade incomoda tanto? Revista Trip, (204), 82-85.; 2011bCalligaris, C. (2011b). Homofobia e homossexualidade. Jornal Folha de S. Paulo, Ilustrada. Recuperado de http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1011201119.htm
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).

Para algumas pessoas, esses sentimentos são insuportáveis, sobretudo quando veem sua imagem refletida no espelho que representa o outro que tem diante de si. No narcisismo das pequenas diferenças, proposto por Freud, um predicativo físico, sexual, racial ou qualquer outra tipologia nos faz crer que somos diferentes devido a esses traços, e cuja reação é a agressividade dirigida às minorias, irrompendo com uma violência física, psíquica ou social. Nesse sentido, acreditamos que é possível pensar em violências fóbicas em gêneros e sexualidades, à medida que o termo homofobia não consegue caracterizar as diversas formas de violências cometidas contra a população LGBTI+. Até mesmo porque nem sempre as diversas manifestações de gênero e sexualidade foram colocadas uma oposta à outra no sistema heteronormativo, pelo contrário, houve um período na história que elas foram valorizadas pelo clero e pela igreja através de rituais litúrgicos dentro da própria igreja.

Traçando marcadores sociais

A garantia de direitos da população LGBTI+, ao longo de dois séculos, tem sido uma construção incansável por políticas públicas e sociais em prol de reivindicação da garantia do estatuto de sujeitos de direitos (França & Silva, 2018França, A. N., Silva, S. G. (2018). A trajetória política do sujeito homossexual na luta por direitos. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, 1(4), 124-146.). De um modo geral, essa luta vem sofrendo diversos tipos de violências que se configuram em violações de direitos à vida, à dignidade e à existência das pessoas LGBTI+ ao longo de anos. Trata-se de uma luta que envolve perspectivas de reconhecimento cultural, social e político da diferença em uma sociedade predominantemente cis-heteropatriarcal. Essa perspectiva se agrava em meio a uma série de discursos preconceituosos que ressaltam a violência simbólica e física, que envolvem toda a sociedade. Nesse sentido, a violência física se concretiza sem que culpados sejam condenados pelos seus atos, sendo considerada como práticas sociais naturalizadas contra estas(es) cidadãs(os) brasileiras(os). Porém, este tipo de violência direcionada aos corpos das pessoas LGBTI+ nem sempre foi no sentido de destruir elementos, signos e características que codificam a diferença de gênero e/ou sexual.

É preciso compreender a história do processo de subjetivação que constituiu em nossa cultura as violências em gêneros e sexualidades. Assim como foi possível compreender a constituição das homossexualidades por meio dos agenciamentos das relações entre as pessoas do mesmo sexo pelo marcador histórico da Grécia Antiga, também podemos compreender os processos de subjetivação que constituiu as violências fóbicas em gêneros e sexualidades na história ocidental.

John Boswell (1995)Boswell, J. (1995). Same-sex unions in premodern Europe. New York, NY: Vintage. nos possibilita repensar a história a partir dos primeiros resquícios que nos indicam a convivência afetivo-sexual dentro da religião cristã de pessoas do mesmo sexo/gênero3 3 Doravante, utilizaremos “sexo/gênero” por considerarmos que este termo não era problematizado esteriotipicamente na Europa Medieval como um fator determinante para a consumação de casamento. . Durante a Idade Média, na Europa Medieval, muitos foram os artefatos que demostraram a sociabilidade pacífica e aceita da relação das pessoas que conviviam entre pares do mesmo sexo/gênero. As festividades de casamentos entre essas pessoas eram bem-aceitas e comuns nas comunidades, marcadas pela religiosidade e correspondendo a templos que se destinavam exclusivamente aos amantes do mesmo sexo/gênero. A historiografia de Boswell chama a atenção para o exemplo de alguns personagens que se tinham como santos e santas, a saber: São Sérgio e São Baco; São Pedro e São Paulo e Santa Perpétua e Santa Felicidade, todos eles mártires destinados a proteger casais do mesmo sexo/gênero, na Europa Medieval, por terem sido sacerdotes e amantes.

É importante ressaltar que a aceitação que circulava nesta época, em relação à afetividade entre pessoas do mesmo sexo/gênero, era codificada pedagogicamente por um sentido diferenciado entre a amizade fraterna e romântica. Boswell ressalta que houve uma predominância pela filosofia cristã no sentimento de uma “amizade fraterna” que uniam pessoas do mesmo sexo/gênero. Segundo suas observações, os casais de santos continuaram a fascinar e a preocupar o público cristão, ao mesmo tempo que forneceram uma voz cristã para os mesmos sentimentos que haviam produzido o fenômeno romano da “fraternidade” sexual ou institucional. Mesmo que as igrejas continuassem a ser construídas e dedicadas a alguns dos santos citados acima, ao longo da Idade Média, muitos cristãos compreendiam esse relacionamento (couplings) simplesmente como expressão de uma amizade devotada (Boswell, 1995Boswell, J. (1995). Same-sex unions in premodern Europe. New York, NY: Vintage.).

Talvez seja compreensível a forma, até pouco tempo em nossa contemporaneidade, de alguns gays e lésbicas assumiam suas relações homoafetivas como marcas da amizade. A possibilidade de ter havido santos protetores e templos destinados às relações homoafetivas em um determinado período da história, também demostra a possibilidade da aceitabilidade em relação ao amor entre pessoas do mesmo sexo/gênero. A inserção da moralidade cristã, contudo, pode ter possibilitado um direcionamento considerável preconceituoso, não só dentro do sistema religioso cristão, mas também na sociedade por preconizar uma ideologia eclesiástica assexual. Com efeito, talvez seja possível afirmar que a incidência de padres e madres heterossexuais e homossexuais que foram e são coibidos de exercer as suas sexualidades, seja expressa no alto índice de escândalos por crimes sexuais dentro da Igreja Católica Romana nos dias atuais. Assim, conforme mostrou Boswell, a moral cristã começou a se voltar para as práticas proibitivas de contato entre pessoas do mesmo sexo/gênero, nos quais os monges sequer podiam jantar com as mulheres, nem selecionarem meninos no batismo ou fazerem uniões entre pessoas do mesmo sexo/gênero. Houve mais enfaticamente uma proibição de que os monges tivessem qualquer tipo de relação sexual (intercourse) com as mulheres (Boswell, 1995Boswell, J. (1995). Same-sex unions in premodern Europe. New York, NY: Vintage.).

Portanto, a proibição da homossexualidade se instalou perfidamente como um acordo entre mulheres e homens religiosos que tinham potencialidades para o sacerdócio. A proibição se tornou uma lei canônica, na qual os desejos e as vontades homoeróticas e afetivas estavam em plena vigília para não serem toleradas por meio das ameaças de expulsão pelas congregações que julgavam ser traição ao Santo Ofício.

No entanto, percebemos que muitas dessas recriminações e violências simbólicas contra essas pessoas nem sempre tiveram o mesmo sentido na história da humanidade. O fator principal, na pesquisa de Boswell, nos atenta para algumas reflexões sobre as relações entre pessoas do mesmo sexo/gênero e os consequentes atos de ódio contra elas, configurando, assim, violências fóbicas em gêneros e sexualidades, físicas ou psicológicas, reais ou simbólicas.

As decisões e proibições das afetividades entre pessoas do mesmo sexo/gênero também podem ser consideradas um fator primordial do que concebemos como “violências fóbicas em gêneros e sexualidades”, direcionado ao modo de viver afetivo-sexual desse binômio. É a partir deste episódio histórico que se inicia uma sistematização por meio de leis proibitivas contra os gêneros e as sexualidades não hegemônicas e normativas; mesmo que o entendimento científico ainda não tivesse construído uma ideia sobre elas. Essa ação estruturada pela sociedade medieval, através de uma doutrinação eclesiástica cristã do ocidente na Idade Média, pode ter sido responsável pela categorização dos agenciamentos de poder nesta era, refletindo no mundo atual (Boswell, 1995Boswell, J. (1995). Same-sex unions in premodern Europe. New York, NY: Vintage.).

Esses dispositivos de controle foram se refinando e se codificando em novas modalidades de poder. Conforme as possibilidades foram se ampliando, por meio do controle religioso ideológico, novos grupos cristãos foram sendo criados na crença filosófica da moral e dos bons costumes como premissa de salvação para manutenção da cultura ocidental católica, à luz da procriação. Não é à toa que Freud (1908/1996d)Freud, S. (1996d). Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna. In S. Freud, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (v. 9, Edição Standart Brasileira, pp. 169-190). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Originalmente publicada em 1908). já havia descrito, no início do século passado que, quanto maior a força da moral sexual cristã na sociedade civilizada, maior seriam as doenças nervosas e os sintomas resultantes destas. A força da moral sexual cristã, da renascença aos dias atuais, ainda nos predispõe a sofrer com as mazelas de nosso conflito sexual diante de um conhecido não pensado, não aceito e não reconhecido em nós mesmos e no outro.

Nesse sentido, compreendemos que foram anos de condicionamento por meio de códigos, ações e leis canônicas de proibições contra as junções afetivas entre a união de pessoas do mesmo sexo/gênero, para a formação de uma teocracia, que definitivamente se constituiria nas religiões cristãs de não aceitação à homossexualidade. Para John Boswell, as proibições contra pessoas do mesmo sexo/gênero são paralelas às regras contra os monges que se casavam com mulheres. Havia, assim, uma antipatia cristã a qualquer tipo de sexualidade (Boswell, 1995).

Através da história, sabemos que houve uma sistematização para a extinção da homossexualidade no ocidente. As violências fóbicas em gêneros e sexualidades foram construídas através de um sistema altamente estrutural, fortalecido na constituição aleatória do binarismo de gênero na formação de corpos sexuais heteronormativos, produzindo um estigma contra esses sujeitos (Herek, 2004Herek, G. M. (2004). Beyond “homophobia”: Thinking about sexual prejudice and stigma in the twenty-first century. Sexuality Research & Social Policy, 1(2), 6-24. https://doi.org/10.1525/srsp.2004.1.2.6
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). São anos e anos, repetidas vezes, formando conceitos e comportamentos performativos na construção arquitetônica que constituiu imaginários sociais para aceitar a homossexualidade como demonização, criminalização e patologização.

Outros marcadores sociais das violências fóbicas em gêneros e sexualidades

A sociologia e a antropologia têm mostrado que a homofobia é um fenômeno com diversas facetas, presente de diferentes formas em esferas individuais e institucionais (Carrara & Vianna, 2004Carrara, S., Vianna, A. (2004). As vítimas do desejo: Os tribunais cariocas e a homossexualidade nos anos 1980. In A. Piscitelli, M. F. Gregroi, S. Carrara, Sexualidade e saberes: Convenções e fronteiras (pp. 365-383). Rio de Janeiro, RJ: Garamond., 2006Carrara, S., Vianna, A. (2006). “Tá lá o corpo estendido no chão...”: A violência letal contra travestis no município do Rio de Janeiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 16(2), 233-249. https://doi.org/10.1590/S0103-73312006000200006
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; Ramos, 2010)Ramos, S. (2010). Respostas do movimento GLBT à homofobia e a agenda de segurança pública. In F. Pocahy (Org.), Políticas de enfrentamento ao heterossexismo: Corpo e prazer (pp. 124-142). Porto Alegre, RS: Nuances.. Com efeito, há uma imbricação da discriminação homofóbica com outros marcadores sociais, como gênero, identidade sexual, geração, classe e raça/cor. Especificamente, Ramos e Carrara (2006)Ramos, S., Carrara, S. (2006). A constituição da problemática da violência contra homossexuais: a articulação entre ativismo e academia na elaboração de políticas públicas. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 16(2), 185-205. https://doi.org/10.1590/S0103-73312006000200004
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verificaram que a violência letal atinge de forma mais agravada indivíduos cuja homossexualidade é mais evidente e aqueles que conjugam diversos estigmas, principalmente às travestis. Contudo, é importante ressaltar que as violências se configuram de formas diferentes e (des)iguais a cada grupo específico das identidades de gêneros, identidades sexuais e orientações sexuais entre outras expressões de gêneros.

Uma violência contra uma travesti ou transexual, por um lado, pode se configurar por uma violência fóbica em gênero (está implícito que não se aceita a feminilidade no homem – no caso de homens gays femininos, das travestis e de algumas mulheres trans; assim como não se aceita a masculinidade na mulher – no caso de algumas lésbicas masculinas e homens trans), ao passo que uma violência contra gays e lésbicas, por outro, pode se configurar por uma violência fóbica em sexualidade (também está implícito que não se aceita relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo/gênero). Orientações sexuais, identidades sexuais e identidades de gêneros são configurações diferentes, contudo a homofobia respectivamente pode ser a única forma de violência fóbica expressa nos gêneros e nas sexualidades, lida unicamente em quase todas os corpos que sofrem por fobias específicas, porque configuram naquele corpo a identificação feminina não aceita, construída e constituída pelo imaginário social normativo para os corpos. Ao mesmo tempo, não se aceita a desconstrução do ideal de masculinidade e heteronormatividade implícita em todas essas pessoas por qualquer outra que venhamos a construir.

As violências fóbicas em gêneros e sexualidades são tipos de discriminações as quais traduzem toda a distinção, exclusão, restrição ou preferência tida por um objeto ou resultado, de modo a anular o reconhecimento ou exercício dos direitos humanos ou de liberdades fundamentais tanto no campo político, quanto social, econômico, cultural ou civil (Freire, & Cardinali, 2012Freire, L., Cardinali, D. (2012). O ódio atrás das grades: Da construção social da discriminação por orientação sexual à criminalização da homofobia. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro), (12), 37-63. https://doi.org/10.1590/S1984-64872012000600003
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).

As pesquisas que apontam os índices de violência contra homossexuais, lésbicas, travestis e transexuais são alarmantes e publicados ora em jornais, em revistas ou periódicos científicos pelos mais renomados pesquisadores do Brasil e do mundo. Veja-se, por exemplo, as estatísticas apontadas pelo antropólogo Luís Mott (2006)Mott, L. (2006). Homo-afetividade e direitos humanos. Revista Estudos Feministas, 14(2), 509-521. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2006000200011
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: os índices de assassinatos contra homossexuais entre 1963–1969 subiram de 63 casos registrados, para 671 no período entre 2000 e 2004. Ressalta-se ainda que, de modo geral, os gays representam 63% dessas vítimas, das quais 31% são travestis e 6% lésbicas. Sempre é bom lembrar que, proporcionalmente, as travestis e as(os) transexuais são muito mais vitimizadas(os) do que as lésbicas e os gays, pois a população de trans brasileira oscila entre 10 a 20 mil indivíduos, enquanto os gays devem ultrapassar algo em torno dos 18 milhões de sujeitos (Mott, 2006Mott, L. (2006). Homo-afetividade e direitos humanos. Revista Estudos Feministas, 14(2), 509-521. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2006000200011
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). Estes índices de violência também podem ser corroborados nas pesquisas de Sergio Carrara e Cláudia Vianna (2004. 2006) que apontam essa parcela da população como “vítimas do seu próprio desejo”. Assim como a última pesquisa disponibilizada pelo Grupo Gay da Bahia4 4 Relatório de morte de LGBT em 2017. Disponível no link: encurtador.com.br/auyGQ. Acessado em 09 de abril de 2019. , nos quais apontam, especificamente, entre 2000 e 2017, mais de duas mil mortes. No ano de 2018 já havia sido contabilizadas mais de 347 mortes de LGBTI+5 5 Índice retirado do site Homofobia Mata. Disponível no site: https://homofobiamata.wordpress.com. Acessado em 11 de abril de 2019. . Estes números nos mostram como a vida dessas pessoas foi perdendo o seu valor ao longo da história. Trata-se de uma precarização da vida sem valor, cujos corpos foram o principal alvo das violências fóbicas em gênero e sexualidades ao se cristalizarem em nossa sociedade.

Vidas precárias e a performatização da violência em gêneros e sexualidades

Segundo Paul B. Preciado, a tecnologia social heteronormativa caracterizou-se por uma máquina de produção ontológica funcionando de acordo com uma invocação performativa do sujeito como corpo sexuado, ou seja, um conjunto de instituições linguísticas, médicas ou domésticas que são exemplares na produção de corpos-homens e corpos-mulheres (2014, p. 28).

É por meio desta tecnologia social que se deslocou sentidos hegemônicos de sexualização dos corpos heterossexuais como formas “normatizante” da sexualidade, sendo atravessada única e exclusivamente à crença coligada à perpetuação da espécie humana, como se homossexuais não pudessem procriar. A heterossexualidade masculina e feminina, por muito tempo, foi codificada e potencializada sob o crivo da superioridade masculina como se fosse a matriz para o aperfeiçoamento da raça humana. No entanto, é interessante perceber que existe um determinado comportamento aprendido e apreendido de como ser masculino, baseado em uma virilidade compulsória e ficcional de que todo homem para ser masculino precisa ser viril, forte, sedutor e provedor das mulheres. Esse comportamento do homem “brucutu6 6 A palavra teve origem no personagem da revista homônima de história em quadrinhos. A história foi criada pelo quadrinista norte-americano Vincent T., a qual evidencia a vida de um homem na idade pré-histórica. ” (“macho”) e da mulher “lady” (“fêmea”) se naturalizou através de uma suposta centralidade, na qual a crença universal da configuração do homem branco, heterossexual e cristão está sob a configuração da mulher branca, cristã e burguesa submissa. É perceptível que existem várias possibilidades de ser homem, assim como ser mulher, porém somente uma está associada no imaginário de uma suposta verdade codificada pela história para formar corpos heterossexuais-normativos respaldados na “centro-cidade” e “binaridade” de gênero. Esse tipo de hierarquização em gêneros e sexualidades foi construída na sociedade ocidental da mesma forma que a concepção de inferioridade da raça, cujo homem branco se colocou sob ápice desta superioridade. Essas hierarquizações em gêneros e sexualidades vem ocasionando violências, invisibilidades e vulnerabilidades, nas quais se constituem as condições de dissidências.

A dissidência pode ser considerada referente a tudo que escapa desses movimentos que capturam e ensejam certa hegemonia. As pessoas LGBTI+ podem ser consideradas dissidentes em gêneros e sexualidades por apresentarem marcadores sociais de diferença que são colocados como sendo anomalias, desvios ou doenças, devido ao modo de agir e que despertam muitas interrogações, estranhamentos e incômodos pela consideração de uma sociedade que se pauta através de modelos, práticas e ações normativas e naturalizantes (Couto Junior, Pocah, & Oswald, 2018Couto Junior, D. R., Pocah, Y. F., Oswald, M. L. M .B. (2018). Crianças e infâncias (im) possíveis na escola: dissidências em debate. Periódicus, 9(1) 55-74.).

Para a filósofa Judith Butler, é preciso compreender em que sentido um corpo é modelado e como ele adota certos agenciamentos e significados em virtude do paradigma histórico em que ele está inserido e codificado como um problema de gênero. Para esta filósofa, quando dizemos que um gênero é performativo, queremos dizer que há um erro ao tomar o gênero como um modelo único. Ora, o gênero é incitado por normas obrigatórias que demandam que nos tornemos um gênero masculino ou um gênero feminino dentro do modelo binário. Logo, o gênero é uma negociação com o poder (Butler, 2014Butler, J. (2014). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.; 2017Butler, J. (2017). A vida psíquica do poder: Teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica.).

Para a autora, todos os corpos já nascem “generificados” uma vez que não há existência que não seja social. Assim, não pode haver um corpo que preexista para além da sua inscrição na cultura, assim como o gênero não se constitui ontologicamente, como se já nascêssemos com ele por herança de nossos pais. O gênero, neste sentido, é algo que fazemos, é um ato ou sequências de atos por meio da linguagem que nos qualifica e nos diz quem somos. Finalmente, gênero é um processo ou um conjunto de atos repetidos na interioridade de um quadro regulatório muito rígido que se cristaliza ao longo do tempo para nos fazer crer que exista uma substância que o faz parecer natural. Portanto, nós não somos livres para escolhermos o nosso gênero, posto que o gênero é performativo por meio de atos de linguagem, nos quais as identidades de gênero do homem e da mulher são construídas e constituídas por meio da linguagem, o que quer dizer que não haja identidade de gênero anterior à própria linguagem.

Quando não reconhecemos as diversas performatividades de gênero ao longo da história, nós destituímos o sujeito da sua especificidade e subjetividade como cidadão e sujeito de direitos e transformamos a sua vida em uma vida que não merece ser vivida, ou dito em termos butlertianos, transformamos a vida da população LGBTI+ em uma vida banal, uma vida precária, uma vida que não seja passível de luto (Butler, 2004Butler, J. (2004). Precarious life: The powers of mourning and violence. London: Verso.; 2015aButler, J. (2015a). Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.). A apreensão da precariedade da vida, conduz a uma potencialização dos níveis de violência e a uma percepção da vulnerabilidade física de determinados grupos sociais, incitando o desejo de destruí-los, sem que haja a possibilidade de reivindicações sociais ou políticas sobre os direitos de proteção à vida e ao exercício da sobrevivência e da prosperidade. Foi o que aconteceu com a travesti Dandara em 2017, cuja morte foi transmitida por meio de redes sociais, sem que houvesse nada, nem ninguém que impedisse seu assassinato.

Seguindo o pensamento de Judith Butler, o corpo imberbe de Dandara era um corpo que estava entregue aos outros, às normas e organizações sociais e políticas que se desenvolveram historicamente para maximizar a precariedade da vida para uns e minimizar a precariedade da vida para outros, performando uma violência ética, sem que houvesse qualquer possibilidade de Dandara ser reconhecida como sujeito de direitos – sua vida era uma vida banal, uma vida nua, uma vida que podia ser tirada sem que os seus algozes pudessem ser punidos pelo fato ou, antes disso, que alguém impedisse o horror transmitido pelas redes sociais. Este é o mais perfeito exemplo de uma violência fóbica em gênero e sexualidade. Ao afirmar que uma vida é precária e, portanto, impossível de luto, ou seja, sem que haja ninguém que chore pelos seus mortos, é reafirmar que uma vida pode ser lesada, perdida, destruída e sistematicamente negligenciada até a morte, reafirmando não só a sua finitude como a sua precariedade e vulnerabilidade diante da violência fóbica (Butler, 2015aButler, J. (2015a). Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.; 2015bButler, J. (2015b). Relatar a si mesmo: Crítica da violência ética. Belo Horizonte, MG: Autêntica.; 2018Butler, J. (2018). Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.).

Assim, a performatividade, defendida pela autora, possibilita-nos compreender os comportamentos repetidos em gêneros e sexualidades como forma política para o reconhecimento identitário. Foi a isso que a autora denominou de “Corpos em alianças e políticas das ruas”, ao reafirmar que é justamente nos espaços públicos que podemos construir um espaço identitário, assumindo de fato a ação política por nossos corpos, uma política de gênero e o direito de aparecer com nossas performatividades (Butler, 2018Butler, J. (2018). Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.).

Pensar sobre estes agenciamentos históricos em que foram colocadas as performatizações de um gênero matriz como conduta, nos faz apontar para as violências contra estes corpos que fogem destes agenciamentos e que de alguma forma se constitui, nesta cultura, o surgimento de corpos sem valor, mas que lutam por reconhecimento de uma legitimidade social dentro de um grupo que reivindicam direitos existenciais.

Considerações finais

Historicamente vimos que a naturalização das fobias em gêneros e sexualidades vêm se construindo através de processos normativos que se configuram, muitas vezes, em violências e violações de direitos para o reforço do binarismo de gênero. Esse processo de subjetivação vem colaborando para assimetrias em gêneros e sexualidades que se estruturam por intermédio de um imaginário social, cujos corpos que não se enquadram no modelo cisgênero e heterossexual e são constituídos como identidades e sexualidades generificadas. Pessoas LGBTI+ vem sofrendo todos os tipos ações violentas por meio do ódio estruturado para matar.

Frequentemente, essas violências são as mais contumazes que se dão como “ato simbólico” no corpo da vítima na tentativa de destruir sua identidade de gênero ou alguma característica que indique a orientação sexual contrária a cis-heteronorma. Essas mortes há muito tempo deixaram de ser micro, devido ao número expressivo de atrocidades evidenciadas, muitas vezes, como sendo avisos de que aquela morte foi uma “morte matada e não passível de luto”.

Para entendermos mais sobre a complexidade sobre essas violências, foi necessário compreendemos o porquê das interdições orquestradas contra estes corpos, proibindo-os ao direito de vivenciar e expressar a feminilidade, a existência, a dignidade e a cidadania. Para isso podemos elencar algumas evidências importantes que afetam estes corpos: a) violências leves, configuradas por meio de piadas, brincadeiras, anedotas etc.; b) violências moderadas, configuradas por meio dos pronunciamentos religiosos, insultos, xingamentos etc.; e c) violências graves, configuradas pelo abandono de amigos e familiares, agressões físicas e psicológicas, ofensas em público, humilhações, maus tratos, indiferença à existência dos direitos de gênero, sexuais e leis afirmativas, além de espancamento, assassinatos etc.

As evidências da violência fóbica contra gays se expressa por meio destes sujeitos serem agredidos no rosto e/ou na cabeça, terem o pênis castrado, alguns são encontrados mortos e com objetos introduzidos no ânus. As evidências da violência fóbica contra gênero se expressam nas travestis e nas mulheres trans, as quais têm seus corpos queimados e/ou cabelos cortados para que as feições femininas, ou masculinas, no caso de homens trans, não sejam evidenciadas. Por fim, as lésbicas são violentadas com socos no rosto, seios e/ou são vítimas de estupros corretivos, com insultos de afirmações de que elas merecem tal ato, para aprendam a serem mulheres etc.

Algumas violações aos direitos da população LGBTI+ são cometidas por profissionais na área da saúde, segurança pública e educação, usando o saber profissional como armas. As classificações fóbicas são ações estruturadas para além de determinadas violências específicas que envolvem corpos negados na existência, na dignidade e no reconhecimento da cidadania. Refletir sobre eles nos indicam contextualiza-las para o termo violências fóbicas em gêneros e sexualidade, as quais nos possibilita pensar sobre fatores e elementos que compõem corpos considerados em dissidência para além das categorizações subjetivas naturalizantes em sociedade.

Assim como a fobia insurge como sintoma em um determinado contexto clínico psicoterápico, precisamos analisar, por fim, como poderíamos minimizar as diversas manifestações de violências fóbicas em gêneros e sexualidades. Não queremos, contudo, afirmar que caminhamos em direção a uma cura, o que seria perigoso. Queremos reafirmar a necessidade de que precisamos de medidas sociais, políticas e educacionais para diminuir os altos índices de violências contra a população LGBTI+.

A educação nas escolas de ensino médio e fundamental emerge como a principal categoria para diminuição das violências em gênero e sexualidade, uma vez que é na escola e por meio de processos de socialização que descobrimos a maior parte de nossas subjetividades. Mas para que a educação sexual e de gênero nas escolas ocorra, é necessário capacitar o educador para o reconhecimento dessas subjetividades, sem a qual ele perpetuaria as violências reais e simbólicas em gêneros e sexualidades. Segundo, possibilitar a maior visibilização das condições de dissidências da população LGBTI+ no meio social. Na atualidade, percebemos que já há, em maior ou menor grau, uma visibilidade na sociedade, na cultura, nas mídias sociais e nos meios de comunicação de massa, mas essa visibilidade precisa emergir sem os estereótipos condicionados por anos sobre as subjetividades da população LGBTI+, desqualificando-os como sujeitos autônomos de direitos e de deveres. Por fim, a garantia jurídica e política através de políticas públicas que incidam diretamente na mitigação das diversas formas de violências contra a população LGBTI+, possibilitando uma maior garantia de seus direitos, além de mecanismos legais e punitivos daqueles que cometem violência física e psicológica contra essa população. No que compete às políticas públicas, tomemos o caso do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a partir da Resolução no 01/1999, que estabelece normas de atuação profissional em relação à orientação sexual, e a Resolução no 01/2018, que estabelece normas de atuação para as psicólogas e psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis. O CFP mostrou seu compromisso ético-político no que se refere à diminuição do preconceito e na garantia dos direitos da população LBGTI+. Ele atuou diretamente junto aos profissionais de Psicologia no seu comprometimento com relação ao sofrimento psíquico desta população, possibilitando, assim, o seu reconhecimento. Acreditamos que é o reconhecimento das assembleias, das várias manifestações nas ruas como visibilidade e reconhecimento que fará com que possamos lutar contra a destruição das subjetividades de gays, lésbicas, travestis, transexuais, bissexuais e intersexos, impedindo sumariamente que os gigantes da intolerância e da violência, que já se avolumam no horizonte, de fato, possam sentar-se em nossos ombros.

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  • Weinberg, G. (1972). Society and the healthy homosexual. New York, NY: St. Martin’s.
  • 1
    O sinal de “+” expressa a continuidade de outras identidades e orientações sexuais. Porém, é importante destacar que cada grupo que compõe a sopa de letrinhas (Facchini, 2005Facchini, R. (2005). Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90. Rio de Janeiro, RJ: Garamond.) são representantes politicamente organizados e eleitos para este fim nas Conferências Nacionais de Políticas Públicas LGBTI (França, 2018França, A. N. M. (2018). Movimentos sociais e o programa Rio sem homofobia: Uma trajetória de luta por políticas públicas e o reconhecimento da cidadania LGBT no Rio de Janeiro (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.).
  • 2
    Os termos tiveram mais visibilidade como demanda específica por cada representação a partir do final dos anos 1990, com a inserção da institucionalização dos movimentos socais na luta por demandas específicas. Cada grupo se constituiu politicamente com reconhecimento do Estado a partir, especificamente, da primeira Conferência Nacional de Políticas Públicas GLBT (França, 2018França, A. N. M. (2018). Movimentos sociais e o programa Rio sem homofobia: Uma trajetória de luta por políticas públicas e o reconhecimento da cidadania LGBT no Rio de Janeiro (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.).
  • 3
    Doravante, utilizaremos “sexo/gênero” por considerarmos que este termo não era problematizado esteriotipicamente na Europa Medieval como um fator determinante para a consumação de casamento.
  • 4
    Relatório de morte de LGBT em 2017. Disponível no link: encurtador.com.br/auyGQ. Acessado em 09 de abril de 2019.
  • 5
    Índice retirado do site Homofobia Mata. Disponível no site: https://homofobiamata.wordpress.com. Acessado em 11 de abril de 2019.
  • 6
    A palavra teve origem no personagem da revista homônima de história em quadrinhos. A história foi criada pelo quadrinista norte-americano Vincent T., a qual evidencia a vida de um homem na idade pré-histórica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    8 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2019
  • Aceito
    04 Out 2019
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