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Avaliação da eficácia do Programa Nacional de Assistência Estudantil para permanência de cotistas na Universidade Federal da Paraíba

Evaluation of the effectiveness of the National Program of Student Assistance for the permanence of quota students at the Federal University of Paraíba

Resumos

Este trabalho apresenta resultados de uma pesquisa que teve como objetivo avaliar a eficácia do Programa Nacional de Assistência Estudantil para a permanência de cotistas nos cursos de graduação da Universidade Federal da Paraíba no período de 2012 a 2016, a partir das dimensões de qualidade da permanência, gestão dos recursos e relação entre demanda e benefícios. Os resultados mostraram a eficácia do programa quanto à qualidade da permanência dos cotistas assistidos, entretanto, este não atingiu plenamente os objetivos nas demais dimensões.

Palavras-chave:
Educação superior; Avaliação de políticas; Assistência estudantil


This work presents results of a research that had as objective to evaluate the effectiveness of the National Program of Student Assistance for the permanence of quota holders in the undergraduate courses of the Federal University of Paraíba in the period from 2012 to 2016, based on the dimensions of quality of permanence, resource management and relationship between demand and benefits. The results showed the effectiveness of the program in terms of the quality of the permanence of the assisted participants, however, this did not fully reach the objectives in the other dimensions.

Keywords:
Higher education; Evaluation of policies; Student assistance


1 Introdução

Neste artigo apresentamos os resultados da avaliação de eficácia do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) para a permanência dos cotistas no contexto da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A eficácia é uma dimensão da qualidade utilizada nos processos de avaliação que busca verificar se os objetivos de políticas públicas e programas estão sendo alcançados nos seus processos de execução (ARRETCHE, 1999ARRETCHE, Marta Teresa da Silva. Tendências no estudo sobre avaliação. In: RICO, E. M. (org.). Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999. p. 29-39.).

As políticas de acesso e permanência na educação superior aqui analisadas, as cotas integradas a uma política pública de assistência estudantil, estão garantidas por duas legislações aprovadas nos anos de 2010 e 2012, respectivamente. O Decreto nº 7.234/10 é o arcabouço legal que regulamenta o PNAES no âmbito das Instituições Federais de Educação Superior e a Lei nº 12.711/12 (BRASIL, 2012BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências Brasília: 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm . Acesso em: 07 jul. 2015.
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) garante a reserva de vagas através de Cotas para o acesso ao ensino superior nas Instituições Federais de Educação Superior para os estudantes oriundos de ensino médio em escolas públicas, os que têm suas famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salários-mínimos (um salário-mínimo e meio), e ainda, os autodeclarados pretos, pardos e indígenas.

Considerando que as cotas e a assistência estudantil são políticas para a democratização da educação superior pública brasileira, ambas devem ser executadas, avaliadas e monitoradas em parceria entre as Universidades e o Governo Federal que, em linhas gerais, define a política. Na verdade, a necessidade de desenhos avaliativos em políticas públicas que envolvam os participantes das políticas (stakeholders), parece ser um imperativo pouco desenvolvido na tradição de formatação e acompanhamento dessas ações no Brasil. Nosso intuito foi o de contribuir para esse debate através de um estudo avaliativo da relação entre os objetivos pretendidos pelo PNAES e os resultados alcançados para a realidade dos estudantes cotistas na UFPB. Com isso, a primeira intenção foi a de desenvolver um desenho avaliativo que pudesse, por um lado, dar conta de nossos objetivos e, por outro, estimular possibilidades de abordagens de avaliação direcionadas às políticas desta natureza.

A UFPB adota a reserva de vagas desde o programa de Modalidade de Ingresso por reserva de vagas para oriundos de escola pública (MIRV), criado em 2010 e instituído em 2011 (CASTELO BRANCO; NAKAMURA, 2013CASTELO BRANCO, Uyguaciara Vêloso; NAKAMURA, Paulo Hideo. Reflexões sobre a expansão de vagas na educação superior: a UFPB e os desafios da inclusão. In: JEZINE, Edineide; BITTAR, Mariluce. Políticas de educação superior no Brasil: expansão, acesso e igualdade social. João Pessoa: Ed.UFPB, 2013. p. 321-337. ). Com a vigência da Lei de cotas, esta Universidade acolheu o quantitativo de 14.580 estudantes no período de 2012-2016, a partir dos seus diferentes perfis e particularidades. No contexto de uma sociedade com divisão de classes em um país com profundas desigualdades sociais, mesmo que esses estudantes tivessem ingressado pelo sistema de reserva de vagas, certamente enfrentariam dificuldades para a permanência na educação superior.

Trazendo o debate para o contexto da pesquisa, podemos apontar que o PNAES é uma das políticas basilares para a permanência de estudantes com vulnerabilidade na educação superior, sendo oportuno que haja o monitoramento e avaliação para verificar se os seus objetivos estão sendo alcançados. Essas são etapas imprescindíveis no campo das políticas públicas, inclusive, no contexto das políticas sociais, pois elas possuem uma finalidade social de atender aos interesses de determinados segmentos da sociedade, mesmo com suas limitações de focalização e seletividade. Sendo assim, em se tratando da pesquisa que avaliou a eficácia do PNAES para a permanência dos cotistas apresentamos, a seguir, a estrutura metodológica utilizada nesse estudo.

2 Formatação da pesquisa

A pesquisa empírica para a avaliação do Programa foi do tipo exploratória com abordagem qualitativa, utilizando o método dialético. Nessa avaliação, a qualidade foi estudada a partir do conceito de eficácia, que procura avaliar se determinada política ou programa tem alcançado seus objetivos e metas (RUA, 2012RUA, Maria das Graças. Políticas públicas: módulo básico de especialização em gestão pública. 2. ed. Florianópolis: UFSC, 2012.). A avaliação de determinada política ou programa pode ser realizada a partir de várias dimensões ou categorias, e, nesse estudo, caracterizamos o perfil dos estudantes cotistas com PNAES e verificamos as seguintes dimensões: gestão dos recursos, relação entre demanda e benefícios, e, avaliação da qualidade da permanência.

Essas dimensões pretendem responder aos objetivos propostos no PNAES para a permanência e democratização na educação superior. Além disso, também estão alinhadas à compreensão de Cruz e Houri (2017CRUZ, Andréia Gomes; HOURI, Mônica Souza. Centralidade das ações de permanência para enfrentar as taxas de evasão na educação superior. POIÉSIS: Revista do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, v. 11, n. 19, p. 173-187, jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Poiesis/article/view/3092. Acesso em: 26 jun. 2018. , p. 175), acerca do conceito de democratização da educação superior enquanto um conjunto de práticas constituídas a partir das relações entre quatro dimensões: “a do acesso/ingresso, a da permanência/conclusão, a da formação com qualidade e a da inclusão das camadas marginalizadas socialmente na Educação Superior”. Percebe-se, portanto, que a construção de categorias avaliativas de uma determinada política deve, em nosso entendimento, atender a dois caminhos: um caminho ligado aos próprios objetivos da política pública (aquilo que ela se propõe e como as ações corresponderam, ou não, à proposta) e outro relacionado à dimensão interpretativa do contexto de quem avalia. Nesse caso, a aproximação com o tema, o debate com a literatura especializada e a expertise do pesquisador são elementos importantes que influenciam no desenho e na abordagem avaliativa utilizada.

Para a análise das Políticas de Cotas e Assistência estudantil na UFPB, definimos o recorte temporal entre o período de 2012 a 2016, com a pesquisa documental em fontes disponibilizadas pela UFPB e pelo Portal da Transparência do Governo Federal (BRASIL, 2017BRASIL. Portal da Transparência nos Recursos Públicos Federais. Brasília, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov.br/ . Acesso em: 31 ago. 2017.
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), focalizando nos dados referentes à assistência estudantil e alunos ingressantes através das cotas na instituição. Também coletamos dados sobre a situação acadêmica de uma amostra de 211 (duzentos e onze) estudantes que ingressaram na instituição, através do sistema de cotas nesse período, e que receberam benefícios do PNAES em 2016. A amostra foi definida em 10% (dez por cento) da população da pesquisa, classificados por tipo de benefício, utilizando uma amostragem aleatória simples. Para subsidiar a avaliação da eficácia do PNAES para a qualidade da permanência na UFPB, também pesquisamos dados do mesmo quantitativo de estudantes ingressantes do sistema de cotas que não foram assistidos pelo Programa nessa instituição, também em 2016.

Na próxima seção deste artigo, apresentamos a caracterização do perfil dos estudantes ingressantes pelo sistema de cotas atendidos pelo programa de assistência estudantil na UFPB.

3 Caracterização do perfil dos cotistas assistidos pelo PNAES na UFPB

Na avaliação da eficácia do PNAES para a permanência dos cotistas na UFPB, traçamos o perfil da população da nossa pesquisa e trabalhamos com uma amostra com 211 estudantes beneficiários no período de 2012 a 2016.

Os resultados mostram que o Programa atendeu cotistas ingressantes nos diversos cursos de graduação oferecidos pela instituição. Quanto ao perfil de gênero, faixa etária e os Estados e Regiões de procedência desses estudantes, verificamos que prevalecem discentes do sexo feminino com 53% (cinquenta e três por cento). Em relação à faixa etária, 83% encontram-se entre 18 e 25 anos; oriundos do Estado da Paraíba são 63% (sessenta e três por cento) do total de pesquisados.

A predominância de mulheres atendidas pelo PNAES corrobora para a importância do fortalecimento, apoio e desenvolvimento de políticas para as mulheres como o enfrentamento à violência e apoio às gestantes e à maternidade, temáticas recorrentes quando analisamos, a partir da revisão da literatura, o perfil das políticas públicas direcionadas a essa parcela da população. Além disso, o grande número de jovens possibilita que a assistência estudantil desenvolva ações para a juventude, sobretudo, que fomentem a cultura e esporte.

Sobre a residência de procedência dos estudantes, a maioria vem do próprio Estado da Paraíba, o que é um dado que demonstra, em um primeiro momento, que as políticas de assistência estudantil podem ter uma repercussão mais direta para a formação e o desenvolvimento social e econômico no próprio território paraibano. Essa interpretação dialoga com pesquisas que demonstram que há grande incorporação local, em termos de mercado de trabalho, de egressos das Instituições de Ensino Superior do próprio Estado.

Destacamos que 37% (trinta e sete por cento) dos estudantes componentes da amostra vêm de outros Estados da Federação, e isso é resultado do Sistema de Seleção Unificada - ENEM/SISU, que permite aos discentes concorrerem às vagas de qualquer IFES do Território Nacional que adote o SISU como forma de ingresso.

Ainda sobre essa mudança do domicílio de origem para fixar residência em local próximo à universidade ou até nas dependências das residências universitárias, a assistência estudantil também deve se voltar para os estudantes que deixam suas famílias de origem para morarem próximos à universidade. Para Dutra e Santos (2017DUTRA, Natália Gomes dos Reis; SANTOS, Maria de Fátima de Souza. Assistência Estudantil sob múltiplos olhares: a disputa de concepções. Ensaio: aval.pol.públ.Educ., Rio de Janeiro, v. 25, n. 94, p. 148-181, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v25n94/1809-4465-ensaio-25-94-0148.pdf . Acesso em: 21 maio 2017.
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, p. 158), “a possibilidade de ingressar em uma universidade distante de sua cidade ou mesmo Estado gera uma demanda por apoio a esse universitário para garantir sua permanência e conclusão do curso na Instituição escolhida, cabendo à assistência estudantil cumprir esse papel”.

Em relação à expectativa de acesso aos benefícios do PNAES, procuramos analisar a relação entre o tempo transcorrido entre o início do semestre acadêmico e o início do recebimento dos benefícios. Os resultados apontaram que, no período de 2012-2016, houve um decréscimo significativo no tempo entre o ingresso no curso e o acesso a esses benefícios, saltando de 24 (vinte e quatro) para 04 (quatro) meses de espera para recebimento desses auxílios. Apesar desse avanço, esse tempo de espera ainda pode inviabilizar as condições de permanência logo na chegada do estudante na universidade. De qualquer modo, entendemos que essa relação entre o início do semestre acadêmico e o recebimento do benefício é um importante indicador de eficácia da política, já que incide na permanência dos estudantes que demandaram benefícios de assistência estudantil.

4 Resultados sobre a avaliação da eficácia do PNAES para Cotistas na UFPB

A avaliação da eficácia é multidimensional e possibilita o uso de tendências de abordagens variadas, inclusive o uso de outras dimensões de avaliação que estejam alinhadas aos objetivos institucionais dos referidos programas. Nessa avaliação aqui realizada, consideramos as dimensões: relação entre demanda e benefício, gestão dos recursos, perfil dos estudantes cotistas atendidos pelo PNAES e a avaliação da qualidade da permanência.

Sobre a relação entre demanda e benefício, os resultados apontam que a divulgação dos editais de seleção para acesso aos benefícios da assistência estudantil ocorre semestralmente, entretanto, a contemplação dos benefícios do PNAES acontece em um tempo extenso, se consideramos as demandas imediatas dos discentes. Tal elemento é um fator complicador para garantir a permanência de ingressantes do sistema de cotas. O lapso temporal entre o início do semestre letivo e a expectativa do acesso aos benefícios do PNAES fragiliza a permanência de estudantes que necessitam sumariamente da assistência estudantil para o auxílio das suas condições objetivas de subsistência, bem como o acesso aos demais direitos sociais durante a sua graduação. Essa problemática acontece especialmente no caso de estudantes que vêm de cidades ou Estados distantes da universidade, geralmente com perda ou fragilidade dos vínculos familiares ou comunitários.

Sobre a gestão dos recursos do PNAES, constatamos que houve um aumento progressivo nos recursos financeiros do Governo Federal, destinados à assistência estudantil na UFPB no período de 2012-2016, legado do processo de expansão da Educação Superior pública brasileira, entretanto, os investimentos ainda foram insuficientes para “atender à crescente demanda decorrente dos programas voltados para expansão e democratização do Ensino Superior Federal, como o Reuni, o ENEM/SISU e a Lei de cotas” (DUTRA; SANTOS, 2017DUTRA, Natália Gomes dos Reis; SANTOS, Maria de Fátima de Souza. Assistência Estudantil sob múltiplos olhares: a disputa de concepções. Ensaio: aval.pol.públ.Educ., Rio de Janeiro, v. 25, n. 94, p. 148-181, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v25n94/1809-4465-ensaio-25-94-0148.pdf . Acesso em: 21 maio 2017.
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, p. 158).

Destarte, o cenário contemporâneo de crise política do país e os cortes de recursos do Governo Federal, que já estavam sendo implementados no Governo Dilma Rousseff, foram consolidados e ampliados a partir do ano de 2016 com o Governo de Michel Temer. A aprovação da Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, que instituiu o novo regime fiscal no âmbito dos orçamentos fiscal e da Seguridade Social da União, por vinte exercícios financeiros, coloca em xeque as possibilidades de expansão da assistência social diante da crescente demanda de benefícios. Neste sentido, não se pode pensar a política local descontextualizada das ações nacionais; o aprofundamento da crise econômica com o aumento de patamar do desemprego formal (que chegou às mais elevadas taxas das últimas duas décadas) cria uma demanda mais acentuada por benefícios de assistência social. O contexto de congelamento dos gastos e retração nas ações de assistência (direcionadas não só pelo contexto de crise, mas pelas escolhas de priorização do gasto público pelo governo federal) coloca o PNAES em uma espécie de paradoxo que pode significar claramente a retirada de conquistas e direitos. Falando nesse segundo ponto, a questão que se coloca é a necessidade de garantir a continuidade e ampliação da assistência estudantil, tendo em vista que, atualmente, é regulamentada apenas por um Decreto, podendo ser revogada a contento do governo federal, o que fragiliza a sua concepção enquanto direito. O futuro do PNAES se apresenta, portanto, na tensa correlação de forças entre a viabilidade financeira do Programa e sua consolidação jurídico-formativa no quadro das Instituições Federais de Educação Superior.

Na avaliação da gestão dos recursos do PNAES no âmbito da UFPB, verificamos a cobertura das áreas estratégicas do Programa. Com base nos dados dos relatórios de gestão da instituição que se referiam ao período de 2012 a 2016, constatamos que nesse período foram ofertados os benefícios e serviços nas áreas estratégias de moradia, alimentação, transporte, atenção à saúde, creche, atenção aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades, superdotação e apoio pedagógico. Contudo, não localizamos ações nas áreas estratégicas de inclusão digital, cultura e esporte. A cultura e esporte, principalmente, são indispensáveis para o fomento à qualidade de vida e promoção da saúde mental dos estudantes, tendo em vista os diversos problemas que podem enfrentar como a sobrecarga de dedicação aos estudos, o cumprimento das atividades exigidas durante a formação acadêmica, a distância da família de origem, os desafios de suprirem as necessidades de manutenção financeira nesse período, etc.

Ainda sobre a gestão dos recursos do PNAES, pesquisamos sobre a dimensão do atendimento à demanda no ano de 2016. Os resultados apontaram que os benefícios mais solicitados estão relacionados às garantias mínimas de subsistência através de auxílio-moradia, auxílio-alimentação e restaurante universitário. Analisando esse quantitativo de solicitações e deferimentos, constatamos o seguinte percentual de atendimento às solicitações no ano de 2016:

Gráfico 1
Atendimento às demandas do PNAES. UFPB/Período 2016.2

De acordo com o gráfico anterior, o benefício com maior cobertura de atendimento foi o auxílio-creche, seguido do auxílio-alimentação e auxílio-moradia. Do total de benefícios, verifica-se que 66% (sessenta e seis por cento) das solicitações foram atendidas, sendo importante que se aprofundem os estudos sobre os motivos que levam ao indeferimento das solicitações de benefícios do PNAES. Conforme Dutra e Santos (2017DUTRA, Natália Gomes dos Reis; SANTOS, Maria de Fátima de Souza. Assistência Estudantil sob múltiplos olhares: a disputa de concepções. Ensaio: aval.pol.públ.Educ., Rio de Janeiro, v. 25, n. 94, p. 148-181, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v25n94/1809-4465-ensaio-25-94-0148.pdf . Acesso em: 21 maio 2017.
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), a alta seletividade na execução da assistência estudantil no âmbito das instituições de educação também dificulta o acesso aos benefícios, caracterizando um perfil de programa focalizado em detrimento à universalidade do atendimento.

Sobre a transparência das ações de assistência estudantil na UFPB, constatamos poucos canais de publicização e repasse de informações. Mesmo que não tenha sido o objetivo central da avaliação, não nos furtamos da possibilidade de sugerir a criação de alternativas de transparência como a divulgação das ações realizadas, a aplicação de instrumentos de avaliação, o repasse de informações relevantes para os beneficiários atendidos, a aplicação dos recursos repassados pela União para o programa, os processos e ações que devem ser aperfeiçoados, dentre outros. Em linhas gerais, a falta de uma maior transparência das ações do programa no âmbito da UFPB sugere uma fragilidade de sua eficácia, levando em consideração que a publicização das ações é um princípio da administração pública que deveria incidir em todas as ações do Estado, especialmente quando falamos em ações que procuram responder às demandas das parcelas da população que se encontram em maior “vulnerabilidade” econômica.

Sobre a participação estudantil nos processos de gestão da política, a partir dos documentos analisados, não identificamos espaços de controle social, inclusão ou participação dos estudantes no planejamento, monitoramento ou avaliação da assistência estudantil na UFPB. Em nossa análise, tal elemento fragiliza a política, por justamente não considerar a participação de seus “usuários”; deixa-se de avançar, portanto, nas possibilidades de protagonismo, articulação, mobilização e escuta para atender as reais demandas e necessidades postas pela classe estudantil, além de fragilizar a luta em defesa dessa política. Essa lacuna de participação estudantil esvazia a perspectiva de um direito democraticamente garantido para permanência exitosa de estudantes na educação superior. Santos et al. (2017SANTOS, Bettina Steren et al. Educação superior: processos motivacionais estudantis para a evasão e a permanência. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Goiânia, v. 33, n.1, p. 73-94, jan./abr. 2017. , p. 90) tratam sobre a importância da parceria entre a percepção de gestores e estudantes, pois possibilitam “produzir um panorama global que direcione para ações efetivas voltadas à qualificação da Educação Superior”.

Outro ponto destacado no desenho de avaliação diz respeito à avaliação da qualidade da permanência. Verificamos a eficácia do PNAES de forma a aferir se os seus objetivos de reduzir as taxas de retenção e evasão, democratizar as condições de permanência, minimizar os efeitos das desigualdades sociais e contribuir para ao acesso a direitos estão sendo alcançados. A avaliação da permanência dos cotistas assistidos pelo PNAES no ano de 2016 contemplou os seguintes aspectos: situação acadêmica, coeficiente de rendimento acadêmico, percentual de aprovação dos créditos/disciplinas no último período concluído, períodos cursados, previsão de conclusão, quantitativo de evasão, quantitativo de retenção, trancamentos totais e número de disciplinas cursadas.

Sobre a situação de matrícula dos cotistas assistidos pelo PNAES, temos o gráfico a seguir com os resultados encontrados na pesquisa:

Gráfico 2
Situação de matrícula dos cotistas assistidos pelo PNAES. UFPB/período 2016.2

A partir do gráfico apresentado, verificamos que 96% (noventa e seis por cento) dos discentes que ingressaram pelo sistema de cotas e que foram atendidos pelo PNAES permanecem nos cursos de Graduação da UFPB, comprovando a relevância do Programa quanto aos seus objetivos de reduzir os índices de evasão na educação superior. Essa permanência dos estudantes que ingressaram pelas cotas, em grande medida, depende da existência de políticas sociais que atendam às respectivas demandas desses atores durante o processo de formação acadêmica. Para Felippe (2017FELIPPE, Jonis Manhães Sales. Expansão do ensino superior e assistência estudantil: novos desafios. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE POLÍTICA SOCIAL, 5, 2017, Vitória. Anais [...], Vitória: Ed. UFES, 2017. f. 1-15. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.ufes.br/EINPS/article/view/16467/11328 . Acesso em: 31 ago. 2017.
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, p. 12), a democratização da educação superior não será alcançada “[...] sem se garantirem, para além do acesso, as condições necessárias para o estudante permanecer e aprender”.

Ainda avaliando a qualidade da permanência, verificamos o coeficiente de rendimento acadêmico dos cotistas atendidos pelo PNAES na UFPB:

Gráfico 3 -
Coeficiente de rendimento acadêmico (CRA) de cotistas com PNAES. UFPB/período 2016.2

Os resultados comprovam que o PNAES está contribuindo para a permanência com sucesso dos estudantes que ingressaram através das cotas na UFPB, pois 69% (sessenta e nove por cento) da amostra da pesquisa apresentou o CRA igual ou superior a sete. Esses dados sobre o sucesso acadêmico demonstram a eficácia do programa quanto ao desempenho acadêmico dos estudantes assistidos. Verificamos também que 72% (setenta e dois por cento) dos cotistas com PNAES apresentou mais de 70% (setenta por cento) de aprovação nas disciplinas no último período acadêmico encerrado na IFES. Apesar desse dado, 17% (dezessete por cento) da amostra apresentou menos de 50% (cinquenta por cento) de aprovação no quantitativo de disciplinas, sendo fundamental que se verifique os motivos que levaram a esse desempenho acadêmico abaixo do esperado.

Nesse sentido, merece destaque a implementação das ações de apoio pedagógico enquanto uma das áreas estratégicas de atuação do PNAES, além da necessidade de articulação entre as dimensões de ensino, pesquisa e extensão na IFES. A intersetorialidade também possibilita desenvolver ações que atendam aos índices de desempenho acadêmico dos estudantes, a exemplo das ações das coordenações de cursos e demais setores ligados à Pró-Reitoria de Graduação.

Quanto aos períodos acadêmicos em que estavam atuando, os dados mostram que a maioria dos cotistas atendidos pelo PNAES estavam cursando, no momento da coleta de dados, entre o terceiro e o oitavo período acadêmico da graduação, necessitando, portanto, de políticas de permanência que auxiliem esse percurso para conclusão da sua graduação. Também verificamos que esses períodos acadêmicos estão dentro do prazo máximo para integralização do seu curso.

Os resultados também revelaram que os discentes que se encontravam entre o 9º ao 11º período totalizaram 17% (dezessete por cento); ou seja, segundo o regulamento da graduação vigente na IES, esses estudantes já ultrapassaram o quantitativo de períodos mínimos para a integralização, o que traz uma preocupação em prevenir uma situação de retenção ou evasão. Nesse sentido, é imprescindível o empreendimento de ações na área de apoio pedagógico para que se verifique quais os desafios encontrados por esses discentes durante a sua formação acadêmica. Para Santos et al. (2017SANTOS, Bettina Steren et al. Educação superior: processos motivacionais estudantis para a evasão e a permanência. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Goiânia, v. 33, n.1, p. 73-94, jan./abr. 2017. ), nessa investidura em compreender quais os desafios dos discentes para reduzir a retenção e evasão, é importante que se considerem as particularidades de cada estudante, bem como as realidades locais das instituições e dos cursos que estejam inseridos.

Dando continuidade à avaliação desse elemento, investigamos a expectativa para a diplomação dos estudantes beneficiados. A pesquisa mostrou que os estudantes cotistas que recebem os benefícios do PNAES têm uma previsão de conclusão dentro do prazo regular do seu curso. Do total da amostra, 90% (noventa por cento) têm previsão de conclusão dentro do mínimo de períodos do curso, e 10% (dez por cento) deverão cursar até dois períodos acima do mínimo exigido pela sua respectiva graduação. Nesse sentido, não identificamos históricos curriculares com previsão para o prazo máximo ou acima disso de períodos acadêmicos estabelecidos pelos seus respectivos cursos, o que demonstra que os discentes cotistas assistidos pelo PNAES apresentaram resultados positivos em relação à redução das taxas de retenção e evasão. Em síntese, a avaliação sobre a qualidade da permanência dos cotistas assistidos pelo PNAES corrobora para a profícua contribuição deste programa com a permanência exitosa na educação superior.

Sobre o quantitativo de retenção de estudantes a partir da amostra de pesquisa, os resultados mostraram que não há discentes que ultrapassaram o prazo máximo de integralização do curso. Em relação aos trancamentos em todas as disciplinas durante o curso, apenas 3% (três por cento) deles já o fizeram. Consideramos que esses resultados sinalizam um bom “fluxo” acadêmico dos estudantes beneficiados visando a conclusão do curso de graduação. Todavia, devido ao perfil do Programa de focalização e seletividade, não podemos perder de vista que o quantitativo de estudantes atendidos é bem inferior ao total de estudantes com perfil para ingresso. Em linhas gerais, os resultados positivos dos estudantes atendidos pelo PNAES demonstram a importância de ampliação das ações para outros estudantes com o mesmo perfil para o Programa, mas que não são contemplados em virtude da limitação dos recursos. Como falado em momentos anteriores, tal avaliação ressalta o paradoxo entre a importância da assistência social e a perspectiva de retração de direitos (via fundo público) especialmente a partir do ano de 2016.

Ainda em relação à avaliação da qualidade da permanência de cotistas com PNAES, mensuramos o número de disciplinas com trancamentos ou reprovações por falta ou por média. Os dados mostraram que 44% (quarenta e quatro por cento) dos estudantes tiveram no máximo um trancamento ou reprovação em disciplinas durante a graduação, entretanto, tivemos 29% (vinte e nove por cento) dos estudantes com mais de 5 disciplinas com trancamento ou reprovação durante a sua Graduação.

Diante desse dado importante sobre a qualidade da permanência, pesquisamos quais as áreas de conhecimento dos cursos com essas reprovações para compreender se determinadas áreas têm mais reprovações em detrimento das demais. Os resultados apontaram que 88% (oitenta e oito por cento) dos discentes que tiveram mais de 10 disciplinas com reprovações são dos cursos nas áreas das Exatas e da Natureza, Saúde e Engenharias, evidenciando a importância de estudos sobre possíveis fatores que contribuem para esse desempenho acadêmico mais baixo. Assim, apontamos a necessidade de investigação sobre as didáticas de ensino e instrumentos de avaliação utilizados pelos docentes, como se desenvolvem os processos de ensino-aprendizagem, além das dificuldades dos estudantes para a formação nessas áreas. Certamente a área de conhecimento do curso é um dos elementos contributivos para o desempenho acadêmico, mas não é determinante para definição do sucesso nesse quesito, pois outras questões também estão relacionadas, como por exemplo, a qualidade da formação na educação básica.

À guia de conclusões sobre a qualidade da permanência dos cotistas atendidos pelo PNAES, os resultados permitem constatar que o Programa foi eficaz na permanência com bom fluxo acadêmico dos seus participantes. Nesses termos, a eficácia está diretamente associada aos objetivos da política.

Nessa avaliação, também trabalhamos com uma amostra de 211 (duzentos e onze) estudantes que ingressaram pelas cotas, mas que não receberam benefícios do PNAES, a fim de mensurarmos se este programa seria um elemento contributivo para a permanência exitosa desse público-alvo na UFPB. A estratégia de pesquisa procurou, portanto, estabelecer um comparativo para dar referência às possíveis repercussões do programa nas categorias elencadas que nortearam a avaliação.

Conforme dados da pesquisa que avaliou a qualidade da permanência dos cotistas não assistidos pelo PNAES na UFPB, há discentes de todos os cursos de graduação das áreas de conhecimento. Retomando a avaliação da eficácia, na categoria de qualidade da permanência, partimos das dimensões que consideramos fundamentais para traçar o perfil de desempenho acadêmico: situação acadêmica, coeficiente de rendimento acadêmico e percentual de aprovação no último período acadêmico finalizado.

Em relação à situação de matrícula, os resultados apontam que 79% (setenta e nove por cento) estão vinculados aos seus cursos, entretanto, 21% (vinte e um por cento) não estão cursando a graduação devido a cancelamento ou trancamento de matrícula. Esse dado suscita estudos que aprofundem os motivos para essa evasão, pois indica que a política de cotas é ineficiente quando não é acompanhada por ações e políticas para a permanência desses estudantes na educação superior. Em contraposição a essa evasão dos cotistas sem PNAES, verificamos anteriormente que apenas 3% (três por cento) dos discentes assistidos pela assistência estudantil estão com matrículas trancadas ou canceladas, por isso, compreendemos que o programa foi eficaz em um dos seus objetivos de “reduzir as taxas de retenção e evasão” (BRASIL, 2010, art. 2º, inc. IIIBRASIL Presidência da República.. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil-PNAES. Brasília: 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/ 2010/Decreto/ D7234.htm . Acesso em: 07 jul. 2015.
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).

Essa discrepância de evasão dos cotistas não assistidos pelo PNAES corrobora para expansão das políticas de permanência na educação superior, com destaque para a necessidade de aproximação com as políticas de acesso, a exemplo das cotas. Ou seja, é necessário o trabalho construído a partir de uma relação dialógica entre as políticas de acesso e permanência, podendo ser definitivo para reduzir as taxas de evasão. O alto índice de evasão identificado na UFPB exige a realização de novos estudos que apresentem um diagnóstico das reais necessidades desses estudantes. Parece essencial que as políticas voltadas à permanência na Educação Superior empreendam esforços para contemplar a realidade evidenciada em estudos empíricos que exploram a evasão acadêmica, considerando as realidades locais (SANTOS et al., 2017SANTOS, Bettina Steren et al. Educação superior: processos motivacionais estudantis para a evasão e a permanência. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Goiânia, v. 33, n.1, p. 73-94, jan./abr. 2017. ). Apesar da multidimensionalidade de fatores que pode contribuir para a evasão na educação superior, somente uma aproximação com a realidade local e individual dos ingressantes do sistema de cotas dessa IFEs pode responder a essa questão.

Ainda sobre o desempenho acadêmico dos cotistas que não foram assistidos pelo PNAES, o gráfico abaixo apresenta os resultados quantitativos sobre coeficiente de rendimento acadêmico:

Gráfico 4
Coeficiente de rendimento acadêmico de cotistas sem PNAES UFPB/Período 2016.2

Os resultados mostram uma discrepância na média geral (CRA) dos ingressantes cotistas que não tiveram acesso ao PNAES, em detrimento àqueles que estão inseridos no programa, uma vez que 66% (sessenta e seis por cento) apresentam coeficiente abaixo de sete. Tal dado sugere que o PNAES, enquanto estratégia para permanência na educação superior, está sendo eficaz nessa dimensão, entretanto, são necessários estudos voltados para compreender quais os fatores que têm impactado nesse baixo rendimento acadêmico para esses estudantes cotistas que não participam de programas de assistência estudantil. Em outros termos, ainda que a ausência de maior assistência se apresente como um fator hipoteticamente relevante para um desempenho inferior em termos de rendimento, seria necessários estudos de natureza qualitativa que pudessem desvelar a questão.

Quanto ao percentual de aprovação em disciplinas no período acadêmico pesquisado (2016.2), o gráfico a seguir demonstra que os cotistas sem PNAES também têm menos aprovações em disciplinas em relação aos que estão assistidos pelo programa:

Gráfico 5 -
Aprovação em disciplinas no período 2016.2 de cotistas sem PNAES UFPB/Período 2016.2

Os dados referentes ao CRA e ao percentual de reprovação dos cotistas ratificam a importância da assistência estudantil no aspecto sobre o desempenho acadêmico dos estudantes. Esse resultado abaixo do esperado pode estar relacionado a fatores objetivos e subjetivos que subsidiariam a permanência desses estudantes, tais como: o auxílio financeiro para manutenção das necessidades materiais, o acesso a direitos sociais como habitação e saúde, fortalecimento da relação entre docentes e estudantes, a convivência e fortalecimento das redes de sociabilidade e apoio, adaptação à moradia em outra cidade etc. Para Felippe (2016FELIPPE, Jonis Manhães Sales. Crescimento da oferta e a permanência dos estudantes: o debate sobre a assistência estudantil e os desafios da educação superior pública no Brasil. Programa de Pós-graduação em Educação da UEPA. Revista COCAR, Belém, v. 10, n. 20, p. 113-130, 2016. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/967 . Acesso em: 09 nov. 2017.
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, p. 115), esses estudantes que demandam políticas de assistência estudantil “são pessoas que, pela sua própria posição na dinâmica econômica do modo de produção capitalista, dependem do resultado do seu trabalho para a reprodução da sua família, o que muitas vezes impede ou impõe limitações aos estudos”.

De acordo com Cordeiro (2010CORDEIRO, Maria José de Jesus Alves. Ações afirmativas: políticas de acesso e permanência nas instituições de ensino superior. Revista de Ciências Sociais Política e Trabalho, João Pessoa, n. 33, p. 97-115, out. 2010. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/9035/4750 . Acesso em: 16 nov. 2017.
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), o acesso dos estudantes cotistas nas instituições de educação superior já traz uma nova configuração para a sociedade e o mundo acadêmico, rompendo com a tradição histórica do saber acadêmico ter se concentrado nas mãos da elite brasileira. Para a autora, o ensino superior para negros e indígenas,

[...] funciona como abertura de portas ao acervo total dos conhecimentos acumulados pela sociedade dominante, neste caso, a população branca e a academia [...] ao serem excluídos do ensino superior, seja pela evasão, repetência, condições financeiras ou discriminações, o negro e o indígena se veem novamente na periferia do conhecimento e, portanto, da possibilidade de ascensão social, política e econômica (p. 99).

Sendo assim, a diplomação na educação superior para os cotistas se caracteriza não somente como uma possibilidade de mudança da sua situação econômica e social, mas também do acesso ao conhecimento, enquanto instrumento possível de transformação da realidade que está posta. Por isso, há a necessidade de articulação de uma política de educação superior que traga enfrentamentos e possibilidades frente as desigualdades sociais nos moldes da sociedade de classes. As políticas sociais, nesse sentido, podem responder a essas expressões da questão social, mesmo com suas contradições e retrocessos aqui discorridos.

5 Considerações finais

O momento de conclusão da pesquisa que resultou na elaboração desse artigo (e sua própria redação final) se dá em um dos contextos mais incertos e difíceis do país, especialmente se olharmos a perspectiva de redução de direitos sociais pela via da diminuição do investimento público. De certa forma, os dados apresentados aqui se coadunam com a perspectiva filosófica (apresentada por Hegel) de compreensão do que se passou. Para o filósofo alemão, a coruja de minerva, portanto a sabedoria analítica de compreensão da História, se apresenta unicamente quando olhamos para trás. O futuro nos leva a uma dimensão de incerteza que não é agradável aos olhares pretensamente precisos das pesquisas científicas (mesmo nas áreas das ciências sociais e humanas), mas é praticamente impossível nas considerações finais deste texto não discorrer sobre as possibilidades futuras do PNAES que, nesse momento, se encontram imersas em tempos sombrios.

Olhando o recente passado, percebemos uma eficácia do Programa, mesmo considerando os pontos frágeis de seu desenvolvimento no locus de pesquisa, a UFPB. Por um lado, a eficácia se apresentou em elementos como a diminuição do tempo de espera para a concessão dos recursos, a distribuição de benefícios e as repercussões nas trajetórias acadêmicas dos usuários. As fragilidades aparaceram nas ações (ou ausências) de transparência do Programa e na não inclusão dos usuários nos mecanismos de planejamento e avaliação.

Em linhas gerais, o PNAES abrangeu discentes cotistas de todos os cursos da instituição, contemplando o objetivo de “democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal” (BRASIL, 2010, art. 2º, inc. I). Também verificamos que o PNAES atendeu, predominantemente, aos estudantes que residem no Estado da Paraíba- território de localização da UFPB, se caracterizando como uma política social direcionada para “minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior” (BRASIL, 2010, art. 2º, inc. II).

Compreendemos que essa análise não desconsidera a diversidade de dimensões a serem tomadas em um processo avaliativo, pois, a avaliação já não é tarefa fácil devido à abrangência de fatores que podem contribuir, interferir ou determinar nesse processo. Também é preciso considerar que a avaliação das políticas sociais é ainda mais complexa, uma vez que abrange desde as interferências decorrentes dos processos de produção e reprodução das relações sociais, até a própria configuração das políticas sociais, que têm como características a focalização, a seletividade e a precarização, devido ao seu caráter contraditório de atender tanto aos interesses do Capital quanto do Trabalho.

Na conjuntura do modelo econômico neoliberal, as políticas sociais, a exemplo da assistência estudantil, vivenciam inúmeros desafios, uma vez que esses direitos não são viabilizados de forma plena, principalmente em países periféricos como o Brasil. Contudo, essas políticas sociais articulam direitos sociais às classes desprivilegiadas da relação entre Capital e Trabalho, inclusive o direito à educação superior por meio da assistência estudantil.

As políticas sociais sofrem variações conforme o contexto político, social e econômico em que se inserem e sua existência depende principalmente da capacidade organizativa da sociedade através das lutas e mobilizações políticas da sociedade e movimentos sociais pertencentes às classes subalternas.

A educação superior pública brasileira é um direito social garantido constitucionalmente, mas historicamente não foi acessível a determinadas parcelas da população brasileira, principalmente aos grupos que atualmente são inseridos através das cotas nas instituições públicas de ensino. Por isso, contemporaneamente, as cotas e a assistência estudantil foram implementadas para democratizar o acesso a esse nível de ensino. Em paralelo, o contexto histórico de desenvolvimento dessas políticas revela fortemente como os interesses de cada governo e os reflexos do ciclo de desenvolvimento do Capitalismo determina a condução dessas políticas. De acordo com Souza (2011SOUZA, Antônio Leitão Lisboa. A reforma decretada: tendências e perspectivas para a educação superior pública brasileira. In: CABRAL NETO, Antônio; NASCIMENTO, Ilma Vieira; CHAVES, Vera Lúcia Jacob (orgs.). Políticas de expansão da educação superior no Brasil: democratização às avessas. São Paulo: Xamã, 2011. p. 103-120., p. 118), no cenário atual, os cortes orçamentários na educação superior pública brasileira interrompem o ciclo de expansão inconclusa das IFES, sendo necessária a “mobilização e militância político-acadêmica” em busca de assegurar a educação com qualidade enquanto direito.

No caso da implementação do PNAES na UFPB, por exemplo, mesmo com o quantitativo de 14.580 estudantes ingressantes do sistema de cotas, no período de 2012-2016, apenas 2.108 benefícios foram pagos a discentes com esse perfil, no ano de 2016, o que comprova que, além dos desafios na execução do programa no âmbito dessa instituição pública de educação superior, o PNAES ainda atende a poucos estudantes, e, os demais certamente teriam a assistência estudantil como possibilidade de garantir a permanência exitosa na educação superior.

A avaliação aqui realizada mostra que a assistência estudantil da UFPB carece de aperfeiçoamento em alguns dos seus processos internos, e que também deve ser ampliada, pois vem atingindo os objetivos de democratizar o acesso ao ensino superior e reduzir as taxas de retenção e evasão, entretanto, para uma pequena parcela dos estudantes cotistas que conseguem acessá-la.

O desafio posto nesses “tempos sombrios” (parafraseando o célebre livro da escritora alemã Hannah Arendt), requer uma atuação consciente de mulheres e homens na busca pela manutenção e ampliação de direitos. O que vemos é, justamente, um acirramento de um modelo de Estado descomprometido com o investimento social e comprometido com interesses outros, geralmente ligados ao capitalismo externo. A perspectiva de congelamento dos gastos com direitos sociais como educação e saúde contrasta com a luta por reconhecimento e ampliação de direitos de gerações de estudantes que tiveram mais mobilidade no acesso à educação superior e que, por consequência dessa ação, requerem estruturas de apoio à permanência universitária. Nesse sentido, reafirmamos a necessidade de assumirmos a luta e o posicionamento político em favor de um modelo de educação pública, gratuita e socialmente democrática, visando à equidade e justiça social.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2018
  • Aceito
    01 Jun 2020
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