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O Ensino Superior e as instâncias de poder em Cabo Verde

Higher Education and instances of power in Cape Verde

Resumos

Este trabalho procurou contextualizar as diferentes esferas de poder expressas nos estatutos da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV). A Uni-CV é a primeira universidade pública de um país que conta um passado de cerca de cinco séculos sujeita à soberania portuguesa. Uma característica interessante quando observamos a educação superior em Cabo Verde, diz respeito ao número de jovens que buscam formação no exterior. Os três pilares que configuram o quadro jurídico do ensino superior no país (Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior; Regime Jurídico de Graus e Diplomas do Ensino Superior e Regime de Acesso e ingresso ao Ensino Superior), são abordados, já que definem e reconfiguram os Estatutos da Uni-CV, além de serem extremamente novos e ainda em fase de implantação. Abordaremos o primeiro estatuto que surge em 2006, junto com a criação da Uni-CV e suas revisões estatutárias de 2007, 2009 e 2011. Serviram como referência os estudos de Hirsch e Varela, que tratam do contexto histórico educacional universitário caboverdiano. As pesquisas têm demonstrado como vários fatores interferem na questão educacional superior do país, tais como a “diáspora caboverdiana” e a ênfase dada a “economia do conhecimento” expressa nos documentos oficiais estudados e surge como a esperança da inserção competitiva de Cabo Verde.

Palavras-chave:
Cabo Verde; Universidade de Cabo Verde; Estatuto Uni-CV


This study sought to contextualize the different spheres of power expressed in the statutes of the University of Cape Verde (Uni - CV). The Uni - Cv is the first public university in a country that has a history of about five centuries subject to Portuguese sovereignty An interesting feature when we look at higher education in Cape Verde , with respect to the number of young people seeking education abroad . The three pillars that constitute the legal framework of higher education in the country ( Legal Regime of Higher Education Institutions; Legal Regime Degrees and Diplomas of Higher Education and Regime on Access and entry to higher education) , are addressed as they set and reconfigure Statutes of the Uni - CV, besides being extremely new and still in the implementation phase . Are addressed the first statute that appears in 2006, along with the creation of the Uni - CV and its statutory revisions 2007, 2009 and 2011. Served as reference studies of Hirsch and Varela, who deal with the Cape Verdean university educational historical context. Research has shown how various factors interfere in the country's higher education issue, such as the "Cape Verdean diaspora " and the emphasis on the " knowledge economy " expressed in official documents studied and appears to be the hope of the competitive insertion of Cape Verde .

Key words:
Cape Verde; University of Cape Verde; Statute Uni-CV


1 Introdução

O país africano República de Cabo Verde. Está localizado no Oceano Atlântico, a 640 km a oeste de Dacar, Senegal. Outros vizinhos são a Mauritânia, a Gâmbia e a Guiné-Bissau, ou seja, todos na faixa costeira ocidental da África que vai do Cabo Branco às ilhas Bijagós. Curiosamente, o Cabo Verde que dá nome ao país não se situa nele, mas a centenas de quilômetros a leste, perto de Dacar, no Senegal.

O país foi descoberto em 1460 por Diogo Gomes, a serviço da coroa portuguesa, que encontrou as ilhas desabitadas e aparentemente sem indícios de anterior presença humana. Cabo Verde foi colônia de Portugal desde o século XV até sua independência em 5 de julho de 1975.

Inicialmente Cabo Verde foi povoado por colonizadores europeus e escravos africanos trazidos de diferentes partes da Costa Ocidental do continente.

Até 1990, as ilhas de Cabo Verde viveram sob o regime de partido único (PAIGC/CV). A partir de 1991 uma série de eleições pluralistas colocaram fim ao regime monopartidário e instaurou-se o regime multipartidarista.

Segundo fontes do Instituto Nacional de Estatística, através dos Recenseamentos, a população caboverdiana em 1900 era de 143.929, enquanto que em 2010 a população era de 491.875.

Com relação à educação, o Gráfico 1 demonstra a situação de Cabo Verde:

Gráfico 1
Nível de ensino da população

Desde muito cedo a instrução da população de Cabo Verde ficou a cargo da Igreja Católica, que atuou como uma espécie de transmissora dos valores ocidentais.

A instauração da República em Portugal (em 1910) institucionalizou o sistema de ensino, com orientação nacionalista e o “aportuguesamento” da população de Cabo Verde.

A história da escolarização convencional em Cabo Verde, enquanto uma estrutura formal do ensino organizado data do período colonial, especialmente com a reforma de 1917. Este sistema compreendia o ensino primário, o ensino normal, o ensino secundário e o ensino superior. Em 1964 um decreto torna obrigatório o ensino primário (crianças de 6 a 12 anos).

A década de 1980 é marcada por dois Planos Nacionais de Desenvolvimento em Cabo Verde.

O Censo de 2000 informa que apenas 1,1% da população possui nível superior, esse número cresce em 2010, para 5,1%, com o surgimento da primeira universidade estatal do país e também de outras instituições.

A Lei de Bases do Sistema Educativo, publicada em 1990, produz uma nova estruturação do sistema educativo, ele passa a se organiza em torno de vários subsistemas: pré-escolar; o ensino básico, secundário (via geral e via técnica) e o ensino superior.

Os princípios que orientam a ação do sistema educativo estão presentes na Constituição da República de Cabo Verde (CABO VERDE, 1992CABO VERDE. Constituição da República de Cabo Verde. 1992. Disponível em: Disponível em: http://www.parlamento.cv/e-cidadao/leis/CR.pdf .>, acessado em 24 de novembro de 2013.
http://www.parlamento.cv/e-cidadao/leis...
), na qual o Estado propugna que: (i) “todos têm direito ao ensino; (ii) o ensino básico universal é obrigatório e gratuito (iii) a promoção de uma política de ensino que visa a progressiva eliminação do analfabetismo, a educação permanente, a criatividade, a inserção das escolas na comunidade e a formação cívica dos alunos.

Apenas com a Lei de Bases do Sistema EducativoCABO VERDE. Lei de Bases do Sistema Educacional em Cabo Verde (LBSE). Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. Decreto-Lei nº 20/2012.. 2012 Disponível em: Disponível em: https://www.dgesc.gov.cv/index.php/ensino-superior-de-cv/legislacao/send/9-legislacao/182-regime-juridico-das-instituicoes-do-ensino . Acessado em 30 de outubro de 2013.
https://www.dgesc.gov.cv/index.php/ensin...
(LBSE) atual é que foram abolidas as propinas no 1º ciclo e em curto prazo pretende-se acabar com as do 2º ciclo do Ensino Secundário. (Ensino Secundário apresenta dois ciclos de 2 anos cada).

Inclusive esta lei só foi aprovada 15 anos após a proclamação da Independência Nacional. Foi aprovada pela Lei n.º 103/III/90, de 29 de Dezembro. Alterada pela Lei n.º 113/V/99, de 18 de Outubro, e pelo Decreto-Legislativo n.º 2/2010, de 7 de Maio.

A LBSE em Cabo Verde apresenta uma considerável ênfase ao ensino superior. De seus 94 artigos, 16 deles são dedicados a esta etapa. Elas tratam dos seguintes temas: Âmbito do ensino superior; Estabelecimentos; Objetivos do ensino superior; Acesso; Organização e reconhecimento da formação; Graus acadêmicos e diplomas; Licenciatura; Mestrado; Doutoramento; Formação pós-secundária; Doutoramento “honoris causa”; Doutoramento “insignis”; Regulamentação; Investigação científica; Financiamento e Garantia da qualidade.

Nota-se uma grande articulação entre a LBSE e o Estatuto da Uni-CV, expresso nos artigos específicos e nos mais gerais.

É possível notar ainda, inspiração portuguesa no estatuto da Uni-CV (UNI-CV, 2016UNI-CV. Estatuto da Uni-CV, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.unicv.edu.cv/itemid-artigos-estaticos/174-normativos/ano-2016/5151-novos-estatutos-da-universidade-de-cabo-verde > Acesso em: 30 outubro de 2016.
http://www.unicv.edu.cv/itemid-artigos-e...
). No estatuto da Universidade de Lisboa (ULISBOA, 2013ULISBOA. Estatuto da Universidade de Lisboa. 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.ulisboa.pt/vista/docs/estatutos/all > Acessado em: 30 de outubro de 2016.
https://www.ulisboa.pt/vista/docs/estatu...
), por exemplo, existe a ocorrência de vários termos nos estatutos universitários dos dois países, entre eles: competitividade, a preocupação com padrões internacionais e sustentabilidade.

A organização de governo nas universidades portuguesas é bem semelhante a que foi instalada em Cabo Verde. Na Universidade Nova de Lisboa, por exemplo, existe a figura do Administrador, além do vice-reitor (UNLISBOA, 2013UNLISBOA. Estatuto da Universidade Nova de Lisboa. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.unl.pt/nova/legislacao >. Acesso em: 30 de out. de 2016.
http://www.unl.pt/nova/legislacao...
). Com relação aos conselhos as semelhanças continuam, com nomenclaturas diferentes, mas atribuições bem parecidas.

A LBSE diz que compete ao Estado, através do departamento governamental responsável pelo ensino superior, assegurar a coordenação e supervisão da política educativa além do funcionamento das instituições deste subsistema de ensino. A última revisão da lei eliminou o grau de bacharelado.

2 Educação Superior em Cabo Verde

Um aspecto peculiar na educação superior em Cabo Verde, refere-se quantitativo de jovens que buscam formação no exterior. No período de 1975 e 1989 saíram do país 2.600 “bolseiros” (modo como chamam esses estudantes). Os destinos mais procurados foram: Portugal (1.203); Cuba (559); a antiga União Soviética (360) e Brasil (100).

Durante a década de 1990, o Ensino Superior estava em um período de estruturação. Em 1992 ocorre a criação da Comissão Instaladora do Ensino Superior, ela teve por objetivo principal o enquadramento institucional das competências existentes e futuras, como também a coordenação dos projetos internacionais do Ensino Superior.

Anteriormente a década de 90, em sua maioria as formações em nível superior ocorriam em outros países e eram em grande parte financiadas pelo Tesouro Público e Fundo de Desenvolvimento Nacional de Cabo Verde.

Existiam em Cabo Verde apenas Escolas Superiores que conferiam cursos sem licenciatura nomeadamente, o ISE (Instituto Superior de Educação) de 1995, ISECMAR (Instituto Superior de Engenharia e Ciência do Mar) de 1996, INIDA (Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola) de 1980, ISCEE (Instituto Superior de Ciências Econômicas e Empresas) de 1995 e o Instituto Nacional de Gestão e Administração Pública, de 1998. Esses estabelecimentos de ensino público possuíam escassa autonomia, desse modo às mínimas mudanças dependiam das decisões do governo.

Em 2000 é criada a Universidade Jean Piaget (Privada e Portuguesa), instalada na cidade da Praia. Esta universidade faz parte do Instituto Jean Piaget, que atualmente está em 3 continentes e 6 países (Portugal, Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e Brasil). No Brasil a universidade está localizada em Suzano (São Paulo), através do contrato de concessão de área pública entre a Prefeitura de Suzano, como concedente, e como concessionária, o Instituto Piaget.

Apenas no período de 2002 e 2003 é que o número de estudantes que frequentam o ensino superior no país ultrapassa o de estudantes que se deslocavam para o estrangeiro.

Figura 1
ISE (Instituto Superior de Educação)

Figura 2
INIDA (Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola)

Figura 3
ISCEE - Instituto Superior de Ciências Econômicas e Empresas

Em Cabo Verde existem: o Ministério de Educação e Desporto e o Ministério do Ensino Superior, Ciência e Inovação. (MESCI). Neste último existe a Direção Geral de Ensino Superior (DGES). Este órgão apresenta as seguintes competências:

Pedidos de reconhecimento de estabelecimento de ensino superior particular;

Pedidos de autorização do ensino superior;

Fiscalizar o cumprimento da lei;

Constituir base de indicadores (recursos, instalações);

Apoiar o Conselho para a qualidade e

Acompanhar o acesso, ingresso e frequência do ensino superior.

Segundo dados do Relatório de Atividades da Direção Geral de Ensino Superior CABO VERDE. Relatório de atividades da direção geral de Ensino Superior (DGES) ano 2011. 2012b.2012 Disponível em: Disponível em: https://www.dgesc.gov.cv/index.php/a-instituicao/relatorio-de-atividades/send/18-relatorio-de-astividades/29-relatorio-de-atividades-2011 > Acessado em 30 de abril de 2013.
https://www.dgesc.gov.cv/index.php/a-ins...
(DGES), realizado anualmente, “o ano de 2011 consagrou-se como sendo mais um ano dedicado ao desenvolvimento do ensino superior cabo-verdiano” (CABO VERDE, 2012b. p. 3).

Relativamente ao Ensino Superior, o número de alunos por 100 000 habitantes aumentou de forma significativa passando de 164 em 2000/2001 para 1763 alunos em 2008/2009.

Na tabela 1, os dados do ano acadêmico 2010/2012, demonstram que as instituições com maior número de alunos, destacam-se a Uni-CV (4.549), o ISCEE (1.907) e a Uni-Piaget (1.870).

Tabela 1
Análise comparativa de estudantes do Ensino Superior

Como já citado anteriormente, Cabo Verde tornou-se um país independente em 1975 após um passado de cerca de cinco séculos sujeita à soberania portuguesa.

Até 1990, as ilhas de Cabo Verde viveram sob o regime de partido único (PAIGC/CV). A partir de 1991 uma série de eleições pluralistas colocou fim ao regime monopartidário e instaurou-se o regime multipartidarista.

O desenvolvimento econômico de Cabo Verde caracteriza-se por uma forte dependência do exterior.

O produto Interno Bruto situava-se em 2000 na ordem dos 600 milhões de dólares. Segundo dados do Instituto de Estatísticas da UNESCO (IEU, 2013IEU. Instituto de Estatística da UNESCO. 2013. Disponível em: <Disponível em: https://en.unesco.org/countries/cabo-verde >. Acessado em 24 de novembro de 2013.
https://en.unesco.org/countries/cabo-ver...
), a educação constitui um sector prioritário para Cabo Verde na medida em que i) as despesas totais da Educação financiadas com recursos próprios representavam 5,6% do PIB em 2009 (elas representavam 6,5% do PIB em 2000); ii) as despesas correntes do Estado concedidas ao sector da Educação representavam 23, 7% em 2009 (24, 3% em 2000), número que colocou Cabo Verde comparativamente acima de um número significativo de países a nível de riqueza; e iii) a despesa corrente real por criança de 6 aos 17 anos passou de 25.867 ECV em 2000 para 44.466 ECV em 2009.

É importante salientar que Cabo Verde é um país de maioria jovem (62,0% com menos de 25 anos em 2000, segundo o Instituto de Estatística, e apresenta uma repartição espacial cada vez mais desequilibrada (mais de metade da população residindo atualmente na ilha de Santiago, a maioria na Capital, Praia). Desse modo, o desenvolvimento do sistema educativo em Cabo Verde a todos os níveis surge como estratégia motora de desenvolvimento global do país.

Segundo dados do DGES, em 2009 o Banco Mundial foi acionado para apoiar a estruturação e organização do ensino superior em Cabo Verde. Este respondeu positivamente e vem realizando visitas técnicas, elaboração de estudos e grupos de trabalho. No que tange o financiamento, tem-se notícia que em 2012, o Banco Mundial disponibilizou cerca de €40 milhões (R$90 milhões) para projetos energéticos. Existem ainda notícias de financiamento em outros projetos para o país.

São três os pilares que têm configurado o quadro jurídico do ensino superior no país:

O novo Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior;

O Regime Jurídico de Graus e Diplomas do Ensino Superior;

O Regime de Acesso e ingresso ao Ensino Superior.

a) Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior em Cabo Verde

O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior em Cabo Verde é instituído pelo Decreto-Lei nº 20/2012 (CABO VERDE, 2012). Este decreto traz novas formas para a organização e funcionamento das instituições. Ele também apresenta as estratégias para a melhor organização e desenvolvimento da área e procura promover uma efetiva aproximação entre as instituições do ensino superior (público e privado) e a tutela do setor.

Nas instituições de ensino superior os dirigentes máximos são:

Reitor - No caso das universidades;

Presidente - No caso dos institutos universitários e institutos politécnicos.

Diretor - No caso de outros estabelecimentos de ensino universitário e de ensino politécnico.

Este Regime Jurídico vai determinar que as instituições de ensino superior tenham 01 doutor para cada 120 alunos e 01 doutor para cada curso oferecido e pelo menos metade dos docentes devem ter o grau de mestrado e devem efetivamente fazer parte do quadro de docentes da instituição.

No Regime Jurídico fica claro que o órgão responsável por instituições públicas é a Superintendência e a Tutela trata de assuntos referentes às privadas. O Organograma 1 ilustra a estrutura das Instituições de Educação Universitária em Cabo Verde.

Organograma 1
Estrutura das Instituições de Educação Universitárias em Cabo Verde

Esse Regime jurídico define universidade como instituições de alto nível, orientadas para a criação, transmissão e difusão do conhecimento e da cultura, da ciência e da tecnologia, através da articulação do estudo, do ensino, da investigação e do desenvolvimento experimental. Elas conferem os graus de licenciado, mestre e doutor, além de diplomas de estudos superiores profissionalizantes.

Para serem consideradas universidades as instituições precisam cumprir certas exigências, entre elas:

Exprimir condições de efetivamente cumprir objetivos;

Autorizado a ministrar no mínimo, cursos de 3 áreas científicas diferentes. O quadro 1 traz essas áreas cientificas.

Dispor de corpo docente, instalações, etc.

Nos Institutos Universitários apenas um curso é necessário para obter a nomenclatura.

Quadro 1
Áreas Científicas

b) Regime jurídico de graus e diplomas do ensino superior

Instituído pelo Decreto-Lei 22/2012 (CABO VERDE, 2012aCABO VERDE. Regime Jurídico de Graus e diplomas do Ensino Superior. Decreto-Lei nº 22/2012. 2012a. 2012in: 2012in: https://www.dgesc.gov.cv/index.php/ensino-superior-de-cv/legislacao/send/9-legislacao/175-regime-juridico-das-instituicoes-do-ensino-superior-cabo-verde > Acessado em 30 de outubro de 2013.
https://www.dgesc.gov.cv/index.php/ensin...
), de 7 de agosto, no sentido de estruturar, organizar, introduzir e registrar os diferentes ciclos de estudos, esta lei pretende dar respostas às demandas relativas à mobilidade internacional.

O objectivo é estruturar uma ponte de aproximação aos sistemas educativos europeus e brasileiro, que, em boa verdade constituem tradicionalmente os dois pilares inspiradores do sistema educativo cabo-verdiano. Portanto, pelos objectivos estratégicos eleitos no país, há necessidade de criar condições para uma articulação aos referidos sistemas de ensino superior nos seus vários aspectos como a comparabilidade, a mobilidade discente e docente, e a promoção de desenvolvimento de projectos conjuntos entre as IES cabo-verdianas e as congéneres estrangeiras, quer no domínio do ensino (dupla certificação; validação de créditos); quer no domínio da investigação científica (CABO VERDE, 2012b, p. 5).

Entre os graus acadêmicos das instituições de Cabo Verde temos: a formação pós-secundária (de natureza profissionalizante) ministrados em estabelecimentos de ensino superior, a licenciatura com ciclos de estudos com duração de 6 a 8 semestres curriculares, o mestrado (que dura de 3 a 4 semestres) e o grau de Doutoramento (este bem recente e procurando atender a demanda de docentes universitários).

c) Regime de acesso e ingresso ao Ensino Superior

Este regime, apesar de ser entendido como pilar do ensino superior, ainda está em fase de elaboração. Seu objetivo principal será o de encontrar estratégias que possam ajudar na estruturação de um ensino superior de qualidade.

3 Universidade de Cabo Verde

O primeiro “embrião” de ensino superior no país independente foi à criação em 1979 do Curso pós-secundário, de formação de professores do ensino secundário. Este curso vai transformar-se anos mais tarde (1995) no Instituto Superior de Educação.

A Universidade de Cabo Verde foi funda em 2006, ela é uma instituição de ensino superior pública localizada em Praia, Cabo Verde. Ela originou-se a partir da fusão de duas faculdades que funcionavam em diferentes locais: o Instituto Superior de Educação (ISE), localizado em Praia, e o Instituto Superior de Engenharias e Ciências do Mar (ISECMAR), localizado em Mindelo. Em 2007, uma terceira escola juntou-se oficialmente à universidade: o Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário (INIDA), localizado em São Jorge dos Órgãos. Essas eram antigas instituições públicas.

Na fase de implantação, aUni-CV recebeu auxílio de instituições de ensino brasileiras e portuguesas, na sua criação. O modelo cabo-verdiano acaba seguindo o modelo português. Esta é uma característica marcante na Uni-CV, uma forte dependência científica e curricular em relação ao exterior (Portugal).

A Uni-CV absorveu 4.549 estudantes, correspondente a 39% do total de estudantes que frequentaram as 9 instituições do ensino superior que já existiam no país.

Existe em Cabo Verde um número significativo de estudantes que frequentam os CESP’s, desenvolvidos pela Uni-CV, e esses cursos se alargam as ilhas de Santo Antão, Fogo e Sal. Os cursos de Estudos Superiores Profissionalizantes (CESP), que consistem na formação pós-secundária curta, têm acesso os quem termina o 12º ano do ensino secundário (assim como é a exigência para graduação). Em geral esses cursos costumam durar em média 3 semestres e visam dar resposta às necessidades do mercado de trabalho.

No período compreendido entre 2008 e 2011, a Uni-CV criou 15 CESP’s. Como pode ser observado no quadro 2 esses cursos apresentam em sua maioria estudantes do sexo masculino.

Quadro 2
Cursos de Estudos Superiores Profissionalizantes

3.1 Os estatutos da UNI-CV

O primeiro estatuto surge em 2006, junto com a criação da Uni-CV. Este estatuto sofreu revisão estatutária em 2007, 2009 e 2011.

Na falta de recursos clássicos, a “economia do conhecimento” surge como a esperança da inserção competitiva de Cabo Verde. Desse modo desenvolvimento social e ensino superior estão implicados no progresso do país.

Entre os eixos fundamentais desse estatuto estão:

  • 1- a produção do conhecimento (investigação científica);

  • 2- sua transmissão (educação e formação);

  • 3- divulgação através das TIC’s e

  • 4- inovação tecnológica.

Enquanto que a Missão expressa pela Uni-CV é de: “Contribuir para a competitividade da economia cabo-verdiana, o progresso sustentável e a inclusão social, bem como o reforço da identidade cultural da nação, através de programas de ensino, investigação e extensão.”

Entre os valores matriciais estão a: liberdade, qualidade, excelência, autonomia, empreendedorismo, sustentabilidade e internacionalidade.

A composição inicial de docentes para a Uni-CV foi composta por todos os docentes que exerciam funções em tempo integral nos antigos institutos públicos do ensino superior.

Nota-se nos últimos anos o aumento de número de docentes mestres e doutores, havendo já um número simbólico de docentes com nível de pós-doutoramento, com o investimento na melhoria do corpo docente do ensino superior cabo-verdiano. Segundo dados do Ministério da Educação e Desporto a média em 2009 era de 11,9 alunos por professor na Uni-CV (MINEDU, 2013MINEDU . Ministério da Educação2013. Disponível em: < Disponível em: http://www.minedu.gov.cv/ >. Acessado em 30 de abril de 2013.
http://www.minedu.gov.cv/...
).

No que diz respeito à autonomia na Uni-CV, o estatuto expressa ampla autonomia (científica, pedagógica, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar). A universidade pode criar, suspender e extinguir cursos interpretando autonomamente as políticas de ensino superior, sem se sujeitar a qualquer autorização governamental. Tem ainda autonomia para elaborar planos de estudo e programas, definir métodos, avaliações e ensaiar novas experiências pedagógicas.

A Uni-CV apresenta os seguintes conselhos:

  • Conselho da universidade (CONSU) - Toma as decisões mais importantes da instituição. Aprova cursos e estatutos. Deliberativo e representativo da comunidade universitária.

  • Conselho de estratégia e governo (CONSEG) - Consultivo. Composição: entidades da Uni-CV e personalidades externas de reconhecido prestígio na área.

  • Conselho para a qualidade - “Promover a qualidade do desempenho da universidade nas áreas de ensino e investigação”. Conta com os serviços especializados da Uni-CV e entidades externas para auditoria.

Esses conselhos funcionam sob a supervisão do Administrador Geral. O Conselho da Universidade (CONSU) é composto por 4 representantes docentes, 1 discente, 1 pessoal não docente, 1 personalidade externa. Esta composição só acontece de fato em 2010. Os representantes foram escolhidos por seus pares. Os presidentes dos Conselhos Científicos têm voz, mas sem direito a voto.

Já o Conselho de qualidade, expresso no estatuto, inicialmente era presidido pelo reitor, nas revisões estatutárias foi indicada a saída do reitor deste conselho. A nova composição desse conselho ficou com a inclusão de 5 personalidades externas eleitas pela CONSU e que entre esses, 1 presidente é escolhido.

O Conselho Administrativo passa a contar, depois das revisões estatutárias com presidentes dos conselhos diretivos das unidades orgânicas. Essas revisões também representaram mudanças entre as exigências para os docentes, agora o desejável é o doutoramento, mas ainda aceitam-se mestres e licenciados. A seleção é feita por concurso, mas ainda é aceito o recrutamento por convite e mobilidade. O Reitor deve ser doutor e os pró-reitores e vices é o reitor quem escolhe e devem ser mestres.

Em cada área do conhecimento existem estruturas, o organograma 2 demonstra como são essas estruturas.

Organograma 2
Áreas do Conhecimento

Estrutura Administrativa da Uni-CV

Na sua estrutura a Uni-CV conta também com departamentos, escolas e centros. Os departamentos são unidades de ensino, investigação e extensão de áreas disciplinares próximas. As escolas são unidades de ensino, investigação e extensão de áreas de conhecimento. Já os centros são espaços inter-unidades para investigação e extensão. O organograma 3 traz essa estrutura administrativa da Uni-CV.

Organograma 3
Estrutura Administrativa da Uni-CV

A Uni-CV teve o primeiro reitor, nomeado por uma Resolução do Conselho de Ministros e permaneceu durante 2 anos na universidade. Os vice-reitores também foram nomeados pelo mesmo conselho, mas sob proposta do Reitor. Essa natureza excepcional da medida aconteceu, já que não havia uma comunidade acadêmica formada para eleger seus representantes.

O principal aspecto da revisão estatutária de 2007 foi a criação de normas provisórias para nomeação dos vice-reitores e pró-reitores e instituindo a remuneração dos mesmos.

Na revisão estatutária de 2009, a autonomia da universidade foi reforçada. No que diz respeito ao Reitor ficaram nessa revisão, instituídas as exigências para o cargo e a obrigatoriedade de eleição, através de escrutínio secreto. Entre as exigências para assumir a função de Reitor estão: ser docente doutor da Uni-CV, de preferência professores titulares e com pelo menos 3 anos de experiência (docência, investigação ou gestão no ES).

No estatuto de 2009 ficou distribuída a expressão eleitoral da comunidade acadêmica: de 60% para os docentes definitivos, 20% para funcionários definitivos e 20% para estudantes.

Medidas mais claras para a função laboral dos funcionários e docentes, foram instituídas na revisão estatutária de 2011. O governo pretende transformar a Uni-CV numa “entidade para-empresarial”, gerida pelo Reitor com o “Estatuto de Gestor Público”, e vincular-se a universidade pública a um “contrato-programa [...] do qual constarão as metas estratégicas de política do Executivo para o Ensino Superior Público, bem como as regras de gestão da instituição e os mecanismos de prestação de contas do Reitor e de mais órgãos da Universidade face ao Estado”.

Varela (2011VARELA, B. L. Concepções, práxis e tendências de desenvolvimento curricular no ensino superior público em Cabo Verde. Um estudo de caso sobre a Universidade de Cabo Verde. Tese (Doutorado em Ciências da Educação) - Instituto de Educação, Universidade do Minho, Minho, 2011.) realizou um estudo sobre a Uni-CV, onde realizou levantamentos em atas e documentos, na tentativa de procurar saber quais os conselhos que funcionam ou não. Segundo ele o CONSU, respondeu importantes questões no período inicial, mas com a entrada de novos representantes essa demanda diminuiu consideravelmente. O CONSEG acaba agindo como superintendente do CONSU e ainda não cumpre seus verdadeiros propósitos. Já o Conselho para a qualidade até a época do estudo não havia sido constituído. Funcionam ainda plenamente, os Conselhos diretivos e os Centros de investigação. Não funcionam plenamente, segundo Varela: os Conselhos pedagógicos. As Comissões de coordenação dos cursos, os Conselhos das unidades e os Conselhos Científicos (este último de fato não funciona).

A Uni-CV, apresenta um aumento considerável no quantitativo de professores titulados com doutorado e pós-doutorado no período de 2010/2011, quando comparado a 2008/2009, passa de 17 para 128 doutores, além de 10 pós-doutores. Ela se situa no topo das instituições de Cabo Verde com relação ao nível de formação dos docentes, o quadro 3 demostra as instituições de ensino e o nível de formação docente.

Quadro 3
Nível de Formação dos docentes por instituição de ensino

4 Considerações: “Diáspora” cabo-verdiana

Cabo Verde apresenta uma característica bem interessante, já que o valor atribuído à mobilidade é grande. O número de cabo-verdianos fora do país supera o de pessoas em seu território. Existe inclusive uma piada popular neste país que diz que quando o homem foi à Lua, ao chegar encontrou um cabo-verdiano. É como se migrar fosse um rito de passagem. Akesson (2004AKESSON, L. Making a life: meanings of migration in Cape Verde. Göteborg, 2004. Tese (Doutorado) - Departamento de Antropologia Social, Göteborg University, Göteborg, Suécia, 2004.) vai dizer que o que entra em jogo no discurso sobre a migração cabo-verdiana não é apenas a ideia de “destino”, amparada pelo histórico de secas e de fomes, mas a ideia de que a mobilidade é uma “especialidade nacional”.

A população estrangeira residente em Portugal, a 31 de Dezembro de 2011, totalizava 436.822 cidadãos. O Brasil mantém-se como a comunidade estrangeira mais representativa, com um total de 111.445 residentes. Depois Ucrânia (48.022), seguida de Cabo Verde (43.920).

Na década de 1990, Portugal continua com um número expressivo de bolsas para cabo-verdianos, mas nota-se um aumento gradual da participação brasileira.

Segundo estudo de Hirsch e Giacomini (2007HIRSCH, O. N.; GIACOMINI, S. M. Hoje eu me sinto africana: processos de construção de identidades em um grupo de estudantes cabo-verdianos no Rio de Janeiro. 2007. Dissertação (Mestrado) - Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.) persistia até então uma falta de confiança nas instituições locais, por conta de um histórico tão recente e a inexistência de cursos de determinadas carreiras e prestígio de se obter diploma no exterior ainda são apontadas como principal motivo que levam os jovens para o exterior.

Nos estudos de Varela (2011) 83% dos estudantes escolheram a Uni-CV por conta do baixo valor das propinas. A Uni-CV acaba virando opção para quem não dispõe de recursos para a formação no exterior.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2017
  • Aceito
    10 Jan 2018
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