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Uma abordagem à avaliação das aprendizagens na formação de professores no contexto de Bolonha

An approach to assess learning in teacher education in the context of Bologna

Resumos

Com o Processo de Bolonha no ensino superior europeu, o ensino centra-se na aprendizagem e no trabalho autónomos dos futuros professores do 1º ciclo do ensino básico, de que decorre a necessidade da prática da avaliação formativa dos seus diferentes percursos de aprendizagem. Com a finalidade de caraterizarmos as práticas de avaliação das aprendizagens de futuros professores do 1º ciclo do ensino básico, fizemos uma análise dos pontos sobre a avaliação das aprendizagens dos programas das unidades curriculares dos cursos de 2º ciclo de formação daqueles professores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Foi-nos possível concluir que as práticas de avaliação programadas são, sobretudo, de natureza sumativa, apesar de nalgumas unidades curriculares se encontrarem alguns elementos da prática da avaliação formativa.

Ensino superior; Formação inicial de professores; Avaliação das aprendizagens


With the Bologna Process in European higher education, teaching focuses on the learning and autonomous work of the future teachers of the 1st cycle of basic education, which brings the need of the practice of formative assessment of their different learning paths. In order to characterize the practices of learning assessment of future teachers of the 1st cycle of basic education, we did an analysis of points on the assessment of learning of the discipline’s programs of courses in the second cycle of training, concerning those teachers at the University of Tras-os-Montes and Alto Douro. We were able to conclude that the planned assessment practices are mainly summative in nature although some disciplines have some elements of the practice of formative assessment.

Higher education; Initial teacher education; Assessment of learning


Uma abordagem à avaliação das aprendizagens na formação de professores no contexto de Bolonha

An approach to assess learning in teacher education in the context of Bologna

Carlos Alberto Alves Ferreira

Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho. Braga, Portugal. Contato com o autor: caferreira@utad.pt

RESUMO

Com o Processo de Bolonha no ensino superior europeu, o ensino centra-se na aprendizagem e no trabalho autónomos dos futuros professores do 1º ciclo do ensino básico, de que decorre a necessidade da prática da avaliação formativa dos seus diferentes percursos de aprendizagem. Com a finalidade de caraterizarmos as práticas de avaliação das aprendizagens de futuros professores do 1º ciclo do ensino básico, fizemos uma análise dos pontos sobre a avaliação das aprendizagens dos programas das unidades curriculares dos cursos de 2º ciclo de formação daqueles professores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Foi-nos possível concluir que as práticas de avaliação programadas são, sobretudo, de natureza sumativa, apesar de nalgumas unidades curriculares se encontrarem alguns elementos da prática da avaliação formativa.

Palavras-chave: Ensino superior. Formação inicial de professores. Avaliação das aprendizagens.

ABSTRACT

With the Bologna Process in European higher education, teaching focuses on the learning and autonomous work of the future teachers of the 1st cycle of basic education, which brings the need of the practice of formative assessment of their different learning paths. In order to characterize the practices of learning assessment of future teachers of the 1st cycle of basic education, we did an analysis of points on the assessment of learning of the discipline's programs of courses in the second cycle of training, concerning those teachers at the University of Tras-os-Montes and Alto Douro. We were able to conclude that the planned assessment practices are mainly summative in nature although some disciplines have some elements of the practice of formative assessment.

Key words: Higher education. Initial teacher education. Assessment of learning.

1 A EUROPA DO CONHECIMENTO E OS DESAFIOS PEDAGÓGICOS PARA O ENSINO SUPERIOR

Atualmente, vivemos numa sociedade marcada por uma grande e rápida evolução tecnológica e científica, que conduz a que todos tenham acesso a múltiplas informações por vias cada vez mais diferenciadas. Os diversos meios de comunicação e de acesso à informação tornam-na fácil e rapidamente acessível por todos, pelo que "o progresso científico, a superabundância informacional, gerada na vertigem das tecnologias da informação e da comunicação, a ruptura de concepções raramente postas em causa têm vindo a reorganizar a vida quotidiana e, naturalmente, as dinâmicas sociais" (MORGADO, 2007, p. 61). Este rápido e fácil acesso à informação, mas também a grande circulação de bens e de serviços, têm contribuído para a criação de uma sociedade globalizada e do conhecimento ou da informação (HARGREAVES, 2003; PACHECO, 2011). Não se restringindo o conhecimento só aos saberes conceptuais, mas também aos saberes procedimentais e atitudinais, numa sociedade com estas caraterísticas, esse conhecimento tornou-se na principal força económica de produção e de recurso ao mercado de trabalho, ao crescimento económico, à integração social dos indivíduos, ao desenvolvimento social e à qualidade de vida (PACHECO, 2011). Pois, a sociedade globalizada, estabelecendo relações entre a economia, a sociedade e a educação, rege-se pelo:

princípio segundo o qual há um benefício económico se a mão-de-obra for bem instruída e treinada nos sistemas de educação e formação e pela insistência na economia do conhecimento e na aprendizagem ao longo da vida (PACHECO, 2007, p. 30).

Deste modo, para além de ser necessária a posse daqueles diversos tipos de conhecimentos adquiridos ao longo da vida, é preciso que os indivíduos saibam utilizá-los inteligentemente (LEITE; FERNANDES, 2011) na resposta aos desafios profissionais e sociais com que se deparam numa sociedade regulada pela economia do conhecimento (HARGREAVES, 2003; PACHECO; VIEIRA, 2006). Numa sociedade em constante mudança, competitiva e exigente nos diversos papéis que os cidadãos têm que nela desempenhar, os processos educativos não devem ter como única preocupação conduzir os alunos à aquisição de conhecimentos, mas, sobretudo, ao desenvolvimento de competências necessárias à vida nessa sociedade e ao exercício de uma profissão. Entende-se por competência a capacidade de o indivíduo, perante uma tarefa ou problema da sua vida pessoal e social ou profissional, mobilizar, de forma integrada, os conhecimentos, os procedimentos e as atitudes adequadas que lhe permitam a sua resolução eficaz (PERRENOUD, 2001). Competências essas que, implicando a aquisição de conhecimentos, pressupõem o seu uso de forma inteligente, criativa, inovadora e eficaz. Pelo que à educação escolar, em particular à de nível superior, é exigido que tenha como finalidade não só a aquisição de competências específicas da área de formação, mas, também, de competências transversais pelos estudantes. Ou seja, são, também, necessárias competências de pensamento crítico e de tomada de decisões, de autonomia, de cooperação, de comunicação, de criatividade, de inovação, de tolerância aos outros, etc (FERREIRA, 2011a; PACHECO, 2011) para a integração ativa e participativa na sociedade e para o exercício de uma profissão. Pois, estas competências transversais têm que ser

transponíveis para o exercício de funções distintas, como sejam o domínio de conhecimentos básicos essenciais, a aptidão para a procura de saberes avançados, a capacidade de prática de investigação, a possibilidade de desenvolver qualidades pessoais, uma postura de autonomia na relação com as diversas circunstâncias da vida, etc (SIMÃO; SANTOS; COSTA, 2005, p. 75).

Num contexto em que a educação e a formação são orientadas por políticas transnacionais decorrentes da sua subjugação às exigências da economia e do mercado de trabalho globalmente estabelecidas (LIMA; AZEVEDO; CATANI, 2008), é fundamental que os indivíduos sejam capazes de utilizarem, de forma inteligente e criativa, o conhecimento e as diversas competências.

Porém, o que se tem verificado é que a educação e a formação, seguindo uma agenda globalmente estruturada, tendem "para a homogeneidade e uniformização em detrimento da diversidade e identidade" (PACHECO, 2011, p. 15), o que se verificou, nomeadamente, com a assinatura da Declaração de Bolonha por vários países europeus para o ensino superior. O Processo de Bolonha no ensino superior, tal como veio a ser reconhecido e designado, traduziu-se em mudanças organizacionais e pedagógicas na educação naquele nível de ensino que se enquadram nessa tendência de homogeneidade e de uniformização. Com ela assistiu-se à homogeneidade e compatibilização de graus académicos, à formação por unidades de crédito, ao incremento da mobilidade de estudantes, professores e investigadores pelos diversos países europeus e à organização do processo pedagógico por horas de contacto, de tutoria e por tempo de estudo e de trabalho autónomos dos estudantes, numa lógica de criação do espaço europeu de ensino superior que tem por finalidade a construção de uma Europa do conhecimento (DECLARAÇÃO DE BOLONHA, 2005; SIMÃO; SANTOS; COSTA, 2005). Europa do conhecimento esta que é considerada

factor insubstituível para o crescimento humano e social, sendo componente indispensável para a consolidação e para o enriquecimento da cidadania europeia, capaz de fornecer aos seus cidadãos as necessárias competências para encarar os desafios do novo milénio, bem como desenvolver a consciência de valores partilhados e relativos a um espaço comum, social e cultural (DECLARAÇÃO DE BOLONHA, 2005, p. 1).

É pela valorização e pela capacidade de criar conhecimento que a Europa se torna capaz de competir internacionalmente, com inovação, com coesão social, promovendo a empregabilidade qualificada e, consequentemente, desenvolvendo-se social e economicamente. A estas demandas, o ensino superior tem um papel a desempenhar, na medida em que

um dos principais papéis das instituições de ensino superior é o da construção e da difusão de conhecimento e da inovação tecnológica, contribuindo para a formação de cidadãos activos, integrados socialmente e capazes de competir a nível profissional e do mercado do conhecimento (FERREIRA, 2011a, p. 51).

Sabendo que são, privilegiadamente, as instituições de ensino superior que criam as condições de "fabricação cognitiva de saberes relacionados com contextos específicos da economia" (PACHECO, 2011, p. 19), a elas cabe-lhes o papel de conduzirem os estudantes para a aprendizagem dos conhecimentos e para a aquisição das competências técnicas específicas da sua formação e das competências transversais necessárias ao mercado de trabalho e à vida numa sociedade regulada pela economia. Papel este que, no contexto do Processo de Bolonha, tem que ser redimensionado, em termos pedagógicos, de forma diferente do tradicional. Isto porque, para além das mudanças organizacionais e curriculares que o Processo de Bolonha veio implementar, o ensino tem que se centrar no estudante, na sua aprendizagem e no seu trabalho autónomos, o que implica a alteração dos processos de ensino e de aprendizagem tal como têm vindo a ocorrer (FERNANDES; FLORES; LIMA, 2010; MORGADO, 2007). Alteração esta que, alicerçando-se numa pedagogia das competências (PACHECO, 2011), passa pela mudança do papel do professor e pela utilização de metodologias de ensino alternativas à transmissão de conteúdos. O professor passa a assumir o papel de facilitador, de orientador e de mediador da aprendizagem de cada estudante, utilizando metodologias de ensino ativas com o recurso às novas tecnologias de informação e comunicação. Metodologias de ensino estas que podem ser o trabalho de projeto, o trabalho de campo, a pesquisa de informação sobre temas do interesse e da necessidade dos estudantes, cujos resultados são por eles apresentadas aos colegas, a participação em fóruns de debate, etc. Com o recurso a este tipo de metodologias, é possível aos estudantes construírem as aprendizagens autonomamente ou em cooperação com os colegas e com o professor e desenvolverem as competências necessárias à vida pessoal e profissional na sociedade do conhecimento regulada pelos desígnios da economia e do mercado de trabalho.

2 A EUROPA DO CONHECIMENTO, O PROCESSO DE BOLONHA E SUAS IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

Sendo a sociedade do conhecimento uma sociedade de aprendizagem ao longo da vida (HARGREAVES, 2003), as sociedades dos vários países europeus, enquanto uma comunidade, apropriam-se, valorizam, criam e difundem conhecimento construído sobretudo nas universidades e nas restantes instituições de ensino superior. Neste sentido, Hargreaves (2003, p. 16) defende que as sociedades do conhecimento "processam informação e o conhecimento de uma forma que maximiza a aprendizagem, estimula a criatividade e a invenção e desenvolve a capacidade para iniciar e para lidar com a mudança." Assim, através do conhecimento produzido, a Comunidade Europeia pretende competir internacionalmente em termos económicos e promover a coesão e o desenvolvimento social, levando a que a formação dos cidadãos e profissionais, em particular dos futuros professores, lhes permitam lidar com tais caraterísticas sociais e adaptarem-se à rápida e constante mudança e aos diversos desafios que são colocados no contexto de trabalho.

Contrariamente ao que acontecia até há uns anos atrás, a formação inicial de professores nas instituições de ensino superior numa sociedade da informação não os capacita para o exercício da docência para toda a vida. A rápida e a fácil difusão de informação a que os alunos que frequentam a escola têm acesso por diferentes vias tecnológicas, a diversidade de interesses, de necessidades e de ritmos de aprendizagem deles decorrentes da massificação da educação escolar, levam a que os professores se vejam confrontados com problemas e com necessidades que antes não acontecia (ROLDÃO, 2002) e para os quais têm que procurar novas respostas. É, nomeadamente, por estas razões que se deve entender a formação inicial de professores, adquirida nas instituições de ensino superior, como a primeira etapa de formação e do desenvolvimento profissional do professor ao longo da vida, sendo complementada pela formação em contextos formais, não formais e informais no exercício da docência (PONTE, 2005). Entende-se, por isso, que a formação inicial de professores constitui, essencialmente, o período de

capacitação (que não é sinónimo de preparação) para a vida profissional, sobretudo no referente ao domínio das competências necessárias à reconversão e permanente actualização profissional ao longo da vida, num mundo laboral marcado pela mudança e redimensionamento constantes, bem diferente das estruturas sócio-profissionais relativamente estáveis de um passado não muito longínquo (ROLDÃO, 2002, p. 53).

Apesar de a formação inicial não esgotar a possibilidade e a necessidade de formação contínua, através dela os futuros professores têm que adquirir conhecimentos e competências que lhes possibilitem iniciar a profissão e desenvolverem-se profissional, pessoal e socialmente, servindo estes de base para uma aprendizagem ao longo da vida. Conhecimentos estes que são do domínio conceptual e técnico, específicos da docência numa determinada área do saber, mas também competências curriculares, pedagógico-didáticas, organizacionais, éticas, de reflexão e de pensamento crítico, comunicacionais e relacionais, de cooperação e de tomada de decisões que lhes permitam encontrar as respostas para os mutantes desafios com que se vão confrontando no exercício da profissão (ALONSO, 2005; PONTE, 2005).

No sentido da preparação dos futuros professores para a complexa realidade profissional que vão encontrar no exercício da docência e da vida numa sociedade do conhecimento e globalizada, é fundamental que, para além do desenvolvimento de competências científico-técnicas, sejam também desenvolvidas competências transversais. Pois, como nos refere Ponte (2005, p. 65),

a docência, qualquer que seja o nível em que é exercida, é marcada por um saber profissional comum, resultante da mobilização, produção e utilização de diversos saberes (científicos, pedagógico-didácticos, organizacionais, técnico-práticos), organizados e integrados adequadamente em função da acção concreta a desenvolver em cada situação da prática profissional.

A aquisição do saber profissional e das competências docentes implica que na formação desses professores se criem "ambientes de aprendizagem que estimulem o envolvimento activo dos alunos nos processos de aprendizagem, favorecendo, assim, a sua própria autonomia" (FERNANDES; FLORES; LIMA, 2010, p. 60). Ou seja, a formação de professores tem que centrar-se na aprendizagem e no estudo e trabalho autónomos dos futuros professores, orientados pela confrontação com situações reais de ensino que os conduzam à reflexão, à mobilização de saberes e de procedimentos com vista à tomada de decisões adequadas à resolução dos problemas educativos. É neste sentido que Alonso (2005, p. 6) refere que, no contexto da formação inicial,

a capacidade de diagnosticar problemas, de reflectir e investigar sobre eles, construindo uma teoria adequada (teorias práticas) que oriente a tomada de decisões, parecem competências fundamentais aos professores actuais confrontados com uma escola plural, dinâmica e multicultural.

Existindo alunos nas escolas com interesses e necessidades distintas, o professor não pode ensinar a todos como se de um aluno tipo ideal se tratasse. É preciso diversificar métodos, estratégias e recursos de ensino e de aprendizagem que, respeitando e indo ao encontro da individualidade de cada aluno, criem as condições pedagógicas para que o maior número deles faça as aprendizagens necessárias à integração e à participação ativa na sociedade. É por estas razões que Perrenoud (2000, p. 27) afirma que, atualmente, ao docente é exigido

o domínio de conteúdos com suficiente fluência e distância para construí-los em situações abertas e tarefas complexas, aproveitando ocasiões, partindo dos interesses dos alunos, explorando os acontecimentos, em suma, favorecendo a apropriação ativa e a transferência dos saberes, sem passar necessariamente por sua exposição metódica, na ordem prescrita por um sumário.

Tal conceção de ensino preconizada pressupõe que na formação dos futuros professores sejam proporcionadas situações de aprendizagem marcadas pela reflexão e pela flexibilidade metodológica em função de situações educativas concretas e de alunos com caraterísticas diversas. Daí que a par da formação técnico-científica construída, deva proporcionar-se aos futuros professores o contacto com a realidade educativa, pela observação, cooperação e responsabilização pela atividade docente, através do qual lhes é possível refletir e mobilizar os diferentes saberes para a reflexão, compreensão e para a tomada de decisões educativo-didáticas adequadas à diversidade de alunos que frequentam a escola de hoje.

3 A AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS E DAS COMPETÊNCIAS DOS FUTUROS PROFESSORES

No contexto social e educativo atual, considera-se que na formação inicial de professores não é suficiente que o futuro professor aprenda só conhecimentos científicos e técnicos necessários à docência, mas que também adquira competências relacionadas com a prática de ensino e competências transversais úteis a essa prática e à vida em sociedade. Este novo objeto de ensino e de aprendizagem, para além de redimensionar a formação inicial de professores e as práticas pedagógicas em que nela ocorrem, obriga os docentes a repensarem a forma como avaliam as diversas aprendizagens que os futuros professores realizam durante essa formação. Pois, o Processo de Bolonha veio não só exigir a alteração das práticas de formação inicial de professores, como as de avaliação das aprendizagens. Com a complexificação e o alargamento do objeto de avaliação que adveio com a necessária aquisição de competências, é preciso que a avaliação não continue a ser privilegiadamente (para não dizer exclusivamente) sumativa, passando a integrar práticas de avaliação formativa e formadoras quer para os docentes do ensino superior, quer dos futuros professores. Práticas estas que possibilitam verificar os conhecimentos e as competências que vão sendo adquiridos ao longo da formação.

3.1 Um novo objeto de ensino e de aprendizagem, uma nova prática de avaliação na formação inicial de professores

Centrando-se o ensino na aprendizagem e no trabalho autónomos dos estudantes, através dos quais constroem os conhecimentos e as competências necessárias à docência, avaliação das aprendizagens e das competências que os futuros professores vão adquirindo ao longo da sua formação constitui um processo que não pode ser desintegrado do processo de ensino e de aprendizagem onde ocorrem. Isto porque avaliar competências pressupõe avaliar contextos de realização, nos quais o indivíduo mobiliza recursos cognitivos, afetivos e motores, com ênfase na transferibilidade do conhecimento (PACHECO, 2011).

Enquanto recolha e análise de informações sobre essas diversas aprendizagens, em função de um referente delimitado por objetivos e critérios, a avaliação tem de ser perspetivada no contexto do processo de ensino e de aprendizagem promovido aos estudantes (FERREIRA, 2007), dela resultando decisões de regulação ou de certificação das aprendizagens, dependendo da finalidade com que a avaliação é realizada. Considera-se que é, sobretudo, através de uma prática de avaliação contínua, com uma dimensão formativa e formadora para os estudantes, que se vão recolhendo e analisando, através de um referente devidamente clarificado, informações sobre os conhecimentos aprendidos e sobre as competências dominadas pelos estudantes, de modo a intervir atempada e adequadamente aos diferentes percursos de aprendizagem dos futuros professores. Só através de procedimentos avaliativos que acompanhem e que orientem o processo de aprendizagem é que se recolhem informações não só sobre os conhecimentos aprendidos, como, também, sobre as competências que estão a ser desenvolvidas pelos futuros professores (FERREIRA, 2007).

Por isso, tendo em atenção as finalidades e as funções com que a avaliação é feita, é preciso recorrer a técnicas e instrumentos de avaliação diversificados, porque se pretende que sejam adequados quer ao objeto de avaliação, quer à finalidade com que é realizada (FERREIRA, 2007). Por esta razão, a utilização exclusiva de testes e de exames para verificar as aprendizagens dos alunos, só permite ao professor medir resultados relacionados com os conhecimentos adquiridos pelos futuros professores, que, muitas vezes, são memorizados para uma resposta eficaz às questões dos testes/exames e que, por isso, são rapidamente esquecidos. Neste sentido, Fernandes (2002, p. 68) refere que

da sobrevalorização destes [exames] resulta a utilização do teste como método quase exclusivo de avaliação, pois é ele que prepara o exame, desse modo reproduzindo e perpetuando práticas de avaliação que limitam e condicionam o desenvolvimento de outras competências e aprendizagens dos alunos, num círculo vicioso que é difícil romper.

Se pretendermos avaliar outras dimensões da aprendizagem, como sejam as competências, e se for da intenção do docente que a avaliação tenha uma função reguladora do processo de ensino e de aprendizagem, é fundamental que esteja integrada no processo de ensino e de aprendizagem, que tome por objeto a capacidade de transferência de saberes para novas tarefas. Pelo que é importante a utilização de diversos métodos de avaliação, que possibilitam ao professor construir um juízo de valor mais completo e mais fidedigno sobre a competência dos futuros professores (ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2001; FERNANDES, 2002). É, também, preciso diversificar o objeto de avaliação e utilizar técnicas e instrumentos de recolha de informações sobre as várias aprendizagens dos alunos, que permitam ir verificando o que os futuros professores estão a aprender e as dificuldades que estão a ter, ou o que precisam de melhorar na aprendizagem (FERNANDES, 2002).

Para além disto e porque se considera que é quando o futuro professor participa na sua avaliação, pela reflexão e consequente tomada de consciência da sua aprendizagem e das suas dificuldades, que mais condições se criam para o seu sucesso académico, que devem ser associadas à avaliação do professor práticas de auto-avaliação dos futuros professores. Esta auto-avaliação implica que o futuro professor conheça os critérios de avaliação e, tendo-os como referente, reflita, de forma distanciada e crítica, sobre a sua aprendizagem. Deste modo, pode a partir da sua auto-avaliação, decidir sobre as estratégias mais adequadas para ultrapassar dificuldades ou para continuar a aprendizagem com sucesso (PINTO; SANTOS, 2006; VEIGA SIMÃO, 2005).

3.2 A avaliação de conhecimentos e de competências na formação inicial de professores

No contexto do Processo de Bolonha, em que o ensino se encontra direcionado para a aprendizagem e para o trabalho autónomos dos futuros professores, com a criação das condições pedagógicas necessárias à realização das aprendizagens e ao desenvolvimento das competências de ensino e das competências transversais imprescindíveis à vida profissional com as caraterísticas atuais, a avaliação não pode resumir-se à testagem de conhecimentos memorizados pelos estudantes com vista à sua certificação. Isto porque os testes só permitem medir aprendizagens de conhecimentos (FERNANDES, 2002). Dada

a importância de uma educação centrada na aprendizagem, enfatizando uma educação em termos de aquisição de capacidades, de habilidades, comportamentos e atitudes que permitam aos alunos um progressiva atualização dos conhecimentos ao longo da sua vida (CLARES; JUÁREZ; CANTERO, 2008, p. 198).

As práticas de avaliação terão que permitir verificar a aquisição das competências profissionais e transversais dos estudantes ao longo da sua formação inicial. Uma vez que o processo de aquisição de competências exige um ensino orientado para a reflexão, para o pensamento crítico e para a tomada de decisões sobre situações ou problemas reais, ou próximos da realidade educativa, a avaliação das aprendizagens tem que tomar como objeto não só os conhecimentos, como a capacidade de os estudantes os mobilizarem com os procedimentos e as atitudes adequados à realização de tarefas, de projetos, de situações problemas. Tem, por isso, que se estruturar de forma também diferente, porque os testes e os exames não constituem os instrumentos mais adequados à verificação das competências dos estudantes. Isto porque, "a avaliação de competências está centrada em situações significativas, o que não se coaduna com a testagem tradicional ao nível das provas escritas e orais" (PACHECO, 2011, p. 105).

Dada a complexidade deste objeto avaliativo, é preciso que o professor recorra a outras técnicas e instrumentos de avaliação que permitam ir verificando não só a posse de saberes por parte dos alunos, mas a forma como os mobiliza em situações novas e exigentes. Deste modo, as práticas de observação dos alunos durante a aprendizagem devidamente planificadas e estruturadas constituem um procedimento ajustado a tal objeto avaliativo, porque "observar os alunos durante a realização de uma tarefa é certamente um modo promissor para compreender como o aluno age face ao imprevisto e se é ou não capaz de transferir para novas situações os recursos de que já dispõe" (SANTOS, 2003, p. 18). Também as discussões orais sobre temas/ situações-problemas de natureza educativa, as práticas de tutoria e de acompanhamento dos alunos durante as diversas tarefas académicas que têm de realizar, a construção e reflexão de portefólios avaliativos, constituem procedimentos avaliativos adequados a tal objeto de avaliação. Com este tipo de técnicas e instrumentos avaliativos, o professor: acompanha mais de perto o processo de aprendizagem dos alunos; mais fácil e atempadamente obtém as informações sobre as diversas aprendizagens e sobre a capacidade de os futuros professores as mobilizarem para situações educativas; identifica e analisa os erros ou dificuldades dos futuros professores na aquisição dos diversos tipos de saberes ou na sua mobilização para situações concretas, erros estes que constituem atos "na construção do conhecimento, que tem uma lógica e que traduz uma representação que o aluno faz de um dado saber" (PINTO; SANTOS, 2006, p. 86), não sendo, por isso, objeto de punição; cria as condições para o feedback necessário à regulação do processo de ensino e de aprendizagem e, consequentemente, ao sucesso escolar dos futuros professores (FERREIRA, 2011b).

Por outro lado, é fundamental que o futuro professor participe na avaliação das diversas aprendizagens que faz. Através da prática da sua auto-avaliação, possibilitada pela interiorização de critérios de avaliação das tarefas através das quais realiza a aprendizagem, toma consciência das competências adquiridas e das dificuldades na assimilação dos diversos saberes e da sua capacidade de os mobilizar na resolução dessas tarefas. Através desta tomada de consciência, possível pelo exercício da metacognição, o futuro professor está em condições de participar na regulação da sua aprendizagem ou mesmo de a auto-regular.

4 PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO SOBRE A AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO

Considerando que "a avaliação é um dos aspetos centrais dentro do processo de ensino-aprendizagem que, com as mudanças originadas pelo Espaço Europeu de Educação Superior, se está a modificar para fazer face a um enfoque baseado em competências" (SANTAMARÍA, 2011, p. 40), foi nossa intenção proceder a uma investigação sobre as práticas de avaliação das aprendizagens nas diversas unidades curriculares dos cursos de 2º ciclo de formação professores do 1º ciclo do ensino básico da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Assim, partimos da seguinte questão- problema de investigação: como se caraterizam as práticas de avaliação das aprendizagens dos futuros professores do 1º ciclo do ensino básico da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro?

Tendo em atenção o problema de investigação que nos orienta, é nossa intenção cumprir os seguintes objetivos:

- Compreender a conceção de avaliação das aprendizagens de docentes envolvidos na formação inicial de professores do 1º ciclo do ensino básico;

- Caraterizar as práticas de avaliação das aprendizagens realizadas pelos docentes aos futuros professores do 1º ciclo do ensino básico;

- Verificar o papel dos futuros professores no processo de aquisição de competências profissionais e transversais;

- Verificar os obstáculos identificados pelos docentes à realização das práticas de avaliação da aquisição das competências pelos futuros professores.

No intuito de cumprirmos os objetivos que aqui descrevemos, iniciámos a investigação com a recolha dos planos curriculares dos cursos de 2º ciclo da UTAD que formam professores do 1º ciclo do ensino básico: mestrado em ensino no 1º ciclo do ensino básico; mestrado em educação pré-escolar e ensino no 1º ciclo do ensino básico; mestrado em ensino nos 1º e 2º ciclos do ensino básico. O procedimento seguinte consistiu na recolha dos programas das diversas unidades curriculares que estruturam os planos curriculares dos referidos cursos, referentes ao ano letivo 2010/11, com vista à recolha de informações sobre a forma como os respetivos docentes perspetivavam a avaliação das aprendizagens no contexto de cada unidade curricular, que é o que aqui pretendemos caraterizar. Apesar dos esforços feitos na recolha de todos os programas, tal não nos foi possível concretizar em todas as unidades curriculares, devido a que nem todos os docentes entregarem, em formato de papel, os referidos programas, tendo-o somente feito no SIDE- Sistema de Informação de Apoio ao Ensino da U.T.A.D. Assim, no mestrado em ensino no 1º ciclo do ensino básico, das 13 unidades curriculares que compõem o plano curricular do curso, recolhemos os programas de 8 unidades curriculares; das 17 unidades curriculares do mestrado em educação pré-escolar e ensino no 1º ciclo do ensino básico, recolhemos 13 programas; das 19 unidades curriculares do mestrado em ensino nos 1º e 2º ciclos do ensino básico, recolhemos os programas de 11.

Após esta recolha dos programas, procedemos à análise documental (BOGDAN; BIKLEN, 1994) dos pontos dos programas em que era descrita a avaliação das aprendizagens dos futuros professores. Entende-se por análise documental aquela em que o procedimento de análise tem "por objetivo dar forma conveniente e apresentar de outro modo a informação, facilitando a compreensão e a aquisição do máximo de informação com a maior pertinência" (SOUSA, 2005, p. 262). O mesmo autor refere como etapas da análise as seguintes: 1- leitura do documento na sua globalidade para ter uma visão do seu todo; 2- leitura do documento para detetar a ideia principal, assinalando-a; 3- localização dos elementos das ideias principais; 4- análise dos elementos selecionados, proporcionando informação tratada do documento (SOUSA, 2005).

Assim, a análise dos pontos da avaliação dos programas das unidades curriculares consistiu, numa primeira etapa, na verificação dos elementos que iam ser objeto de avaliação nos futuros professores, bem como das técnicas e dos instrumentos previstos serem utilizados. Seguidamente, procedemos à contagem de frequências de cada elemento e de cada técnica e instrumento de avaliação.

Ainda com o intuito de aprofundarmos a compreensão das práticas de avaliação das aprendizagens dos futuros professores do 1º ciclo do ensino básico, é nossa intenção, numa etapa posterior, proceder à realização de entrevistas a professores dos referidos cursos de mestrado, de modo a compreendermos, com detalhe, os procedimentos avaliativos descritos nos programas, caraterizarmos, de forma mais aprofundada, as suas práticas de avaliação, acedermos aos significados por eles atribuídos a essas práticas (SOUSA, 2005) e identificarmos os obstáculos à realização de práticas avaliativas na formação de professores do 1º ciclo da UTAD.

5 UMA PRIMEIRA ABORDAGEM ÀS PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS DE FUTUROS PROFESSORES DO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO PORTUGUÊS

Como referimos anteriormente, é nossa intenção, neste texto, caraterizarmos os procedimentos de avaliação das aprendizagens de futuros professores do 1º ciclo do ensino básico da UTAD descritos nos programas das unidades curriculares a que tivemos acesso. Por isso, os dados que a seguir apresentamos constituem, apenas, alguns indicadores das práticas avaliativas realizadas pelos docentes.

5.1 As práticas de avaliação das aprendizagens registadas nos programas

Os programas das unidades curriculares dos 2º ciclos que formam futuros professores do 1º ciclo do ensino básico são constituídos por decisões curriculares e didáticas tomadas pelos respetivos docentes para o funcionamento das mesmas, em função das perspetivas educativas e pedagógicas que os orientam (ZABALZA, 1992) e das finalidades inerentes à formação inicial de professores do 1º ciclo do ensino básico. Por isso, essas decisões pré-ativas devem ser entendidas como fazendo parte de um projeto educativo e didático (ZABALZA, 1992), cuja implementação na prática pedagógica pode conduzir a mudanças resultantes da interação/negociação com os futuros professores, de fatores contextuais e de tempo, que influenciam a forma como esses programas são desenvolvidos e o que deles é efetivamente realizado. Por outro lado, no que respeita à avaliação das aprendizagens, é de realçar que os elementos que constam nesses programas, cujas frequências apresentamos no quadro a seguir, não sendo pormenorizados, não possibilitam compreender, com detalhe, os procedimentos avaliativos que os docentes idealizaram realizar e as finalidades que lhes estavam subjacentes. Contudo, possibilitaram antever alguns aspetos importantes sobre a forma como pretendiam avaliar as aprendizagens dos futuros professores.


Pela leitura do quadro, é-nos possível verificar que os docentes, no contexto da avaliação contínua e periódica prevista realizar no processo de ensino e de aprendizagem, pretendiam, maioritariamente, avaliar os alunos através da realização de trabalhos académicos (de revisão bibliográfica de um tema dos programas, planificações de aulas, relatórios e conceção de projetos) e de testes. Trabalhos e testes estes que tinham um peso na classificação final dos futuros professores igual, nalguns casos, e superior nos testes, noutros casos. Quando era atribuído aos testes um peso superior na avaliação sumativa, este variava entre 40% e 70%, ou, naquelas unidades curriculares avaliadas só por um teste, era, evidentemente, de 100%. Também alguns programas faziam alusão à participação dos alunos nas aulas como elemento de avaliação, embora com um peso bastante inferior (somente entre 10% e 20%) àquele atribuído aos diversos trabalhos e testes.

Numa unidade curricular relacionada com a prática pedagógica/estágio do mestrado em educação pré-escolar e ensino no 1º ciclo do ensino básico, bem como em duas do mestrado em ensino nos 1º e 2º ciclos do ensino básico, para além de os futuros professores serem avaliados através de trabalhos (sobretudo planificações de aulas) e da participação nas aulas, estava prevista a autoavaliação dos futuros professores, realizada por uma reflexão escrita sobre as aprendizagens e as dificuldades sentidas na unidade curricular em causa. Contudo, não estava especificado o peso desta autoavaliação na classificação final dos futuros professores.

Por tudo isto, pudemos verificar que, na maioria das unidades curriculares, a avaliação dos futuros professores não se resumia a um único momento e a uma única fonte de recolha de dados sobre as aprendizagens realizadas, pois havia uma combinação de trabalhos com teste, ou de diferentes tipos de trabalhos e participação nas aulas, ou, ainda, de trabalhos, teste e participação nas aulas. Apenas em quatro unidades curriculares do mestrado em ensino no 1º ciclo do ensino básico, os futuros professores eram avaliados somente através de um teste, acontecendo o mesmo também em quatro unidades curriculares do mestrado em educação pré-escolar e ensino no 1º ciclo do ensino básico e em duas unidades curriculares do mestrado em ensino nos 1º e 2º ciclos do ensino básico. Em alguns programas de unidades curriculares, verificámos que a avaliação das aprendizagens dos futuros professores seria feita através da participação e da realização de um ou mais trabalhos: em duas unidades curriculares do mestrado em ensino no 1º ciclo do ensino básico; em duas unidades curriculares do mestrado em educação pré-escolar e ensino no 1º ciclo do ensino básico; em quatro unidades curriculares do mestrado em ensino nos 1º e 2º ciclos do ensino básico. Em alguns programas ainda era mencionado que os alunos seriam avaliados através da ponderação diferenciada da participação, da realização de um ou mais trabalhos e de um teste: em duas unidades curriculares do mestrado em ensino no 1º ciclo do ensino básico e em mais duas do mestrado em ensino nos 1º e 2º ciclos do ensino básico; em três unidades curriculares do mestrado em educação pré-escolar e ensino no 1º ciclo do ensino básico.

Daqui podemos depreender que estava perspetivada nos programas das unidades curriculares analisados a avaliação das aprendizagens dos futuros professores através de técnicas e de instrumentos diversificados, como a participação nas aulas, a realização de trabalhos de revisão bibliográfica, de planificações de aulas, de relatórios e de projetos, de testes e, ainda, da autoavaliação dos futuros professores. Porém, os registos neles efetuados apontavam, tendencialmente, para a prática da avaliação sumativa, na qual eram atribuídos pesos diferenciados para cada um destes elementos da avaliação, com uma certa tendência para um maior peso nas classificações finais dos futuros professores das notas obtidas nos testes.

5.2 Uma leitura das práticas de avaliação das aprendizagens programadas

Como referimos acima, os resultados obtidos através da análise dos pontos referentes à avaliação das aprendizagens dos futuros professores do 1º ciclo do ensino básico que faziam parte dos programas das unidades curriculares aqui apresentados devem ser entendidos como os primeiros indicadores sobre as práticas de avaliação realizadas pelos docentes dos cursos de 2º ciclo de habilitação para a docência naquele nível de ensino.

Salvaguardando esta precaução, os resultados evidenciam que os docentes perspetivaram nos referidos programas práticas de avaliação das aprendizagens que, contendo aspetos da avaliação formativa, como a avaliação da participação dos alunos nas aulas e da autoavaliação dos futuros professores, ainda estavam muito direcionadas para a avaliação sumativa, concretizada com a classificação dos elementos de avaliação nas respetivas unidades curriculares e a devida atribuição de pesos diferentes na classificação final dos alunos. Isto porque, não sendo feita referência à finalidade e aos critérios de avaliação da participação dos alunos nas aulas, não nos foi possível perceber se se tratava de uma prática de avaliação formativa contínua, que tinha por finalidade regular o processo de aprendizagem dos futuros professores, já que esta é a principal função da avaliação formativa (HADJI, 2001; FERREIRA, 2007). Como nos referem Álvarez Méndez (2001) e Ferreira (2007), uma prática de avaliação que se pretende confiável e que proporcione informações que ajudem os alunos a aprenderem, tem de orientar-se por critérios de avaliação negociados pelo professor com os alunos. Por outro lado, foi evidente a desvalorização da avaliação da participação na classificação final dos alunos, dado o pouco peso na mesma. Tal é compreendido pelo facto de que a avaliação da participação implica definir os critérios de avaliação dessa participação, utilizar instrumentos adequados a esse objeto e evidenciar se dela resultaria algum tipo de feedback sobre o processo de aprendizagem dos estudantes, conducente à regulação do processo de ensino e de aprendizagem, negociada, ou não, com o professor (FERREIRA, 2011b).

No que respeita à autoavaliação dos futuros professores, sendo realizada na forma de texto escrito, para a qual não foi evidente se os alunos conheciam os critérios de avaliação para a fazer, pareceu-nos que se tratava de uma prática que tinha lugar unicamente no final da lecionação da unidade curricular, com vista a uma reflexão/tomada de consciência por parte de cada estudante da aprendizagem feita e das dificuldades sentidas na mesma. Deste modo, esta autoavaliação não consistia numa prática contínua de reflexão crítica e distanciada sobre a realização de tarefas escolares, ou do processo de aprendizagem dos estudantes (VEIGA SIMÃO, 2005) que servisse de ajuda à aprendizagem de cada futuro professor, que conduzisse a algum tipo de regulação do processo de ensino e de aprendizagem. Isto porque se depreende que seria só realizada uma única vez no final do processo de ensino e de aprendizagem e, por isso, não tinha qualquer efeito na autorregulação da aprendizagem no âmbito das unidades curriculares que a prescreveram.

Constatou-se, como já referimos, que a avaliação das aprendizagens estava prevista ser realizada, sobretudo, através de diferentes tipos de trabalhos e de testes, que eram corrigidos pelos professores e que, possivelmente, deles os alunos só eram informados das respetivas classificações, o que pode não possibilitar avaliar as competências adquiridas pelos futuros professores. Pois, no caso dos trabalhos, não estava clarificado se era realizada a avaliação formativa ao longo da elaboração dos mesmos pelos futuros professores, através da observação e do acompanhamento do professor. Consoante a nota obtida em cada trabalho e no teste, bem como o peso da mesma na classificação final, os futuros professores eram classificados nas unidades curriculares, o que, nesta perspetiva, se enquadra, claramente, numa prática de avaliação sumativa (FERREIRA, 2007). Isto porque, como nos é referido por Álvarez Méndez (2001, p. 14), "a avaliação que pretende ser formativa tem que estar continuamente ao serviço da prática para melhorá-la e ao serviço de quem participa na mesma, beneficiando dela", o que, tendo apenas por base os registos efetuados, não deixou transparecer que acontecesse no âmbito das práticas de avaliação das aprendizagens nas unidades curriculares analisadas, pelo menos de uma forma explicitada, estruturada e sistemática.

O facto de ser evidente a predominância da prática da avaliação sumativa registada nos programas é compreensível e, talvez, justificável pelos contextos de trabalho dos docentes. Por um lado, a influência das políticas neoliberais na educação, com a ênfase nos resultados medidos e classificados, que tradicionalmente o ensino superior valoriza e que no contexto educativo atual é reforçada (PACHECO, 2011). Por outro lado, os docentes confrontam-se com uma carga horária letiva elevada (em média, 11 horas por docente, segundo informação obtida pelo Diretor do Departamento de Educação e Psicologia da U.T.A.D.), com a lecionação de diversas unidades curriculares e com turmas numerosas (algumas com mais de 50 alunos) na maioria das unidades curriculares por eles lecionadas. Tal facto poderá ter levado os docentes a realizarem práticas letivas baseadas no ensino expositivo, com fraca interação professor-alunos, com pouca negociação dos critérios, dos momentos e dos procedimentos de avaliação e pouco acompanhamento dos processos de aprendizagem. Estas circunstâncias de trabalho inviabilizam a prática da avaliação formativa contínua e formadora dos estudantes, que se traduz na recolha contínua de informações sobre o processo de aprendizagem de cada um deles, na tomada de consciência desse mesmo processo por ambos os intervenientes e na regulação permanente do processo de ensino e de aprendizagem participada pelos futuros professores (FERREIRA, 2007; PINTO; SANTOS, 2006). Também pelos mesmos motivos se poderá compreender o facto de serem poucos os docentes que indicaram práticas de autoavaliação dos alunos, somente registadas nalgumas unidades curriculares de prática pedagógica e de estágio. Estas estavam previstas acontecer unicamente no final do semestre para uma reflexão global sobre as aprendizagens e sobre as dificuldades sentidas pelos estudantes, o que desvirtua a finalidade da autoavaliação, que é a de levar o aluno a refletir continuamente e de forma crítica sobre a sua aprendizagem, a partir de critérios de avaliação interiorizados, com vista à sua regulação e superação das dificuldades sentidas, ou à melhoria do que seria necessário (VEIGA SIMÃO, 2005).

Por tudo isto, e tendo em conta apenas este primeiro nível de análise, o que transparece é que a avaliação das aprendizagens previstas nos programas das diversas unidades curriculares parece estar longe das práticas avaliativas que o Processo de Bolonha e as aprendizagens de competências exigem. Pois, se o ensino tem de se centrar no trabalho e na aprendizagem autónomos dos estudantes, através dos quais os futuros professores adquirem conhecimentos e as competências necessárias à docência, a avaliação das suas aprendizagens tem que ser um processo contínuo, participado pelos futuros professores, regulador das suas aprendizagens e que articule a avaliação formativa com a sumativa. Por isso, Santamaría (2011, p. 43) refere que a avaliação, no contexto da aquisição de competências por parte dos estudantes do ensino superior, implica que

tanto a avaliação sumativa como a formativa, deverão ter em conta os aspetos progressivos da aquisição de cada competência. Assim, a avaliação se concebe como resultados esperados sob critérios razoáveis a partir da realização de atividades de aprendizagem, mas como avaliar não é só medir, em todo o processo avaliativo é preciso incorporar uma interpretação contextual da medida (tanto quantitativa como qualitativa), no sentido de que a necessária objetividade da medida se conjuga com a valoração subjetiva e intersubjetiva.

Só através da prática da avaliação formativa contínua, estruturada pela observação estruturada e pelo acompanhamento dos futuros professores na realização das aprendizagens se conseguem informações sobre as suas aprendizagens que justifiquem e fundamentem a avaliação sumativa que mede os resultados conseguidos através de um percurso realizado e devidamente avaliado e orientado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise feita aos pontos da avaliação das aprendizagens dos programas das unidades curriculares dos cursos de 2º ciclo de formação de professores do 1º ciclo do ensino básico permitiu-nos verificar que os docentes recorriam a uma diversidade de técnicas e de instrumentos de recolha de informações sobre as aprendizagens dos futuros professores. Sendo feita através de diversos tipos de trabalhos, da participação dos futuros professores nas aulas, da sua autoavaliação e de testes, não nos foi possível perceber se, com essas técnicas e instrumentos de avaliação, estaria prevista a recolha contínua de informações sobre os processos de aprendizagem. Pois, só esta recolha contínua de informações permitiria aos docentes e aos próprios futuros professores regularem o processo de ensino de aprendizagem e irem construindo juízos de valor sobre a capacidade de eles mobilizarem diversos tipos de saberes perante tarefas ou problemas educativos. O que nos foi possível constatar é que a cada fonte de informação era atribuído um peso na classificação final dos futuros professores nas respetivas unidades curriculares. Ficou por perceber como é que seria feita a recolha de informações sobre a participação dos alunos nas aulas e se da análise efetuada a essa participação resultaria alguma estratégia de regulação da aprendizagem negociada com o futuro professor, no sentido de uma aprendizagem autónoma por parte do estudante, como prevê o Processo de Bolonha. A confirmar esta ideia, verificámos que a autoavaliação dos estudantes seria realizada, por escrito, no final da lecionação das unidades curriculares que a previram, não sendo possível dela resultar alguma forma de regulação da aprendizagem com efeitos na progressão na unidade curricular.

Por estes motivos, podemos afirmar que, apesar de poder haver alguma estratégia de prática da avaliação formativa prevista pelos docentes, os procedimentos registados nos programas das unidades curriculares, com o peso que lhes estava atribuído para a classificação final do aluno, leva-nos a identificar a realização de práticas de avaliação sumativa. A este facto não serão alheias, provavelmente, as condições de trabalho dos docentes, como a excessiva carga horária letiva, o número de unidades curriculares diferentes por docente e, ainda, o número de alunos por turma, que inviabilizam a realização de uma avaliação verdadeiramente formativa e formadora dos futuros professores do 1º ciclo do ensino básico.

Recebido: 14 mar. 2012

Aprovado: 28 maio 2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2013
  • Data do Fascículo
    Nov 2013

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2012
  • Aceito
    28 Maio 2012
Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
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