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Estudantes e avaliação

Students, higher education and evaluation

Resumos

Em diferentes países e sociedades figura a temática da pesquisa sobre o 'estudante universitário'. Enquanto as abordagens da pesquisa internacional privilegiam o conhecimento sobre as aprendizagens do estudante universitário, suas culturas e interesses, no Brasil, sem descuidar o caráter psicológico destas abordagens, a pesquisa inclui também uma perspectiva política e social. Isto porque os estudantes se destacaram, ao longo da história, pelo ativismo político através de movimentos organizados que influíram na vida nacional. Neste artigo são apontados alguns autores que abordam a temática e algumas de suas obras bem como os movimentos estudantis e suas ações. Em contraste a estes movimentos de formação do sujeito político na universidade questiona-se a influência dos programas de avaliação expressos em resultados de exames nacionais (da escola fundamental, ao ensino médio e à universidade). Questiona-se igualmente o apelo consumista do marketing das instituições sobre os estudantes que são vistos como estudantes-consumidores em busca de ascensão profissional pelo acúmulo de bagagem individualizada e produtivista.

Universidade; Educação superior; Estudante universitário; Avaliação; Movimento político estudantil


The higher education student is a research theme in different countries and societies. The international research approach focuses on student learning, their cultures and interests. In Brazil, without being careless to the psychological character of this approach, the research includes also a social and political perspective. This is done because throughout history the students stood out by their political activism through organized movements that have influenced the life of the country. In this article some leading authors in the research of student themes are indicated as well as the national student movements' and their political actions. In contrast with these political formative movements inside the university we question the also formative influence of evaluation programs with emphasis in national exam results. We question the consumerist marketing appeal of higher education institutions over the student that focuses on a consumer-student that is in search of professional ascension by productivist and individualized baggage.

University; Higher education; University student; Evaluation; Political student movement


Denise Balarine Cavalheiro Leite

Professora titular aposentada, docente permanente convidada do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS e pesquisadora CNPq. E-mail: denise.leite@pq.cnpq.br

RESUMO

Em diferentes países e sociedades figura a temática da pesquisa sobre o 'estudante universitário'. Enquanto as abordagens da pesquisa internacional privilegiam o conhecimento sobre as aprendizagens do estudante universitário, suas culturas e interesses, no Brasil, sem descuidar o caráter psicológico destas abordagens, a pesquisa inclui também uma perspectiva política e social. Isto porque os estudantes se destacaram, ao longo da história, pelo ativismo político através de movimentos organizados que influíram na vida nacional. Neste artigo são apontados alguns autores que abordam a temática e algumas de suas obras bem como os movimentos estudantis e suas ações. Em contraste a estes movimentos de formação do sujeito político na universidade questiona-se a influência dos programas de avaliação expressos em resultados de exames nacionais (da escola fundamental, ao ensino médio e à universidade). Questiona-se igualmente o apelo consumista do marketing das instituições sobre os estudantes que são vistos como estudantes-consumidores em busca de ascensão profissional pelo acúmulo de bagagem individualizada e produtivista.

Palavras-chave: Universidade. Educação superior. Estudante universitário. Avaliação. Movimento político estudantil.

ABSTRACT

The higher education student is a research theme in different countries and societies. The international research approach focuses on student learning, their cultures and interests. In Brazil, without being careless to the psychological character of this approach, the research includes also a social and political perspective. This is done because throughout history the students stood out by their political activism through organized movements that have influenced the life of the country. In this article some leading authors in the research of student themes are indicated as well as the national student movements' and their political actions. In contrast with these political formative movements inside the university we question the also formative influence of evaluation programs with emphasis in national exam results. We question the consumerist marketing appeal of higher education institutions over the student that focuses on a consumer-student that is in search of professional ascension by productivist and individualized baggage.

Key words: University. Higher education. University student. Evaluation. Political student movement.

[...] What students do during college counts more in terms of desired outcomes than who they are or even where they go to college. That is, the voluminous research on college student development shows that the time and energy students devote to educationally purposeful activities is the single best predictor of their learning and personal development. Those institutions that more fully engage their students in the variety of activities that contribute to valued outcomes of college can claim to be of higher quality compared with other colleges and universities where students are less engaged [...]. (KUH, 2003)

INTRODUÇÃO

Dentre os interesses do campo de conhecimento da educação superior em distintos países, figura a temática "estudantes universitários", os sujeitos do novo século. As abordagens da pesquisa internacional privilegiam o conhecimento sobre as aprendizagens do estudante universitário, suas culturas e o impacto das instituições e seus currículos sobre os jovens. No Brasil, sem descurar a vertente internacional, a pesquisa mostra uma perspectiva política e social. Isto porque os estudantes se destacaram, ao longo da história, pelo ativismo político através de movimentos organizados que influíram na vida nacional.

Neste artigo, de forma resumida, abordo os principais autores que estudam a temática do estudante universitário. Apresento o conceito Estudante de Educação Superior segundo a Enciclopédia de Pedagogia Universitária, os estudos e autores que enfocam o tema tanto na literatura internacional quanto nacional. Detenho-me na questão da práxis política dos estudantes e nos movimentos estudantis, a partir da realidade do Brasil1 1 No Brasil os estudantes fazem parte de um diversificado megasistema de educação superior. Em 2008 havia 1.209.304 alunos matriculados nas IES públicas e 3.467.342 nas IES privadas. Constituem grupos heterogêneos provindos de diferentes estratos sociais com perspectivas diferenciadas. Em geral, apenas 10 a 20% dos estudantes que se inscrevem para ingresso na universidade pública brasileira conseguem sucesso nos exames vestibulares. Tendência que deverá se modificar nos próximos anos pelas mudanças previstas para as condições de acesso as quais incluem os resultados dos exames nacionais realizados durante o ensino médio e quotas especiais para minorias. , por serem temas que marcaram a história e a produção de conhecimentos na América Latina. Revisito o conhecimento sobre os movimentos estudantis, suas ações, desde a fundação das primeiras escolas de ensino superior em 1827, ao advento da UNE (União Nacional de Estudantes), em 1937, o marco histórico de 1968 e a longa "ressaca" ou refluxo dos movimentos estudantis que ocorreu ao final do século passado e início do século 21. Assinalo algumas alternativas de ação democrática assumidas pelos jovens no espaço universitário, longe daquelas lutas do passado, e levanto hipóteses sobre o momento atual dos estudantes de educação superior. Dentre as alternativas, destaco o redirecionamento das questões estudantis para outros pólos de ação que exigem mais o envolvimento individual ou de pequenos grupos do que uma participação coletiva. Considero que as avaliações consubstanciadas em exames nacionais (da escola fundamental, ao ensino médio e à universidade) contribuem para "formatar" uma subjetivação capitalista do jovem que chega à universidade. Contribuem para o mesmo propósito, os apelos consumistas do marketing das instituições (70% das quais são privadas no Brasil) e a busca de ascensão profissional através do acúmulo de bagagem individual e produtivista.

Em princípio ao falar em estudante reporto-me ao estudante universitário, aluno matriculado em cursos de instituições de educação superior (IES) considerando que as instituições brasileiras são diversificadas e o sistema nacional inclui além das universidades, centros universitários, faculdades e escolas. Na visão de Goldmann (1984), o estudante é um "transindivíduo", um sujeito que se torna parte da instituição universitária por um determinado período de sua vida, uma situação transitória, porém intensa de aprendizagens de toda ordem as quais transcendem os currículos formais. Para Habermas, em tese dos anos 1961, à instituição universidade ou similar caberia a função de formar este transindivíduo; em período de tempo determinado, qualificá-lo para a vida profissional com habilidades funcionais e extrafuncionais, com uma visão da tradição cultural da sociedade e com a formação de uma consciência política.

O termo estudante deriva da palavra latina studio, estudo, que significa a aplicação do espírito para aprender. (CUNHA, 1982)

ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO- CONCEITOS, ESTUDOS E AUTORES

A Enciclopédia de Pedagogia Universitária (MOROSINI, 2006) apresenta o verbete estudante universitário ou de educação superior conectado ao sentido que lhe atribuem distintas áreas de referência tais como Educação Especial, Legislação Brasileira, Psicologia, Aprendizagem, Psicopedagogia, Neurociências. O estudante também é visto através de características relativas a processos de Cognição, Orientações de Estudo e Aprendizagens. O verbete associa o estudante a suas atividades na universidade tais como Bolsista de Iniciação Científica, Vida acadêmica e Avaliação. Na literatura internacional, igualmente, o estudante universitário tem sido focalizado com o auxílio de distintas áreas de conhecimento. Para além de participante ou respondente das pesquisas, o estudante é visto como um ser aprendente e, neste sentido, a literatura relata estudos sobre metacognição, competências, abordagens de estudo, operações "on-Knowledge", estilos de aprendizagem, tipologias de estudantes segundo suas formas de aprender ou estudar.

Um recorrido histórico assinala que as origens dos estudos sobre o tema talvez se devam a Willian G. Perry, professor da escola de Educação de Harvard, que em 1970 apresentou Forms of intellectual and ethical development in the college years: a scheme. Em anos seguintes, publicou outros estudos sobre a teoria de desenvolvimento cognitivo do estudante, suas formas de Studying em cursos universitários. Em 1976, Marton e Saljo discutiram no British Journal of Educational Psychology, On qualitative differences in learning-1: Outcomes and processes, abrindo um novo campo de conhecimento sobre os resultados das aprendizagens dos estudantes. Também em 1976 Feldman e Newcomb produziram o estudo sobre o impacto dos colleges sobre o estudante de educação superior.

O tema da pesquisa sobre os estudantes ganhou especial interesse a partir da década de 1980 quando passaram a destacar-se pesquisadores como Entwistle na Escócia, e Astin nos Estados Unidos, que se dedicaram a estudar como e o que os estudantes aprendem na universidade. Suas contribuições fizeram e fazem uma escola histórica de investigação. Para Noel Entwistle, pesquisador e professor emérito da Universidade de Edinburgh, oriundo da área da Psicologia Educacional, o estudante Universitário é entendido como um ser aprendente. Seus primeiros estudos surgiram nos anos 1970. Em 1979 publicou Identifying distinctive approaches to studying seguido por Understanding Student Learning, editado em conjunto com Ramsden e com Marton e Hounsell The Experience of Learning (1984) e a seguir, Understanding Classroom Learning (1987). A partir de então Entwistle e seus colaboradores dedicaram-se a pesquisar em profundidade o entendimento do fenômeno da aprendizagem dos estudantes em seus contextos e segundo suas personalidades. Exemplo deste tema são os títulos Student learning in context: understanding the phenomenon and the person e Enhancing Learning and Teaching in Electronic Engineering lançados em 2006.

Alexander Astin preocupou-se com o que as universidades e os colleges oferecem como desafio aos estudantes. Entre seus mais conhecidos e citados estudos, figura What Matters in College? Four Critical Years Revisited, de 1993. Nele foram caracterizados alguns dos campos de estudo sobre o tema Estudante Universitário, tais como, Desenvolvimento da Carreira, Cognitivo e Intelectual, Participação, Personalidade, Filiação Política, Autoconceito, Atitudes e Condutas. Dr. Astin, renomado pesquisador, professor emérito da Universidade da Califórnia, criou a "teoria do envolvimento do estudante" na qual advoga que quanto mais o estudante for desafiado em aulas, atividades extracurriculares e sociais maior será sua auto-determinação em ser protagonista das mesmas. Ou seja, quanto mais envolvimento quantitativo e qualitativo maior a aprendizagem.

Na mesma vertente psicológica e educacional cunhada pelos autores ingleses e norteamericanos, se faz mister nominar uma das primeiras resenhas sobre o estado da arte da pesquisa sobre o estudante universitário. Tal empreendimento foi levado a cabo pela The Society for Research into Higher Education e publicada pela Open University em 1987. Intitulava-se Student Learning Research in education cognitive psychology.

A obra, com os papers destacados de uma conferência internacional realizada na University of Lancaster, trazia estudos de Diana Laurillard, Robert Sternberg, Noel Entwistle, Roger Saljo, Daí Hounsell dentre outros. Demonstrou que o tema de investigação era preocupação de vários pesquisadores de diferentes países, pois que as pesquisas surgiam na Inglaterra, Norte América, Finlândia, Canadá, Austrália, Suécia, Holanda. A obra considerava quão sofisticados eram os processos e as estratégias de aprendizagem dos estudantes mesmo quando vistos ao redor do mundo.

Em Norte América outros pesquisadores como Pascarella e Terenzini (1991) estudaram como as instituições afetam os estudantes. Assunto que posteriormente diversos pesquisadores abordaram. Destaca-se o trabalho do NSSE - The National Survey of Student Engagement2 2 Disponível em: < http://nsse.iub.edu/html/about.cfm>. Acesso em: 26 jun. 2009 2- que anualmente realiza um levantamento no Canadá e USA sobre as atividades que as instituições proporcionam aos estudantes para sua aprendizagem e desenvolvimento. O survey detecta como os estudantes gastam seu tempo durante os anos de college.

Observa-se que a pesquisa contemporânea sobre o estudante conduz estudos que revelem boas práticas e teorias para melhorar o ensino, seu planejamento, design, implementação e avaliação. (OLIVEIRA, 2000; MERCURI; POLYDORO, 2004)

Outra tendência, pedagógica, recente, própria das universidades inovadoras, consiste em compreender e aplicar formas de ensino-aprendizagem centradas no estudante, nos seus modos de aprender e estudar, nos seus interesses. O The Journal of Student Centered Learning, por exemplo, destaca as abordagens de estudo que possuem fortes componentes centrados nos estudantes. Tais componentes poderiam vir a ser privilegiados em classe pelos docentes. São exemplos o Cooperative Learning, Collaborative Learning, Learning Communities, Problem Based Learning, Project Based Learning, Service Learning, Case Method, Peer based learning, Paired or grouped courses, Adult learning, Experiential learning, Constructivist learning"3 3 Disponível : < http://www.newforums.com/news_jccpage.asp>. Acesso em: 26 de jun. 2009 3. As formas de conduzir as aulas centradas nas aprendizagens do estudante e suas abordagens de estudo, está em sinergia com as Tecnologias da Informação e da Comunicação. Esta sinergia acrescenta uma colaboração fundamental e dá suporte ao desenvolvimento dos programas de Educação a Distância e às classes presenciais e semi-presenciais.

Em perspectiva de mudança, o GUNI, Global University Network for Innovation (2010), com sede em Barcelona, Espanha, e parceria da UNESCO, vem colocando como as boas práticas desenvolvidas pelas universidades, através de atividades variadas, estimulam a aprendizagem de valores, de sustentabilidade e participação democrática. Neste sentido, observa-se uma ênfase diferenciada na pedagogia universitária que passaria de uma abordagem centrada no professor para uma abordagem centrada no aluno e em oportunidades de estudo variadas e internacionalizadas (vide o processo de Bologna e as possibilidades de mobilidade estudantil), para além da sala de aulas tradicional.

Concebem-se as aprendizagens em diferentes ambientes e espaços sociais criados pela comunicação das instituições com a sociedade. Dentre estes há ênfase nas oportunidades de estudo propiciadas pelas atividades de extensão e dos serviços oferecidos às comunidades.

Encontram-se, ainda, estudos isolados, na Europa e USA, sobre o estudante consumidor. Por exemplo. Cardoso, Carvalho e Santiago escreveram, em 2007, From Students to Consumers: reflections on marketization of Portuguese Higher Education.

O assunto, estudante consumidor, seria parte do conhecimento jurídico, pois, diz respeito a Direitos do Estudante (ROBERTSON, 2000; SHARROK, 2000; MORLEY, 2003; NEWSON, 2004). Como consumidor, o tema compreende questões fiduciárias, contratuais e constitucionais. O termo estudante consumidor pode, também, reportar-se ao Marketing institucional. Neste caso, o estudante é o objeto do marketing das instituições, especialmente das IES privadas, em procura de clientes no mercado.

É menos abordado na literatura o tema do estudante em si, o "transindivíduo" da concepção de Goldmann, que freqüenta a instituição universidade por um tempo definido. Nesta dimensão o estudante é um ser ôntico, um sujeito social que reflete e cria uma cultura estudantil. No Brasil, já em 1965, o estudo de Marialice Forachi intitulado O estudante e a transformação da sociedade brasileira marcou a visão sociológica sobre o ser social estudante e sua práxis, à época, caracterizada em ações da juventude pró-reformas na universidade e na sociedade. Este tema, anterior e diverso das bases teóricas da pesquisa internacional, começou a aparecer com certa freqüência entre pesquisadores latino-americanos, abrindo uma senda de estudos com cunho político-reformador. O poder jovem, de Arthur José Poerner, publicado em 1979, se incluiu nesta abordagem. O autor descreveu a história da participação política dos estudantes brasileiros. Anos antes, em 1971, outro autor, José Arthur Rios, descreveu os estudantes em sua relação com a sociedade brasileira na monografia intitulada The University Student and Brazilian society, produzida e publicada fora do país sob o patrocínio do Latin American Studies Center de Michigan, USA.

Na esteira destes autores, em 1977, José Guilhon de Albuquerque lançou O movimento estudantil e consciência social na América Latina. Teoria e método sociológico. Uma nova vertente surgia então, os estudantes vistos sob o aspecto de sua politização, sua práxis, e sob a perspectiva dos movimentos estudantis. Estes movimentos, com marcas de perenidade, para além do âmbito estrito da sala de aula universitária, projetavam-se no contexto histórico das nações. A literatura consolidou a reflexão com sentido político-sociológico no que se refere ao conhecimento sobre os estudantes. Esta temática, em princípio, parece ser privilégio da investigação desenvolvida na América Latina e teve vários seguidores (PORTANTIERO, 1978; SANFELICE, 1986; MARTINS FILHO, 1987; UNE, 1987; LEITE, 1990). A origem do tema em si, no entanto, poderia ser reportada ao início do século 20, a partir da conhecida Reforma de Córdoba ocorrida na Argentina em 1918. Desde então, os estudantes latinoamericanos foram entendidas na literatura pertinente como jovens politicamente ativos e influentes nas decisões universitárias e na sociedade. Pelo status social e político de suas origens familiares, pela sua classe social, estes jovens desempenhavam uma liderança inconteste nos países recém saídos dos véus coloniais. Experimentava-se a construção de democracias próprias ao novo mundo.

Nelas, a inclusão social e política seria o fator de fortalecimento das nações em formação. A respeito, vale lembrar o estudo basilar de Juan Carlos Portantiero, Estudiantes y política en América Latina,1918-1938. El proceso de la reforma universitária, publicado em 1978. O movimento estudantil de Córdoba caracterizado pela insurgência dos jovens contra a cátedra e a opressão teve repercussões intensas em todos os países latino-americanos. Há toda uma linha de estudos sobre o tema que foi recentemente revisada por CLACSO em comemoração aos 90 anos de Córdoba. (SADER; ABOITES; GENTILI, 2008; TUNNERMANN BERNHEIM, 2008)

ESTUDANTES E MOVIMENTO ESTUDANTIL NO BRASIL4 4 Esta secção constitui um reestudo de publicações anteriores da autora.

Ao tomar o Brasil como foco de análise e revisando a história dos movimentos estudantis, vários momentos poderiam ser destacados. Alguns, de intensa luta política. Observa-se que na chamada América portuguesa, o ensino superior começou tardiamente. No Brasil, não apenas o ensino superior, mas, as oportunidades de estudo, inexistiam para as camadas mais amplas e desfavorecidas da população. Nos séculos XVII e XVIII, pode-se dizer que. as possibilidades de estudo em educação superior restringiam-se àquelas oferecidas pelos colégios jesuítas com seus currículos de Humanidades, Artes e Teologia assentados na Ratio Studiorum.

O ensino superior foi indesejado pelo coroa portuguesa no Brasil Colônia e os currículos existentes, aproximados aos de ensino superior, traziam uma formação de cunho religioso. As famílias de orientação patriarcal costumavam estabelecer privilégios aos filhos mais velhos. A eles, quando de sexo masculino, correspondia a possibilidade de estudar em Portugal ou em França. Sabidamente duas opções existiam - Cursos de Direito e Cursos de Medicina, ser bacharel ou ser doutor. Os filhos das famílias abastadas frequentavam escolas europeias, no mais das vezes as Universidades de Coimbra, Portugal e Montpellier, França. Às mulheres não se permitia o estudo, mesmo àquelas de classes abastadas. Era-lhes facilitado o acesso ao recolhimento em casas religiosas.

Desta forma as primeiras opções de estudo deram-se a partir de 1827 e 1828 com a criação dos cursos jurídicos de Olinda e São Paulo. Com estes cursos chegaram ao país novas ideias filosóficas, culturais e políticas. Foi no entorno destas escolas isoladas que se teriam gestado as sociedades secretas nas quais fermentaram as ideias de Abolição da Escravatura e da instituição da República. Os bacharéis, muito cedo, passaram a aprender a fazer política em suas escolas! Contudo, são esparsos os registros sobre as aprendizagens e a práxis política dos estudantes, mesmo porque elas estariam em profunda contradição com suas origens de berço. No alvorecer do século XX, em 1906, há indícios de que os estudantes de Direito de São Paulo apoiaram a greve dos funcionários e tiveram a sua faculdade fechada. Em 1909 estudantes protestaram e foram mortos por militares no Largo São Francisco no Rio de Janeiro, em meio a protestos sobre a eleição do Presidente da República. Em 1929 criou-se a Casa do Estudante no Rio de Janeiro, a semente da futura União Nacional dos Estudantes, a reconhecida e até os dias de hoje existente UNE.

Em 1925 o governo instituiu a primeira reforma de ensino superior conhecida - a Reforma Rocha Vaz. Esta reforma com nitidez tentava o controle estudantil cuja participação na vida política brasileira se percebia como virtualmente perigosa aos interesses governamental-conservadores. Em 1931 se estabeleceu, no governo de Getúlio Vargas, o Estatuto das Universidades Brasileiras que legislava sobre a organização e criação dos Diretórios de Estudantes sob controle do Estado. Ao tempo, as forças estudantis passaram a autodefinir-se em termos de direita e esquerda. A direita estava representada pelas lideranças estudantis que se agregavam em torno do Clube da Reforma de Carlos Lacerda; a esquerda se manifestava através da Federação Vermelha dos Estudantes comunistas sob liderança de Mário Lago e Adão Nunes Pereira. Dos embates e combates instituiu-se a UNE em 1937. Esta entidade estudantil, aparentemente, esteve sob estreita vigilância de simpatizantes do governo e até 1955, pelo menos, foi dirigida por estudantes conservadores, militantes direitistas ou "não comunistas". Porém, a partir da campanha nacional do "petróleo é nosso" e da votação da Lei da Remessa de Lucros para o exterior (1952) não mais foi possível silenciar os estudantes.

Com o governo Juscelino Kubistchek de Oliveira, 1955, o país entrou em acelerado ritmo de crescimento. Campanhas inicialmente tímidas ganharam identidade e os estudantes universitários sob o comando da UNE passaram a atuar diretamente junto ao povo irmanados em causas sociais e políticas. Na época registram-se movimentos como o da formação da União Operária Estudantil contra a carestia, a aliança com sindicatos, o movimento da American Can (preservação das fábricas de latas no Brasil), a campanha de Roboré (contra os interesses da empresa americana Gulf) contra a negociação do acordo de exploração do gás na Bolívia, comissão parlamentar de inquérito sobre a Shell e a Esso e suas atividades no Brasil.

O engajamento estudantil dos universitários seguiu, talvez mais tardiamente, as bandeiras sobre reformas apregoadas pelos estudantes que freqüentaram o Congresso de Estudantes latino-americanos de Montevideu, realizado em 1908, do congresso de Buenos Aires de 1910, de Lima no Peru de 1912, de Córdoba, 1918. As reformas da educação superior no Brasil obtiveram semelhante interesse e passaram a ser exigidas pelos estudantes. Manifestações públicas aconteceram no I Seminário Nacional de Reforma Universitária realizado em Salvador na Bahia em 1960. Seguiram-se os seminários de 1962, em Curitiba Paraná, o de 1963, em Belo Horizonte, Minas Gerais e a Universíade, misto de encontro político e de esportes em 1963, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Em 1964, no horizonte nacional as nuvens ficaram negras e a chamada crise da legalidade se instaurou. A UNE deslocou-se para o Rio Grande do Sul e apoiou a restauração do poder presidencial em nome do vice-presidente João Goulart, frente a renuncia do então presidente Jânio Quadros. As greves em todo país foram uma realidade e contaram com a participação dos estudantes. Naquele momento de intensidade política para a vida institucional do país os estudantes não queriam apenas a manutenção do regime democrático e o respeito ao voto do povo, mas também a reforma universitária. Queriam reforma agrária, jurídica, política e bancária. A participação estudantil na gestão das instituições constituiu uma das principais bandeiras das lutas estudantis.

Em sua aproximação com o povo, as caravanas da UNE percorreram o país, agitando e proclamando a reforma universitária. Junto com o CPC, Centro Popular de Cultura, realizaram 200 assembléias em todo Brasil, apresentaram peças teatrais de autores engajados politicamente nas quais participaram mais de 50 mil pessoas. As peças falavam da elitização do ensino, do atraso do país e da exploração do capital estrangeiro5 5 São da época as peças: Auto dos 99% (elitização); miséria ao alcance de todos, Brasil versão brasileira. E os filmes - Cinco vezes favela; o disco - O povo canta; o livro - A questão da Universidade de Álvaro Vieira Pinto. Nomes fundantes das artes e da cultura brasileira surgiram destes movimentos. Contam-seentre eles: Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes, Leon Hirshmann, Ferreira Gular, Carlos Diegues, Carlos Vereza, Cecil Thiré, Flávio Migliaccio, Francisco Buarque de Holanda. .

No cenário político nacional, o movimento militar de 1964 que então se instalou instaurou um regime ditatorial que, ao contrário de outros movimentos latinoamericanos, fez da educação superior um elemento fundamental ao modelo da modernização. Porém, a UNE e os estudantes que não se alinhavam ao regime e seus objetivos, foram severamente perseguidos. Os congressos estudantis continuaram a se realizar e a produzir manifestos contra os Atos Institucionais (AIs), naquele momento, a principal e mais temida legislação repressiva dos governos militares. A radicalização dos governos e dos estudantes passou a ser intensa. Em 1966 os estudantes lançaram o Dia Nacional de Luta contra a Ditadura que resultou no Massacre da Praia Vermelha.

O MARCO HISTÓRICO DE 1968

O quadro político do Brasil e da América Latina refletiu o período de manifestações estudantis que ocorreu em vários países e outros continentes. Os anos 1968 foram férteis em todo o mundo. Em 3 de maio os estudantes universitários franceses ocuparam a Sorbonne na França. No dia 6, mais de 20 mil estudantes saíram às ruas de Paris e 422 pessoas foram presas. A população apoiou os estudantes e 50 mil pessoas formaram a famosa "noite das barricadas" em luta contra a gendarmerie. Diz-se a propósito sobre a intensidade destes movimentos que as manifestações e as revoltas estudantis de 68 podem ter mudado o mundo. Elas explodiram na França que viveu os mais "famosos' e conhecidos momentos. Porém, as manifestações se fizeram perceber ao longo de todo aquele ano de 1968 em vários outros países - pela Espanha (janeiro), Bélgica e Itália (fevereiro), Itália, Polônia, Espanha e Japão (março), Alemanha, Itália, Etiópia, USA (abril), Tchecoslováquia, Argentina, Sudão, Bélgica, Senegal, Itália e a França (maio), Iugoslávia, Itália, Uruguai (junho), México (julho), Guatemala, México e USA (agosto), Usa e México (setembro), México e Canadá (em 2 de outubro de 1968 com 400 estudantes mortos na praça das 3 Culturas) Itália, Egito, Espanha (novembro) e USA novamente (dezembro).

Enquanto isso, no Brasil, em 26 de maio de 1968, eclodiu a Passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro e sucederam-se os embates dos estudantes com a polícia e o DOPS, departamento de ordem social, que perseguiu estudantes mesmo dentro das universidades. Dois meses após, o governo militar proibiu as passeatas estudantis em todo território nacional. Mesmo assim elas voltaram a ocorrer - sob a forma de comícios e passeatas relâmpagos. Em outubro a UNE ainda realizou seu XXX congresso em Ibiúna, São Paulo.

Com o AI 5 (Ato Institucional) e o Ato complementar Nº 38 que fechou o Congresso Nacional (13 de novembro de 1968), um período rico do movimento estudantil entrou em seus estertores. Os estudantes foram amordaçados. Os líderes estudantis foram presos, perseguidos, exilados ou mortos.

Como lembrado na secção anterior, vários autores tomaram os movimentos estudantis como tema de investigação registrando e analisando os fatos históricos que contribuíram para a formação e aprendizagem política de indivíduos e coletivos. Dentre os 13 participantes dos movimentos estudantis de então, encontram-se figuras de projeção política nacional nos dias atuais. Fin du siècle e uma nova história Os anos 1980, 90-2000 encontraram os estudantes universitários em uma longa ressaca.

A política estudantil aos velhos moldes, a partir dos anos 1980, deixou de existir; precisou de aliados e mudança de objetos motivadores da ação. No país, invadido pelas ideias neoliberais, foram notórios os movimentos pela queda do presidente Collor de Mello, como a campanha das Diretas Já da qual participaram nas ruas milhares de pessoas e muitos estudantes, nem todos, universitários - os caras pintadas. Contudo, o envolvimento estudantil tomou nova forma.

A política estudantil passou a ser a política vista sob o foco individual ou de pequenos grupos. Alguns grupos tiveram uma conotação de formação partidária, restrita a ela, tentando levantar questões relativas à tomada de poder e/ou persuasão ideológica.

Muitas vezes comandados de fora das universidades, por vezes ostentando bandeiras de partidos de esquerda, tais grupos comandaram a tomada de Reitorias, os acampamentos de protesto nos campi e o fechamento do acesso físico às universidades. Tais ações foram deflagradas em momentos políticos de intensidade como aqueles prévios às eleições democráticas municipais ou regionais ou nacionais. Tiveram como objetivo questões locais ou questões restritas ao movimento político da própria instituição tais como eleição ou queda de Reitor, acompanhamento de greve de funcionários administrativos, reivindicação de mudança na legislação educacional. Fora dos campi grupos específicos de estudantes, em geral com apoio partidário explícito, levantaram suas bandeiras em apoio aos movimentos dos sem terra, movimentos étnicos, de gênero e muitos outros.

ESTUDANTES E AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

A revisão do conhecimento sobre os estudantes universitários, no entanto, não poderia deixar de incluir um novo capítulo. Este novo capítulo diz respeito à reação dos estudantes aos processos de avaliação de cursos e programas da educação superior. Ao início dos anos, 1990, no Brasil, tais programas contaram com alguma desconfiança do meio estudantil. Esta desconfiança se acentuou quando, no governo de Fernando Henrique Cardoso foi introduzido, (dia 25 de novembro de 1995), o Exame Nacional de Cursos, o Provão, vindo a repousar em seus resultados o valor de mercado de um curso de graduação. Ou seja, era a nota alcançada pelo aluno que "dizia", demonstrava, quais eram os melhores cursos de graduação do país. Estes eram amplamente reconhecidos pela imprensa que divulgava os rankings nacionais de avaliação das IES. O exame foi considerado como o resultado da avaliação de instituições. Ao introduzir a modalidade da avaliação através de uma prova, ficou no esquecimento uma tentativa anterior de avaliação institucional - modelo PAIUB- bem aceita no meio estudantil e dos docentes, porque se apoiava em princípios de democracia participativa. No caso da introdução dos exames nacionais, uma prática individualista e obrigatória, os estudantes passaram a realizar manifestações públicas de boicote aos mesmos. Em 1996, talvez levados pelos movimentos dos estudantes que se opunham ao Provão, partidos de oposição, atualmente no governo, questionaram o exame como forma de avaliação das universidades levando seus argumentos ao Supremo Tribunal Federal.

Em 2002 continuaram acontecendo disputas judiciais focadas nos exames nacionais, uma prática então considerada lesiva aos interesses estudantis por seu caráter de imposição autoritária, obrigatória.

A União Nacional dos Estudantes (UNE) realizou protestos para incentivar o boicote em mais de dez Estados. Em seis deles, a entidade organizou também uma enquete na porta das escolas para avaliar gestão do ministro. Segundo a UNE, 8.710 participaram. O ministro ganhou uma nota média de 1,8 dos alunos que foi entregue a Paulo Renato hoje pelo presidente da UNE, Felipe Maia. No sábado, a entidade conseguiu na Justiça a liminar que dava o direito a todos os alunos que, por alguma razão, não tinham sido inscritos pelas suas instituições no Provão. A decisão beneficiou estudantes inadimplentes e pareceu contraditória para o ministro. Nos primeiros anos, as liminares pediam a anulação das provas, agora a UNE quer que os estudantes se submetam a elas. É uma vitória nossa, disse Paulo Renato, no Rio. (O ESTADO DE S. PAULO, 9 jun. 2002)

A medida cautelar impetrada pelos estudantes impediu a realização do Provão apenas na região de Minas Gerais, no resto do país a aplicação da prova se realizou. O ranking nacional formado a partir dos resultados dos exames apareceu na mídia impressa e televisiva com grande ênfase.

Localmente a imprensa fazia mera referência aos boicotes estudantis. Observo que a inserção política dos estudantes reapareceu motivada pela questão da avaliação, vista como a introdução de uma prática de cunho neoliberal nas universidades. Nos anos de final de século, diferentemente dos movimentos organizados de décadas anteriores, os estudantes usaram a interpelação jurídica ao mandato da autoridade educacional para afirmar seus propósitos. As armas do movimento dos estudantes estavam a mudar, os estudantes viviam novos tempos.

Revisando a revisão, novos tempos, novo governo, partido dos trabalhadores no poder após longa luta política. Um metalúrgico, sem diploma universitário, governa o país. A educação superior viu atendidas suas antigas aspirações, as tradicionais aspirações dos movimentos estudantis pelas reformas - mais vagas discentes, novas IES públicas, mais ensino técnico profissional, mais contratações docentes, programas de ações afirmativas, programas de quotas, programa de concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e de cursos sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, ampliação do número de concursos públicos para seleção de docentes e técnicos-administrativos e aumento de salários docentes e de técnicos das universidades públicas federais.

"Depois do apogeu do neoliberalismo segue-se a batalha por educação superior" como consta na convocatória de CLACSO de 2008 para o encontro do Grupo de Trabalho Universidade e Sociedade. E, "os guardiões do templo," para usar a expressão de Guy Neave, os docentes e pesquisadores atentos, passaram a analisar e muitas vezes, a rejeitar, tanto quanto os estudantes o fizeram a partir de 1995, aquilo que estava posto como prática de avaliação das instituições universitárias. Quanto aos estudantes, passado o primeiro ímpeto, passaram a aceitar as avaliações que incluíram um novo exame nacional reformatado sob o nome de ENADE, Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes. Os estudantes, de forma individual, passaram a ser o fiel da balança das avaliações. São as suas respostas a estes exames nacionais que continuam a "medir" as instituições e seus cursos. São as suas respostas aos exames nacionais do ensino médio, ENEM, Exame Nacional Ensino Médio, que conferem pontos ao seu currículo para ingresso nas instituições de educação superior, públicas e privadas, do país.

Em verdade, as sociedades foram invadidas por uma nova fase do capitalismo que impregnou as relações entre países, povos, pessoas, mentes e se fez sentir fortemente na educação superior. A visão neoliberal de mundo teve como premissa e "missão" o crescimento da economia, a produção de conhecimento de valor econômico, a preparação dos indivíduos para o mercado de trabalho, portanto, fez das universidades um de seus pontos de apoio essenciais. Fez das avaliações a clava para impulsionar estratégias de cunho mercantil produtivista e de assujeitamento de valores e expectativas individuais e coletivas.

A nova face do capitalismo, mesmo quebrantada pela crise da bancarrota mundial pós 9/11, é também a face da globalização, velocidade da comunicação, das novas tecnologias de informação, das redes que desenham territórios e espaços antes não imaginados. As universidades passaram a se preparar para o mundo globalizado do trabalho imaterial. De acordo com essa lógica, as universidades orientaram seus serviços para os interesses econômicos da sociedade, para formar pessoas para o trabalho material e imaterial, para os novos mercados. As instituições passaram a procurar formas eficientes e eficazes de atuar, com menor custo e mais rapidez, com outras fontes de recursos, além da tutela financeira do estado. A visão é amplamente economicista, prioritariamente instrumental e produtivista. As universidades devem ter "qualidade" não importa o que isto significa. No caso brasileiro, o estado coloca o selo de qualidade após procedimentos acreditadores e de avaliação que incluem os exames feitos pelos estudantes.

ESTUDANTES, AVALIAÇÃO E EDUCAÇÃO SUPERIOR

A partir do sucinto quadro traçado sobre os temas que motivam a produção de conhecimento sobre o estudante universitário e o momento da educação superior brasileira, várias hipóteses poderiam ser levantadas a respeito dos estudantes no momento presente. Detenho-me nos modos de avaliação e a possível e consequente subjetivação capitalista decorrente. Ao ingressar no ensino superior os jovens carregariam uma bagagem de avaliações que influenciariam e produziriam valores e compreensões de mundo. Os estudantes carregariam uma bagagem "formatada" pelas avaliações de cunho neoliberal, pelos apelos consumistas do marketing das instituições. Por outro lado, ao buscar ascensão profissional com o diploma universitário, eles estariam a receber na universidade, um acúmulo de informações que estimularia o fazer individual e produtivista. Fascinados pela rapidez da comunicação virtual na sociedade da informação, impactados pelo capitalismo cognitivo, os estudantes se orientariam para outras aprendizagens. Os movimentos estudantis seriam apenas e tão somente, um passado recente, produto de um momento da história em que os estudantes freqüentavam a universidade pública. Necessário se faz lembrar, e acrescentar, que a maioria dos estudantes no momento atual, freqüenta as IES privadas que disputam seus clientes e praticam pesado marketing institucional e inserção competitiva no mercado da educação brasileiro. Nesse sentido nem ventos nem resistências parecem mover os estudantes quando o assunto é avaliação institucional das universidades. Pessoalmente, na linha de investigação de Guilhon de Albuquerque, Portantiero e Entwistle, procurei entender o fenômeno da consciência social do estudante universitário e suas aprendizagens como transindivíduo (LEITE, 1990) na pesquisa intitulada Aprendizagem e consciência social na Universidade. Temas derivados, como estudante consumidor e movimentos estudantis e estudantes e avaliação da universidade, também foram objeto de estudo (LEITE, 1992, 1992a, 1997; LEITE et al., 2006, 2007). De tal sorte que, ao revisar a revisão, com o olhar de quem acrescentou sua parcela de esforço ao entendimento das questões sobre o estudante, motivada pelo momento atual da universidade brasileira e das avaliações a qual ela está submetida, cabe-me constatar um redirecionamento das questões estudantis para novos pólos de investigação que podem ou não seguir as tendências da literatura internacional na área.

Observo que compreender hoje os estudantes e suas culturas significa adentrar o olhar para sua atividade ou comportamento individual mais do que para sua atuação coletiva e política. Os estudantes podem estar a atuar na realidade sem querer exatamente transformar a realidade. Destaco o redirecionamento das questões estudantis para outros pólos de ação que exigem mais o envolvimento individual ou de pequenos grupos do que uma participação coletiva. Considero e reforço, no entanto, que as avaliações consubstanciadas em exames nacionais, da escola fundamental, ao ensino médio e à universidade, estão a contribuir para "formatar" uma subjetivação capitalista do jovem que chega à universidade. Contribuem para o mesmo propósito os apelos consumistas do marketing das instituições e o estímulo aos procedimentos individuais e produtivistas.

Porém não há como esquecer que, no Brasil, os estudantes se destacaram ao longo da história pelo ativismo político através da militância em movimentos organizados que influíram na vida e na cultura nacionais. Talvez a literatura da área e a pesquisa ainda não registrem os ganhos de democracia e de novos direitos à educação superior obtidos pelas populações antes ausentes dos bancos universitários - trabalhadores, negros, índios e portadores de necessidades especiais - bem como suas também especiais necessidades de aprendizagem. Talvez os pesquisadores da área possam ampliar os estudos sobre práticas universitárias que ampliem as aprendizagens de cunho cognitivo, social e político dos estudantes e trazê-las à tona para que um maior número de gestores da educação e nós docentes compreendamos que a qualidade de uma universidade reside na formação propiciada aos seus alunos; que o destaque, global e futuro, de uma nação tem relação direta com a formação de seus jovens; que, tal como Habermas sugeria, a formação política e social dos jovens continuará sendo parte da missão das universidades; que "the time and energy students devote to educationally purposeful activities is the single best predictor of their learning and personal development".

Recebido em: 18 de junho de 2010 Aprovado em: 19 de julho de 2010

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  • Estudantes e avaliação

    Students, higher education and evaluation
  • 1
    No Brasil os estudantes fazem parte de um diversificado megasistema de educação superior. Em 2008 havia 1.209.304 alunos matriculados nas IES públicas e 3.467.342 nas IES privadas. Constituem grupos heterogêneos provindos de diferentes estratos sociais com perspectivas diferenciadas. Em geral, apenas 10 a 20% dos estudantes que se inscrevem para ingresso na universidade pública brasileira conseguem sucesso nos exames vestibulares. Tendência que deverá se modificar nos próximos anos pelas mudanças previstas para as condições de acesso as quais incluem os resultados dos exames nacionais realizados durante o ensino médio e quotas especiais para minorias.
  • 2
    Disponível em: <
    http://nsse.iub.edu/html/about.cfm>. Acesso em: 26 jun. 2009
  • 3
    Disponível : <
    http://www.newforums.com/news_jccpage.asp>. Acesso em: 26 de jun. 2009
  • 4
    Esta secção constitui um reestudo de publicações anteriores da autora.
  • 5
    São da época as peças: Auto dos 99% (elitização); miséria ao alcance de todos, Brasil versão brasileira. E os filmes - Cinco vezes favela; o disco - O povo canta; o livro - A questão da Universidade de Álvaro Vieira Pinto. Nomes fundantes das artes e da cultura brasileira surgiram destes movimentos. Contam-seentre eles: Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes, Leon Hirshmann, Ferreira Gular, Carlos Diegues, Carlos Vereza, Cecil Thiré, Flávio Migliaccio, Francisco Buarque de Holanda.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      19 Jul 2010
    • Recebido
      18 Jun 2010
    Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
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