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Salmonelose em cães de experimentação

Salmonellosis in experimental dogs

Resumos

Relata-se um surto de salmonelose em cães de experimentação, com mortalidade de 50% nos animais. Os sorotipos isolados foram Salmonella Typhimurium, Salmonella Agona e Salmonella enterica subsp. Enterica. Discute-se a epidemiologia e sua importância em Saúde Pública.

Salmonelose animal; Salmonella; Cães


The occurrence of salmonellosis in dogs maintained in kennels destinated to scientific experiments was described. The isolates were characterized as Salmonella Typhimurium, Salmonella Agona and Salmonella enterica subsp. Enterica. The public health aspect and epidemiology were evaluated.

Salmonellosis; Salmonella; Dogs


NOTA PRÉVIA

Salmonelose em cães de experimentação

Salmonellosis in experimental dogs

Jane MEGID1 1 -Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP, Botucatu ¾ SP * Professor da disciplina de Micologia do Departamento de Microbiologia do Instituto de Biociências da Unesp, Campus de Botucatu, SP. ; Marcella Zampoli de ASSIS1 1 -Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP, Botucatu ¾ SP * Professor da disciplina de Micologia do Departamento de Microbiologia do Instituto de Biociências da Unesp, Campus de Botucatu, SP. ; Cristina de Jesus BRITO1 1 -Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP, Botucatu ¾ SP * Professor da disciplina de Micologia do Departamento de Microbiologia do Instituto de Biociências da Unesp, Campus de Botucatu, SP. ; Valéria Maria LARA1 1 -Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP, Botucatu ¾ SP * Professor da disciplina de Micologia do Departamento de Microbiologia do Instituto de Biociências da Unesp, Campus de Botucatu, SP.

CORRESPONDÊNCIA PARA:

Jane Megid

Departamento de Higiene

Veterinária e Saúde Pública da

Faculdade de Medicina Veterinária

e Zootecnia da UNESP

Disciplina de Enfermidades

Infecciosas dos Animais

Distrito de Rubião Júnior, s/n

18618-000 ¾ Botucatu ¾ SP

e-mail: Jane@fmvz.unesp.br

RESUMO

Relata-se um surto de salmonelose em cães de experimentação, com mortalidade de 50% nos animais. Os sorotipos isolados foram Salmonella Typhimurium, Salmonella Agona e Salmonella enterica subsp. Enterica. Discute-se a epidemiologia e sua importância em Saúde Pública.

UNITERMOS: Salmonelose animal; Salmonella; Cães.

INTRODUÇÃO

Embora a ocorrência de Salmonella em amostras fecais de cães e gatos saudáveis varie entre 0,6 e 30% e zero e 14%, respectivamente, informações detalhadas de casos clínicos são esparsas. As maiores incidências estão associadas a alta concentração de animais e higienização inadequada2. As variações nas taxas de isolamentos são justificadas pela eliminação intermitente da Salmonella spp.7,10,11. As principais fontes de infecção são portadores latentes presentes em agrupamentos de cães. O meio de transmissão mais comum é através de alimentos, água, fômites e fezes contaminados2.

Os animais mantidos em canis apresentam maior risco de sofrer infecção, e os cães jovens, uma vez infectados, são mais propensos a desenvolver a doença2, sendo esta relatada em cães debilitados9, principalmente naqueles com menos de um ano de idade3,5,6,10.

O presente relato tem como objetivo descrever um surto de salmonelose em cães, mantidos em um canil de experimentação. Três grupos de cães (I, II e III), sem raça definida e com idade média de 45 dias, compostos por dez filhotes cada e destinados a experimentos, foram mantidos em três baias com piso de cimento, com intenso sombreamento no ambiente. Deve-se ressaltar ainda a marcante presença de roedores no local (Rattus rattus).

Nas investigações epidemiológicas, observou-se que, 30 dias antes da introdução dos cães nas baias, foram alojados tatus-cavalo (Euphractus sexcintus) e tatus-galinha (Dasypus novemcinctus) capturados para estudos experimentais, sendo que a partir de amostras fecais destes tatus, isolou-se Salmonella spp. Após a retirada destes animais das baias, procedeu-se a higienização com hipoclorito de sódio a 2% por 60 minutos.

Em baias vizinhas estavam alojados 15 cães adultos assintomáticos, utilizados para outro experimento.

O início do surto foi observado em um filhote pertencente ao grupo I, que demonstrou quadro de apatia e anorexia seis dias após a introdução à baia. Verificou-se rápido emagrecimento do animal, que foi retirado do grupo, vindo a óbito quatro dias após o início dos sinais clínicos, sem quadro de diarréia. Dois dias após, verificou-se clínica semelhante em um filhote pertencente ao Grupo II, evoluindo a óbito rapidamente. No grupo I, os animais iniciaram quadro de diarréia de coloração esverdeada e emagrecimento rápido após cinco dias do primeiro caso observado. As fezes destes animais foram colhidas por "swab" retal e encaminhadas para isolamento microbiológico, cujo resultado revelou a presença de Salmonella spp. Procedeu-se ao tratamento de todos os animais do grupo, com sulfa e trimetoprim. Os animais doentes foram separados dos outros filhotes assintomáticos e submetidos a fluidoterapia e atendimento ambulatorial. Realizou-se a desinfecção das baias com cresol a 2%, com período de ação de uma hora.

Em uma semana, observou-se a morte de 2 filhotes do grupo I, com quadro clínico de diarréia de coloração esverdeada e de 3 animais do grupo II. Instituiu-se também o tratamento quimioterápico dos animais assintomáticos.

Uma semana após, verificou-se a morte de 2 animais do grupo II e de 6 filhotes pertencentes ao grupo I. Os animais do grupo III não apresentaram sinais clínicos em nenhum momento do surto, que durou três semanas. Observou-se uma taxa de mortalidade de 50% (15/30) nos filhotes acometidos pela enfermidade.

Todos os animais que vieram a óbito foram submetidos à necropsia, sendo verificadas lesões sugestivas de processo septicêmico. Procedeu-se à colheita de conteúdo intestinal para cultivo microbiológico, isolando-se Salmonella spp. a partir de todas as amostras. Dos outros 15 cães adultos presentes no mesmo local também foram colhidas amostras fecais, isolando-se Salmonella spp. em apenas uma delas.

Todas as amostras de Salmonella spp. isoladas foram encaminhadas à Seção de Bacteriologia do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo-SP, para a confirmação e sorotipagem. Das 20 amostras, foram identificadas dez de Salmonella Typhimurium, duas de Salmonella Agona e oito de Salmonella enterica subsp. enterica.

Considerando-se a possibilidade de disseminação de Salmonella spp. por roedores e a marcante presença destes animais no local, procedeu-se à captura de quatro ratos, para colheita de material e cultivo microbiológico, e não houve isolamento de Salmonella spp.

A epidemiologia da salmonelose nos filhotes não pôde ser definida. Considera-se a possibilidade de os roedores serem responsáveis pelo desencadeamento do foco da doença pelo elevado número destes no local. Outro fator a ser considerado é de o ambiente ter sido anteriormente contaminado a partir dos tatus infectados, conseqüente à resistência ambiental das salmonelas, uma vez que alguns dos sorotipos isolados dos cães correspondiam aos mesmos sorotipos isolados dos tatus (r. Eduardo Bagagli* 1 -Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP, Botucatu ¾ SP * Professor da disciplina de Micologia do Departamento de Microbiologia do Instituto de Biociências da Unesp, Campus de Botucatu, SP. , Comunicação pessoal).

Adicionalmente, alguns dos filhotes poderiam apresentar a salmonela de forma latente e, devido à imunossupressão transitória, eliminaram-na para o meio ambiente constituindo fonte de infecção inicial10.

Existe também a possibilidade de veiculação do agente pelos animais mantidos em baias vizinhas, no momento da alimentação e na limpeza dos locais, aspecto relacionado por Bsava2.

O isolamento dos vários sorotipos de salmonela em cães já foi relatado por Morse & Duncan10 e Yokoyama et al.13 e sugere que para a espécie canina talvez não exista um sorotipo espécie-adaptado6, como ocorre para outras espécies animais. Entretanto, há relatos de isolamento mais freqüente de Salmonella Typhimurium em cães3,11, assim como foi observado no presente estudo.

A ausência de sintomas observada no Grupo III pode ser justificada pela retirada dos animais doentes do local de alojamento, associada ao tratamento profilático instituído para todos os animais.

Os aspectos aqui observados são semelhantes ao descrito por Venter12 em cães de canil, onde se verificou enfermidade em 32 filhotes com 12 semanas de idade, de um total de 84 animais, com período de evolução e morte em três dias, e isolamento de S. Typhimurium do conteúdo intestinal de seis dos oito cães que vieram a óbito. O isolamento de S. Typhimurium em animais clinicamente afetados, com menos de um ano de idade, foi relatado por Adesiyun1, sendo a diarréia relacionada com a idade dos cães, caracterizando a susceptibilidade dos mais jovens à enfermidade, aspecto observado também neste relato.

As principais fontes de infecção para humanos além das de origem alimentar são as decorrentes de má higiene e contato com animais doentes ou portadores sãos7. O isolamento de salmonela em um cão assintomático caracterizando assim o caráter de portador foi observado neste relato, o qual deve ser ressaltado no contexto de Saúde Pública.

Os homens podem ser infectados por vários sorotipos de salmonela, sendo os mais comuns S. Typhimurium e S. Enteritidis4. O isolamento de S. Typhimurium e Salmonella enterica nos cães evidencia o risco para profissionais e funcionários quando da manipulação de animais e dos locais em que são mantidos para experimentação.

Este relato de caso vem evidenciar a severidade da enfermidade no cão e a importância deste animal como eventual portador de Salmonella e conseqüente risco para a saúde pública. Ressalta-se a necessidade de diagnóstico correto, a fim de possibilitar o tratamento adequado, evitando desta forma a ocorrência dos portadores sãos, além da necessidade de sorotipagem das amostras positivas deste microrganismo e da notificação, possibilitando ações de vigilância epidemiológica.

SUMMARY

The occurrence of salmonellosis in dogs maintained in kennels destinated to scientific experiments was described. The isolates were characterized as Salmonella Typhimurium, Salmonella Agona and Salmonella enterica subsp. Enterica. The public health aspect and epidemiology were evaluated.

UNITERMS: Salmonellosis; Salmonella; Dogs.

Recebido para publicação: 17/03/2000

Aprovado para publicação: 21/05/2001

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  • 1
    -Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP, Botucatu ¾ SP
    *
    Professor da disciplina de Micologia do Departamento de Microbiologia do Instituto de Biociências da Unesp, Campus de Botucatu, SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jun 2002
    • Data do Fascículo
      2001

    Histórico

    • Recebido
      17 Mar 2000
    • Aceito
      21 Maio 2001
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