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A regulação ambulatorial na Atenção Primária do Município do Rio de Janeiro, Brasil, a partir dos médicos reguladores locais

Resumo

O artigo teve por objetivo caracterizar o processo de regulação assistencial realizado nas unidades de Atenção Primária à Saúde do município do Rio de Janeiro, com ênfase na dimensão ambulatorial. Foi realizado estudo transversal, por meio de um survey, com participação de 114 médicos reguladores locais, no ano de 2019. Quanto ao perfil dos reguladores locais, destacou-se o alto percentual com formação em Medicina de Família e Comunidade e o tempo de atuação relativamente adequado destes profissionais nas unidades. Para 52,6%, a infraestrutura para regulação é adequada, mas a conectividade apresenta problemas com frequência. No sistema de regulação, os mecanismos e horários de disponibilização de vagas produzem competição entre os reguladores das unidades, com sobrecarga de trabalho e iniquidades de acesso associadas. Observou-se importante envolvimento dos reguladores locais em atividades de avaliação e gestão de filas de espera. A maioria informou haver pouca ou nenhuma interação com a atenção especializada. Apesar do processo de regulação descentralizada ainda apresentar importantes limites, o estudo aponta a factibilidade e contribuição da entrada mais intensa da Atenção Primária na regulação do acesso.

Palavras-chave:
Assistência Integral à Saúde; Regulação em Saúde; Atenção Primária à Saúde

Abstract

The scope of the article was to characterize the process of regulation of care in Primary Health Care units in the city of Rio de Janeiro, with an emphasis on the outpatient dimension. A cross-sectional study was carried out in 2019, by means of a survey, with the participation of 114 local regulatory physicians. With respect to the profile of local regulators, there is a high percentage with training in Family and Community Medicine and the length of service of these professionals in the units is relatively satisfactory. For 52.6%, the infrastructure for regulation is adequate, but connectivity frequently presents problems. In the regulation system, the mechanisms and schedules for making vacancies available and accessing them elicit competition between the regulators of the units, with work overload and associated access inequities. There was major involvement of local regulators in activities of evaluation and management of waiting times. The majority reported that there was little or no interaction with specialized care. Although the decentralized regulation process still has some shortcomings, the study points to the feasibility and contribution of more intense participation of Primary Care in the regulation of access.

Key words:
Comprehensive Health Care; Health Care Regulation; Primary Health Care

Introdução

A gestão dos tempos e filas de espera se configura como um problema comum para sistemas de saúde de diversos países, tanto públicos quanto predominantemente privados11 Hurst J, Siciliani L. Tackling excessive waiting times for elective surgery: a comparison of policies in twelve OECD countries. OECD Working Papers 6. Paris: OECD; 2003.

2 Harrison A, Appleby J. Reducing waiting times for hospitals treatment: lessons from the English NHS. J Health Serv Res Policy 2009; 14(3):168-173.

3 Kreindler SA. Policy strategies to reduce waits for elective care: a synthesis of international evidence. Br Med Bull 2010; 95:7-32.
-44 Almeida PF, Oliveira SC, Giovanella L. Integração de rede e coordenação do cuidado: o caso do sistema de saúde do Chile. Cien Saude Colet 2018; 23(7):2213-2227., e torna-se necessário ampliar sua discussão para além do monitoramento de filas de espera e/ou da ampliação da oferta, abrangendo também a estruturação das redes e garantia do acesso oportuno, equânime e transparente55 Conill EM, Giovanella L, Almeida PF. Lista de espera em sistemas públicos: da expansão da oferta para um acesso oportuno? Considerações a partir do Sistema Nacional de Saúde espanhol. Cien Saude Colet 2011; 16(6):2783-2794..

No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), onde os tempos de acesso à atenção especializada também se constituem num desafio, diversos estudos vêm destacando questões importantes acerca da regulação do acesso, como a gestão das ofertas assistenciais por diferentes centrais de regulação; escassez e/ou desigualdades na oferta de serviços especializados (exames, especialidades); frágil interface entre Atenção Primária à Saúde (APS) e atenção especializada; resolutividade e capacidade de cuidado da APS; tensão entre gestores e prestadores sobre o controle dos recursos assistenciais, dentre outras44 Almeida PF, Oliveira SC, Giovanella L. Integração de rede e coordenação do cuidado: o caso do sistema de saúde do Chile. Cien Saude Colet 2018; 23(7):2213-2227.

5 Conill EM, Giovanella L, Almeida PF. Lista de espera em sistemas públicos: da expansão da oferta para um acesso oportuno? Considerações a partir do Sistema Nacional de Saúde espanhol. Cien Saude Colet 2011; 16(6):2783-2794.

6 Cavalcanti RP, Cruz DF, Padilha WWN. Desafios da regulação assistencial na organização do Sistema Único de Saúde. Rev Bras Cien Saude 2018; 22(2):181-188.

7 Pinto LF, Soranz D, Scardua MT, Silva IM. A regulação municipal ambulatorial de serviços do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro: avanços, limites e desafios. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1257-1267.
-88 Gawryszewski ARB, Oliveira DC, Gomes AMT. Acesso ao SUS: representações e práticas de profissionais desenvolvidas nas Centrais de Regulação. Physis 2012; 22(1):119-140..

Entre as dimensões da Política Nacional de Regulação do SUS99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 1.559, de 1º de agosto de 2008. Institui a Política Nacional de Regulação do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2008., a regulação do acesso à assistência, também denominada regulação assistencial, tem como objetos a organização, o controle, o gerenciamento e a priorização do acesso e dos fluxos assistenciais. Estabelecida pelo complexo regulador e suas unidades operacionais, esta definição normativa abrange a regulação médica exercendo autoridade sanitária para a garantia do acesso, baseada em protocolos, classificação de risco e demais critérios de priorização. Além disso, organiza-se em áreas específicas como a regulação ambulatorial, de urgências e emergências e de leitos hospitalares99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 1.559, de 1º de agosto de 2008. Institui a Política Nacional de Regulação do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2008..

A partir do seu caráter estratégico nas redes de atenção, a Atenção Primária à Saúde vem sendo convocada a assumir maior protagonismo nos processos regulatórios de acesso a outros serviços, com vistas a viabilizar sua função de coordenação do cuidado1010 Vilarins GCM, Shimizu HE, Gutierrez MMU. A Regulação em Saúde: aspectos conceituais e operacionais. Saude Debate 2012; 36(95):640-647.,1111 Albieri FAO, Cecilio LCO. De frente com os médicos: uma estratégia comunicativa de gestão para qualificar a regulação do acesso ambulatorial. Saude Debate 2015; 39(n. esp.):184-195.. Este atributo fundamental da APS configura-se como condição necessária para alcançar um atendimento integral e contínuo, bem como atender a um conjunto de necessidades da população, sobretudo que exijam a integração entre diferentes pontos de atenção do sistema de saúde1212 Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Coordenação dos cuidados em saúde pela atenção primária à saúde e suas implicações para a satisfação dos usuários. Saude Debate 2012; 36(94):375-391.,1313 Almeida PF, Santos AM, Souza MKB. Atenção Primária à Saúde na coordenação do cuidado em regiões de saúde. Salvador: Edufba; 2015.. A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)1414 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da atenção básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2017; 22 set. ressalta a importância da articulação e implementação de processos que fortaleçam práticas de regulação local e que propiciem a comunicação entre unidades, centrais de regulação e serviços especializados.

Como cenário do estudo que embasa este artigo, o município do Rio de Janeiro, com população estimada de 6.718.903 habitantes1515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidade do Rio de Janeiro: População Estimada [Internet]. 2019 [acessado 2020 dez 22]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/rio-de-janeiro/panorama.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/ri...
, é dividido geograficamente pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) em 10 áreas programáticas (AP) para melhorar o gerenciamento dos serviços de saúde1616 Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: PMS 2014-2017. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Saúde; 2013.. A distribuição da população nos bairros que compõem as AP não se dá de forma homogênea, apresentando diversos núcleos de adensamento populacional77 Pinto LF, Soranz D, Scardua MT, Silva IM. A regulação municipal ambulatorial de serviços do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro: avanços, limites e desafios. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1257-1267..

Na última década, o município foi alvo de grande expansão de cobertura e investimento qualitativo na APS em um movimento de mudança denominado por alguns de seus atores de “reforma dos cuidados em atenção primária à saúde”1717 Soranz D, Pinto LF, Penna GO. Eixos e a Reforma dos Cuidados em Atenção Primária em Saúde (RCPHC) na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(5):1327-1338.. A partir de 2012 adotou um modelo descentralizado de regulação ambulatorial, de modo que a regulação do acesso a exames e consultas especializadas também passou a ser realizada por médicos das unidades de APS, a partir de vagas disponibilizadas pela central de regulação. Como cenário predominante, mas não absoluto, estes profissionais também integram as equipes de Saúde da Família (além de atuarem como reguladores locais), avaliam solicitações feitas pelos colegas da própria unidade, podendo autorizá-las e agendá-las, devolvê-las ou mesmo recusá-las, por meio de sistema informatizado de regulação77 Pinto LF, Soranz D, Scardua MT, Silva IM. A regulação municipal ambulatorial de serviços do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro: avanços, limites e desafios. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1257-1267.,1818 Rocha AP. Regulação assistencial ambulatorial no Município do Rio de Janeiro, RJ: efeitos da inserção da APS na regulação [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2015..

No período da pesquisa, o município apresentava 52,9% de cobertura populacional estimada por equipes de Atenção Básica, sendo 46,2% de Saúde da Família. Também contava com 75 equipes do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB)1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Site e-Gestor Atenção Básica. Relatórios Públicos. Histórico de Cobertura [Internet]. 2019 [acessado 2020 dez 22]. Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCobertura.xhtml.
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O perfil da rede hospitalar estadual e municipal na cidade é predominantemente geral, ao passo que na rede federal e universitária destacam-se os serviços de alta complexidade. A atenção ambulatorial especializada faz parte de hospitais, policlínicas e centros especializados e, para atendimento em serviço ambulatorial, é necessário encaminhamento de um médico da Atenção Primária, através de sistema operado pela central municipal (foco do estudo, por concentrar a maioria das solicitações da APS) e de outro sob coordenação estadual. Há um Núcleo Interno de Regulação (NIR) na estrutura das áreas programáticas, responsável pela mediação entre a central municipal e as unidades da APS.

À luz dos pressupostos da regulação e da Atenção Primária nas políticas nacionais, nota-se que a implementação da regulação assistencial no Brasil é heterogênea, inclusive em regiões metropolitanas2020 Almeida MMM, Almeida PF, Melo EA. Regulação assistencial ou cada um por si? Lições a partir da detecção precoce do câncer de mama em redes regionalizadas do Sistema Único de Saúde (SUS). Interface (Botucatu) 2020; 24 (Supl. 1):e190609., com graus também variados de participação da APS no processo regulatório. Todavia, ainda é predominante a centralização das decisões regulatórias nas centrais de regulação2121 Silva JRS. Regulação assistencial e atenção básica em algumas experiências estudadas no Brasil [monografia]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2017. e, em meio aos registros encontrados no Brasil, a experiência do município do Rio de Janeiro ganha destaque pela entrada marcante da Atenção Primária na regulação assistencial.

Neste contexto, considerando as singularidades desta experiência no cenário nacional bem como a importância da regulação para a APS, o presente estudo objetivou caracterizar o processo de regulação realizado nas unidades de Atenção Primária do município a partir dos seus operadores locais.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, realizado por meio de um survey, com utilização de questionário eletrônico (Google Forms) enviado inicialmente por e-mail aos 485 médicos com função de regulação local nas 260 unidades de Atenção Primária à Saúde do município do Rio de Janeiro - reguladores locais, responsáveis técnicos (RT) e preceptores de Residência de Medicina de Família e Comunidade (MFC) -, entre os meses de agosto e outubro de 2019.

Após múltiplas estratégias para aumentar o número de respondentes, como reenvio de convite por e-mail e aplicativo de mensagens (WhatsApp), contato com chefias de Áreas Programáticas (AP) e com nível central da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-RJ) para incentivar preenchimento, obteve-se 125 retornos e 114 foram considerados. A taxa de resposta foi de 25,7%.

O questionário eletrônico (composto por 38 questões - sendo 31 fechadas e 7 abertas) foi elaborado com base nos objetivos do estudo, abordando variáveis relacionadas às seguintes categorias: (1) perfil dos reguladores locais da APS; (2) características da unidade e da Área Programática (AP) de atuação; (3) preparação técnica e estrutura para regulação; (4) atividades e práticas locais no processo de regulação; (5) interações do regulador local com outros profissionais da unidade e da Rede; e (6) avaliação sobre o modelo descentralizado de regulação.

O questionário foi respondido previamente por dois profissionais com expertise em regulação do acesso e APS, como forma de verificar clareza e consistência das questões, tempo de preenchimento e retorno das respostas para a base de dados.

Os dados quantitativos gerados pelas questões fechadas, no formato de frequências simples, foram sistematizados no Programa SPSS, organizados nas categorias apresentadas nas Tabelas 1 e 2 e submetidos à análise descritiva. As variáveis das tabelas correspondem às perguntas e alternativas do questionário. Os dados oriundos das questões abertas foram inicialmente categorizados e agrupados e, posteriormente, ordenados pela frequência de seu aparecimento, sendo apresentadas no Quadro 1 as três categorias de respostas mais frequentes de cada questão.

Table 1
Profile of participating local primary health care regulator physicians. Rio de Janeiro-RJ, 2019.
Table 2
Summary of the main results regarding the local process of outpatient regulation in Primary Health Care. Rio de Janeiro-RJ, 2019.
Chart 1
Evaluation of local regulators of Primary Health Care about the decentralized model of regulation. Rio de Janeiro-RJ, 2019.

A presente pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) da Instituição do Coordenador da pesquisa e do referido Município, por meio dos pareceres consubstanciados de números 3.263.136 e 3.358.407. Todos os participantes foram direcionados ao questionário após leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) on-line e mediante concordância em participar da pesquisa, e as respostas se deram de forma anônima.

Resultados

Conforme observado na Tabela 1, que apresenta o perfil dos médicos reguladores locais da Atenção Primária à Saúde do município, a maior parte dos respondentes possui Residência e/ou Título em Medicina de Família e Comunidade. A maioria apresenta mais de 4 anos de formado.

Em relação ao tipo de unidade, 62,3% dos profissionais informaram que atuam como reguladores em Clínicas da Família (tipo de unidade de APS no município organizada apenas com equipes de Saúde da Família). Sobre a função na regulação local, os respondentes se apresentaram em dois grupos com frequências aproximadas (regulador local ou médico com perfil de acesso de regulador ao SISREG e Responsável Técnico).

Como se pode ver na Tabela 2, que apresenta os principais resultados referentes ao processo local de regulação ambulatorial na Atenção Primária à Saúde do Rio de Janeiro, o estudo contou com participantes de todas as áreas programáticas do município, em quantidades heterogêneas. A maior parte dos profissionais atuava em unidades que apresentavam entre 4 e 7 equipes de Saúde da Família e mais de 3.001 usuários cadastrados por equipe.

No âmbito das áreas programáticas, os exames de radiografia, mamografia e ultrassonografia tiveram as maiores frequências de respostas entre os mais fáceis de realizar. Ressonância magnética, colonoscopia e doppler estiveram entre os mais difíceis. As especialidades de dermatologia, otorrinolaringologia e pneumologia foram citadas como mais fáceis de agendar nas áreas programáticas, enquanto as de oftalmologia, nefrologia e cirurgia geral como mais difíceis.

A orientação por colegas e a realização de cursos e capacitação foram as estratégias mais apontadas de preparação técnica para o exercício da regulação. Em relação à estrutura, 52,6% dos profissionais responderam que a infraestrutura de informática para regulação é adequada, porém a conectividade representa problemas de instabilidade e/ou lentidão com frequência.

Sobre a capacidade clínica e qualidade das solicitações dos médicos da unidade, pouco mais da metade informou que a maioria dos médicos tem boa formação clínica e que a maioria das solicitações é pertinente.

Quanto às atividades e práticas locais no processo de regulação, o SISREG se destacou como uma das ferramentas mais utilizadas, apontada por mais de 90% dos respondentes. Sobre a carga-horária para atividades de regulação, pouco mais de 70% dos médicos informaram dedicar entre 1 e 8 horas por semana. Para 20,1%, esta dedicação aumenta para mais de 8 horas. Além disso, 70,2% responderam realizar atividades de regulação dentro e fora do trabalho.

Entre as ações executadas na regulação local, destacaram-se a solicitação de exames e consultas, análise de solicitações e solicitação de esclarecimento ou complementação - devolução ou pendências. Aproximadamente 70% consideram tanto o tempo de espera quanto a localização da unidade executante (serviço especializado onde exames ou consultas especializadas são realizados) como parâmetros no agendamento de usuários. Para 67,5%, o local de agendamento (para onde os usuários são encaminhados) varia muito, de acordo com a especialidade ou exame, não sendo possível dizer o que acontece em geral.

Em relação às interações do regulador com outros profissionais da unidade e da Rede, a maioria respondeu que as principais formas de interação entre colegas da mesma unidade se dão pessoalmente no dia-dia e por aplicativo de mensagens (WhatsApp). Esta última também se apresentou frequente na interação com reguladores de outras unidades.

Em contraponto, quanto se trata de outros serviços da rede para além da APS, 63,2% disseram haver pouca interação com a atenção especializada. Para 35,1%, não existe esta interação.

A maioria destacou que o NIR ou RT da Coordenadoria da Área Programática (CAP) são os setores mais procurados em caso de problemas e/ou dúvidas que fogem à governabilidade local.

Por último, observa-se a partir do Quadro 1 as categorias de respostas mais frequentes de cada questão relacionada à avaliação dos reguladores locais da APS sobre o modelo descentralizado de regulação.

Em relação aos principais ganhos, benefícios ou facilidades da regulação local na Atenção Primária, os profissionais reguladores destacaram: a possibilidade da regulação ser realizada com maior proximidade dos pacientes/usuários e, consequentemente, com maior compreensão das principais necessidades do território e dos usuários; a agilidade na regulação, onde em alguns casos o agendamento chega a ser imediato durante a consulta (provavelmente quando há coincidência do solicitante ser também regulador); e a interação local e as oportunidades de discussão entre colegas de regulação, com reflexos na melhor gestão das solicitações, filas e vagas e na qualidade dos encaminhamentos/solicitações.

Já entre as dificuldades, problemas ou desafios avaliados, observaram-se: a baixa oferta de algumas especialidades e o tempo de espera elevado; o desequilíbrio entre o tempo para regular e o tempo do regulador - caracterizando o tempo de disponibilização das vagas como “inimigo” do regulador -; e a falta ou inadequação de informações relacionadas aos fluxos e modos de encaminhamento.

Por último, quanto às estratégias ou medidas que poderiam qualificar o processo de regulação, os reguladores indicaram: a qualificação dos profissionais, através de capacitações e treinamentos; melhorias na disponibilização e na clareza de informações relativas às ofertas assistenciais no SISREG; e o aumento da oferta de vagas e prestadores.

Discussão

Como ponto fundamental para a consolidação de qualquer modelo de atenção à saúde, a formação dos médicos para atuar de forma integral na Atenção Primária se destaca como um dos desafios e, no contexto do município do Rio de Janeiro, chama atenção o alto percentual de profissionais com formação em Medicina de Família e Comunidade entre os respondentes, sugerindo um cenário diferente da realidade nacional2222 Augusto DK, David L, Oliveira DOPS, Trindade TG, Lermen Junior N, Poli Neto P. Quantos médicos de família e comunidade temos no Brasil? Rev Bras Med Fam Comunidade 2018; 13(40):1-4..

Em relação ao número recomendado de usuários por equipe de Saúde da Família, que passou a ser de 2.000 a 3.500 pessoas, sem a recomendação média de 3.000 pessoas/equipe da PNAB anterior, destaca-se o alto percentual de equipes no município com mais de 4.000 usuários cadastrados, sugerindo reflexos importantes sobre o acesso e o processo de trabalho2323 Melo EA, Mendonça MHM, Oliveira JR, Andrade GCL. Mudanças na Política Nacional de Atenção Básica: entre retrocessos e desafios. Saude Debate 2018; 42(1):38-51..

Uma boa infraestrutura de informática das unidades é um dos principais requisitos para a utilização de sistemas informatizados descentralizados de regulação2424 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes para a implantação de complexos reguladores. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2010.. Os dados do 3º Ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), realizado em 2017, apontaram que 100% das Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município do Rio de Janeiro apresentavam, pelo menos, um computador em condições de uso em toda unidade, superior ao resultado do país (89,3%)2525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ-AB). Retratos da Atenção Primária à Saúde - 3º Ciclo do PMAQ-AB [Internet]. 2017 [acessado 2021 jan 29]. Disponível em: https://retratos.hmg.navi.ifrn.edu.br/.
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Ainda segundo o PMAQ-AB, a totalidade das UBS do município também tinha acesso à internet, sendo 97,37% com conexão funcionando de maneira contínua. O cenário nacional apresentou 74,03% e 85,67%, respectivamente2525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ-AB). Retratos da Atenção Primária à Saúde - 3º Ciclo do PMAQ-AB [Internet]. 2017 [acessado 2021 jan 29]. Disponível em: https://retratos.hmg.navi.ifrn.edu.br/.
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Os resultados do presente estudo, no entanto, indicam que, apesar da infraestrutura de informática ser considerada adequada para a realização das atividades de regulação, para mais da metade dos médicos reguladores respondentes, a conectividade apresenta problemas com frequên cia, relacionados à instabilidade e/ou lentidão do próprio sistema de regulação.

No questionário, a mamografia configurou entre os exames mais fáceis de realizar na área programática, corroborando com resultados do PMAQ-AB, onde 98,31% das equipes do Rio de Janeiro informaram que o exame é ofertado no município e possui acesso satisfatório, superior ao percentual do país, de 53,74%2525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ-AB). Retratos da Atenção Primária à Saúde - 3º Ciclo do PMAQ-AB [Internet]. 2017 [acessado 2021 jan 29]. Disponível em: https://retratos.hmg.navi.ifrn.edu.br/.
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Entre as especialidades mais difíceis de acessar na área programática, a oftalmologia e a cirurgia geral se apresentaram entre as três respostas mais frequentes no questionário. Em consonância com tal resultado, os achados de Pinto et al.77 Pinto LF, Soranz D, Scardua MT, Silva IM. A regulação municipal ambulatorial de serviços do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro: avanços, limites e desafios. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1257-1267. também apontaram a diminuição dos tempos de espera para estas especialidades como um dos maiores desafios para a SMS do Rio de Janeiro. É oportuno destacar a distinção entre fila de espera e tempo de espera, onde a solicitação por si só corresponde à inclusão do usuário na fila de potencial agendamento e o tempo de espera, por sua vez, considera o fluxo entre as datas de solicitação, de autorização e de execução da consulta e/ou exame especializado2626 Farias CML, Giovanella L, Oliveira AE, Santos Neto ET. Tempo de espera e absenteísmo na atenção especializada: um desafio para os sistemas universais de saúde. Saude Debate 2020; 43(n. esp. 5):190-204..

A partir da constatada dificuldade para se agendar cirurgias eletivas, desafio observado também em diversos países com sistema de saúde público e universal11 Hurst J, Siciliani L. Tackling excessive waiting times for elective surgery: a comparison of policies in twelve OECD countries. OECD Working Papers 6. Paris: OECD; 2003., há que se considerar elementos relacionados ao (re)dimensionamento e gestão da oferta, caracterizados como questões importantes no processo regulatório1010 Vilarins GCM, Shimizu HE, Gutierrez MMU. A Regulação em Saúde: aspectos conceituais e operacionais. Saude Debate 2012; 36(95):640-647..

Seguindo o panorama da maioria das capitais brasileiras, a maior parte da oferta de especialidades se encontra no próprio município. Desde 1993, o Rio de Janeiro assume uma subdivisão em áreas programáticas1616 Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: PMS 2014-2017. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Saúde; 2013., mas é frequente que o encaminhamento dos usuários para locais onde estão instalados os serviços especializados ultrapasse os limites da área programática77 Pinto LF, Soranz D, Scardua MT, Silva IM. A regulação municipal ambulatorial de serviços do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro: avanços, limites e desafios. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1257-1267..

Assim como apontado por Rocha1818 Rocha AP. Regulação assistencial ambulatorial no Município do Rio de Janeiro, RJ: efeitos da inserção da APS na regulação [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2015., Peiter et al.2727 Peiter CC, Lanzoni GMM, Oliveira WF. Regulação em saúde e promoção da equidade: o Sistema Nacional de Regulação e o acesso à assistência em um município de grande porte. Saude Debate 2016; 40(111):63-73., o SISREG se apresenta como principal ferramenta da regulação assistencial ambulatorial no município. Apesar de sua implementação ser identificada como um avanço na regulação do Rio de Janeiro, Pinto et al.77 Pinto LF, Soranz D, Scardua MT, Silva IM. A regulação municipal ambulatorial de serviços do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro: avanços, limites e desafios. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1257-1267. mencionam dificuldade de parametrização territorial entre as unidades que ofertam vagas e o local de residência da população, com possíveis implicações para a acessibilidade geográfica dos usuários. Conforme resultado do questionário, onde a maior parte dos respondentes destacou que o local de agendamento varia muito, de acordo com a especialidade ou exame, evidencia-se a problemática referente a pouca organização de serviços ambulatoriais de base regional2121 Silva JRS. Regulação assistencial e atenção básica em algumas experiências estudadas no Brasil [monografia]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2017.,2828 Dias MP. Estratégias de coordenação entre a atenção primária e secundária à saúde no município de Belo Horizonte [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2012.,2929 Canonici EL. Modelos de unidades e serviços para organização da atenção ambulatorial especializada em Sistemas Regionais de Atenção à Saúde. São Paulo: Proadi-SUS; 2014..

Na experiência de Belo Horizonte, Dias2828 Dias MP. Estratégias de coordenação entre a atenção primária e secundária à saúde no município de Belo Horizonte [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2012. destaca a organização regional da atenção especializada, caracterizada pelos Centros de Especialidades Médicas regionalizados, que diminui o deslocamento dos usuários e facilita a comunicação e integração com a Atenção Primária. No caso dos Centros de Especialidades Odontológicas Regionais no estado do Ceará, Silva Junior3030 Silva Junior CL. Implementação dos Centros de Especialidades Odontológicas Regionais no estado do Ceará, Brasil [dissertação]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2019. aponta reflexões sobre possíveis lacunas relacionadas aos paradoxos da regionalização, evidenciando desafios referentes à distribuição de vagas, garantia de transporte sanitário e regulação a partir da APS. Para além do caráter regional, Canonici2929 Canonici EL. Modelos de unidades e serviços para organização da atenção ambulatorial especializada em Sistemas Regionais de Atenção à Saúde. São Paulo: Proadi-SUS; 2014. reforça a integração com os demais níveis de atenção como importante elemento para organização das unidades/serviços especializados, de forma que a construção de mecanismos e estratégias para assegurar o cuidado integral corrobore o compromisso com os atributos que dão sustentabilidade ao papel da APS nas suas funções de longitudinalidade e coordenação do cuidado.

Diversos autores reforçam a associação do conceito de regulação ao princípio da equidade88 Gawryszewski ARB, Oliveira DC, Gomes AMT. Acesso ao SUS: representações e práticas de profissionais desenvolvidas nas Centrais de Regulação. Physis 2012; 22(1):119-140.,2727 Peiter CC, Lanzoni GMM, Oliveira WF. Regulação em saúde e promoção da equidade: o Sistema Nacional de Regulação e o acesso à assistência em um município de grande porte. Saude Debate 2016; 40(111):63-73.,3131 Albuquerque MSV, Lima LP, Costa AM, Melo Filho DA. Regulação Assistencial no Recife: possibilidades e limites na promoção do acesso. Saude Soc 2013; 22(1):223-236.. Tal princípio fundamenta-se na noção de justiça social e, especificamente no caso da saúde, tem no acesso um ponto importante de observação, seja como efetivação, seja como barreira. Ainda que acesso e equidade em saúde possam se referir mais a necessidades de saúde condicionadas socialmente, os modos de organização dos serviços podem influenciar o acesso e utilização dos mesmos. Considerando ideias centrais como acesso transparente, oportuno e equânime, o processo regulatório se apresenta como importante estratégia para compatibilizar a relação entre necessidade, demanda e oferta1010 Vilarins GCM, Shimizu HE, Gutierrez MMU. A Regulação em Saúde: aspectos conceituais e operacionais. Saude Debate 2012; 36(95):640-647.. Aliado a uma APS bem estruturada, como porta de entrada principal, busca-se gerenciar e qualificar o processo de priorização do acesso aos serviços assistenciais, de modo a garantir a efetivação da equidade no sistema de saúde, materializada por exemplo no tempo de acesso de acordo com a necessidade do usuário, e não apenas ou necessariamente segundo a ordem de chegada (ou de solicitação)2727 Peiter CC, Lanzoni GMM, Oliveira WF. Regulação em saúde e promoção da equidade: o Sistema Nacional de Regulação e o acesso à assistência em um município de grande porte. Saude Debate 2016; 40(111):63-73..

Segundo Peiter et al.2727 Peiter CC, Lanzoni GMM, Oliveira WF. Regulação em saúde e promoção da equidade: o Sistema Nacional de Regulação e o acesso à assistência em um município de grande porte. Saude Debate 2016; 40(111):63-73., compreender esta estreita relação entre a regulação do acesso à saúde e o princípio da equidade tende a motivar o desenvolvimento de atividades pelos profissionais reguladores com vistas ao alcance desse princípio. Soma-se a importância da realização de capacitações e treinamentos desses profissionais para desenvolver conhecimentos e habilidades necessários para a efetivação da equidade por meio da regulação em saúde, incluindo a atuação frente às demandas, definição de protocolos de acesso, classificação de critérios clínicos e correta manipulação do SISREG.

Em contraposição a isso, no estudo o desequilíbrio entre o tempo do regulador e o tempo da regulação foi apontado como um dos principais problemas desencadeados pelo modelo de regulação assumido pelo Rio de Janeiro. Os horários de disponibilização das vagas, associados à inexistência de cotas parametrizadas (por unidade ou por região) fomentam uma lógica de competição entre os reguladores das diferentes unidades, com consequências evidentes na sobrecarga destes profissionais, observada, por exemplo, pela quantidade de horas que dedicam à regulação, inclusive fora do expediente de trabalho. Além disso, o modo de disponibilização de vagas contribui para iniquidades de acesso entre usuários de diferentes unidades.

Porém, outro importante resultado do questionário aponta para os diversos tipos de ações executadas na regulação local. O envolvimento dos profissionais reguladores da APS em atividades de avaliação e gestão de filas de espera pode fortalecer as práticas de microrregulação nas Unidades Básicas de Saúde1414 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da atenção básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2017; 22 set. e a própria Atenção Primária como coordenadora do cuidado.

Em um contexto internacional, a análise da experiência chilena demonstra a necessidade de maiores avanços no protagonismo da Atenção Primária, onde as redes parecem orbitar ao redor dos grandes e potentes hospitais e destes, por sua vez, é de onde despontam as principais iniciativas de integração e coordenação do cuidado44 Almeida PF, Oliveira SC, Giovanella L. Integração de rede e coordenação do cuidado: o caso do sistema de saúde do Chile. Cien Saude Colet 2018; 23(7):2213-2227.. No sistema de saúde espanhol, a redução de tempos de espera ainda se mostra suscetível a melhorias e sinaliza para a importância de medidas complementares para o aumento da resolutividade da APS e da coordenação do sistema no âmbito da gestão e das práticas locais55 Conill EM, Giovanella L, Almeida PF. Lista de espera em sistemas públicos: da expansão da oferta para um acesso oportuno? Considerações a partir do Sistema Nacional de Saúde espanhol. Cien Saude Colet 2011; 16(6):2783-2794..

Para Starfield3232 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco, MS; 2002., o atributo de coordenação do cuidado pela Atenção Primária é essencial e seus desafios podem ser subdivididos: 1) no próprio estabelecimento de saúde, quando os usuários são vistos por vários membros da equipe e as informações a respeito do paciente são geradas em diferentes lugares (incluindo laboratórios e clínicas); 2) com outros especialistas chamados para fornecer aconselhamento ou intervenções de curta duração; e 3) com outros especialistas que tratam de um paciente específico por um longo período de tempo, devido à presença de um distúrbio específico. Diante disto, as práticas de microrregulação identificadas no estudo, ainda que insuficientes, podem contribuir para o fortalecimento da capacidade de coordenação do cuidado, especialmente se forem acompanhadas de ações capazes de interferir nas prioridades e tempos de acesso dos usuários à atenção especializada e nas interações com a mesma.

Silva2121 Silva JRS. Regulação assistencial e atenção básica em algumas experiências estudadas no Brasil [monografia]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2017., por sua vez, indica que os modelos de regulação ambulatorial apresentam variações no país, podendo ser descentralizado, parcialmente descentralizado e centralizado, considerando os diferentes graus de entrada da APS na regulação. Em Belo Horizonte, além dos reguladores descentralizados nos distritos do município, os coordenadores dos centros regionalizados também desempenham a função de regulação, responsáveis pela distribuição de cotas por unidades e pelo monitoramento das filas de espera2121 Silva JRS. Regulação assistencial e atenção básica em algumas experiências estudadas no Brasil [monografia]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2017.,2828 Dias MP. Estratégias de coordenação entre a atenção primária e secundária à saúde no município de Belo Horizonte [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2012.. Entre as experiências que também contam com reguladores descentralizados, Guarulhos apresenta reguladores nas regionais de saúde e destaca estratégias de integração da rede, como por exemplo, encontros entre profissionais de diferentes níveis2828 Dias MP. Estratégias de coordenação entre a atenção primária e secundária à saúde no município de Belo Horizonte [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2012.,3333 Giannotti E. A organização de processos regulatórios na gestão municipal de saúde e suas implicações no acesso aos serviços: um estudo de caso do município de Guarulhos [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2013.. Em Recife, ressalta-se a existência de centrais de regulação distritais e a aposta no apoio matricial de profissionais das policlínicas para a APS2828 Dias MP. Estratégias de coordenação entre a atenção primária e secundária à saúde no município de Belo Horizonte [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2012.,3131 Albuquerque MSV, Lima LP, Costa AM, Melo Filho DA. Regulação Assistencial no Recife: possibilidades e limites na promoção do acesso. Saude Soc 2013; 22(1):223-236.. O grau de descentralização da experiência carioca de regulação para a APS, como se pode ver, parece ser mais acentuado, em que pese os arranjos intermediários e de suporte mais evidentes nestas outras experiências.

As tecnologias de comunicação (principalmente representadas por aplicativo de mensagens) se destacaram no âmbito local e da rede no município, este último majoritariamente entre reguladores de diferentes unidades de APS e Núcleo Interno de Regulação da Coordenadoria de Área Programática. No entanto, contrariamente aos dados do PMAQ-AB, onde 89,38% das equipes do município relataram a existência de fluxo de comunicação institucionalizado com a atenção especializada2525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ-AB). Retratos da Atenção Primária à Saúde - 3º Ciclo do PMAQ-AB [Internet]. 2017 [acessado 2021 jan 29]. Disponível em: https://retratos.hmg.navi.ifrn.edu.br/.
https://retratos.hmg.navi.ifrn.edu.br...
, o presente estudo apontou baixíssima interação entre os profissionais da APS e da atenção especializada. Mendes e Almeida3434 Mendes LS, Almeida PF. Médicos da atenção primária e especializada conhecem e utilizam mecanismos de coordenação? Rev Saude Publica 2020; 54:121. destacam o WhatsApp como mecanismo de comunicação amplamente conhecido por médicos da atenção primária e especializada, mas chamam atenção para sua utilização apenas entre profissionais conhecidos, sinalizando que relações de proximidade se mostram necessárias à colaboração3535 Schot E, Tummers L, Noordegraaf M. Working on working together. A systematic review on how healthcare professionals contribute to interprofessional collaboration. J Interprof Care 2019; 22(1):11..

Sobre a utilização de tecnologias de comunicação e informação pelos reguladores, destaca-se não apenas a força da sua presença como também o caráter informal do uso de aplicativos de mensagens, operando de modo complementar aos sistemas formais de comunicação entre os atores da regulação. Cabe ainda destacar que, a despeito da existência de diretrizes e estratégias nacionais do Ministério da Saúde para integração entre Telessaúde e regulação na APS3636 Melo EA, Gomes GG, Carvalho JO, Pereira PHB, Guabiraba KPL. A regulação do acesso à atenção especializada e a Atenção Primária à Saúde nas políticas nacionais do SUS. Physis 2021; 31(1):e310109. e da existência de Telessaúde no município do Rio de Janeiro, tais aplicativos de comunicação, provavelmente por sua agilidade e por já serem utilizadas por tais atores para outros fins, parecem contribuir para a constituição de redes informais operadas pelos vários atores, com repercussões que devem ser mais exploradas em outros estudos e intervenções, inclusive considerando a necessidade de enfrentamento criativo das dificuldades de integração entre os serviços bem como os riscos de eventuais excessos de informalidade.

Rocha1818 Rocha AP. Regulação assistencial ambulatorial no Município do Rio de Janeiro, RJ: efeitos da inserção da APS na regulação [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2015. indica, como um dos entraves da regulação assistencial ambulatorial no Rio de Janeiro, o baixo investimento na aproximação da Atenção Primária com a atenção especializada, desencadeando um cenário de fragmentação da Rede e menor coordenação do cuidado, somado ainda aos elementos já mencionados referentes à organização dos serviços especializados.

Em um contexto marcado por desafios e preocupações referentes à integração da rede assistencial, principalmente entre a atenção primária e especializada3737 Giovanella L, Mendonça MHM, Almeida PF, Escorel S, Senna M, Fausto MCR, Delgado MM, Andrade CLT, Cunha MS, Martins MIC, Teixeira CP. Saúde da Família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Cien Saude Colet 2009; 14(3):783-794., o estudo de Almeida et al.3838 Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre os níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saude Publica 2010; 26(2):286-298. destaca a criação e fortalecimento de estruturas regulatórias no interior das Secretarias Municipais de Saúde e nas unidades de Saúde da Família com descentralização de funções para o nível local, organização dos fluxos, prontuários eletrônicos e ampliação da oferta de serviços especializados municipais como importantes estratégias de integração entre níveis assistenciais observadas em quatro grandes centros urbanos. Para Santos3939 Santos AM. Gestão do cuidado na microrregião de saúde de Vitória da Conquista (Bahia): desafios para constituição de rede regionalizada com cuidados coordenados pela Atenção Primária [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2013., estas estratégias também favorecem o papel de coordenação da Atenção Primária à Saúde. Considerando tais indicações, observa-se que na experiência estudada a forte descentralização da regulação ambulatorial não foi acompanhada, no mesmo nível, de dispositivos para (re)estruturação e funcionamento em rede, sobretudo no que se refere às interfaces entre atenção especializada e APS.

Conclusão

O presente estudo, em que pese limites da taxa de resposta e da sua heterogeneidade entre as regiões do município, aponta a factibilidade e contribuição do modelo descentralizado de regulação com entrada mais intensa da Atenção Primária. No Rio de Janeiro, isso se dá a partir das diversas atividades regulatórias exercidas pelos profissionais da APS, como a gestão da fila de espera e a comunicação dentro das unidades básicas e entre elas, favorecendo uma regulação com maior proximidade e conhecimento das necessidades dos usuários, o que pode favorecer uma ampliação parcial da capacidade de coordenação do cuidado pela APS.

No entanto, tal processo local de regulação descentralizada ainda apresenta importantes limites como o dimensionamento e gestão da oferta de alguns exames e especialidades, frágil organização da atenção especializada com base regional, competição por vagas entre unidades associada a iniquidades no acesso e sobrecarga de trabalho, além de baixa integração entre APS e atenção especializada. Tais elementos indicam a necessidade de investimento prioritário e intensivo por parte da gestão em relação a modificações no âmbito das práticas profissionais, na organização dos serviços e na arquitetura da regulação municipal.

Agradecimentos

Ao Programa Inova Fiocruz. À Mariana Ferra Botner, pela contribuição na realização do survey.

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  • Errata

    Ciência & Saúde Coletiva
    volume 27 número 6 - 2022
    No artigo A regulação ambulatorial na Atenção Primária do município do Rio de Janeiro, Brasil, a partir dos médicos reguladores locais, DOI: 10.1590/1413-81232022276.15702021
    p. 2492,
    onde se lê:
    Agradecimentos
    Ao Programa Inova Fiocruz. À Mariana Ferra Botner, pela contribuição na realização do survey.
    leia-se:
    Agradecimentos
    Ao Programa Inova Fiocruz e VDPI/Ensp. À Mariana Ferra Botner, pela contribuição na realização do survey.

Editado por

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2021
  • Aceito
    03 Nov 2021
  • Publicado
    05 Nov 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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