Acessibilidade / Reportar erro

Transição para a paternidade no período pré-natal: um estudo qualitativo

Resumo

Tornar-se pai exige um processo de desenvolvimento pessoal, reorientação interior e adaptação ao novo papel. A literatura sobre este processo tem sido parca, desvalorizando o quão desafiante e problemática pode ser a transição de se tornar pai. Este estudo, de caráter qualitativo, exploratório, descritivo, transversal e retrospetivo procurou compreender as vivências dos homens na transição para a paternidade durante o período pré-natal. Incluiu uma amostra de 10 homens a vivenciar, pela primeira vez, a gravidez da parceira. Recurso à entrevista semiestruturada como técnica de coleta de dados. Análise de dados com técnica de análise de conteúdo, com categorização semântica e abordagem indutiva. Como resultados, emergiram 3 temas: “experienciar da transição”, “desenvolvimento da identidade como pai” e “(des)construção de pontes para a transição”. Este estudo aprofunda a compreensão desta transição desenvolvimental e desafia a uma reestruturação dos cuidados pré-natais no sentido da inclusão da figura paterna.

Palavras-chave:
Homens; Pais; Gravidez; Enfermagem

Abstract

Becoming a father requires a process of personal development, inner reorientation, and adaptation to a new role. The literature on this process has been sparse, devaluing how challenging and problematic the transition to becoming a father can be. This qualitative, exploratory, descriptive, cross-sectional and retrospective study sought to understand the experiences of men in the transition to fatherhood during the prenatal period. It included a sample of 10 men experiencing, for the first time, a partner’s pregnancy. The data collection technique used was semi-structured interviews. The content analysis technique with semantic categorization and an inductive approach was used to analyze the data. As a result, 3 topics emerged: “experiencing the transition,” “development of the father identity” and “(de)constructing bridges for the transition”. This study deepens the understanding of this developmental transition and challenges the restructuring of prenatal care towards the inclusion of the father figure.

Key words:
Men; Fathers; Pregnancy; Nursing

Introdução

Historicamente, os homens têm sido considerados como secundários, e às vezes desnecessários, no processo de transição para a parentalidade, e as representações dos mídia disseminam e reforçam estas mensagens culturais11 Schmitz RM. Constructing men as fathers: A content analysis of formulations of fatherhood in parenting magazines. J Men's Stud 2016; 24(1):3-23.. Não obstante, a literatura evidencia que os homens fornecem contributos únicos nesta transição22 Jeynes WH. Meta-analysis on the roles of fathers in parenting: Are they unique? Marriage Fam Rev 2016; 52(7):665-688. e influenciam o crescimento/desenvolvimento e o bem-estar das crianças33 Cabrera NJ, Fitzgerald HE, Bradley RH, Roggman L. The ecology of father-child relationships: An expanded model. J Fam Theory Rev 2014; 6(4):336-354.. Na contemporaneidade, assiste-se a uma paternidade caracterizada por uma masculinidade mais afetuosa, de um pai mais envolvido na gravidez e no nascimento, e nos cuidados e educação aos filhos44 McGill BS. Navigating new norms of involved fatherhood: Employment, fathering attitudes, and father involvement. J Fam Issues 2014; 35(8):1089-1106.. Tais diferenças ressaltam um cenário de instabilidade face à parentalidade e às complexidades da vida familiar, e requerem uma reflexão ampla sobre o que significa ser pai e mãe no século XXI55 Banchefsky S, Park B. The "new father": Dynamic stereotypes of fathers. Psychol Men Masc 2016; 17(1):103-107..

Tornar-se pai é uma jornada desafiadora para o homem, um processo transformativo de metamorfose que começa durante a gravidez66 Kowlessar O, Fox JR, Wittkowski A. The pregnant male: a metasynthesis of first-time fathers' experiences of pregnancy. J Reprod Infant Psychol 2015; 33(2):106-127.. A gravidez é um período exigente em termos de reorganização psicológica do eu77 Genesoni L, Tallandini MA. Men's psychological transition to fatherhood: an analysis of the literature, 1989-2008. Birth 2009; 36(4):305-318. e é nesse período que começa o desejo de ser um bom pai88 Carlson J, Kendall A, Edleson JL. Becoming a good father: The developmental engine of first-time fatherhood. Father A J Theory, Res Pract about Men as Father 2015; 13(3):182-202.. O entusiasmo e a alegria que se experiencia pelo futuro nascimento de um filho é comumente trespassado pelo medo de se tornar pai, por sentir-se despreparado e inseguro face às expectativas da parceira acerca do seu papel de pai99 Hildingsson I, Johansson M, Fenwick J, Haines H, Rubertsson C. Childbirth fear in expectant fathers: findings from a regional Swedish cohort study. Midwifery 2014; 30(2):242-247..

Não estar preparado para esta transição pode ter implicações importantes no relacionamento do casal e da díade pai/filho, no desenvolvimento do bebê1010 Bawadi HA, Qandil AM, Al-Hamdan ZM, Mahallawi HH. The role of fathers during pregnancy: A qualitative exploration of Arabic fathers' beliefs. Midwifery 2016; 32:75-80. e em toda a família1111 May C, Fletcher R. Preparing fathers for the transition to parenthood: Recommendations for the content of antenatal education. Midwifery 2013; 29(5):474-478.. A literatura destaca que o envolvimento dos homens desde fases precoces da gravidez, além de promover o seu próprio bem-estar psicológico1212 Plantin L, Olukoya AA, Ny P. Positive health outcomes of fathers'involvment in pregnancy and childbirth paternal support: a scope study literature review. Fathering 2011; 9(1):87-102., se estende a todo o agregado familiar1111 May C, Fletcher R. Preparing fathers for the transition to parenthood: Recommendations for the content of antenatal education. Midwifery 2013; 29(5):474-478..

A enfermagem tem contribuído para o entendimento do conceito de transição numa perspectiva da vida e da saúde das pessoas, definindo-a como uma passagem ou movimento de um estado, condição ou lugar para outro1313 Chick N, Meleis AI. Transitions: A Nursing Concern. In: Meleis AI, editor. Transitions theory middle-range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York: Springer publishing company; 2010. p. 24-37., implicando que a pessoa chegue a um período de maior estabilidade1414 Meleis AI, Sawyer LM, Im E-O, Messias DKH, Schumacher KL. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. In: Meleis AI, editor. Transitions theory middle-range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York: Springer publishing company; 2010. p. 52-64.. O estudo das transições é particularmente relevante porque a vulnerabilidade das pessoas em transição pode repercutir-se na sua saúde e bem-estar. Na transição desenvolvimental da paternidade, em particular, além dos riscos que decorrem do processo de transição (como em qualquer outra), acresce a contingência da qualidade da interação e relação pai/filho poder, desde logo, ficar comprometida.

Esta investigação surge no contexto de aprofundamento deste fenômeno, procurando dar resposta à questão de investigação Como é vivenciado pelo homem o processo de transição parental, durante o período pré-natal?. Pretende-se compreender as vivências da transição para a paternidade, durante o período pré-natal, de pais pela primeira vez.

Métodos

Estudo exploratório, de carácter descritivo, transversal e retrospectivo, inserido num paradigma de investigação qualitativo. A pesquisa qualitativa permite a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva das pessoas sob investigação e a recolha de dados ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, possibilitando a acepção à riqueza da experiência humana1515 Bogdan RC, Biklen SK. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora; 2013., assumindo aqui o significado de uma função estruturante1616 Turato ER. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Rev Saude Publica 2005; 39(3):507-514..

O estudo foi desenvolvido com pais que se encontravam a realizar o Curso de Preparação para o Parto numa unidade de cuidados da região norte de Portugal. A escolha desta unidade de saúde teve subjacente um critério de conveniência, pela proximidade geográfica do local onde desenvolvemos a nossa prática profissional diária.

Os participantes obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: homens a vivenciar pela primeira vez a gravidez da parceira, no último trimestre de gravidez, em regime de coabitação e gestação sem patologia materno-fetal, e que aceitaram participar no estudo.

Participaram no estudo 10 homens, com idades compreendidas entre os 27 e os 40 anos, 8 casados e 2 a viverem em união de fato, com profissões diversificadas (2 empresários, 1 professor de educação física, 1 enfermeiro, 1 médico, 1 eletricista, 2 agentes imobiliários, 1 vendedor e 1 operário fabril) e grau de escolaridade variou entre o segundo ano de ensino médio e a licenciatura. As companheiras grávidas tinham idades gestacionais entre as 33 e 38 semanas, aquando da coleta de dados.

A representatividade da amostra foi determinada por saturação de dados1717 Fortin M. O processo de investigação: da concepção à prática. 3a ed. Loures: Lusociência; 2009..

A entrevista semiestruturada foi a técnica de coleta de dados selecionada. Permite uma margem considerável de movimentos dentro de sua estrutura, tendo o entrevistado liberdade de falar sobre o assunto e exprimir as suas opiniões1818 Bell J. Como realizar um projecto de investigação. Um guia para a pesquisa em Ciências Sociais e da Educação. Lisboa: Gradiva; 2002. e o entrevistador a possibilidade de reconduzir a entrevista cada vez que o entrevistado se afaste dos objetivos preconizados1919 Campenhoudt LV, Quivy R. Manual de investigação em ciências sociais. Lisboa: Gradiva Publicações; 2018..

A pergunta aberta usada para iniciar a entrevista foi: “Como tem sido a sua experiência desde o momento em que soube que seria pai?” Cada participante foi entrevistado apenas uma vez. As entrevistas aconteceram durante os meses de fevereiro a abril de 2017, no espaço onde decorria o Curso de Preparação para o Parto, local selecionado pelos participantes. As conversas foram gravadas usando um gravador de voz (dispositivo MP3). Concluída cada entrevista, a pesquisadora principal escreveu anotações de campo e transcreveu a gravação.

As entrevistas foram analisadas pela técnica de análise de conteúdo segundo Bardin2020 Bardin L. Análise de conteúdo. 4a ed. Lisboa: Edições 70; 2018., com categorização semântica e abordagem indutiva. No processo de análise de dados utilizamos o programa Qualitative Solutions Research (QSR) NVivo, versão 11.0.

Todos os participantes validaram as entrevistas e a precisão das interpretações. Dois investigadores externos reviram as interpretações e conclusões para garantir credibilidade.

Os princípios éticos foram cumpridos, nomeadamente o consentimento informado, a participação voluntária e o direito dos participantes de desistirem do estudo. A aprovação ética foi obtida pela Comissão Nacional de Proteção de Dados e pela Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde do Norte. Para salvaguardar o anonimato dos participantes, bem como a confidencialidade dos dados obtidos através deles, as entrevistas foram codificadas (E1 a E10) e destruídas após a conclusão desta investigação.

Resultados

“Experienciar da transição”, “Desenvolvimento da identidade como pai” e “(Des)construção de pontes para a transição” são os temas que emergem desta investigação, clarificando a transição desenvolvimental do tornar-se pai. Evidenciam o período pré-natal como momento chave da transição para a paternidade, marcado pela enorme exigência psíquica e emocional e afigurando-se como motor do desenvolvimento da identidade paterna. As categorias que integram cada um destes temas constam no Quadro 1.

Quadro 1
Temas e categorias resultantes da análise de dados.

Experienciar da transição

Experienciar da transição é um tema que descreve o percurso de organização e adaptação que o homem atravessa ao longo da gravidez, desde o período inicial de aceitação da realidade ao seu efetivo envolvimento na gravidez e ao desenvolvimento do sentimento de apego e pertença pelo feto, numa trajetória marcada por várias mudanças sentidas e respostas emocionais.

As ecografias e a percepção dos movimentos fetais destacam-se como acontecimentos chave desta experiência, promotores da aceitação da realidade, que permitem aos homens posicionarem-se num espaço emocional mais próximo da gravidez e do feto: Quando o vemos na ecografia, lá está, temos mais um reforço da realidade e de que realmente ele está a crescer [...] e se até agora havia aquela dúvida, com a ecografia é “ele existe mesmo”. E(4); começamos a sentir os próprios movimentos do bebê, os pontapés, o fato de colocarmos a mão na barriga da mãe e começarmos a sentir, eu acho que esse laço cada vez é mais forte E(2).

Os homens expressam o seu envolvimento na gestação demonstrando compromisso e responsabilidade e estando presente: Tenho participado 100% na gravidez, sem dúvida nenhuma, tenho ido às consultas todas. Tenho-me esforçado por ir a todas [...] porque é o meu filho, eu quero participar em tudo, eu quero ver tudo, não sei se num segundo filho será assim, mas neste momento é assim, eu quero ir e participar em tudo. Tenho participado nessas experiências todas, umas é para a coleta de sangue, outras é para as vacinas. E(9). Procuram zelar pela saúde e bem-estar da grávida, e encaram este cuidar extensível ao ser no útero: o que eu tento é fazer com que não falte nada às duas, cuidar da mãe para a filha também estar bem. E(6).

São várias as mudanças sentidas durante esta transição, que podem ser encaradas como estratégias preparatórias para o assumir do papel paterno. Integram mudanças comportamentais, que se refletem em decisões de cessação tabágica, condução mais cuidada, atitude mais defensiva nos desportos radicais ou outros cuidados consigo próprios, com o objetivo de assegurarem que estarão presentes na vida do filho: quando eu digo mudar comportamentos seja na estrada, seja na saúde, seja na vida pessoal, vem uma criança que vai precisar de mim durante muitos anos, de mim e da mãe, temos de estar lá enquanto a vida nos permitir. E(8); mudanças emocionais, vendo-se como mais sensíveis, calmos e felizes, fiquei mais ponderado e mais calmo porque eu sou uma pessoa muito estressada e por tudo e por nada começo a resmungar… fiquei mais ponderado, mais calminho também. E(3); mudanças físicas, refletidas em sintomas habitualmente associados à gravidez, como aumento de peso, náuseas, vômitos, cansaço e azia, Eu antes da gravidez era daqueles que levantava cedo para ir passear o meu cão e mesmo à noite, … agora pareço uma grávida, super cansado E(3); e mudanças que perpassam a vida social, tendo tradução nos reajustes que encetam para proporcionarem mais conforto à grávida ou disporem de mais tempo para estarem com ela: fui treinador de futebol durante 4 anos, agora saí porque a minha esposa está grávida, já foi uma coisa que tive de abdicar para estar mais com ela se não eram muitos dias fora, chegava sempre mais tarde E(5). As mudanças expectáveis após o nascimento do filho também são alvo de reflexão dos futuros pais, pois acreditam que ela [parceira] vai ficar mais voltada para a filha do que para mim, mas é normal que assim seja E(6).

As respostas emocionais reportadas são intensas e diversificadas, tornando a gravidez um período complexo e exigente do ponto de vista psicoemocional. Oscilam entre reações emocionais positivas, como alegria e felicidade, saber que ela estava grávida foi uma alegria, foi uma emoção bastante grande. E(7), e respostas emocionais negativas, como medo, ansiedade, insegurança e preocupação, A preocupação que me consome é mesmo a saúde da bebê, só quero que ela esteja bem. E(10). A metáfora “montanha russa de emoções” é bastante expressiva do quão forte, ambivalentes e intensas são as emoções experienciadas pelos homens durante a gravidez: É uma montanha russa de emoções, temos umas emoções em que estamos muito felizes porque estamos com o bebê, e sabemos que está grávida e ao mesmo tempo estamos sempre com medo que aconteça alguma coisa. E(9). Da panóplia de respostas emocionais que se situam no domínio negativo, as que mais ganham terreno na experiência dos homens é o medo de falhar enquanto pai e a ansiedade relacionada com a responsabilidade face a um ser dependente e o desejo de ter o filho nos braços e constatar que é saudável.

Desenvolvimento da identidade como pai

O tema desenvolvimento da identidade como pai captura a essência da jornada de desenvolvimento pessoal que o homem empreende ao longo da gravidez e que lhe vai permitir preparar-se para assumir novos papéis e novas responsabilidades. Neste processo, o homem faz uma avaliação de si mesmo, das suas experiências enquanto filho, e das suas responsabilidades e prioridades, abrindo a possibilidade para mudanças de valores e objetivos, incluindo os valores da vida profissional. Posiciona-se num espaço psicológico e social que lhe permite perspectivar a vida de uma forma diferente e encetar uma redefinição de valores e prioridades pessoais no contexto de ser pai, acho que começamos a olhar a nossa vida de um modo diferente, se calhar a dar prioridade a outras coisas que antes da gravidez não dávamos, nomeadamente no trabalho, às vezes focamos muito no trabalho e depois, quando sabemos que vamos ser pais, acho que começamos a pensar naquilo que temos de alterar na nossa vida E(2). O foco passa a ser a família e o bebê que está prestes a fazer parte da sua vida.

Quanto ao significado de papel paterno, sobressai uma acepção fortemente marcada pela atribuição de apoio à grávida e ao filho no útero, espelhando uma construção social em transformação: Eu acho que o homem tem de deixar de pensar que é aquela pessoa que só serve para ganhar dinheiro e para colocar dinheiro em casa mas eu acho que o homem tem que tentar perceber que é um elemento chave na experiência de uma gravidez e, portanto, deve estar muito próximo de todo este processo, inclusive no apoio da mãe e nos afetos à mãe e bebê. E(2). Destaca-se a representação de uma figura paterna muito presente na vida cotidiana da criança, ser pai é ser pai a tempo inteiro E(8), no educar, no amar e no afeto manifestado.

A gravidez despoleta o amadurecimento psicológico e o sentido de responsabilidade, eu sinto isso, mas é uma responsabilidade boa porque eu sempre quis ser pai E(1), e instiga o homem a uma reflexão sobre as experiências enquanto filho, tendo como premissa a construção cognitiva do modelo parental que deseja para o futuro. A construção da identidade enquanto pai é permeada pela história individual de cada homem e seus padrões familiares, seja para negá-los, confrontá-los ou confirmá-los: Penso muito nisso, penso na educação, penso no que foi a minha educação e naquilo que poderia ter sido diferente, e digamos que posso tentar evitar alguns erros, alguma coisa que podia ter sido melhor na minha e tentar agora fazer melhor para ele E(4). O desejo de uma experiência parental singular permanece, contudo, sempre presente.

Para alguns homens, o sentir-se pai emerge com a confirmação da gravidez, o primeiro teste, quando fizemos o primeiro teste senti ser pai, senti que há algo ali, é um ser ali. E(8), mas, para outros, apenas o parto, que ainda não aconteceu, mas está próximo, permitirá a fundação identitária, eu se calhar só me vou sentir completamente pai no dia em que a minha filha nascer. E(10).

(Des)construção de pontes para a transição

A (des)construção de pontes para a transição é um tema que procura explicitar as condições que favorecem ou, contrariamente, inibem a vivência de uma experiência de transição positiva pelos homens, ao longo do caminho para a paternidade.

A maioria dos homens do estudo reporta suporte recebido ao longo da gravidez e destaca, em primeiro lugar, o cônjuge como fonte de suporte: Sim, tenho recebido muito apoio da minha esposa e tenho dado apoio também. Isto é mútuo E(1). A família ganha também destaque no discurso dos homens tenho um círculo familiar que graças a Deus é muito forte [...] É um apoio mais emocional, aquele apoio que eu vou recebendo muitas vezes em tom de brincadeira até para descomprimir, temos até brincado com isso e até tem sido muito saudável essas brincadeiras porque, parece que não, mas nós vamos interiorizando. E(9), assim como os amigos que se preocupam com o bem-estar nesta transição: Os amigos também fazem parte desse leque de pessoas que se preocupam, tenho amigos que até todas as semanas enviam mensagem [...] são muito importantes, nesta caminhada que a gente está a percorrer E(5).

No sentido de se prepararem para a paternidade, os futuros pais investem na busca de conhecimento. Procuram informação na internet, Realmente senti necessidade de procurar informação na internet sobre a sexualidade na gravidez. Se podemos, se devemos ou não, os cuidados a ter. Sim, senti necessidade de procurar informação, tive dúvidas sim. E(4); em livros, eu já estou a ler desde que sei que vou ser pai, há coisas que eu estou a ouvir aqui que sei [...] talvez por estar a ler alguns livros não sinto falta de informação porque já a tenho do outro lado, talvez isso. E(6), e também buscam informação junto dos amigos que já são pais, permitindo-lhes antecipar mudanças que irão acontecer e tornar a vivência da gravidez mais tranquila: Tenho alguns amigos que já são pais e outros são da área da saúde e com eles tento retirar o máximo de informação [...] isso vai nos ajudando para que o caminho da gravidez seja visto de uma forma mais calma, se não procuramos informação, se não nos preocupamos com nada e se acontece alguma coisa vemo-nos entre a espada e a parede e é assustador. E(9).

A maioria dos homens refere ter alguma experiência prévias com bebês, não só em termos de interação, mas também de prestação de cuidados diretos, e esse conhecimento experiencial fá-los sentirem-se mais capacitados para o desempenho do papel de pai: eu como tive sempre sobrinhos que frequentaram a casa dos meus pais [...] e fazia-lhes tudo, desde mudar a fralda, dar-lhes a papa, dar-lhes mamadeiras e passeá-los [...] Claro, aí tenho outra bagagem, tenho outra preparação nesse sentido, preparação que muitas pessoas não têm. E(3). Experiências muito limitadas ou a ausência de experiências do cuidar de crianças também são descritas por alguns participantes, despertando ansiedade na transição para a paternidade: Realmente não tenho essa experiência de tomar conta de bebês, de ficar a meu encargo. A relação que tenho é de ficar um bocadinho, mas não ficar responsável por eles e realmente, pronto, provoca mais ansiedade por causa disso. E(4).

O fato de se tratar de uma primeira gravidez não favorece que os homens se sintam preparados para serem pais, pois ninguém está preparado para ser pai, pelo menos pela primeira vez acho que ninguém está, ninguém sabe o que é que é, a gente só sabe aquilo que nos dizem E(6). Perspectivar o filho como um objetivo de vida, ou seja, fruto do desejo e planejamento da gravidez propicia a construção de pontes para a transição e impulsiona motivação para a superar. O significado atribuído à transição é indubitavelmente positivo; o adjetivo que mais caracteriza a transição para a paternidade é “bom”: um pedaço de mim vai nascer e eu acredito mesmo que ter uma filha será muito bom, apesar das dificuldades que acredito que também terei. E(1), o que favorece a fundação de expectativas positivas acerca do processo de tornar-se pai.

A experiência dos homens durante as consultas de vigilância pré-natal é descrita pelos participantes como sendo de exclusão da figura paterna. Realçam um discurso profissional voltado para a mulher, sendo o homem deixado de parte: acho que faz parte também, um bocadinho, aos médicos darem um discurso um bocadinho centrado também para os pais, e não fazem isso. Realmente há pais que não têm noção do que é ter um filho ou o que poderá vir a ser [...] Claro que tem de haver sempre alguma coisa para o pai, acho eu, mas nem sempre há. E(3).

A distância sentida face aos profissionais de saúde e cuidados que prestam faz com que o homem se caracterize como a “personagem” secundária da história: sinto que estou ali a fazer o meu papel de pai, e que olham para mim como alguém que está ao lado da mãe apenas, não tenho outro tipo de participação [...] na prática nós somos mesmo a personagem secundária da história E(7). Apresentam, por isso, algumas sugestões de melhoria para se poderem sentir efetivamente envolvidos na vigilância pré-natal. Uma das mais importantes prende-se com os horários das consultas, reconhecendo que não favorecem a presença masculina, mesmo que haja vontade de participação: Mais uma vez é os horários, ou é de manhã ou durante a manhã, ou durante a tarde [...] Gostava, claro que gostava, mas não dá, e depois ela lá me vai passando as informações e eu gosto de a ouvir E(8).

Discussão

Este estudo destaca o período pré-natal como um propulsor do desenvolvimento da identidade paterna. Durante a gravidez os futuros pais empreendem um exercício reflexivo no que se reporta ao modelo parental que desejam para o futuro. A experiência de infância incita-os a seguir o modelo educacional de seus pais quando percepcionam que a educação recebida foi positiva mas, sobretudo, os homens desejam ser diferentes e melhores para o filho do que os seus próprios pais tinham sido para eles. A literatura confirma que a construção da identidade paterna é influenciada pelas experiências da infância e pela presença ou ausência de figuras paternas na vida da criança2121 East L, Jackson D, Power T, Woods A, Hutchinson M. "Holes in my memories": a qualitative study of men affected by father absence. Issues Ment Health Nurs 2014; 35(8):604-612.. A percepção de uma experiência inadequada ou insatisfatória com o seu próprio pai impulsiona o homem a adoptar um relacionamento mais próximo com o seu próprio filho2222 Habib C. The transition to fatherhood: A literature review exploring paternal involvement with identity theory. J Fam Stud 2012; 18(2-3):103-120.. Esta reflexão sobre a infância constitui uma reação normal face à paternidade iminente e permite solidificar a autoimagem mental do tipo de pai que o homem pretende vir a ser66 Kowlessar O, Fox JR, Wittkowski A. The pregnant male: a metasynthesis of first-time fathers' experiences of pregnancy. J Reprod Infant Psychol 2015; 33(2):106-127.. Favorece o ajuste psicológico ao papel paterno e irá influenciar o estilo parental futuro2323 Chin R, Hall P, Daiches A. Fathers' experiences of their transition to fatherhood: a metasynthesis. J Reprod Infant Psychol 2011; 29(1):4-18.

24 Herland MD, Hauge M-I, Helgeland IM. Balancing fatherhood: Experiences of fatherhood among men with a difficult past. Qual Soc Work 2015; 14(2):242-258.
-2525 East L, Hutchinson M, Power T, Jackson D. "Being a father": constructions of fatherhood by men with absent fathers. J Fam Stud [serial on the Internet] 2018 Apr [cited 2020 Apr 14]: [about 11 p.]. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/pdf/ 10.1080/13229400.2018.1459308?needAccess=true
https://www.tandfonline.com/doi/pdf/ 10....
. A construção da identidade enquanto pai envolve um complexo trabalho subjetivo, consciente e inconsciente, de elaborar as heranças recebidas dos próprios pais e decidir se as transmitirá aos filhos2525 East L, Hutchinson M, Power T, Jackson D. "Being a father": constructions of fatherhood by men with absent fathers. J Fam Stud [serial on the Internet] 2018 Apr [cited 2020 Apr 14]: [about 11 p.]. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/pdf/ 10.1080/13229400.2018.1459308?needAccess=true
https://www.tandfonline.com/doi/pdf/ 10....
,2626 Castoldi L, Gonçalves TR, Lopes RCS. Envolvimento paterno da gestação ao primeiro ano de vida do bebê. Psicol em Estud 2014; 19(2):247-259..

No desenvolvimento da identidade paterna, testemunhamos a reformulação de valores e prioridades dos homens, o que também encontra reflexo noutras pesquisas66 Kowlessar O, Fox JR, Wittkowski A. The pregnant male: a metasynthesis of first-time fathers' experiences of pregnancy. J Reprod Infant Psychol 2015; 33(2):106-127.,2727 Sansiriphun N, Kantaruksa K, Klunklin A, Baosuang C, Jordan P. Thai men becoming a first-time father. Nurs Health Sci 2010; 12(4):403-409.. Questionam a própria definição de paternidade e abrem a possibilidade a uma nova concepção e forma de vivenciar a paternidade, com maior intensidade afetiva. Os afetos foram transversais aos relatos dos entrevistados, sendo expectável que possam ocupar, no exercício parental, um lugar mais confortável na esfera domiciliar, outrora ocupada apenas pela mulher/mãe. No que se reporta ao incremento da responsabilidade e amadurecimento psicológico em resposta à paternidade iminente, a literatura destaca que a percepção do significado da paternidade pode desempenhar um papel fundamental no desempenho das responsabilidades paternas2828 Tehrani SG, Bazzazian S, Nayeri ND. Pregnancy experiences of first-time fathers in Iran: a qualitative interview study. Iran Red Crescent Med J [serial on the Internet] 2015 Feb [cited 2020 Apr 14]; 17(2): [about 5 p.]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4376989/pdf/ircmj-17-02-12271.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
e que o amadurecimento é motivado pela dependência que filho terá na satisfação das suas necessidades2929 Santos SC, Kreutz CM. O envolvimento do pai na gestação do primeiro filho. Pensando Fam 2014; 18(2):62-76..

As ecografias e os movimentos fetais foram destacadas pelos homens como experiências poderosas na confirmação e aceitação da gravidez. Em particular, a ecografia permite uma percepção rica da realidade do bebê e estimula a rápida expansão de pensamentos e sentimentos sobre como se tornar num pai3030 Walsh TB, Tolman RM, Davis RN, Palladino CL, Romero VC, Singh V. Moving up the "magic moment": Fathers' experience of prenatal ultrasound. Fathering 2014; 12(1):18-37.. Isto representa uma mudança transicional significativa, em que os homens se movem de um espaço emocionalmente distante e passam a se sentir mais envolvidos na gravidez3131 Kowlessar O. A qualitative exploration of men's transition to fatherhood and experiences of early parenting [tese]. Manchester: University of Manchester; 2012., sendo esses momentos considerados, pelo autor, como eventos chave na transição para a paternidade.

O desejo de envolvimento na gravidez, demonstrado no presente estudo, vai ao encontro dos achados de Kaye et al.3232 Kaye DK, Kakaire O, Nakimuli A, Osinde MO, Mbalinda SN, Kakande N. Male involvement during pregnancy and childbirth: men's perceptions, practices and experiences during the care for women who developed childbirth complications in Mulago Hospital, Uganda. BMC Pregnancy Childbirth [serial on the Internet] 2014 Jan [cited 2020 Apr 14]; 14(1): [about 8 p.]. Available from: https://link.springer.com/content/pdf/10.1186/1471-2393-14-54.pdf
https://link.springer.com/content/pdf/10...
, no qual os homens elencam as características de um pai ideal no contexto da gravidez e do parto. Descrevem-no como acessível (presente, disponível) e responsável (preocupado com a mulher, cuidador e protetor), um pai que espera e quer se envolver, se preocupa com a gravidez e com o futuro filho, e quer ser apoiado pelo sistema de saúde para cumprir o seu papel.

Este estudo corrobora, também, a gravidez como um período complexo e exigente do ponto de vista psicoemocional3333 Poh HL, Koh SSL, He H. An integrative review of fathers' experiences during pregnancy and childbirth. Int Nurs Rev 2014; 61(4):543-554.. As reações emocionais reportadas foram intensas e ambivalentes, achados consistentes com outras investigações, que evidenciam vivências masculinas da gravidez caracterizadas por sentimentos mistos de admiração, descrença, ansiedade, medo e insegurança, além de sentimentos de felicidade, emoção, alegria e orgulho2828 Tehrani SG, Bazzazian S, Nayeri ND. Pregnancy experiences of first-time fathers in Iran: a qualitative interview study. Iran Red Crescent Med J [serial on the Internet] 2015 Feb [cited 2020 Apr 14]; 17(2): [about 5 p.]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4376989/pdf/ircmj-17-02-12271.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
,3434 Baldwin S, Malone M, Sandall J, Bick D. Mental health and wellbeing during the transition to fatherhood: a systematic review of first time fathers' experiences. JBI database Syst Rev Implement reports 2018; 16(11):2118-2191.,3535 Philpott LF, Fitzgerald S, Leahy-Warren P, Savage E. Stress in fathers in the perinatal period: A systematic review. Midwifery 2017; 55:113-127.. A ansiedade cresce à medida que o nascimento se aproxima. Níveis elevados de ansiedade e sintomas depressivos durante a gravidez são os preditores mais significativos de depressão em homens no período pós-natal3636 Ramchandani PG, O'Connor TG, Evans J, Heron J, Murray L, Stein A. The effects of pre-and postnatal depression in fathers: a natural experiment comparing the effects of exposure to depression on offspring. J Child Psychol Psychiatry 2008; 49(10):1069-1078., destacando a necessidade de maior apoio aos homens no período pré e pós-natal. Convém, contudo, ressalvar que os homens são socializados para não pedirem ajuda e o quão difícil poderá ser fazê-lo durante um período em que acreditam que precisam apoiar e prover a sua parceira. A literatura é unânime ao salientar que os homens sofrem dificuldades psicológicas no período perinatal, mas internamente questionam a legitimidade das suas experiências, apresentando-se, muitas vezes, relutantes em expressar as suas necessidades de suporte ou procurar ajuda face às suas preocupações. Receiam que esse fato possa prejudicar a satisfação das necessidades das suas parceiras por parte dos profissionais de saúde3737 Darwin Z, Galdas P, Hinchliff S, Littlewood E, McMillan D, McGowan L, on behalf of the Born and Bred in Yorkshire (BaBY) team. Fathers' views and experiences of their own mental health during pregnancy and the first postnatal year: a qualitative interview study of men participating in the UK Born and Bred in Yorkshire (BaBY) cohort. BMC Pregnancy Childbirth [serial on the Internet] 2017 Jan [cited 2020 Apr 14]; 17(1): [about 15 p.]. Available from: https://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12884-017-1229-4
https://bmcpregnancychildbirth.biomedcen...
.

A literatura reforça que as mudanças comportamentais, emocionais, físicas e sociais experienciadas pelos homens em resposta à gravidez da parceira sinalizam a compreensão da sua responsabilidade e um compromisso precoce para com o bem-estar da sua família3838 Fletcher R, May C, St George J. Fathers prenatal relationship with their baby and her pregnancy - implications for antenatal education. Int J Birth Parent Educ 2014; 1(3):23-27.

39 Poh HL, Koh SSL, Seow HCL, He H-G. First-time fathers' experiences and needs during pregnancy and childbirth: A descriptive qualitative study. Midwifery 2014; 30(6):779-787.

40 Villamor NJE, Guzman AB, Matienzo ET. The Ebb and flow of Filipino first-time fatherhood transition space: a grounded theory study. Am J Mens Health 2016; 10(6):NP51-NP62.
-4141 Widarsson M, Kerstis B, Sundquist K, Engström G, Sarkadi A. Support needs of expectant mothers and fathers: a qualitative study. J Perinat Educ 2012; 21(1):36-44.. A rede de apoio familiar, da parceira e dos amigos, como provedores de suporte emocional, informativo e tangível4141 Widarsson M, Kerstis B, Sundquist K, Engström G, Sarkadi A. Support needs of expectant mothers and fathers: a qualitative study. J Perinat Educ 2012; 21(1):36-44.,4242 Forsyth C, Skouteris H, Wertheim EH, Paxton SJ, Milgrom J. Men's emotional responses to their partner's pregnancy and their views on support and information received. Aust New Zeal J Obstet Gynaecol 2011; 51(1):53-56., torna-se assim crucial na facilitação deste processo transicional4343 Barimani M, Vikström A, Rosander M, Forslund Frykedal K, Berlin A. Facilitating and inhibiting factors in transition to parenthood - ways in which health professionals can support parents. Scand J Caring Sci 2017; 31(3):537-546..

Durante o processo gravídico, os homens assumem uma postura pró-ativa e tentam envolver-se, mas encontram obstáculos e não pontes para a sua transição. A atitude que permeia os serviços pré-natais é, na perspectiva dos futuros pais, uma prática pouco inclusiva da figura paterna. Sentem-se excluídos pelos profissionais de saúde, que concentram os seus cuidados na mulher e no feto, não os reconhecendo como parceiros iguais em transição, tal como se comprova em outras pesquisas4444 Åsenhed L, Kilstam J, Alehagen S, Baggens C. Becoming a father is an emotional roller coaster - an analysis of first-time fathers' blogs. J Clin Nurs 2014; 23(9-10):1309-1317.

45 Fenwick J, Bayes S, Johansson M. A qualitative investigation into the pregnancy experiences and childbirth expectations of Australian fathers-to-be. Sex Reprod Healthc 2012; 3(1):3-9.

46 Widarsson M, Engström G, Tydén T, Lundberg P, Hammar LM. 'Paddling upstream': Fathers' involvement during pregnancy as described by expectant fathers and mothers. J Clin Nurs 2015; 24(7-8):1059-1068.
-4747 Johnsen H, Stenback P, Halldén B-M, Crang Svalenius E, Persson EK. Nordic fathers' willingness to participate during pregnancy. J Reprod Infant Psychol 2017; 35(3):223-235..

Homens que são reconhecidos na sua nova posição de futuros pais e experienciam apoio emocional durante a gravidez apresentam melhor saúde física e psicológica1212 Plantin L, Olukoya AA, Ny P. Positive health outcomes of fathers'involvment in pregnancy and childbirth paternal support: a scope study literature review. Fathering 2011; 9(1):87-102.. O envolvimento ativo dos homens na gravidez está associado a benefícios a longo prazo, quer a nível da saúde, quer social para a mãe, o bebê e a família3333 Poh HL, Koh SSL, He H. An integrative review of fathers' experiences during pregnancy and childbirth. Int Nurs Rev 2014; 61(4):543-554.,4848 Steen M, Downe S, Bamford N, Edozien L. Not-patient and not-visitor: a metasynthesis fathers' encounters with pregnancy, birth and maternity care. Midwifery 2012; 28(4):422-431.,4949 Alio AP, Lewis CA, Scarborough K, Harris K, Fiscella K. A community perspective on the role of fathers during pregnancy: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth [serial on the Internet] 2013 March [cited 2020 Apr 14]; 13(60): [about 11 p.]. Available from: https://link.springer.com/content/pdf/10.1186/1471-2393-13-60.pdf
https://link.springer.com/content/pdf/10...
, e está fortemente correlacionado com um envolvimento direto dos homens nos cuidados infantis no pós-parto5050 Zvara BJ, Schoppe-Sullivan SJ, Dush CK. Fathers' involvement in child health care: associations with prenatal involvement, parents' beliefs, and maternal gatekeeping. Fam Relat 2013; 62(4):649-661.. Responder às necessidades dos homens durante a gravidez pode funcionar como uma intervenção precoce para o sistema familiar e de redução do custo financeiro para os serviços de saúde a longo prazo66 Kowlessar O, Fox JR, Wittkowski A. The pregnant male: a metasynthesis of first-time fathers' experiences of pregnancy. J Reprod Infant Psychol 2015; 33(2):106-127..

Pese embora seja clara a evidência dos ganhos, a vários níveis, do envolvimento precoce do homem no pré-natal, a sua transferibilidade para a prática clínica dos profissionais de saúde não se confirma, perpetuando os homens invisíveis nos cuidados pré-natais. Aquilo que se exige ao homem moderno - uma maior sensibilidade e o exercício de uma paternidade mais responsável e participativa - não encontra reflexo nas práticas clínicas, que continuam a criar linhas de fragilização no exercício da paternidade. A lente estereotipada com que é encarado traduz-se numa prática baseada no gênero, com discriminação masculina5151 Silva C, Martins C, Pinto, C. Tornar-se pai: uma exploração qualitativa da experiência dos homens portugueses. In: Atas do 8º Congresso Ibero-Americano em investigação qualitativa: investigação qualitativa na saúde; 2019; Lisboa. p. 675-684..

À luz da teoria das transições1414 Meleis AI, Sawyer LM, Im E-O, Messias DKH, Schumacher KL. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. In: Meleis AI, editor. Transitions theory middle-range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York: Springer publishing company; 2010. p. 52-64., as práticas clínicas que excluem a figura paterna podem ser perspectivadas como fatores inibidores da transição para a paternidade, podendo afetar a percepção de segurança para a assunção das funções de pai. Em contrapartida, práticas inclusivas têm o potencial de aumentar a confiança, diminuir o medo e aumentar a resiliência dos futuros pais face à incerteza e à adversidade, sendo, assim, promotoras de uma transição mais positiva. Famílias saudáveis, e os papéis paternos desempenhados dentro das mesmas, não acontecem por acaso, mas dependem de habilidades relacionais, maturação psicológica, modelos adequados e ambientes estimulantes, que podem e devem desenvolver-se ao longo da gravidez.

Os profissionais de saúde podem ser elos promotores de uma transição para a paternidade mais positiva. Como muitas das respostas emocionais experienciadas pelos homens são delicadas e constrangedoras, os profissionais deverão dispor de sensibilidade e de um conjunto de competências e habilidades comunicacionais e interpessoais para conseguirem apoiar efetivamente os homens em transição. No âmbito dos cuidados de saúde, há que incluir o homem como foco de atenção.

Como limitações do estudo, importa salvaguardar que seu cariz qualitativo não permite a generalização dos resultados, remetendo-nos para uma realidade contextual. O fato de a amostra ser constituída apenas por pais cujas companheiras frequentaram o Cuso de Preparação para a Parto não nos permite saber se os pais com companheiras que não o frequentem têm as mesmas vivências, pelo que, a título de sugestão, seria pertinente alargar o estudo a esta população de pais. Estudos comparativos com pais pela primeira vez e pais com experiência poderiam ser também desenvolvidos, assim como poderia ser alargada a investigação a outros estádios do processo de transição para a paternidade, numa lógica longitudinal. Outra linha de pesquisa futura poderia explorar, na perspectiva dos profissionais de saúde, os motivos da exclusão da figura paterna do período pré-natal.

Referências

  • 1
    Schmitz RM. Constructing men as fathers: A content analysis of formulations of fatherhood in parenting magazines. J Men's Stud 2016; 24(1):3-23.
  • 2
    Jeynes WH. Meta-analysis on the roles of fathers in parenting: Are they unique? Marriage Fam Rev 2016; 52(7):665-688.
  • 3
    Cabrera NJ, Fitzgerald HE, Bradley RH, Roggman L. The ecology of father-child relationships: An expanded model. J Fam Theory Rev 2014; 6(4):336-354.
  • 4
    McGill BS. Navigating new norms of involved fatherhood: Employment, fathering attitudes, and father involvement. J Fam Issues 2014; 35(8):1089-1106.
  • 5
    Banchefsky S, Park B. The "new father": Dynamic stereotypes of fathers. Psychol Men Masc 2016; 17(1):103-107.
  • 6
    Kowlessar O, Fox JR, Wittkowski A. The pregnant male: a metasynthesis of first-time fathers' experiences of pregnancy. J Reprod Infant Psychol 2015; 33(2):106-127.
  • 7
    Genesoni L, Tallandini MA. Men's psychological transition to fatherhood: an analysis of the literature, 1989-2008. Birth 2009; 36(4):305-318.
  • 8
    Carlson J, Kendall A, Edleson JL. Becoming a good father: The developmental engine of first-time fatherhood. Father A J Theory, Res Pract about Men as Father 2015; 13(3):182-202.
  • 9
    Hildingsson I, Johansson M, Fenwick J, Haines H, Rubertsson C. Childbirth fear in expectant fathers: findings from a regional Swedish cohort study. Midwifery 2014; 30(2):242-247.
  • 10
    Bawadi HA, Qandil AM, Al-Hamdan ZM, Mahallawi HH. The role of fathers during pregnancy: A qualitative exploration of Arabic fathers' beliefs. Midwifery 2016; 32:75-80.
  • 11
    May C, Fletcher R. Preparing fathers for the transition to parenthood: Recommendations for the content of antenatal education. Midwifery 2013; 29(5):474-478.
  • 12
    Plantin L, Olukoya AA, Ny P. Positive health outcomes of fathers'involvment in pregnancy and childbirth paternal support: a scope study literature review. Fathering 2011; 9(1):87-102.
  • 13
    Chick N, Meleis AI. Transitions: A Nursing Concern. In: Meleis AI, editor. Transitions theory middle-range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York: Springer publishing company; 2010. p. 24-37.
  • 14
    Meleis AI, Sawyer LM, Im E-O, Messias DKH, Schumacher KL. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. In: Meleis AI, editor. Transitions theory middle-range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York: Springer publishing company; 2010. p. 52-64.
  • 15
    Bogdan RC, Biklen SK. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora; 2013.
  • 16
    Turato ER. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Rev Saude Publica 2005; 39(3):507-514.
  • 17
    Fortin M. O processo de investigação: da concepção à prática. 3a ed. Loures: Lusociência; 2009.
  • 18
    Bell J. Como realizar um projecto de investigação. Um guia para a pesquisa em Ciências Sociais e da Educação. Lisboa: Gradiva; 2002.
  • 19
    Campenhoudt LV, Quivy R. Manual de investigação em ciências sociais. Lisboa: Gradiva Publicações; 2018.
  • 20
    Bardin L. Análise de conteúdo. 4a ed. Lisboa: Edições 70; 2018.
  • 21
    East L, Jackson D, Power T, Woods A, Hutchinson M. "Holes in my memories": a qualitative study of men affected by father absence. Issues Ment Health Nurs 2014; 35(8):604-612.
  • 22
    Habib C. The transition to fatherhood: A literature review exploring paternal involvement with identity theory. J Fam Stud 2012; 18(2-3):103-120.
  • 23
    Chin R, Hall P, Daiches A. Fathers' experiences of their transition to fatherhood: a metasynthesis. J Reprod Infant Psychol 2011; 29(1):4-18.
  • 24
    Herland MD, Hauge M-I, Helgeland IM. Balancing fatherhood: Experiences of fatherhood among men with a difficult past. Qual Soc Work 2015; 14(2):242-258.
  • 25
    East L, Hutchinson M, Power T, Jackson D. "Being a father": constructions of fatherhood by men with absent fathers. J Fam Stud [serial on the Internet] 2018 Apr [cited 2020 Apr 14]: [about 11 p.]. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/pdf/ 10.1080/13229400.2018.1459308?needAccess=true
    » https://www.tandfonline.com/doi/pdf/ 10.1080/13229400.2018.1459308?needAccess=true
  • 26
    Castoldi L, Gonçalves TR, Lopes RCS. Envolvimento paterno da gestação ao primeiro ano de vida do bebê. Psicol em Estud 2014; 19(2):247-259.
  • 27
    Sansiriphun N, Kantaruksa K, Klunklin A, Baosuang C, Jordan P. Thai men becoming a first-time father. Nurs Health Sci 2010; 12(4):403-409.
  • 28
    Tehrani SG, Bazzazian S, Nayeri ND. Pregnancy experiences of first-time fathers in Iran: a qualitative interview study. Iran Red Crescent Med J [serial on the Internet] 2015 Feb [cited 2020 Apr 14]; 17(2): [about 5 p.]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4376989/pdf/ircmj-17-02-12271.pdf
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4376989/pdf/ircmj-17-02-12271.pdf
  • 29
    Santos SC, Kreutz CM. O envolvimento do pai na gestação do primeiro filho. Pensando Fam 2014; 18(2):62-76.
  • 30
    Walsh TB, Tolman RM, Davis RN, Palladino CL, Romero VC, Singh V. Moving up the "magic moment": Fathers' experience of prenatal ultrasound. Fathering 2014; 12(1):18-37.
  • 31
    Kowlessar O. A qualitative exploration of men's transition to fatherhood and experiences of early parenting [tese]. Manchester: University of Manchester; 2012.
  • 32
    Kaye DK, Kakaire O, Nakimuli A, Osinde MO, Mbalinda SN, Kakande N. Male involvement during pregnancy and childbirth: men's perceptions, practices and experiences during the care for women who developed childbirth complications in Mulago Hospital, Uganda. BMC Pregnancy Childbirth [serial on the Internet] 2014 Jan [cited 2020 Apr 14]; 14(1): [about 8 p.]. Available from: https://link.springer.com/content/pdf/10.1186/1471-2393-14-54.pdf
    » https://link.springer.com/content/pdf/10.1186/1471-2393-14-54.pdf
  • 33
    Poh HL, Koh SSL, He H. An integrative review of fathers' experiences during pregnancy and childbirth. Int Nurs Rev 2014; 61(4):543-554.
  • 34
    Baldwin S, Malone M, Sandall J, Bick D. Mental health and wellbeing during the transition to fatherhood: a systematic review of first time fathers' experiences. JBI database Syst Rev Implement reports 2018; 16(11):2118-2191.
  • 35
    Philpott LF, Fitzgerald S, Leahy-Warren P, Savage E. Stress in fathers in the perinatal period: A systematic review. Midwifery 2017; 55:113-127.
  • 36
    Ramchandani PG, O'Connor TG, Evans J, Heron J, Murray L, Stein A. The effects of pre-and postnatal depression in fathers: a natural experiment comparing the effects of exposure to depression on offspring. J Child Psychol Psychiatry 2008; 49(10):1069-1078.
  • 37
    Darwin Z, Galdas P, Hinchliff S, Littlewood E, McMillan D, McGowan L, on behalf of the Born and Bred in Yorkshire (BaBY) team. Fathers' views and experiences of their own mental health during pregnancy and the first postnatal year: a qualitative interview study of men participating in the UK Born and Bred in Yorkshire (BaBY) cohort. BMC Pregnancy Childbirth [serial on the Internet] 2017 Jan [cited 2020 Apr 14]; 17(1): [about 15 p.]. Available from: https://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12884-017-1229-4
    » https://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12884-017-1229-4
  • 38
    Fletcher R, May C, St George J. Fathers prenatal relationship with their baby and her pregnancy - implications for antenatal education. Int J Birth Parent Educ 2014; 1(3):23-27.
  • 39
    Poh HL, Koh SSL, Seow HCL, He H-G. First-time fathers' experiences and needs during pregnancy and childbirth: A descriptive qualitative study. Midwifery 2014; 30(6):779-787.
  • 40
    Villamor NJE, Guzman AB, Matienzo ET. The Ebb and flow of Filipino first-time fatherhood transition space: a grounded theory study. Am J Mens Health 2016; 10(6):NP51-NP62.
  • 41
    Widarsson M, Kerstis B, Sundquist K, Engström G, Sarkadi A. Support needs of expectant mothers and fathers: a qualitative study. J Perinat Educ 2012; 21(1):36-44.
  • 42
    Forsyth C, Skouteris H, Wertheim EH, Paxton SJ, Milgrom J. Men's emotional responses to their partner's pregnancy and their views on support and information received. Aust New Zeal J Obstet Gynaecol 2011; 51(1):53-56.
  • 43
    Barimani M, Vikström A, Rosander M, Forslund Frykedal K, Berlin A. Facilitating and inhibiting factors in transition to parenthood - ways in which health professionals can support parents. Scand J Caring Sci 2017; 31(3):537-546.
  • 44
    Åsenhed L, Kilstam J, Alehagen S, Baggens C. Becoming a father is an emotional roller coaster - an analysis of first-time fathers' blogs. J Clin Nurs 2014; 23(9-10):1309-1317.
  • 45
    Fenwick J, Bayes S, Johansson M. A qualitative investigation into the pregnancy experiences and childbirth expectations of Australian fathers-to-be. Sex Reprod Healthc 2012; 3(1):3-9.
  • 46
    Widarsson M, Engström G, Tydén T, Lundberg P, Hammar LM. 'Paddling upstream': Fathers' involvement during pregnancy as described by expectant fathers and mothers. J Clin Nurs 2015; 24(7-8):1059-1068.
  • 47
    Johnsen H, Stenback P, Halldén B-M, Crang Svalenius E, Persson EK. Nordic fathers' willingness to participate during pregnancy. J Reprod Infant Psychol 2017; 35(3):223-235.
  • 48
    Steen M, Downe S, Bamford N, Edozien L. Not-patient and not-visitor: a metasynthesis fathers' encounters with pregnancy, birth and maternity care. Midwifery 2012; 28(4):422-431.
  • 49
    Alio AP, Lewis CA, Scarborough K, Harris K, Fiscella K. A community perspective on the role of fathers during pregnancy: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth [serial on the Internet] 2013 March [cited 2020 Apr 14]; 13(60): [about 11 p.]. Available from: https://link.springer.com/content/pdf/10.1186/1471-2393-13-60.pdf
    » https://link.springer.com/content/pdf/10.1186/1471-2393-13-60.pdf
  • 50
    Zvara BJ, Schoppe-Sullivan SJ, Dush CK. Fathers' involvement in child health care: associations with prenatal involvement, parents' beliefs, and maternal gatekeeping. Fam Relat 2013; 62(4):649-661.
  • 51
    Silva C, Martins C, Pinto, C. Tornar-se pai: uma exploração qualitativa da experiência dos homens portugueses. In: Atas do 8º Congresso Ibero-Americano em investigação qualitativa: investigação qualitativa na saúde; 2019; Lisboa. p. 675-684.

Editado por

Editores chefes:

Maria Cecília de Souza Minayo, Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Fev 2021

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2020
  • Aceito
    15 Maio 2020
  • Publicado
    17 Maio 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br