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Demanda por nutrientes nas principais regiões metropolitanas do Brasil no período de 1995-2003

Resumos

Este estudo buscou analisar o padrão de consumo de nutrientes dos brasileiros de 1995 a 2003. Para este fim, empregou-se o modelo Almost Ideal Demand System. Constatou-se que a demanda de nutrientes é pouco sensível aos preços e as famílias tendem a demandar relativamente mais gorduras, colesterol e carboidratos do que vitaminas e minerais. Além disso, os impactos de aumentos no dispêndio sobre o consumo de nutrientes não são muito elevados. Conclui-se que os consumidores, diante de mudanças favoráveis ao consumo, não necessariamente consumirão produtos mais nutritivos. Essas mudanças poderão resultar na deterioração do padrão de consumo dos nutrientes.

Demanda por nutrientes; Pesquisa de Orçamento Familiar; modelo Almost Ideal Demand System


This study investigates the pattern of nutrient intake for Brazilians in the 1995 to 2003 period. For this purpose, the Almost Ideal Demand System (AIDS) was used. Results showed that the population nutrient demand is not too sensitive to prices and families tend to demand relatively more fat, cholesterol and carbohydrates than vitamins and minerals. Besides, the impacts of expenditure increases on nutrients consumption of are not very high. One important conclusion is that consumers will not necessarily consume more nutritious products when food patterns change, which may result in the deterioration of nutrients intake.

Household Budget Surveys; Almost Ideal Demand System; Nutrients demand


Demanda por nutrientes nas principais regiões metropolitanas do Brasil no período de 1995-2003

Cristiana Tristão RodriguesI; Alexandre Bragança CoelhoII; Marcelo José BragaIII; Adriano Provezano GomesIV

IDoutoranda em Economia Aplicada - Universidade Federal de Viçosa. Email: cristianatr@yahoo.com.br

IIProfessor adjunto do Departamento de Economia Rural - Universidade Federal de Viçosa. Email: acoelho@ufv.br

IIIUniversidade Federal de Viçosa - Professor associado do Departamento de Economia Rural. Email: mjbraga@ufv.br

IVProfessor associado do Departamento de Economia - Universidade Federal de Viçosa.Email: apgomes@ufv.br

RESUMO

Este estudo buscou analisar o padrão de consumo de nutrientes dos brasileiros de 1995 a 2003. Para este fim, empregou-se o modelo Almost Ideal Demand System. Constatou-se que a demanda de nutrientes é pouco sensível aos preços e as famílias tendem a demandar relativamente mais gorduras, colesterol e carboidratos do que vitaminas e minerais. Além disso, os impactos de aumentos no dispêndio sobre o consumo de nutrientes não são muito elevados. Conclui-se que os consumidores, diante de mudanças favoráveis ao consumo, não necessariamente consumirão produtos mais nutritivos. Essas mudanças poderão resultar na deterioração do padrão de consumo dos nutrientes.

Palavras-chave: Demanda por nutrientes, Pesquisa de Orçamento Familiar, modelo Almost Ideal Demand System.

ABSTRACT

This study investigates the pattern of nutrient intake for Brazilians in the 1995 to 2003 period. For this purpose, the Almost Ideal Demand System (AIDS) was used. Results showed that the population nutrient demand is not too sensitive to prices and families tend to demand relatively more fat, cholesterol and carbohydrates than vitamins and minerals. Besides, the impacts of expenditure increases on nutrients consumption of are not very high. One important conclusion is that consumers will not necessarily consume more nutritious products when food patterns change, which may result in the deterioration of nutrients intake.

Keywords: Household Budget Surveys, Almost Ideal Demand System, Nutrients demand.

JEL classification: D12, C21.

1 Introdução

As modificações nas condições de nutrição que vem ocorrendo no país têm sido chamadas de transição nutricional, que é o conceito usado para descrever modificações sequenciais no padrão de nutrição e consumo, que acompanham mudanças econômicas, sociais e demográficas Popkin et al. (1993). O processo de transição nutricional no Brasil pode ser confirmado pela constatação de que o país vem rapidamente substituindo o problema da escassez pelo excesso dietético. Ao mesmo tempo em que declinam a ocorrência da desnutrição em crianças e adultos num ritmo bem acelerado, aumenta a prevalência de sobrepeso e obesidade na população brasileira (Batista Filho & Rissin (2003)).

A comparação do inquérito nacional sobre consumo realizado em 1975 (ENDEF 1974-1975) e as três Pesquisas de Orçamento Familiares, realizadas posteriormente, permitem caracterizar importantes mudanças com reflexos evidentes para o perfil de consumo de nutrientes da população. A evolução dos padrões de consumo alimentar nas últimas três décadas evidenciou declínio no consumo de alimentos básicos e tradicionais da alimentação do brasileiro, como o arroz e o feijão, raízes e tubérculos, com aumentos significativos no consumo de produtos industrializados, como biscoitos e refrigerantes, além de persistência do consumo excessivo de açúcar e insuficiente de frutas e hortaliças e aumento sistemático no teor da alimentação em gorduras em geral. Todas essas mudanças têm evidenciado tendências de consumo alimentar com alta densidade energética, escassez de fibras e micronutrientes e excesso de gorduras (Levy-costa et al. (2005)).

Pode-se destacar que a aceleração deste processo de mudanças no comportamento de consumo ocorreu a partir da implantação do Plano Real, em 1994. Após o Plano Real, com estabilização dos preços e o aumento do poder aquisitivo, os brasileiros passaram a optar pela aquisição de produtos mais elaborados e de melhor qualidade, que antes dificilmente compunham a cesta, evidenciando uma maior diversificação de bens ((Cyrillo et al. 1997, Lavinas 1998)).

Há trinta anos, o debate sobre o consumo alimentar no país se centrava na questão da acessibilidade, recaindo em temas como a fome e a subnutrição; atualmente, também se discute muito a escolha alimentar. Essa mudança de perspectiva, em grande parte, é decorrência da menor incidência de casos de subnutrição e da elevação dos índices de doenças advindas da má alimentação dos brasileiros. Desta forma, à medida que o país vem contornando um grave problema social, depara-se com uma nova problemática, que tem sérias repercussões na área de saúde pública – a super ou má nutrição (Bertasso (2006)). A alimentação, reconhecidamente, tem papel relevante para a saúde dos indivíduos. Os danos para a saúde que podem decorrer do consumo insuficiente de alimentos - desnutrição - ou do consumo excessivo - obesidade - são há muito conhecidos pelos pesquisadores. Entretanto, apenas mais recentemente, estudos observacionais têm evidenciado estreita relação entre características qualitativas da alimentação e o estado de saúde, em particular no que se refere a doenças crônicas da idade adulta (Monteiro et al. (2000)).

O acúmulo de evidências que associam características da dieta ao estado de saúde do indivíduo sinaliza a importância de estudos que acompanhem a evolução do padrão de consumo de nutrientes no país, os quais possam contribuir para que as ações dos formuladores de políticas públicas sejam condizentes com a dinâmica dos perfis nutricionais. Na literatura internacional, existem muitos trabalhos que se preocuparam em estudar a demanda por nutrientes [Bhargava (1991); Huang (1996); Huang & Lin (2000); Dehehibi et al. (2003); Abdulai & Aubert (2004); Timothy & Jeffrey (2005); Akinleye & Rahji (2007); Akinleye (2007); Ecker & Qaim (2008), dentre outros]. No Brasil, apesar do grande número de trabalhos sobre demanda de alimentos, existem poucos trabalhos que analisaram a demanda por nutrientes. Pode-se destacar o trabalho de Alves (1978) que estimou as elasticidades renda dos alimentos e seus nutrientes: caloria, proteína, vitaminas, cálcio e ferro, para o estado de São Paulo, com base no ENDEF 1974-75 e, recentemente, o trabalho de Pereda (2008) que buscou estimar e analisar a demanda de nutrientes dos brasileiros, com base nos dados da POF de 2002/2003.

Desta forma, considerando-se as mudanças que vêm ocorrendo no comportamento de consumo alimentar do brasileiro, principalmente a partir da década de 90 e que poucos estudos foram realizados com o intuito de analisar as mudanças no comportamento de consumo de nutrientes frente a variações de preço e dispêndio, esse estudo faz-se oportuno. Diante destes fatos, busca-se conhecer o padrão de consumo de nutrientes das famílias brasileiras em 1995 e em 2003, de forma a se compreender também como se deram as mudanças neste padrão ao longo do tempo, a partir da análise da sensibilidade do consumo de nutrientes frente a variações de preço e dispêndio. Este trabalho inova ao buscar analisar a evolução do comportamento do consumo de nutrientes ao longo do tempo. Além disso, este trabalho pretende expandir a análise da demanda de nutrientes, considerando diversos macro e micronutrientes: proteína, gordura, carboidrato, colesterol, cálcio, fósforo, ferro, potássio, sódio, vitamina A, vitamina B3, e vitamina C.

O presente trabalho está dividido em quatro seções, incluindo esta introdução. Na segunda seção, apresenta-se o referencial teórico utilizado neste estudo; na terceira, a forma de proceder a transformação das quantidades, preços e despesas de alimentos em nutrientes e o procedimento adotado para a estimação da demanda dos mesmos. Na quarta seção, são apresentados os resultados e discussão sobre a função de demanda de nutrientes para as regiões metropolitanas do Brasil. A quinta seção apresenta as considerações finais.

2 Referencial teórico

2.1 A escolha do consumidor – A Abordagem Alternativa

Lancaster (1966) foi um dos primeiros autores a considerar os nutrientes no processo de escolha dos consumidores. Este autor buscou relacionar os produtos alimentícios e suas características nutritivas, reescrevendo o modelo de otimização do consumidor. Lancaster (1966) argumentou que os bens possuem propriedades intrínsecas que foram omitidas pela teoria da demanda e o conhecimento de tais propriedades é relevante para entender a forma como os consumidores podem reagir às mudanças relacionadas a elas. O autor faz uma abordagem diferente do problema do consumidor, considerando que a utilidade do consumidor seja derivada das propriedades ou características intrínsecas dos bens, ao invés de serem derivadas diretamente dos próprios produtos, conforme a abordagem tradicional. A essência da abordagem alternativa pode ser resumida da seguinte forma (Lancaster 1966):

  • Os bens, por si só, não geram utilidade para o consumidor, mas possuem características que dão origem a utilidade.

  • Em geral, os bens possuem mais de uma característica, e muitas delas são partilhadas por mais de um bem.

  • Bens em combinação podem possuir características diferentes daquelas que eles possuem separadamente.

Considerando-se uma escolha padrão enfrentada pelo consumidor no livre mercado, sujeito a uma restrição orçamentária, esta situação pode ser representada simplificadamente da seguinte forma:

em que

q: vetor de quantidade consumida dos bens;

z: vetor de quantidade de características (nutrientes) dos bens consumidos;

B: matriz de conversão da quantidade de bens em quantidades de nutrientes;

U(z): Função utilidade que representa a preferência dos consumidores pelos nutrientes;

p: vetor de preços dos bens da economia;

O modelo consiste em quatro partes. Ha uma maximização U(z) em função das características, ou seja, U esta definida no espaço-características (C-espaço). A restrição orçamentária pq < T k e definida no espaço-bens (G-espaço). O sistema de equação z = Bq representa uma transformação entre G-espaço e C-espaço. Finalmente, ha uma restrição de não negatividade z,qd0 que deve ser assumida inicialmente, embora em algumas aplicações e para algumas convenções de sinal, elas podem não fazer parte do modelo (Lancaster 1966).

Para este estudo tanto a restrição orçamentária quanto a função de utilidade foram definidas no espaço C. Desta forma, há uma maximização em função das características, ou seja, U está definida no espaço-características sujeita a uma restrição orçamentária que também está definida no espaço-características.

Após estas transformações, o procedimento para encontrar a solução do modelo e a derivação das restrições teóricas é feito de maneira similar ao item anterior. As propriedades são suficientes para implicar que a maximização da utilidade sujeita a restrição orçamentária conduza às soluções para o problema do consumidor.

3 Metodologia

3.1 Modelo Almost Ideal Demand System

A forma funcional flexível denominada Almost Ideal Demand System (AIDS), desenvolvida por Deaton & Muellbauer (1980b,a),, é bastante difundida na literatura nacional e internacional. Apesar de ser mais recente do que o modelo Translog, o modelo AIDS é razoavelmente mais simples de ser estimado caso seja adotada sua aproximação linear (LA/AIDS), obtida a partir da adoção de um índice de preços pré-selecionado adequado. Por esta razão, o modelo AIDS ganhou considerável popularidade em estudos empíricos de demanda nas mais de duas décadas que sucederam sua apresentação (Veloso 2006)1 1 Essa forma funcional ainda é largamente utilizada em publicações recentes (Farrell & Shields 2007, Hausman & Leonard 2007, Henning & Henningsen 2007, Raknerud et al. 2007, entre outros).

O ponto de partida para especificação da função de demanda do modelo AIDS é a especificação de uma função de dispêndio:

em que x é despesa total, pi é o preço do bem i, u é o nível de utilidade, e α, β e γ são os coeficientes. Diferenciando-se o logaritmo da função dispêndio com respeito ao logaritmo dos preços, encontram-se as participações do dispêndio com o bem i (wi) ao invés das quantidades (qi), Deaton & Muellbauer (1980a) usam esta forma ligeiramente modificada do Lema de Shephard para obter a função de demanda Hickisiana da parcela de dispêndio:

As funções de Demandas Marshallianas (não compensada) podem ser obtidas pela inversão da função dispêndio e pela substituição do resultado na função de demanda Hicksiana. Dessa forma, a função de demanda Marshaliana é dada por:

em que, e P é o índice de preço translog. O índice de preço AIDS é definido por:

A teoria microeconômica e em particular a hipótese de maximização de utilidade do consumidor impõe algumas restrições sobre os coeficientes. Uma das razões para Deaton e Muellbauer denominarem esse sistema de AIDS está no fato de as restrições teóricas da demanda (Aditividade, Homogeneidade e Simetria) dependerem apenas dos parâmetros desconhecidos e, portanto, serem fáceis de impor ou testar. As restrições derivadas das propriedades teóricas da demanda são as seguintes (Coelho 2006):

a) A restrição de aditividade garante sempre que a soma das participações do dispêndio são iguais a 1 (Σiwi = 1). Ela significa que as demandas Marshalianas devem satisfazer à restrição orçamentária. Esta condição é preenchida se:

b) A restrição de homogeneidade garante que não existe "ilusão monetária", ou seja, se todos os preços e renda mudam pela mesma taxa, as quantidades consumidas não mudam. Esta condição é atendida se:

c) A condição de simetria resulta da aplicação do Lema de Shephard para a função do dispêndio do AIDS (2). Ela pode ser derivada diretamente da definição dos γs:

3.2 Estimação Econométrica

O sistema de equações de demanda Marshalliana (equação 4) pode ser econometricamente estimado por:

em que wit representa a participação do dispêndio com o bem i para a tth observação do AIDS.

Para evitar problemas de estimação devido a singularidade da matriz de covariância do termo de erro, uma das equações tem de ser retirada do sistema de equações. Os coeficientes da equação retirada podem ser calculados pelas restrições de aditividade (equação 6) (Henningsen 2009)2 2 O pacote micEcon, utilizado para estimação neste trabalho, automaticamente elimina uma das equações e, posteriormente, usa as restrições de aditividade para recuperar as estimativas desta equação. Como esse processo é realizado automaticamente, não é possível apresentar qual equação é retirada do sistema. De acordo com Barten (1969),, como os resultados estimados são invariantes em relação à equação eliminada, nenhuma informação é perdida pela equação retirada do sistema. .

Uma vez que as equações de demanda Marshalliana (equação 9) são lineares exceto para o índice de preços translog Pt, Deaton & Muellbauer (1980a) propõem a aproximação do índice de preços translog para o índice de preço de Stone. Esta aproximação faz a equação de demanda linear nos parâmetros, assim como a estimação do sistema de equações de participação no orçamento, tornar-se mais fácil. Essa simplificação do modelo AIDS original é chamada de "aproximação linear do AIDS (LA-AIDS)" (Henningsen 2009):

em que,

e são os coeficientes do LA-AIDS. O s é utilizado para representar a aproximação para o índice de preços de Stone.

Neste estudo foi utilizado o índice de Stone. Para evitar o problema de unidade de medida do índice, optou-se pela utilização dos preços em reais por Kg para todos os nutrientes em análise. Para corrigir possíveis problemas de viés de simultaneidade devido a utilização do índice de preço de Stone3 3 Para maior detalhamento ver Henningsen (2009), Blanciforti et al. (1986) e Eales & Unnevehr (1988). procedeu-se a estimação usando o índice de preços Stone baseado na participação do orçamento defasado, ou seja, o modelo foi estimado especificando-se o índice de preços de Stone com defasagens na participação(Stone price index with lagged shares).

Com o objetivo de analisar a influência de alguns fatores sócio-econômicos sobre o consumo de nutrientes, selecionou-se um conjunto de variáveis relevantes. Segundo , variáveis sócio-econômicas e demográficas são importantes para explicar o consumo de nutrientes porque elas podem ter grande influência para o consumo de produtos mais saudáveis.

Sendo assim, utilizou-se o modelo LA-AIDS para especificação da função do gasto com cada nutriente, incluindo-se algumas variáveis sócio-econômicas (sexo, anos de estudo do chefe do domicílio, total de pessoas no domicílio, presença de crianças e adolescentes no domicílio, presença de adultos, presença de idosos, anos de estudo da mulher) na equação, além de preços e dispêndio, para captar a influência dessas variáveis sobre o consumo de nutrientes. A estimação das equações foi realizada por regressões aparentemente não relacionadas (Seemingly Unrelated Regressions – SUR). As equações do gasto com nutrientes do sistema de demanda estimado podem ser representadas da seguinte forma:

em que k representa as variáveis explicativas; i = proteína, carboidrato, gordura, fibra, colesterol, cálcio, ferro fósforo, sódio, potássio, vitamina A, vitamina B3, vitamina C. Para estimação do modelo AIDS, foi utilizado o software R (R Development Core Team, 2008), pacote micEcon (versão 2.10), o qual fornece uma interface conveniente para as análises de demanda com o modelo AIDS e sua aproximação linear (LA-AIDS).

3.3 Fonte de Dados e descrição das variáveis

O trabalho utilizou como base de dados a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), realizada pelo IBGE. Esta pesquisa fornece informações sobre a composição do orçamento doméstico e tem o objetivo de mensurar as estruturas de consumo, dos gastos e dos rendimentos das famílias. No procedimento de coleta de dados, cada questionário fica por um período de sete dias consecutivos em cada domicílio, detalhando os gastos diários com alimentação das famílias brasileiras.

Os dados utilizados são de dois pontos no tempo, 1995-1996 e 2002-2003. Apesar da POF 2002/2003 ter sido realizada em todo o território nacional, incluindo as áreas rurais de todas as regiões do país, os dados utilizados neste trabalho são das maiores Regiões metropolitanas do Brasil, para permitir a comparação com a POF 1995/1996, que foi realizada apenas nas regiões metropolitanas das principais capitais brasileiras.

Para este estudo de demanda, foram selecionados os seguintes nutrientes: proteínas, carboidrato, gordura, fibra, colesterol, cálcio, fósforo, ferro, sódio, potássio, vitamina A, vitamina B3 e vitamina C.

Para a POF de 2003, este estudo contou com 5.347 observações e para a POF de 1995, 10.049 observações. Como a POF de 1995 foi realizada somente nas regiões metropolitanas, pôde-se obter um número maior de observações nesta pesquisa.

Especificamente para este estudo, as variáveis utilizadas foram: participação no orçamento com nutrientes, preço dos nutrientes, dispêndio com nutrientes, dummy para sexo do chefe, anos de estudo do chefe, total de pessoas no domicílio, dummy para presença de crianças e adolescentes, dummy para presença de adultos, dummy para presença de idosos, anos de estudo da mulher.

Todo o tratamento dos dados, desde a extração dos microdados até agregação dos produtos e conversão dos nutrientes, foram realizados com a utilização software Stata 10.1.

3.4 Procedimentos

Agregação de Bens

A POF investiga uma ampla quantidade de alimentos e assim os microdados da POF apresentam dados muito desagregados, com várias subdivisões por produto, o que impossibilita o estudo desagregado destes bens. Desta forma, foi necessário agregar os vários subtipos dos produtos em categorias mais amplas, de forma a se obter as categorias desejadas.

A escolha dos produtos utilizados para a realização deste estudo se deu de acordo com a importância nutricional (valores nutricionais elevados) e econômica (maior participação relativa no orçamento), ou seja, utilizou-se critérios nutricionais e econômicos. Desta forma, inicialmente, foram selecionados 57 produtos alimentares (Tabela 1).

Para se proceder ao agrupamento dos itens alimentícios, seguiu-se as categorias descritas pelo IBGE (2004). Alguns produtos são subdivididos em diversos subtipos, os quais possuem pesos diferentes no orçamento do consumidor. Para esses produtos, foi necessário ponderar os subtipos dentro da mesma categoria, para depois fazer a agregação. Para os produtos que não estão divididos em subtipos diferentes, não foi necessário fazer a ponderação (por exemplo, cebola, óleo, sal e etc.), e assim, fez-se uma agregação simples dos produtos.

Conversão em nutrientes

Para realizar a conversão de quantidade de produtos em nutrientes calculou-se a quantidade média de nutriente em cada um dos 57 produtos, baseando-se na Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO) e Tabela da ProfDr. Sônia Tucunduva (Philippi 2002)4 4 Essas tabelas foram escolhidas, pois contém informações mais atualizadas sobre um expressivo número de nutrientes. Além disso, mostrou-se como um material mais completo e de consulta prática para o cálculo do valor nutritivos dos alimentos. As tabelas nutricionais fornecem informações para cada 100 gramas de alimentos nas seguintes unidades de medida de cada nutriente: carboidrato (g), proteína (g), gordura total (g), fibra (g), colesterol (mg), cálcio (mg), ferro (mg), sódio (mg), fósforo (mg), potássio (mg), vitamina A (mcg), vitamina B3 (mg) e vitamina C (mg). Como neste estudo utilizou-se a quantidade em Kg de cada produto, calculou-se a quantidade média de nutrientes em cada Kg de alimentos, e em seguida transformaram-se todas as unidades de medida dos nutrientes em Kg, de forma a padronizar a unidade de medida de todos os nutrientes.

Para derivar as quantidades, preços e despesa com nutrientes (a partir da qual calculou-se a participação no orçamento com cada nutriente, a variável dependente do modelo) realizaram-se algumas transformações. Huang (1996) obteve a quantidade total de nutrientes dos vários alimentos, a partir da seguinte expressão:

em que, aki é o montante do Kth nutriente obtido a partir de uma unidade do i-ésimo alimento.

Neste estudo, calculou-se a quantidade de nutrientes de cada alimento (produto) seguindo o procedimento de Huang (1996). Assim, primeiramente encontrou-se o aki – a quantidade de nutriente (em Kg) por tipo de alimento (em 1Kg de alimento) – e depois fez-se uma multiplicação pela quantidade do alimento consumida no domicílio. Encontra-se assim a quantidade de cada nutriente para o total em Kg de cada produto consumido no domicílio. Por fim, fez-se o somatório das quantidades dos nutrientes de cada produto para se ter a quantidade total do nutriente no domicílio.

Para encontrar os preços, utilizou-se os preços implícitos de cada produto, assim como fez Pereda (2008).. Os preços implícitos dos produtos foram calculados a partir da divisão da despesa com o produto pela quantidade em quilograma adquirida do mesmo. Fez-se então a partição dos preços de cada bem entre os nutrientes adquiridos por produtos [Pi ×(QTki / QTi)], ou seja, o produto entre o preço com o bem (Pi) e a proporção física do nutriente naqueles produtos adquiridos [quantidade total do nutriente k no produto i dividido pela quantidade total do produto i, [QTki / QTi]. Assim, encontraram-se 13 preços de nutrientes para cada produto (57 produtos). A próxima etapa foi calcular um preço por nutriente para cada domicilio, ou seja, e necessário agregar os preços dos nutrientes de cada produto. Desta forma, ponderou-se cada preço de nutriente pela razão da despesa com cada produto sobre a despesa total com o produto que possua o nutriente em questão

O cálculo das despesas domiciliares totais com cada nutriente também seguiu a metodologia utilizada por Pereda (2008). Esse cálculo foi realizado em duas etapas, utilizando o mesmo procedimento assinalado para preços: 1) calculou-se o produto entre a despesa do domicílio com o bem (Di) e a proporção física do nutriente naqueles produtos adquiridos (QTki/QTi) Uma vez obtidas as despesas com nutrientes de cada produto, somou-se para cada domicílio as despesas com os mesmos nutrientes dos diferentes produtos, obtendo assim a despesa total do domicílio com o nutriente.

Apos obter as despesas com cada nutriente, procedeu-se o calculo da variável dependente do modelo, a participação do gasto com o nutriente sobre o total de gastos do domicilio. Para isso, a variável despesa por nutriente foi dividida pela despesa total do domicílio com todos os nutrientes [Di ×QTki/QTi/(DT) ] . Obteve-se todos os preços, recebimentos e despesas para as duas pesquisas a preços de uma data comum (15/01/2003), sendo utilizado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE como deflator.

4 Resultados

4.1 Função de demanda de nutrientes no Brasil

Influência das variáveis sócio-econômicas na função de demanda de nutrientes

Esta seção apresenta os resultados obtidos para o sistema de 13 equações, estimado através do modelo LA/AIDS. Analisa-se, primeiramente, a significância e a influência de algumas variáveis sócio-econômicas na demanda pelas categorias de nutrientes. Os resultados de todos os coeficientes estimados para as variáveis explicativas estão descritos na Table e do anexo. Nestas tabelas estão discriminados todos os coeficientes estimados, para cada equação do sistema, e o resultado do teste de significância individual de cada parâmetro, para 1995 e 2003.

Nas Tabela 2 e Tabela 3 podem ser visualizados os resultados dos efeitos das variáveis que apresentaram coeficientes significativos para explicar a demanda de nutrientes em 1995 e 2003. Como a magnitude dos coeficientes estimados é baixa, optou-se por analisar o efeito (positivo ou negativo) das variáveis no consumo de nutrientes.

Todas as variáveis sócio-econômicas analisadas afetaram o consumo de pelo menos um nutriente. Em 1995, as variáveis com maiores influências no consumo foram: "Anos de estudo do chefe", "Presença de adolescentes", "Anos de Estudo da mulher" e "Total de pessoas no domicílio". Já para 2003, as variáveis que apresentaram maior número de coeficientes significativos foram: "Anos de estudo do chefe", "Presença de Idosos" e "Total de pessoas no domicílio". Comparando-se os resultados apresentados de 1995 para 2003, percebe-se que muitas mudanças ocorreram na demanda de nutrientes em relação à influência das variáveis analisadas. Pode-se, assim, verificar como se deu a evolução da influência de tais características sócio-econômicas no padrão de consumo de nutrientes da população.

A variável "Anos de estudo do chefe" teve grande influência para o consumo de nutrientes tanto em 1995 quanto em 2003. Percebe-se que esta variável teve o efeito de reduzir, na maioria das vezes, a participação orçamentária dos nutrientes, pois os sinais são na maior parte negativos. É interessante observar que "Anos de estudo do chefe" apresentou um efeito negativo sobre o consumo de gordura e colesterol em 1995 e sobre o colesterol em 2003. Este efeito negativo sobre o consumo destes nutrientes pode ocorrer devido ao maior acesso à informação sobre saúde à medida que se eleva o grau de instrução, o que desencoraja o consumo de alimentos que não sejam saudáveis. Em 2003, o consumo de gorduras deixou de ser influenciado por esta variável.

Outra característica importante a se considerar é que as mulheres, normalmente, são responsáveis pela compra e preparação de alimentos na família. Sendo assim, é esperado que a instrução das mulheres tenha um efeito positivo no consumo de micronutrientes e um efeito negativo no consumo de gordura e colesterol. Behrman & Wolfe (1984) afirmam que as mulheres mais educadas são geralmente mais informadas sobre o conteúdo nutricional de alimentos e a importância da nutrição. Abdulai & Aubert (2004) constataram que os domicílios em que as mulheres têm mais educação tendem a ser significativamente mais nutridos, particularmente no que diz respeito a consumir alimentos ricos em micronutrientes.

Para o presente estudo, no ano de 1995, os resultados indicam que domicílios com mulheres mais educadas e, portanto, com mais informações e conhecimento sobre saúde, tendem a consumir mais alimentos ricos em micronutrientes e menos alimentos ricos em gordura e colesterol. Em 2003, esse comportamento se modificou um pouco, pois houve influência somente sobre o consumo de proteínas e vitaminas, para os quais a demanda variou positivamente com o aumento dos anos de estudo da mulher. Para 2003, essa variável também deixou de influenciar negativamente o consumo de gorduras e colesterol. Desta forma, a população pode estar mudando o seu comportamento de consumo de nutrientes, no sentido de que as pessoas não estão considerando tanto, para as decisões de consumo, as informações acerca de produtos alimentícios que contém componentes nocivos à saúde. Embora existam maiores informações sobre a importância de uma dieta saudável (maior escolaridade do chefe e da mulher), não há uma influência negativa no consumo de gorduras e colesterol.

O número total de pessoas no domicílio mostrou-se muito mais influente para o consumo de nutrientes em 1995 do que em 2003. Além disso, destaca-se que algumas das variáveis que captam o impacto no consumo de nutrientes, devido à presença nos domicílios dos diferentes grupos etários, mostraram-se importantes. Em 1995, a presença de crianças e adolescentes no domicílio teve grande influência para o consumo de nutrientes, podendo-se destacar também a presença de idosos no domicílio. Em 2003, essas variáveis influenciaram de forma diferente a demanda de nutrientes, destacando-se, com maior influência, a variável "Presença de idosos". O maior efeito desta variável sobre o consumo de nutrientes pode ser explicado pela atenção dada às necessidades nutricionais neste grupo etário. As variáveis "Presença de crianças e adolescente" e "Presença de adultos" nos domicílios influenciaram de forma menos significativa o consumo de nutrientes. Por fim, a variável "Sexo do chefe", que representa o fato de o responsável pelo domicílio ser do sexo masculino, teve maior influência sobre o consumo de nutrientes em 1995. Em 2003, a variável "sexo do chefe" não foi muito relevante na demanda de nutrientes, pois a maioria dos coeficientes não foram significativos.

Elasticidades-preço direta e cruzada dos nutrientes para 1995 e 2003

Os coeficientes estimados pelo modelo LA/AIDS, a partir dos quais derivou-se as elasticidades-preço e dispêndio, foram em sua grande maioria significativos a 1% de probabilidade (Tabela A.1 e A.2 do anexo). Embora o teste LR tenha rejeitado as restrições impostas, optou-se neste estudo por estimar o modelo restrito5 5 Ao se comparar os resultados do modelo restrito com o irrestrito, constatou-se melhora na análise estatística dos parâmetros ( os testes t dos parâmetros estimados no modelo restrito são melhores do que do modelo irrestrito). Além disso, para o modelo irrestrito, houve mudança de sinal para elasticidade-preço de alguns nutrientes que não são consistentes com a teoria, e também por esses motivos optou-se pela utilização do modelo restrito. Quase todos os parâmetros estimados para o modelo restrito foram significativos a 1% de significância. como é de praxe na literatura. Esses resultados são consistentes com muitos estudos anteriores, em que ambas as restrições são rejeitadas6 6 A rejeição das restrições teóricas é um resultado muito comum na literatura, [ver, por exemplo, Barten (1969), Christensen et al. (1975), Deaton & Muellbauer (1980a)],sendo vasta a documentação de evidências que tratam da rejeição das restrições de homogeneidade e simetria, apesar das diferentes bases de dados, formas funcionais, procedimentos de estimação e de teste, e de níveis de agregação dos produtos (Veloso 2006). .

A Table 4 apresenta as elasticidades (direta e cruzada) Marshalinas para os 13 nutrientes analisados, em 2003. Todas as elasticidades-preço diretas foram estatisticamente significativas a 1% de significância. As elasticidades apresentadas para todos os nutrientes são menores que um, ou seja, a demanda de todos os nutrientes se mostrou inelástica aos preços. Assim, variações nos preços dos nutrientes não mostram efeitos expressivos na demanda dos mesmos. Os sinais para todas as elasticidades diretas são negativos nos dois anos em estudo, portanto estão consistentes com a teoria.

Tanto em 1995 quanto em 2003, a maior parte dos nutrientes apresentou elasticidade-preço menor que 0,5, indicando uma resposta menor do consumo em relação às variações nos preços. Pode-se destacar que em 2003, os nutrientes que apresentaram maiores sensibilidade do consumo em relação aos preços foram: colesterol, carboidrato, fósforo, cálcio e gordura, para os quais as elasticidades apresentadas foram superiores a 0,5. Esse resultado sugere que se houver uma variação nos preços, o consumo destes nutrientes será mais afetado do que os demais. No caso de redução de preços de alguns alimentos que contêm relativamente altas concentrações de gordura, colesterol, ou açúcar, por exemplo, haverá uma tendência maior de resposta no consumo, propiciando maior ingestão destes nutrientes.

Ao se comparar os resultados apresentados em 2003 com os que foram apresentados para 1995 (Table 5), pode-se constatar algumas mudanças importantes ocorridas no padrão de consumo de nutrientes. Em 1995, a sensibilidade da gordura em relação aos preços era menor, o que pode não ser uma boa mudança para o padrão de consumo nutricional: um resultado desejável é que a população se mostre pouco sensível às mudanças no preço de nutrientes que, se consumidos em excesso, podem causar danos a saúde, mostrando-se relativamente saciada no consumo desses nutrientes.

Caso houvesse uma redução de preço deste nutriente em 1995, a população iria demandar gorduras em proporções menores que em 2003, o que é um resultado mais desejável. Já a sensibilidade do consumo de fibras era maior em relação às variações nos preços, em 1995. Considerando-se que as fibras originam-se em sua maioria de frutas e verduras, em primeira instância, esse é um bom resultado, pois indica que a população está mais suprida com este nutriente e, conseqüentemente, com hábitos alimentares mais saudáveis, consumindo mais frutas e verduras. Mas cabe aqui lembrar que se as quantidades de nutrientes disponíveis não são satisfatórias e isso pode ser um problema, pois a demanda não é muito sensível à variações nos preços, o que é indício de hábitos alimentares não muito saudáveis. Neste sentido, reduções nos preços, com intuito de aumentar o consumo deste nutriente para melhorar a qualidade da alimentação, podem não ter grandes impactos na quantidade demandada.

Todas as vitaminas apresentaram aumento da magnitude das elasticidades no período analisado, embora as elasticidades ainda tenham permanecido baixas (menor que 0,5). Neste sentido, uma política de preços, para melhoria no consumo de nutrientes, em 2003 traria mais resultados sobre o consumo de vitaminas do que em 1995, embora esses efeitos permaneçam não muito significativos. O aumento ligeiro das elasticidades em 2003 pode ser um reflexo de menor disponibilidade destes nutrientes no domicílio, a qual tornou a população um pouco mais sensível em relação aos preços.

Os resultados apresentados ao longo desta seção são condizentes com as evidências encontradas no estudo de Levy-costa et al. (2005).. Segundo este estudo, o padrão de consumo alimentar nas últimas três décadas evidenciou aumentos significativos no consumo de produtos industrializados, como biscoitos e refrigerantes, além de persistência do consumo excessivo de açúcar e insuficiente de frutas e hortaliças e aumento sistemático no teor da dieta em gorduras em geral. Em conformidade com estas constatações, as elasticidades apresentadas para 2003 indicam que, frente à diminuição de preços dos nutrientes, as famílias tenderiam a demandar relativamente mais gorduras, colesterol e carboidratos, do que vitaminas e minerais.

A constatação de que a demanda de nutrientes da população é pouco sensível às variações nos preços, poderia indicar, num primeiro momento, que a população está suprida com os nutrientes e por isso não é sensível à variação nos preços (considerando-se, por exemplo, uma redução de preços). Mas esta afirmação exige mais estudos sobre a disponibilidade ou acessibilidade de nutrientes nos domicílios. Se há adequação nutricional e segurança alimentar nos domicílios, o que significa acesso regular e permanente aos nutrientes necessários (provenientes de alimentos de qualidade), em quantidade suficiente, tendo como base, qualidade na dieta nutricional e práticas alimentares promotoras de saúde, o resultado acima seria um bom indicativo de melhoria nos padrões de consumo nutricional. Mas este não parece ser o caso da maioria dos domicílios brasileiros, conforme apontado em muitos estudos, os quais evidenciam tendências de consumo alimentar com alta densidade energética, escassez de fibras e micronutrientes e excesso de gorduras em geral e de gorduras saturadas. Todas essas mudanças têm reflexos diretos para o perfil nutricional da população.

Neste contexto, o resultado encontrado para pouca sensibilidade da demanda para maioria dos nutrientes em relação aos preços pode ser indicativo de deterioração dos hábitos nutricionais. Este resultado mostra que políticas de preços com intuito de melhorar a dieta nutricional da população podem não surtir grandes efeitos na qualidade nutricional da mesma, ou seja, redução nos preços dos nutrientes não causaria melhorias significativas na demanda. Além disso, percebe-se que o efeito de uma mudança nos preços na qualidade da dieta é complexo. Por exemplo, enquanto uma redução de preços propicia, ainda que em magnitudes não muito expressivas, uma melhoria na qualidade alimentar ( aumenta o consumo de proteína, fibra, ferro, sódio, potássio, vitamina A, vitamina B3 e vitamina C), o preço mais baixo também aumenta, e em proporções maiores, os níveis de consumo de carboidratos, gordura e colesterol, o que pode acarretar uma deterioração alimentar, se esses componentes são consumidos em quantidades excessivas. Por conseguinte, parece lógico deduzir que políticas de redução de preços, com intuito de melhorar a qualidade nutricional, poderia não alcançar o resultado pretendido. Uma possível explicação para este resultado é que a população pode ainda não estar suficientemente conscientizada da importância de um dieta saudável. Portanto, a promoção de dietas com níveis adequados de nutrientes, ao nível de população, devem ser incentivadas por campanhas nacionais para reduzir a desnutrição e o excesso alimentar.

Elasticidades-dispêndio dos nutrientes para 1995 e 2003

Para os resultados apresentados para as elasticidades-preço cruzadas, observa-se que a maioria das elasticidades foram negativas. O valor negativo destas elasticidades significa que uma elevação no preço dos demais nutrientes proporcionaria uma diminuição da quantidade consumida do nutriente analisado, indicando uma relação de complementariedade.

A análise do impacto das variações do dispêndio na demanda de nutrientes dos domicílios é feita por meio das interpretação das elasticidades-dispêndio. Para 1995, todas as elasticidades-dispêndio calculadas são estatisticamente diferentes de zero, a 1% de significância. Em 2003, as elasticidades calculadas para ferro, fósforo e vitamina C não foram significativas , indicando que variações no dispêndio não causam impactos no consumo destes nutrientes. As elasticidades-dispêndio, em 2003 e em 1995, para a maioria dos nutrientes foram menores que um (Tabela 6), o que significa que a maioria dos nutrientes analisados são bens normais ou de necessidade. Em 1995, carboidrato, fibra e ferro foram os únicos a apresentarem elasticidade-dispêndio maior que um. Em 2003, apenas carboidrato e fibra permaneceram com elasticidade maior que um.

Nota-se que, para maioria dos nutrientes, houve queda da sensibilidade do consumo em relação às variações no dispêndio, porém, para os nutrientes que apresentaram elevação desta sensibilidade, a variação percentual foi mais expressiva. Muitos autores procuraram discutir qual a interpretação da resposta do consumo de nutrientes à variações na renda, ou seja, qual a implicação do sinal da elasticidade renda (positivo ou negativo) (Behrman& Deolalikar 1990, Bhargava 1991, Subramanian & Deaton 1996, Abdulai & Aubert 2004, Vecchi & Coppola 2006, entre outros). Além da implicação do sinal, é importante também que se entenda a magnitude da elasticidade dispêndio dos nutrientes para compreender os impactos do crescimento econômico e da implantação de políticas públicas com foco na alimentação e saúde. Se as elasticidades dispêndio de nutrientes forem positivas, há uma tendência para que as políticas de renda e o crescimento econômico eliminem problemas como fome e desnutrição. Porém, se essas magnitudes são positivas mas pequenas, o aumento da renda, por conseguinte dispêndio, podem não causar grandes melhorias na nutrição.

No seu conjunto, a implicação dos resultados apresentados é de que os aumentos do dispêndio levarão a aumentos no consumo de nutrientes (elasticidades positivas), porém estes aumentos não resultarão em aumentos substanciais no consumo dos mesmos, dado que a maioria das elasticidades são menores que um. Por outro lado, comparando-se as magnitude das elasticidades-preço e das elasticidades-dispêndio, pode-se dizer que políticas de renda, as quais possibilitem aumentos do dispêndio, podem ser mais eficazes na influência de padrões de consumo de nutrientes do que políticas de preço, já que a magnitude da maioria das elasticidades-dispêndio estimadas foram superiores às das elasticidades-preço.

Cabe destacar que os resultados, de maior sensibilidade relativa no consumo de nutrientes mais calóricos e gordurosos, tanto em relação ao preço e ao dispêndio, identificados para o padrão de consumo nutricional da população, estão de acordo com o processo de transição nutricional no Brasil, apontado por Batista Filho & Rissin (2003). Segundo esses autores, esse processo pode ser confirmado pela constatação de que o país vem rapidamente substituindo o problema da escassez pelo excesso dietético, pois verifica-se aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade para a população brasileira.

Pode-se chamar a atenção para o fato de que o consumidor, devido a melhorias nos preços e, conseqüentemente, no poder aquisitivo, irá optar pela aquisição de produtos alimentícios mais elaborados e de melhor qualidade, conforme apontam muitos estudos de demanda, porém, este maior acesso a estes produtos pode não garantir melhores hábitos de consumo e uma dieta nutricional de maior valor, podendo, inclusive, conduzir a uma deterioração dos mesmos. Assim a racionalidade do consumidor nas suas decisões de consumo alimentar, visando maximizar a sua satisfação, poderá implicar em uma irracionalidade do ponto de vista nutricional.

5 Conclusões

O presente estudo teve o objetivo de contribuir para análise de demanda de nutrientes no Brasil ao longo do tempo, com intuito de captar as mudança ocorridas no padrão de consumo de nutrientes, refletindo assim o perfil de consumo da população. Os resultados mostram que todas as variáveis sócio-econômicas analisadas afetaram significativamente o consumo de pelo menos um nutriente. Ao se analisar a influência das variáveis em 1995 e em 2003, nota-se algumas mudanças no comportamento de consumo de nutrientes em relação aos efeitos causados por estas variáveis. Pode-se destacar que o maior nível de instrução deixou de influenciar negativamente o consumo de gorduras e colesterol. Esse resultado leva a concluir que a população pode estar mudando o seu comportamento de consumo de nutrientes, no sentido de que as pessoas não estão considerando tanto, para as decisões de consumo, as informações acerca de produtos alimentícios que contém componentes nocivos à saúde. Embora existam maior acesso à informações sobre a importância de uma dieta saudável (maior escolaridade do chefe e da mulher), não há uma influência negativa no consumo de gorduras e colesterol.

Em relação às influências do preço para o consumo de nutrientes, constatou-se, que os preços influenciam negativamente o consumo de todos os nutrientes, tanto em 2003 e 1995. Pôde-se concluir que a demanda de nutrientes da população se mostrou pouco sensível às variações nos preços. Além disso, o efeito dos preços sobre a dieta é complexo, enquanto uma redução de preços propicia, em magnitudes não muito expressivas, uma melhoria na alimentação (aumento do consumo de proteína, fibra, ferro, sódio, potássio, vitamina A, vitamina B3 e vitamina C), aumenta, em proporções maiores, os níveis de consumo de carboidratos, gordura e colesterol, o que pode acarretar uma deterioração alimentar, se esses componentes são consumidos em quantidades excessivas. Sendo assim, políticas de redução de preços, com intuito de melhorar a qualidade nutricional, poderia não alcançar o resultado pretendido. Uma possível explicação para este resultado é que a população pode ainda não estar suficientemente conscientizada da importância de um dieta saudável. Esses resultados apresentados são condizentes com as evidências encontradas em outros estudos.

Em relação às influências dos dispêndios para o consumo de nutrientes, constatou-se que as mudanças nos dispêndios irão influenciar positivamente a demanda da maioria dos macro e micronutrientes, embora não produzam grandes impactos no consumo dos mesmos. Cabe destacar que os resultados, de maior sensibilidade relativa no consumo de nutrientes mais calóricos e gordurosos, tanto em relação ao preço e ao dispêndio, identificados para o padrão de consumo de nutrientes da população, estão de acordo com o processo de transição nutricional no Brasil.

Recebido em 24 de junho de 2010.

Aceito em 13 de fevereiro de 2012.

Apêndice A

Tabela A.1

Tabela A.2

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  • 1
    Essa forma funcional ainda é largamente utilizada em publicações recentes (Farrell & Shields 2007, Hausman & Leonard 2007, Henning & Henningsen 2007, Raknerud et al. 2007, entre outros).
  • 2
    O pacote micEcon, utilizado para estimação neste trabalho, automaticamente elimina uma das equações e, posteriormente, usa as restrições de aditividade para recuperar as estimativas desta equação. Como esse processo é realizado automaticamente, não é possível apresentar qual equação é retirada do sistema. De acordo com Barten (1969),, como os resultados estimados são invariantes em relação à equação eliminada, nenhuma informação é perdida pela equação retirada do sistema.
  • 3
    Para maior detalhamento ver Henningsen (2009), Blanciforti et al. (1986) e Eales & Unnevehr (1988).
  • 4
    Essas tabelas foram escolhidas, pois contém informações mais atualizadas sobre um expressivo número de nutrientes. Além disso, mostrou-se como um material mais completo e de consulta prática para o cálculo do valor nutritivos dos alimentos.
  • 5
    Ao se comparar os resultados do modelo restrito com o irrestrito, constatou-se melhora na análise estatística dos parâmetros ( os testes
    t dos parâmetros estimados no modelo restrito são melhores do que do modelo irrestrito). Além disso, para o modelo irrestrito, houve mudança de sinal para elasticidade-preço de alguns nutrientes que não são consistentes com a teoria, e também por esses motivos optou-se pela utilização do modelo restrito. Quase todos os parâmetros estimados para o modelo restrito foram significativos a 1% de significância.
  • 6
    A rejeição das restrições teóricas é um resultado muito comum na literatura, [ver, por exemplo, Barten (1969), Christensen et al. (1975), Deaton & Muellbauer (1980a)],sendo vasta a documentação de evidências que tratam da rejeição das restrições de homogeneidade e simetria, apesar das diferentes bases de dados, formas funcionais, procedimentos de estimação e de teste, e de níveis de agregação dos produtos (Veloso 2006).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      24 Jun 2010
    • Aceito
      13 Fev 2012
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