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Estudo histopatológico do trajeto de biópsia de tumores musculoesqueléticos malignos

Resumos

OBJETIVO: Verificar se havia risco de contaminação por células neoplásicas no trajeto da biópsia e estudar as alterações histológicas locais. MÉTODOS: Realizou-se um estudo prospectivo com trajetos de biópsias de pacientes operados por tumores musculoesqueléticos malignos no Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período de abril de 2006 a abril de 2007. Foram estudados por histopatologia 25 casos. RESULTADOS: Houve implante de células neoplásicas em 32% dos trajetos. As alterações histológicas mais comuns nos casos positivos foram classificadas como: fibrose acentuada, componente inflamatório leve e neovascularização acentuada. CONCLUSÃO: Sugerimos a ressecção tradicional oncológica do trajeto junto com a peça.

Biópsia; Sarcoma; Neoplasia óssea; Sarcoma de partes moles


OBJECTIVE: To investigate whether there is any risk of seeding by neoplasic cells along biopsy tracks and to study local histological abnormalities. METHODS: This was a prospective study on biopsy tracks in patients who underwent operations due to malignant musculoskeletal tumors between April 2006 and April 2007. RESULTS: Neoplasic cell implantation occurred in 32% of the tracks. The most common histological abnormalities in positive cases were classified as severe fibrosis, mild inflammatory component and severe neovascularization. CONCLUSION: We suggest that traditional oncological resection of the track should be carried out together with excision of the specimen.

Biopsy; Sarcoma; Bone neoplasm; Soft tissue neoplasm


ARTIGO ORIGINAL

Estudo histopatológico do trajeto de biópsia de tumores musculoesqueléticos malignos

Marcelo Barbosa Ribeiro; Cláudia Regina G.C.M. de Oliveira; Renée Zon Filippi; André Mathias Baptista; Marcelo Tadeu Caiero; Carlos Fernando Saito; Sérgio Antonio Barbosa do Nascimento; Olavo Pires de Camargo

LIM 41 - laboratório de investigação médica do sistema músculo-esquelético do Departamento de Ortopedia e Traumatologia HC/FMUSP

Endereço para Correspondência Endereço para correspondência: Rua Porto 1186, Bloco Tulipas, Ap 103, Bairro Pio XII Teresina -PI, Brasil, CEP 64019-900 e-mail: mbribeiro@hotmail.com/ mbribeiro@usp.com

RESUMO

OBJETIVO: Verificar se havia risco de contaminação por células neoplásicas no trajeto da biópsia e estudar as alterações histológicas locais.

MÉTODOS: Realizou-se um estudo prospectivo com trajetos de biópsias de pacientes operados por tumores musculoesqueléticos malignos no Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período de abril de 2006 a abril de 2007. Foram estudados por histopatologia 25 casos.

RESULTADOS: Houve implante de células neoplásicas em 32% dos trajetos. As alterações histológicas mais comuns nos casos positivos foram classificadas como: fibrose acentuada, componente inflamatório leve e neovascularização acentuada.

CONCLUSÃO: Sugerimos a ressecção tradicional oncológica do trajeto junto com a peça.

Descritores: Biópsia. Sarcoma. Neoplasia óssea/patologia. Sarcoma de partes moles/patologia.

INTRODUÇÃO

A biópsia é um passo importante no estadiamento, diagnóstico e tratamento dos tumores musculoesqueléticos malignos. Deve ser realizada em todos os casos, já que, com raras exceções, é impossível determinar com precisão a natureza da lesão por meio de outros métodos.1

O local da realização da biópsia no paciente é de extrema importância, devendo-se evitar proximidade com feixe neurovascular, incisões transversas e/ou proximidade com mecanismos de extensão e/ou flexão dos membros, visto que posteriormente será retirado junto à peça cirúrgica. Um planejamento pré-operatório deve ser realizado devido à importância do procedimento.2

É fundamental uma boa técnica para realização da biópsia, já que a inadequada realização tem impacto negativo para sobrevida do paciente e impossibilita, às vezes, a preservação do membro. A decisão de onde e como realizar a biopsia é fundamental. Deve ser feita longitudinalmente e em locais onde seja possível a ressecção ampla juntamente com a peça tumoral no momento da cirurgia preservadora do membro.3

A biópsia não realizada adequadamente pode, em alguns casos, levar inclusive à amputação do membro.4,5

Existem dois tipos principais de biópsia: fechada (percutânea) e aberta. A biópsia fechada pode ser feita com trefinas ou agulhas especiais, tais como: Jamshidi, Ackermann e Tru-cut, dentre outras. A aberta é realizada por uma pequena via de acesso direto ao tumor. Pode ser incisional, quando se retira parte do tumor, ou excisional, quando se retira todo o tumor.6

Nos sarcomas de partes moles a hemostasia local deve ser meticulosa para se evitar disseminação tumoral local e/ou sistêmica.7

Alguns autores consideram que a biópsia de tumores musculoesqueléticos deve ser realizada por cirurgião treinado em oncologia ortopédica, visto que a realização em local inadequado pode resultar em amputação. Aconselha-se também que a biópsia seja feita pelo cirurgião que fará a ressecção, pois este conhece o trajeto para esta última.8-12

As principais complicações da biópsia são: infecção, hemorragia e fratura.13

OBJETIVOS

Avaliar a presença de células neoplásicas no trajeto da biópsia de pacientes portadores de tumores musculoesqueléticos malignos primários.

Verificar alterações histológicas que possam estar relacionadas à realização da biópsia ou à presença de neoplasia local.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado um estudo prospectivo, do tipo descritivo, no período de abril de 2006 a abril de 2007 com trajeto de biópsia de pacientes com tumores musculoesqueléticos malignos primários.

Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e informado.

Foram estudados 25 trajetos de biópsias de pacientes com diagnóstico de sarcomas primários de pelve e esqueleto apendicular no período citado anteriormente.

Nenhum paciente fez radioterapia antes da cirurgia. O sexo masculino predominou com 80% dos casos.

A faixa etária variou de 6 a 73 anos com média de 27,2 anos. Sendo o grupo etário de 11 a 40 anos o de maior incidência de neoplasias malignas nesse estudo.

Foram estudados tumores ósseos, 72% dos casos (n = 18) e de partes moles (n = 7) 28%. O osteossarcoma osteoblástico (48%) e o sarcoma sinovial foram os tumores mais frequentes (12%).

A maioria dos tumores localizava-se nos membros inferiores (n = 16), sendo o segmento distal do fêmur a sede mais frequente dessas neoplasias.

Realizaram-se biópsias percutâneas com trefinas de 4mm para os sarcomas ósseos e os cartilaginosos, e com pinças de biópsia para partes moles (Ex: Pinça de Mathieu) com mini-incisões.

No exame macroscópico do espécime cirúrgico foi ressecado o trajeto da biópsia, incluindo epiderme, derme, subcutâneo, além de fáscia muscular se presente, sendo esse o limite profundo. Após isso foram feitos cortes longitudinais de 2mm, em vários níveis, em relação à cicatriz da biópsia. O material foi encaminhado para processamento histológico: fixação (formol 10%), desidratação (álcool de 96% a absoluto), diafanização (xilol) e banhos de parafina. Nos blocos em parafina foram feitos cortes histológicos corados em hematoxilina e eosina e análise histológica em vários níveis de espessura de todas as lâminas. Foram analisados: a presença de células neoplásicas, o nível de infiltração nas camadas da pele para os casos onde houve presença de neoplasia no trajeto e alterações histológicas tais como: fibrose, neovascularização e componente inflamatório. Foram graduados em leve, moderado ou acentuado de acordo com a graduação das alterações histológicas. (Figura 1, Tabela 1)


RESULTADOS

Em 32% (n = 8) dos casos houve contaminação do trajeto com células neoplásicas.

As alterações histológicas mais comuns nos casos positivos foram classificadas como: fibrose acentuada, componente inflamatório leve e neovascularização acentuada.

Em relação às alterações histológicas, de maneira geral, a neovascularização foi acentuada em 56% dos casos, o componente inflamatório foi leve em 68% dos trajetos analisados e a fibrose foi acentuada em 68%. (Tabela 2)

Nos sarcomas de partes moles houve contaminação em 57,1% dos casos, já nas neoplasias ósseas e cartilaginosas houve contaminação em 22,2%. O componente inflamatório foi leve em 87,5% dos casos positivos e a neovascularização foi acentuada em 75% desses trajetos. (Tabela 2) A fibrose foi acentuada em 83,3% dos sarcomas ósseos e 28,6% dos de partes moles. A fibrose foi acentuada em 94,1% dos trajetos negativos e em 5,9% dos casos positivos. Na maioria dos casos positivos (62,5%) o nível de infiltração foi no subcutâneo e derme.

DISCUSSÃO

Quanto à distribuição do sexo, gênero, grupo etário e localização corpórea dos tumores os dados desse trabalho estão de acordo com da literatura.4,5

Quando se pensa em estudar trajetos de biópsia um dos principais questionamentos de vários estudiosos no assunto é se seria possível localizar no meio do subcutâneo o local por onde previamente passou o instrumento realizador de biópsia. Para isso usamos as alterações histológicas locais, já que se trata de uma agressão ao tecido. Sendo, portanto, factível de ser realizado. Sem estas alterações seria mais trabalhoso localizarmos o local exato para estudo.

O nível de infiltração tumoral foi necessário para confirmar se os casos positivos foram implantes pela realização da biópsia ou se poderiam ser tumores que infiltraram pelo pertuito formado na fáscia muscular resultando em falso-positivos. Como nos casos positivos não havia contiguidade do implante tumoral com o tumor, bem como também apresentavam localização em derme e/ou subcutâneo, isso nos permitiu concluir que se tratavam de células deixadas pela realização da biópsia e não invasão do tumor pelo pertuito formado na fáscia muscular.

Foi verificado que dos oito casos considerados positivos o implante ocorreu principalmente na derme e subcutâneo, sem continuidade e/ou proximidade com a fáscia, o que poderiam resultar em falso-positivos.

Houve um maior número de casos positivos entre os sarcomas de partes moles. Pode-se sugerir que a maior celularidade e a menor quantidade de matriz, características próprias desses tumores, estariam relacionadas à disseminação das células. Ocorrendo o contrário nos tumores ósseos, onde a matriz em maior quantidade permitiria uma diluição das células e menor contaminação.

Observou-se que nos trajetos positivos houve uma frequência maior do componente inflamatório leve e da neovascularização acentuada, isso permite sugerir que a resposta imune (inflamatória) e a angiogênese possam ter um papel importante na disseminação neoplásica.

Na realização das biópsias de tecido ósseo há uma maior agressão local para obtenção da amostra o que pode estar relacionado à maior resposta tecidual de fibrose encontrada nesses casos.

Schwartz e Spengler6 ao relatarem o implante tumoral em trajeto de biópsias de três pacientes concluem seu artigo afirmando que se deve retirar o trajeto sempre, mesmo que a biópsia tenha sido realizada de maneira percutânea. Também fazem críticas a pobre literatura a respeito do tema. Há poucos artigos sobre estudos de trajetos e que a ressecção ampla junto à peça cirúrgica deve ser feita.

Pollock e Stalley7 chamaram atenção para os riscos da não retirada do trajeto de biópsias em pacientes biopsiados por agulhas finas, onde não se encontra a cicatriz da biópsia no momento da cirurgia. Concordamos com os autores, visto os resultados do presente estudo, apesar de não ter sido realizado com agulhas finas.

Ginald8 relatou caso onde houve implante por células tumorais no trajeto da biópsia de um paciente do sexo masculino com 74 anos de idade com linfoma Não-Hodgkin na crista ilíaca.

Stoker et al9 analisaram a eficácia da biópsia com agulha de Jamshidi de 2mm em 208 procedimentos realizados em dois anos. Citam os benefícios deste tipo de biópsias e as complicações tais como: infecção e fraturas. Indicam a retirada do trajeto na cirurgia definitiva.

Davies e Livesley10 relataram caso de adolescente de 18 anos operado por osteossarcoma do fêmur distal que após tratamento com quimioterapia neo-adjuvante, ressecção com substituição por endoprótese, houve recidiva no trajeto da biópsia 18 meses após a cirurgia. Mostrando que há risco de recidiva tumoral caso o trajeto permaneça no doente.

Chojniak et al11 estudaram retrospectivamente, de julho de1994 a fevereiro de 2000, 1.300 biópsias realizadas no Hospital do Câncer A. C. Camargo em São Paulo -SP. Encontraram um implante tumoral no trajeto da biópsia em portador de carcinoma renal localmente avançado. Mostrando que mesmo realizando biópsias por tomografia e agulhas especiais, existe risco de implante tumoral.

De Santos et al12 descreveram os princípios da biópsia percutânea com agulhas, citaram diversos modelos de instrumentais cirúrgicos, vias de acesso as principais complicações deste tipo de biópsia. São citados alguns casos clínicos. Quanto à possibilidade de contaminação do trajeto citam que clinicamente não é significante.

Enneking13 em editorial, apresentou os principais conceitos sobre biópsia em tumores musculoesqueléticos acrescentando-lhes detalhes para o enriquecimento do tema. Cita o risco de contaminação inadvertida do trajeto da biópsia e tecidos circunvizinhos, mas não há estudo detalhado de trajetos de biópsias.

Gonçalves et al14 estudaram 17 trajetos de biópsia de pacientes portadores de osteossarcoma e correlacionaram com o grau de necrose tumoral após a quimioterapia neo-adjuvante. Em todos os casos não houve implante de células tumorais independente do grau de necrose. Em nosso estudo os resultados foram divergentes, apesar de termos uma amostra mais variada.

O estudo histológico do trajeto de biópsia é factível de ser realizado com critérios histológicos definidos podendo ser reproduzido em futuros estudos.

CONCLUSÕES

O estudo histopatológico do trajeto de biópsias mostrou alto percentual (32%) de contaminação por células neoplásicas indicando que há necessidade de se ressecar o trajeto junto à peça cirúrgica.

As alterações histológicas encontradas são importantes para localizar no subcutâneo do trajeto o provável local por onde previamente havia passado o instrumental da biópsia, bem como o nível de infiltração tumoral serviu para afirmar que os casos positivos não se tratavam de resultados falso-positivos.

Trabalho recebido em 24/07/08 aprovado em 05/06/09

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo

Trabalho realizado no instituto de ortopedia e traumatologia da FMUSP.

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  • Endereço para correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      05 Jun 2009
    • Recebido
      24 Jul 2008
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