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Avaliação da neurólise ulnar na neuropatia hansênica

Resumos

Os autores avaliam os resultados de 35 procedimentos de descompressão cirúrgica do nervo ulnar realizados em 28 pacientes hansênicos. Os parâmetros utilizados incluíram a escala analógica visual, a escala comportamental, a avaliação da força muscular, a estesiometria e a avaliação do efeito do procedimento no que tange à diminuição da corticoterapia no pós-operatório. Observou-se resolução imediata da dor após a realização da cirurgia, melhora da força muscular em metade dos pacientes, melhora da sensibilidade em metade dos pacientes. A diminuição da dosagem da prednisona após a cirurgia foi constante e significativa após a operação.

Hanseníase; Neuropatias ulnares; Procedimentos cirúrgicos operatórios


In this study, the authors assess the results of 35 surgical ulnar nerve decompression procedures performed on 28 leprous patients. The parameters employed included the visual analogue scale, the behavioral scale, the muscle strength evaluation, the esthesiometry and the evaluation of the effect of the procedure on decreasing postoperative corticoid therapy doses. Early resolution of pain was seen after surgery, muscle strength increased in half of the patients, sensitivity increased in half of the patients, with ongoing and significant decrease of prednisone doses after surgery.

Leprosy; Ulnar neuropathies; Surgical operative procedures


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da neurólise ulnar na neuropatia hansênica

Jorge Eduardo de Schoucair JambeiroI; Aryon de Almeida Barbosa JúniorII; Mitermayer Galvão ReisII; Alex GuedesIII; Antero Tavares Cordeiro NetoIV

IProfessor Adjunto Doutor - Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Chefe do Grupo de Pé - Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Santa Izabel - Santa Casa de Misericórdia de Salvador

IIProfessor Doutor. Médico Pesquisador do Centro de Pesquisas Gonçalo Muniz - Fundação Osvaldo Cruz

IIIProfessor Doutor. Chefe do Grupo de Oncologia Ortopédica - Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Santa Izabel - Santa Casa de Misericórdia de Salvador

IVAssistente do Grupo de Pé - Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Santa Izabel - Santa Casa de Misericórdia de Salvador

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Conde Filho, 67, aptº; 401, Graça Salvador - BA, Brasil CEP 40150-150 E-mail: jambeiro@jambeiro.com.br

RESUMO

Os autores avaliam os resultados de 35 procedimentos de descompressão cirúrgica do nervo ulnar realizados em 28 pacientes hansênicos. Os parâmetros utilizados incluíram a escala analógica visual, a escala comportamental, a avaliação da força muscular, a estesiometria e a avaliação do efeito do procedimento no que tange à diminuição da corticoterapia no pós-operatório. Observou-se resolução imediata da dor após a realização da cirurgia, melhora da força muscular em metade dos pacientes, melhora da sensibilidade em metade dos pacientes. A diminuição da dosagem da prednisona após a cirurgia foi constante e significativa após a operação.

Descritores: Hanseníase; Neuropatias ulnares; Procedimentos cirúrgicos operatórios.

INTRODUÇÃO

O Mycobacterium leprae é um bacilo álcool-ácido resistente, e parasita intracelular obrigatório, medindo 0,3-0,5 x 4-7 micrômetros, com predileção pelas células de Schwann e pele.

Seu crescimento é lento, com tempo de geração de 12 a 14 dias, com período de incubação de dois a quatro anos, crescendo melhor a 30 graus centígrados e por isso prefere as áreas mais frias do corpo, culminando com a evolução crônica da doença.

A bactéria pode permanecer viável por vários dias ex vivo. O tipo gram positivo da parede celular é altamente complexo e contem proteínas, glicolipideos fenólicos, arabinoglicano, peptideoglicano e ácido micólico, este último possivelmente responsável pelo caráter álcool ácido resistente(1).

A patogênese da hanseníase envolve interações entre o Mycobacterium leprae. e certa disfunção do sistema imunológico do hospedeiro. O M leprae tem alta infectividade, porém tem baixa patogenicidade e virulência(1,2). A maioria das pessoas é resistente ao bacilo, de forma que sua presença no organismo humano não significará necessariamente doença.

As apresentações clínicas da Hanseníase estão associadas a padrões imunológicos distintos, variando de uma resposta imune mediada por células ao M.leprae à ausência de resposta celular aos antígenos do M.leprae. Nas lesões tuberculóides há predomínio de células TCD4+ e de citocinas Th1(IL-2,IFN-gama). IFN-gama ativa macrófago e IL-2 estimula o crescimento de células T antígeno-específicas, resultando em doença mais branda ou cura. Nas lesões virchowianas há predomínio de célulasT supressoras CD8 e citocinas Th2(IL-4,IL-5,IL-10), as quais aumentam a resposta humoral.IL-4 estimula a produção de IgE e IL-4 e I|L-10 estimulam células B e inibem a ativação de macrófago, resultando em infecção progressiva(2,3).

Consideram-se os pacientes portadores de formas multibacilares como a principal fonte de infecção, embora o homem não seja o único reservatório natural do bacilo. Tatus e primatas não humanos podem ser naturalmente infectados e talvez possam desempenhar algum papel na epidemiologia da doença(4).

A principal forma de contágio é inter-humana e o maior risco é a convivência domiciliar com o doente bacilífero(5). Contatos próximos de pacientes com Hanseníase têm alto risco de desenvolver a doença. A idade do contato, a classificação da doença do paciente index, a distância física e genética são fatores independentes associados com o risco de adquirir Hanseníase(6).

As vias aéreas superiores são a porta de entrada e eliminação do bacilo, eventualmente a pele erodida age também como porta de entrada(2,4).

No nosso país, há uma tendência ascendente de endemia global, maior que a taxa de crescimento populacional. Na região Nordeste o índice médio é de 5.96% / ano. Há aumento de casos das formas paucibacilares (que reflete o aumento dos bacilos circulantes e a maior exposição dos não susceptíveis ao risco) com respectiva diminuição das formas multibacilares(7).

Essa tendência à ascensão na incidência, associada à modificação na distribuição das formas clínicas são as bases para se supor que a endemia hansênica encontra-se em franca expansão no país(7).

A Hanseníase é uma doença inflamatória crônica que afeta primariamente a pele, nervos periféricos, trato respiratório superior e olhos.

Manifestações cutâneas são devidas basicamente a: (1) carga bacteriana; (2) respostas imunológicas do hospedeiro; (3) lesão dos nervos periféricos devido à carga bacteriana e às respostas imunológicas do hospedeiro e (4) deformidades secundárias previsíveis, responsáveis pela maior parte do estigma da doença.

Os sintomas sistêmicos variam. Surgem lesões novas a distancia e as neurites mostram-se freqüentes, podendo ser a única manifestação clínica. As neurites podem ser silenciosas, nas quais o dano funcional do nervo se instala sem quadro clínico de dor e espessamento do nervo.

Os nervos mais comprometidos são ulnar e mediano nos membros superiores; fibular comum e tibial posterior nos membros inferiores; facial e grande auricular no segmento cefálico.

A neurite constitui processo inflamatório do nervo causado pelo bacilo da hanseníase direta ou indiretamente. Ocorre em resposta à invasão bacilar e constitui reação inflamatória com edema acentuado e/ou formação de abscesso neural, com conseqüente compressão do nervo acometido em determinados sítios anatômicos, culminando na degeneração e morte nervosa. Pode ser crônica ou aguda (hipersensibilidade), esta última constitui emergência médica, levando-se em conta sua rápida evolução para perda de função.

O tratamento da neurite depende do estágio em que ela se encontra: (1) tratamento dos quadros iniciais com antinflamatórios, drogas antirreacionais e monitorização clínica; (2) déficit neurológico que não se resolve com medicação em poucos dias e deve ser tratado mediante liberação cirúrgica e (3) tratamento das seqüelas, lesão irreversível.

O nervo mais freqüentemente acometido pela neurite hanseniana é o ulnar com área crítica ao redor do cotovelo(8).

Ocorre síndrome compressiva resultante do edema neural associado ao processo inflamatório infeccioso gerado pela invasão bacilar e reação imunológica, combinadas ao espessamento do epineuro, que é inelástico e impermeável, associado à passagem pelo sulco ulnar do epicôndilo medial. Há aumento da pressão intraneural que comprime o seu axônio(8,9).

O tratamento de escolha para a essa síndrome no estágio compressivo II é a neurólise ulnar externa(8,10).

Este procedimento pode ser realizado de maneira eficiente através de técnica ambulatorial sob anestesia local sem garrote(8).

O objetivo de nosso trabalho é avaliar os resultados da descompressão cirúrgica do nervo ulnar em pacientes hansênicos, utilizando a escala analógica visual, a escala comportamental, a avaliação da força muscular, a estesiometria e a avaliação do efeito do procedimento no que tange à diminuição da corticoterapia no pós-operatório.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Este trabalho foi realizado após avaliação e recomendação doComitê de Ética do Hospital Santa Izabel da Santa Casa de Misericórdia de Salvador Bahia.

No período compreendido entre janeiro de 2003 a abril de 2005 foram realizadas 35 operações de descompressão do nervo ulnar em 28 pacientes portadores de neuropatia ulnar hansênica, após consentimento esclarecido, no Hospital Especializado Dom Rodrigo de Menezes (HEDRM - Secretaria de Saúde do Estado da Bahia) em Salvador, Bahia (Tabela 1).

O sexo masculino foi o mais freqüente (24 pacientes), correspondendo a 85,71% dos pacientes. A idade variou entre 14 e 47 anos com média de 31,7 anos. Do total, 21 pacientes (75%) foram abordados unilateralmente (nove do lado esquerdo e doze do lado direito) e sete foram operados bilateralmente. As formas paucibacilares (PB) foram encontradas em oito pacientes (28,6%) e as multibacilares (MB) em 20 pacientes (71,4%). A forma da doença foi tuberculóide em dois casos (7,14%), a dimorfa tuberculóide esteve presente em seis casos (21,43%), a dimorfa dimorfa (central) em oito casos (28,5%), a dimorfa virchowiana em cinco casos (17,9%) e a virchowiana em sete casos (25%).

Foram também avaliados do ponto de vista de situação de dor com escala analógica visual (EAV), escala comportamental (EC), teste de sensibilidade com uso de monofilamentos de Semmes-Weinstein e teste de força motora segundo a escala do BMC.

Após a avaliação os doentes foram submetidos ao tratamento cirúrgico (neurólise externa) do nervo ulnar, quando incluídos nos seguintes critérios:

• Paciente com contra indicação do uso de corticosteróide.

• Abscesso de nervo.

• Paciente com neuropatia que não responde ao tratamento clínico para neurite dentro de quatro semanas.

• Paciente com neuropatia (neurites) subentrante.

• Paciente com dor não controlada e/ou crônica.

Técnica operatória

A técnica empregada foi descrita por Jambeiro et al.( 11).

Os cuidados com o pré-operatório incluíam: avaliação clínica, exames laboratoriais, eletrocardiograma e radiografias do tórax. Para o procedimento de neurólise externa do nervo ulnar utilizou-se técnica ambulatorial sob anestesia local sem o uso de garrote.

O braço do paciente foi colocado em abdução e rotação externa para facilitar a abordagem. Em seguida procedeu-se à anestesia loco-regional (bloqueio do nervo, complementado por infiltração da pele e subcutâneo) com 10 ml de lidocaína a 2% para infiltração intraneural e 10 ml desta substância a 1% para infiltração da pele e subcutâneo.

A seguir, realizou-se incisão sobre o aspecto póstero-medial do cotovelo, começando sete centímetros acima do epicôndilo medial, em sentido distal, adiante ao epicôndilo, seguindo a projeção cutânea do trajeto do nervo ulnar. Procedeu-se a dissecção da pele e subcutâneo, identificando-se a origem da musculatura flexora do punho e o sulco do nervo ulnar ao nível do epicôndilo medial. Através de dissecção cuidadosa, liberou-se o nervo ulnar deste sulco, identificando seus ramos para o M. flexor profundo dos dedos e o M. flexor ulnar do carpo para obter melhor mobilização do tronco principal. Todo e qualquer tecido fibrocicatricial que possa comprimir o nervo foi excisado. Quando necessário, agregou-se a epineurotomia, que consiste na abertura do epineuro com tesoura delicada em toda a extensão do nervo comprometido.

Após a liberação, suturou-se o canal em toda sua extensão, com categute cromado 2-0 para evitar que o nervo voltasse a ocupar sua posição original e fosse novamente comprimido. O fechamento do subcutâneo foi feito com categute simples 3-0 e a pele é suturada com fio inabsorvível (mono nylon 4-0).

Após o fechamento foi realizado curativo compressivo suave e o membro mantido em tipóia com flexão do cotovelo a 90º por quinze dias, após os quais, retiraram-se os pontos e iniciada mobilização do cotovelo.

Avaliação pós-operatória

Após o procedimento, os pacientes foram reavaliados clinicamente conforme os parâmetros apresentados relacionados à dor, força muscular, estesiometria e dosagem do corticóide administrado aos 30, 90 e 180 dias de pós-operatório.

RESULTADOS

Os aspectos avaliados foram:

1. Avaliação da dor na Escala Analógica Visual (EAV)

2. Avaliação da dor na Escala Comportamental (EC)

3. Avaliação da Força Motora

4. Estesiometria

5. Quantidade de cortisona receitada

Os quatro primeiros aspectos foram analisados nervo a nervo, enquanto o último foi analisado paciente a paciente.

Cada um destes aspectos foi avaliado em quatro momentos distintos. Apenas o primeiro momento ocorreu antes da cirurgia. A comparação entre dois momentos distintos para cada aspecto permite a caracterização da evolução dos pacientes. Em particular, a comparação entre a primeira medida e a última exibe os efeitos finais do procedimento cirúrgico.

Avaliamos também os efeitos da idade, do sexo, do tipo e forma da hanseníase, tempo decorrido entre o início da doença e realização da neurólise.

Avaliação da dor na escala analógica visual

Na escala analógica visual da dor (EAV), o paciente avalia sua dor. O nível zero corresponde a ausência da dor enquanto o nível dez corresponde a pior dor imaginável.

Percebemos que a média do nível nesta escala tem redução imediata após a cirurgia. Esta redução continua entre os instantes de avaliação posteriores à cirurgia (Figura 1).


Os testes de hipótese pareados entre o instante anterior e os instantes posteriores 1,2 e 3 resultaram em pvalores respectivamente iguais a

. Em qualquer caso a hipótese nula está descartada. Não há dúvida de que a cirurgia reduz a dor avaliada na escala analógica visual.

No histograma comparando o último instante de avaliação com a avaliação anterior a cirurgia, apenas um paciente apresentou piora na escala visual da dor. Todos os demais apresentaram melhora. Isto confirma a conclusão de que a cirurgia traz benefícios na EAV (Figura 2).


Avaliação da escala comportamental da dor

Na escala comportamental da dor (EC), o paciente avalia sua dor e comportamento. O nível zero corresponde à ausência da dor, enquanto o nível dez corresponde à dor persistente mesmo em repouso e com uso de medicações, prejudicando suas atividades mínimas diárias até alimentação e higiene.

Percebemos que a média do nível de dor na escala comportamental também apresenta redução imediata após a cirurgia. Esta redução continua entre os instantes de avaliação posteriores à cirurgia (Figura 3).


Os testes de hipótese pareados entre o instante anterior e os instantes posteriores 1, 2 e 3 resultaram em p valores respectivamente iguais a

. Em qualquer caso a hipótese nula está descartada. Não há dúvida de que a cirurgia reduz a dor avaliada na escala comportamental, assim como ocorre com a escala analógica visual.

No histograma que compara o último instante de avaliação com a avaliação anterior a cirurgia, todos os pacientes apresentaram melhora. Isto confirma a conclusão de que a cirurgia traz benefícios na EC (Figura 4).


Avaliação da Força Muscular

A força motora é avaliada pela Escala da Força Motora. O nível zero corresponde à total incapacidade de movimento (paralisia), enquanto o nível cinco corresponde à normalidade completa.

Percebemos que a média do nível da força motora aumenta logo após a cirurgia e prossegue crescendo (Figura 5).


Os testes de hipótese pareados entre o instante anterior e os instantes posteriores 1, 2 e 3 resultaram em pvalores respectivamente iguais a

. Estes valores são suficientes para descartar a hipótese nula em um teste de hipótese com 5% de significância. Podemos concluir que a cirurgia aumenta a força motora.

Vejamos um histograma comparando o último instante de avaliação com a avaliação anterior a cirurgia. Nenhum paciente teve piora na força motora enquanto 60% deles apresentaram melhoras (Figura 6).


Avaliação da sensibilidade

A sensibilidade é avaliada através da estesiometria. O nível zero corresponde a total insensibilidade (anestesia), enquanto o nível cinco corresponde à normalidade completa.

Percebemos que a média da sensibilidade aumenta logo após a cirurgia, prossegue crescendo (Figura 7).


Os testes de hipótese pareados entre o instante anterior e os instantes posteriores 1, 2 e 3 resultaram em p valores respectivamente iguais a

. Não podemos descartar a hipótese nula na comparação da primeira avaliação após a cirurgia e a avaliação antes dela. No entanto, os demais valores são suficientes para descartar a hipótese nula em um teste de hipótese com 5% de significância. Podemos concluir que a cirurgia aumenta a sensibilidade.

No histograma comparando o último instante de avaliação com a avaliação anterior a cirurgia, apenas dois pacientes tiveram piora na sensibilidade enquanto que 60% deles apresentou melhoras (Figura 8).


Efeitos Sobre a Quantidade de Cortisona Receitada

Percebemos uma ligeira redução na média da utilização de cortisona logo após a cirurgia e quedas acentuadas em momentos posteriores (Figura 9).


Para validar nossa hipótese de que a utilização de cortisona foi reduzida, realizamos testes comparando cada um dos três momentos posteriores com o momento anterior a cirurgia. Como e cada uma desta comparações temos uma comparação do tipo antes e depois, utilizaremos testes de hipóteses pareados.

O teste envolvendo o "Instante posterior 1" resultou em um p valor de 0,02. Isto não nos permite uma conclusão absoluta, mas pudemos descartar a hipótese nula em um teste de hipótese com 5% de significância.

O histograma da diferença na utilização de cortisona entre o momento anterior a cirurgia e o primeiro momento posterior (Figura 10) mostra aumento no nível de cortisona de apenas dois pacientes, enquanto que nove pacientes apresentaram redução. No entanto, a maior parte dos pacientes teve mantido o nível de cortisona anterior à cirurgia.


O teste envolvendo o "Instante posterior 2" resultou em um pvalor de

. A hipótese nula está, portanto, descartada. Os benefícios da cirurgia estão comprovados já na segunda avaliação.

O histograma da diferença na utilização de cortisona entre o momento anterior a cirurgia e o segundo momento posterior confirma esta conclusão (Figura 11). É relevante o fato de que nenhum paciente teve elevação do nível de cortisona.


Embora na segunda avaliação tenhamos comprovado a redução dos níveis de cortisona, ainda poderia ocorrer um retrocesso. No entanto, o teste envolvendo o "Instante posterior 3" resultou em um pvalor de

. A hipótese nula está, portanto, descartada. A manutenção dos benefícios da cirurgia está comprovada.

O histograma da diferença na utilização de cortisona entre o momento anterior a cirurgia e o terceiro momento (Figura 12) confirma esta conclusão. Apenas um paciente não teve redução no nível de cortisona.


Influência das características dos pacientes

Utilizamos modelos de regressão linear na tentativa de descobrir a influência das variáveis: idade, sexo, tipo de hanseníase, forma de hanseníase e tempo decorrido entre o início da doença e a realização da neurólise sobre EAV, EC, força motora e sensibilidade.

Os resultados, obtidos usando o software estatístico R, mostraram com clareza apenas o fato de que quando a hanseníase tem forma Virchowiana o benefício da cirurgia quanto à sensibilidade fica reduzido.

Confirmamos o resultado com histogramas. O primeiro inclui apenas os casos não Virchowianos (Figura 13); o segundo inclui os casos Virchowianos (Figura 14).



No entanto, constatamos que os pacientes com hanseníase na forma Virchowiana já apresentavam sensibilidade maior que os demais pacientes antes da cirurgia. Com isto, havia menos espaço para melhora (Figuras 15 e 16).



DISCUSSÃO

A hanseníase é uma doença neurectodérmica com graves conseqüências associadas ao aparelho locomotor, cuja cura ou mesmo erradicação não significa o desaparecimento de lesados e sequelados, pois se calcula que seriam necessárias 2.400.000 cirurgias no tratamento e correção dos pacientes acometidos. Apesar de recentes avanços na imunopatogenese, epidemiologia e fatores prognósticos das lesões neurais, muitos aspectos da doença relativos ao envolvimento neural permanecem enigmáticos(12).

O envolvimento neural na Hanseníase, previamente encarado apenas como um aspecto diagnóstico da doença e como uma complicação do tratamento, representa uma fase e um fator essenciais no círculo de infecção e re-infecção pelo Mycobacterium leprae(13), bem como constitui um dos fatores determinantes do espectro imunológico observado na Hanseníase(14).

A neurite hanseniana é um processo inflamatório causado direta ou indiretamente pela invasão do nervo periférico pelo Mycobacterium leprae, sendo o nervo mais acometido o ulnar. Isso sugere que a identificação precoce do bacilo poderia ser ajudada pela detecção de estágios iniciais de compressão neural(15). Tal processo dá origem à compressão neural intrínseca e extrínseca, apresentando-se em três estágios básicos: irritativo (estágio I), caracterizado por dor, parestesia e hiperestesia; compressivo (estágio II), caracterizado por hipoestesia e parestesia e deficitário (estágio III), caracterizado por anestesia, paralisia e atrofia.

Nos estágios II e III acredita-se que o tratamento cirúrgico (neurólise ulnar externa) seja a alternativa que fornece os resultados mais promissores, especialmente no estágio II, em que o paciente pode recuperar total ou parcialmente sua perda sensório-motora. Já no estágio III, a neurólise externa inibe o processo degenerativo intraneural; contudo a regressão clínica dificilmente ocorrerá, tornando necessário associar a neurólise a operações de cunho reabilitativo. A neurólise ulnar externa realizada em regime ambulatorial e sem garrote constitui procedimento eficiente, simples, rápido e de baixo custo.

O fato de encontrarmos em nossa casuística prevalência maior da neuropatia do nervo ulnar (6:1) corresponde aos dados encontrados na literatura. Com relação ao tipo observamos que mesmo as formas paucibacilares tratadas previamente com esquema poliquimioterápico podem levar a lesões neurais, sendo que a forma dimorfa (tuberculóide, dimorfa e virchowiana) são as que mais lesam os nervos, equivalendo a 67,6% dos pacientes operados, o que corresponde aos achados previamente descritos. A poliquimioterapia é eficaz em bloquear a progressão do processo de doença, bem como em reduzir a carga bacteriana viável, tanto em pacientes multibacilares quanto paucibacilares. Entretanto a presença de antígenos de M.leprae nas lesões neurais em todos os casos multibacilares tratados com a poliquimioterapia e na maioria dos paucibacilares também tratados,sugere que os antígenos persistem por um prolongado período. Assim o risco de reação imunológica e lesão neural silenciosa associada a antígenos, podem continuar mesmo após a maioria dos bacilos terem sido mortos. Tal fato indica que na Hanseníase a maioria das lesões neurais são devidas a antígenos bacterianos(16).

Os efeitos da operação com relação à escala analógica visual e comportamental da dor são marcantes, o que se pode observar já no pós-operatório imediato. A análise do histograma confirma a conclusão de que a cirurgia traz benefícios no alívio da dor e na mudança de comportamento.

Percebemos melhora da força motora em 50% dos pacientes, enquanto que não houve piora dos resultados na outros 50%. Esses dados sugerem que a neurólise ulnar tanto pode produzir melhora neurológica quanto poderá impedir mais dano neural quando esta for significativa.

Com relação à avaliação da sensibilidade por estesiometria é importante enfatizar que os resultados obtidos utilizando o software estatístico R mostraram com clareza apenas o fato de que a hanseníase na forma virchowiana (doença intraneural) tem benefício reduzido quanto à melhora da sensibilidade (histogramas comparativos).

A prednisona é administrada para o tratamento da neuropatia hansênica na dose de 1mg/kg/dia, com dose máxima de 60mg/dia. Os critérios de utilização são: dor, espessamento neural, diminuição da força motora e da sensibilidade. A prescrição da prednisona foi realizada por outro médico seguindo os critérios habituais. Quanto pior é o estado do paciente, maior é a quantidade de cortisona requerida. Os efeitos secundários da utilização da cortisona por períodos prolongados são de conhecimento amplo (osteoporose generalizada e suas conseqüências, síndrome de Cushing, diabetes, obesidade, celulite, estrias, dentre outras).

A diminuição da dosagem da prednisona após a cirurgia foi constante e significativa em cada um dos instantes posteriores à operação. Isso sugere que provavelmente a corticoterapia em altas doses utilizada previamente ao procedimento estaria além do necessário para um paciente que, na verdade, apresentava sintomas relacionados à compressão mecânica do nervo ulnar.

CONCLUSÕES

• A descompressão cirúrgica (neurólise) é o método indicado e urgente para resolver neuropatia hansênica compressiva.

• A neurólise pode ser realizada ambulatorialmente sob anestesia local, sem o uso de garrote.

• A resolução da dor foi imediata após a realização da cirurgia.

• A diminuição do uso de prednisona após a operação sugere que se deve rediscutir o uso prolongado de corticóide em altas doses, pelo risco de seqüelas ou doenças associadas a tal prática.

• A cirurgia produziu satisfação pessoal e melhora da auto-estima em todos os pacientes

• A força motora e a sensibilidade podem ser preservadas ou melhoradas com a cirurgia no momento adequado.

• A cirurgia e o uso de corticóide não são métodos de tratamento que competem entre si, nem excludentes.

Artigo recebido em 23/08/07

aprovado em 11/09/07

Trabalho realizado na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador-BA, Brasil -Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Santa Izabel - Santa Casa de Misericórdia de Salvador-BA,Brasil. Serviço de Ortopedia do Hospital Especializado Dom Rodrigo de Menezes - SESAB, Salvador-BA, Brasil

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      11 Set 2007
    • Recebido
      23 Ago 2007
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