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As revoluções de independência como revoluções do tempo: almanaques, calendários e cronologias no Brasil do século XIX

The revolutions of independence as revolutions of time: almanacs, calendars and chronologies in 19th century Brazil

Resumo:

O artigo analisa concepções de tempo presentes no contexto da Independência do Brasil, relacionando-as com as observadas também em outros espaços americanos e europeus da mesma época. Mais especificamente, foca sua atenção em almanaques, calendários e cronologias produzidos e em circulação no Brasil de começos do século XIX. Em caráter introdutório, apresenta também uma discussão acerca de ideias de revolução e de mudança temporal na historiografia sobre o período.

Palavras-chave:
Independência do Brasil; História do tempo; Calendários

Abstract:

The article analyzes conceptions of time in the process of Brazilian Independence, focused on almanachs, calendars and chronologies found in Brazil in the first decades of nineteenth-century. Also, it brings a discussion about ideas of time and change in historiography, in an effort to relate Brazil to other parts of Latin America and Europe.

Keywords:
Independence of Brazil; History of time; Calendars

Introdução

A Grande Revolução introduziu um novo calendário. O dia com o qual começa um novo calendário funciona como um acelerador histórico. No fundo, é o mesmo dia que retorna sempre sob a forma dos dias feriados, que são os dias da reminiscência. Assim, os calendários não marcam o tempo do mesmo modo que os relógios. Eles são monumentos de uma consciência histórica da qual não parece mais haver na Europa, há cem anos, o mínimo vestígio (Benjamin, 1940BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: O anjo da história. São Paulo: Autêntica, 2012., p. 24).

A parcial unidade histórica entre os processos de independência do Brasil e da América espanhola, bem como desses com outros processos políticos em curso entre fins do século XVIII e as primeiras três décadas do século XIX, hoje são razoáveis consensos historiográficos. No tocante a uma dimensão fundamental desses processos, as palavras de Walter Benjamin, acima transcritas, expressam adequadamente essa unidade: pois elas indicam uma relação entre relógios, calendários, aceleração e consciência histórica que, no século anterior, não se limitavam ao mundo europeu. E embora muito ainda precise ser feito para que esse tema seja satisfatoriamente conhecido, principalmente as muitas maneiras pelas quais o Brasil se fez conhecer e impactar em diferentes regiões do continente americano, as elaborações historiográficas nessa direção são cada vez mais numerosas e inovadoras1 1 No tocante a uma história das formas de tempo no Brasil de começos do século XIX, alguns bons desenvolvimentos são: Araujo (2008); Pereira (2011); Fanni (2015); Escosteguy Filho (2016); Santos (2017); Araujo; Cezar (2018). Para sua relação com periódicos e outras publicações, ver Matheus (2010). e permitem um frutífero diálogo com trabalhos de décadas passadas.

A história dessas elaborações acompanha a própria história da historiografia da Independência do Brasil, historiografia esta que jamais esteve dissociada de diversas tradições de se pensar as origens do Estado, da nação e da identidade como temas fundamentais do processo de constituição de um campo intelectual brasileiro (Costa, 2005COSTA, Wilma Peres. A independência na historiografia brasileira. In: JANCSÓ, István(Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005, p. 53-118.). Desde as primeiras narrativas da Independência, elaboradas em meio ao próprio processo, as relações entre o Brasil e seus vizinhos continentais sempre foram consideradas. Prevaleceram, contudo, as diferenças, os contrastes e os alijamentos, a despeito da regularidade de atitudes minoritárias que enfatizaram articulações e integrações. Nessa direção, uma das renovações mais recentes vem de obras que valorizam não apenas o entendimento de numerosas situações concretas pelas quais o Brasil e a América espanhola se encontraram em seus processos políticos oitocentistas, mas também a concepção de que tais encontros possuem, como lugar de sua inteligibilidade, complexas articulações entre tempos históricos, dos quais resultam unidades históricas como aquela que envolve as independências.2 2 Alguns exemplos de desenvolvimento nessa direção são: Jancsó (1996); Berbel; Marquese; Parron (2010); Rojas Castro (2013); Pimenta (2015; 2017). O Proyecto Iberconceptos explorou muitas possibilidades analíticas semelhantes, no campo da história dos conceitos, ainda não devidamente aprofundadas. Um ótimo esforço é o de Zermeño Padilla (2008).

Aqui, essa parcial unidade histórica entre as independências do Brasil e da América espanhola é um pressuposto, uma justificativa e um convite a novas investigações que procurem explorar tanto as expressões dessa sincronicidade como o relevo próprio das situações particulares e de seus ritmos. O desenvolvimento do tema específico proposto - as independências como revoluções, e estas revoluções como revoluções do tempo - está focado particularmente no caso do Brasil. Mas assim como se procedeu em outras obras anteriores, esse Brasil - na verdade, uma pluralidade de regiões que a partir da separação com Portugal esboçam uma unidade política e societária nacional que não existia anteriormente (Jancsó; Pimenta, 2000JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos G. (Org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira. Formação: histórias. São Paulo: Senac, 2000, p.127-175.) - nunca é considerado como uma suposta exceção, ou completa singularidade, ou ainda uma aberração, no cenário continental ou ocidental da época (Costa, 1996COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o exército, a guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Hucitec/Unicamp, 1996.); tampouco o seu entendimento tem como pontos de partida e chegada uma historiografia nacional que, se for voltada exclusivamente a aspectos da independência do Brasil, sem olhar para um cenário mais amplo, jamais se mostrará suficiente como base teórica, metodológica e empírica para explicar o Brasil.

Nas páginas que se seguem, o esforço de explicação pretende transcender o Brasil, e se converter, ao final, em uma reflexão de escopo mais geral. Ela está dividida em três partes. Uma primeira retomará brevemente uma caracterização, já bastante elaborada por muitos autores, das independências da América ibérica como revoluções, procurando agregar a essa caracterização apenas um elemento: a dimensão temporal do que aqui se entende por revolução. Uma segunda parte, também breve, e ainda com um foco ibero-americano, discutirá essa dimensão temporal das revoluções de independência por meio de ofertas provenientes da chamada história dos conceitos, de filiação alemã, cujo expoente máximo é Reinhart Koselleck, e que no plano ibero-americano conheceu exitosas elaborações a partir do Projeto Iberconceptos, coordenado por Javier Fernández Sebastián. Finalmente, a terceira parte, mais longa e mais original, tratará de dimensões materiais do processo de independência especificamente do Brasil ligadas ao tempo - notadamente almanaques, calendários e cronologias - que traduzem e ressignificam mudanças em curso na vida cotidiana e em visões de história cujo entendimento, acredita-se, permitem uma reinserção do Brasil em contextos mais amplos da época.

Novas pesquisas que permitam perceber como essa materialidade da experiência do tempo, expressa nos impressos voltados para a marcação da vida cotidiana, podem oferecer pistas fecundas para pensarmos as diversas experiências no mundo ibero-americano na era das independências. Na verdade, o recurso ao estudo dos calendários tornou-se clássico no estudo da revolução a partir da experiência radical da Revolução Francesa - como enfatiza Benjamin, na citação que encabeça esse texto -, em que a temporalidade revolucionária é sublinhada tanto como essa experiência de “suspensão do tempo”, na qual a transformação histórica se torna possível, quanto naquela outra dimensão, a da repetição e rememoração, no exemplo dos feriados, consolidando memórias coletivas. Koselleck, em outro momento, matiza o significado dessa materialidade (a mudança do calendário), chamando a atenção para o seu substrato social ao afirmar que “a novidade real não é a nova forma de contagem ou a aparente naturalidade maior, a metafórica de sua nomenclatura ou sua suposta racionalidade maior. A novidade consiste na ideia de poder reiniciar a própria história por meio de um calendário” (Koselleck, 2014KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-RJ, 2014., p. 227). Visto dessa forma, o perguntar sobre os calendários é também, de certo modo, perguntar sobre esse “poder”, sobre a intensidade das rupturas e as tessituras das continuidades, vale dizer, sobre a experiência das revoluções que compartilham esse tempo a partir de diferentes ritmos. As indagações bastante preliminares que faremos adiante sobre o caso brasileiro têm a intenção de sugerir essa perspectiva, esperando que outros estudos sobre o Brasil e outros países da América Ibérica possam abrir novos caminhos em tema pouco explorado nas experiências ibero-americanas.

As independências como revoluções

Há muitas maneiras de desabonar as independências ibero-americanas como revoluções. Como categoria de análise, o termo é impregnado de seu sentido indicativo de grandes, violentas, profundas e inovadoras transformações na ordem das coisas; revolução pareceria, então, distanciar-se de processos históricos que, na sua quase totalidade, resultaram em Estados opressores ou, na melhor das hipóteses, apenas parcialmente representativos, e, também, em nações correspondentes a sociedades profundamente desiguais.3 3 Um bom e extenso balanço em Hobsbawm (1986). De acordo com esse diagnóstico - aqui propositadamente simplificado, mas nem por isso incapaz de sintetizar tendências interpretativas recorrentes em muitas tradições historiográficas - as realidades nacionais desse mundo iberoamericano, quase todas surgidas ao longo do século XIX, carregariam pesadas heranças de suas anteriores condições coloniais. E, assim sendo, nada seria mais incompatível com o entendimento dessas realidades do que o uso de uma categoria como revolução, supostamente mais adequada para a análise de processos históricos mais inovadores e radicais do que as independências ibero-americanas.

Há muitos motivos para se concordar com esse tipo de explicação, uma vez que ela coincide com algumas realidades históricas bastante concretas. No entanto, desde muito que historiadores oferecem também interpretações que vão em outra direção. As independências ibero-americanas puderam ser - e continuam a ser - vistas como revoluções por vários fatores, dentre os quais destacam-se seis: 1) por terem sido supostamente lutas nacionais, populares e positivas de colonos oprimidos contra metrópoles opressoras (do que resultam evidentes anacronismos e outros graves problemas de interpretação); 2) por terem alterado a ordem estamental anteriormente existente, provocando efeitos que vão muito além desse tipo de alteração; 3) por sua inserção em um contexto ocidental ou mesmo mundial, reconhecido por seus analistas como efetivamente revolucionário, e no qual estabeleceram relações recíprocas, diretas ou indiretas, de causa e efeito, de inspiração, ou de troca de experiências; 4) por suas inscrições em processos econômicos transformadores como a Revolução Industrial, o advento do capitalismo ou a globalização; 5) por seu caráter de forte inovação política, em termos de novas instâncias de representação por elas criadas, e de novas formas de organização e regulação das sociedades a elas correspondentes, e em vários níveis; 6) finalmente, em uma assertiva ampla que, em muitos aspectos, pode conter algumas das anteriores ou desdobrar-se delas, por sua capacidade de fundar Estados, nações e identidades coletivas que simplesmente não existiam antes delas.4 4 A bibliografia latino-americana e latino-americanista acerca de tais temas é imensa. Destacamos alguns que apenas subsidiaram a síntese aqui proposta: Sodré (1958); Palmer (1959); Godechot (1972); Fernandes (1975); Hobsbawm (1982); Guerra (1992); Koselleck (1993). Alguns estudos historiográficos são Pimenta (2009); Roura; Chust (2010).

Entre tais interpretações existem numerosos matizes, ênfases, dinâmicas e correspondências, a depender, evidentemente, das realidades nacionais ou regionais enfocadas, dos aspectos particulares de cada processo observado ou, evidentemente, das ênfases e objetivos específicos de cada autor. Como substrato comum a tais gradações, pode-se vislumbrar um dos perenes problemas a serem enfrentados por toda e qualquer análise histórica: o das tensões - poderíamos dizer, das dialéticas - entre parte e todo, entre sujeito e sociedade, e entre rupturas e permanências.

Se a questão da concepção das independências ibero-americanas como revoluções ativa esse tipo de discussão, de enorme amplitude, no seu enfrentamento, a cautela é postura recomendada: por isso, aqui limitamo-nos a acrescentar um elemento à questão: o estudo das independências ibero-americanas pode e deve levar em conta percepções coevas da parte de seus protagonistas em relação àquilo que eles mesmos viviam, ou da parte de alguns de seus agentes secundários, indiretos e pouco ativos. E em muitos casos, esparramadas espacialmente pelos mundos luso e hispano-americanos, há uma profusão de manifestações que remetem a uma percepção coeva - que é também uma forma de concepção - de que, com os processos de independência, viviam-se momentos especiais, diferentes de momentos anteriores, épocas únicas nas quais algo de grande importância coletiva se desenvolvia. O que, por seu turno, implicava ações correspondentes a essa importância: adesão, participação ativa na construção de futuros em aberto, consciência da necessidade de se evitar que esse futuro fosse excessivamente inovador, ou ainda, simplesmente, a obrigação que tal época impunha - ao menos a seus observadores mais interessados - de registro de dados, de análise de conjuntura e de construção de memórias coletivas. A singularidade de uma época, que enseja a produção de um pensamento que a concebe como especialmente importante em relação a outras - superior a algumas, equivalente a outras - encontra boa síntese no conceito de revolução em voga no mundo ocidental entre fins do século XVIII e começos do XIX (aqui diferenciamos, portanto, conceito como fenômeno histórico-linguístico presente e atuante em uma determinada época, de categoria como ferramenta de análise utilizada para o entendimento, posterior ou externo, daquela época) (Koselleck, 1993KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Paidós, 1993.). E nesse conceito de revolução, Brasil e América espanhola - ou os Brasis e as muitas Américas - encontravam-se posicionados em uma mesma unidade histórica.

Mutações conceituais de tempo

De acordo com umas das premissas estabelecidas por Koselleck em sua decisiva contribuição para a constituição de uma história dos conceitos - entendida como uma metodologia para a abordagem de uma semântica histórica como parte da história social - encontra-se a singularidade de um conceito em relação a outro termo qualquer que não se constitui como um conceito. Pois um conceito seria um termo - ou expressão, ou imagem - que, ao condensar e articular significados de outros termos, estabelece uma complexa capacidade de síntese, definindo possibilidades do pensamento e da ação. Desse modo, não apenas todo e qualquer conceito é entendido como uma realidade social temporalizada, mas também como uma síntese de várias temporalidades. Por isso, não há conceito que não seja portador de uma simultaneidade de tempos (Koselleck, 1993KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Paidós, 1993.; Fernández Sebastián, 2011BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: O anjo da história. São Paulo: Autêntica, 2012.).

O conceito revolução sintetiza percepções recorrentes nos mundos ibero-americanos de começos do século XIX de que se vivia uma época de grandes transformações; ele oferece, igualmente, uma boa medida das relações desses mundos - e suas particularidades - com processos que abrangiam todo o Ocidente. Por conectar essas diferentes abrangências e transitar entre elas, trata-se de um conceito temporalizado e tipicamente relacionado a tempo, em múltiplas dimensões. A seu respeito, não convém nos alongarmos, uma vez que cada vez mais vários estudiosos têm se debruçado sobre seus significados, suas dinâmicas e suas trajetórias na América ibérica (Zermeño Padilla, 2014ZERMEÑO PADILLA, Guillermo. Revolución em Iberoamérica (1770-1870). Análisis y sínteses de um concepto. In: FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (Dir.). Diccionario político y social del mundo ibero-americano - Iberconceptos II, tomo 9. Madrid: Universidad del País Vasco/Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, p.15-47.); vale destacar, porém, que o conceito foi de uso frequente para a apreensão dos processos de independência em meio a esses próprios processos; e que esse uso nem sempre foi convergente, podendo tanto ensejar adjetivos positivos quanto negativos, e qualificar igualmente movimentos de transformação ou de conservação. Ou seja: em meio à vida política da época, revolução era conceito polissêmico e polêmico. Mas, para além dessa variedade de usos, para todos os efeitos ele indicava uma concepção de que as independências caracterizavam uma época especial, única, sem paralelo na história daquelas regiões.

No entanto, não apenas conceitos tipicamente relacionados a tempo, tais como revolução, história, regeneração, progresso ou decadência, entre outros, reforçam o diagnóstico da concepção coeva de unicidade histórica do que estava se passando, como bem mostraram muitos estudos vinculados ao Grupo Iberconceptos. De acordo com as afirmações de Koselleck para o mundo germânico, e de Fernández Sebastián para os contextos iberoamericanos, uma das características gerais mais salientes da conjuntura conceitual ocidental de fins do século XVIII e principalmente da primeira metade do XIX - em alguns casos essa periodização pode se estender até mais adiante - é uma tendência crescente à temporalização de conceitos em larga escala, tendência que corre paralela à de sua politização, ideologização, democratização, nacionalização, internacionalização e emocionalização (Koselleck, 1993KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Paidós, 1993.; Fernández Sebastián, 2009BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: O anjo da história. São Paulo: Autêntica, 2012.). Isto é, cada vez mais, conceitos utilizados à época adensam sua condição de portadores de uma multiplicidade de tempos, ademais de se referirem ao tempo como algo em si e como uma condição da história.

Nesse sentido, pode-se afirmar que os processos de independência ibero-americanos mantiveram estreita relação com essa grande mutação conceitual em curso, tendo nela ferramentas de projeção e ação política, e sínteses de possibilidades. Porém, como veremos a seguir, as independências foram revoluções do tempo também de outras maneiras. Pelo menos assim foi com a Independência do Brasil, justo aquela que é tradicionalmente vista como a supostamente mais conservadora de todas.

Novos tempos do cotidiano e da história

A instalação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, trouxe uma série de modificações no dia a dia de muitas populações do Brasil, motivando tensões e descontentamentos, como o aumento da carga tributária de outras capitanias, e do qual se queixariam, anos depois, os habitantes de Pernambuco que, em 1817, promoveram uma revolução republicana que durou três meses; o crescimento do tráfico negreiro com a África, que fez aumentar o número de escravos desembarcados nos portos do Brasil a partir de então e recrudesceu tensões inerentes à ordem escravista; ou o extermínio de populações indígenas que viviam em regiões próximas ao novo centro de poder máximo do Império português. Entre outras medidas, mais amenas, mas nem por isso menos impactantes, estava a criação da Imprensa Régia no Rio de Janeiro, encarregada de publicar papéis administrativos necessários à gestão do Império em sua nova sede, um jornal - a Gazeta do Rio de Janeiro -, e outras obras variadas, desde que devidamente autorizadas pela censura (Slemian; Pimenta, 2008SLEMIAN, Andréa; PIMENTA, João Paulo. A Corte e o mundo: uma história do ano em que a família real portuguesa chegou ao Brasil (São Paulo). Alameda, 2008.; Bernardes, 2006BERNARDES, Dênis Antonio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. São Paulo: Hucitec, 2006.; Florentino, 1995FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995.; Almeida, 2008ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios no tempo da Corte - reflexões sobre política indigenista e cultura indígena no Rio de Janeiro oitocentista. Revista USP São Paulo. n. 79, p. 94-105, 2008.; Morel; Barros, 2003MOREL, Marco; BARROS, Mariana Monteiro de. Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.; Neves, 2003NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência. Rio de Janeiro: Revan/Faperj, 2003.).

Entre essas obras, que contribuiriam para um sensível aumento dos espaços públicos de discussão política, econômica e cultural no Brasil, encontravam-se os primeiros almanaques editados na América portuguesa. Segundo um dicionário da língua portuguesa da época, “almanak” era um

Livro de notícias das pessoas de ofícios públicos civis ou militares, com observações meteorológicas e algumas notícias Históricas e Cronológicas. Livro que contém a distribuição do ano por meses e dias, com a notícia das festas, vigílias, mudanças da lua etc. folhinha (Silva, 1789SILVA, Antonio de Moraes. Dicionário da língua portuguesa, composto pelo Padre Rafael Bluteau, reformado, e acrescentado por....Lisboa: Oficina de Simão Tadeu Ferreira, 1789., t. 1, p. 62).5 5 Esse material foi retirado da pesquisa de iniciação científica, em andamento, de Mariane Raulino Carneiro. Calendários no Brasil: usos políticos e concepções de tempo na Independência e no Primeiro Reinado (1808-1831). São Paulo. FFLCH-USP.

Ou seja: um almanaque - ou folhinha - era o que hoje chamaríamos preferencialmente de calendário, palavra que à época era menos usada, mas o era em sentido muito semelhante: “livro em que estão declarados por ordem os dias do mês, os meses, variações da lua, os Dias santos, feriados etc.”.6 6 Silva (1789). As duas definições são mantidas na edição seguinte do dicionário do mesmo autor, de 1813.

A partir de 1808, portanto, moradores do Brasil - e não só do Rio de Janeiro - passaram a ter acesso mais fácil e direto a uma publicação impressa que estabelecia marcos temporais e ditava ritmos da vida cotidiana, em uma mescla de referências naturais, religiosas e laicas. Representando tempos cíclicos da natureza e da vida religiosa, almanaques traziam também informações sobre os ocupantes de cargos públicos e horários de repartições públicas, precedidas pela apresentação das “eras” que marcavam a cristandade desde a criação do mundo, reunindo, de forma peculiar, informações voltadas para o passado, o presente e o futuro. Essas informações chegavam a moradores para os quais as publicações impressas e periódicas eram ainda incomuns; que conheciam relógios, mas os utilizavam pouco, preferindo ainda os de sol, ampulhetas e clepsidras aos mecânicos, e os públicos aos privados; e que viviam em uma sociedade fundamentalmente agrícola e pouco industrializada, portanto, em forte dependência dos ciclos naturais como parâmetros de tempo. Em um meio com tais características, mesmo que majoritariamente formado por pessoas iletradas, o impacto dos almanaques não deve ser menosprezado.

Esse objeto, repitamos, marcador de tempo e definidor de ritmos da vida cotidiana, desde sempre se mostraria também um agente de concepção de tempo. Nos almanaques, forjavam-se tempos de acordo com vontades sociais, e com projetos e objetivos deliberados. Como não havia imprensa oficial e regular no Brasil antes de 1808, os almanaques que nele circulavam seriam principalmente aqueles compostos e impressos em Portugal. Em uma época em que outros almanaques europeus, notadamente os franceses, já carregavam conteúdos expressivos de quebras abruptas e deliberadas de tempo - seja como endosso a elas, seja como negação -,7 7 Grand-Carteret (1896); também Le Goff (2013, p.477 e ss). os almanaques que no Brasil começaram a ser feitos no Rio de Janeiro, sede da Corte portuguesa, tiveram que elaborar suas próprias soluções específicas e negociadas entre novos e velhos tempos.8 8 De acordo com Lúcia Neves, observando os almanaques para o Rio de Janeiro anteriores a 1822, são conhecidos apenas os de 1792, 1794, 1799, 1811, 1816 e 1817, bem como um para a Bahia, de 1812 (Neves, 1994); para o período posterior, ver Ipanema; Ipanema (1980) e, ainda, Braga (2011).

Observemos um exemplo eloquente no Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1816. Na parte relativa a “Notícias cronológicas”, observa-se uma divisão entre “Épocas gerais” e “Épocas particulares de Portugal”. Nas duas divisões, o índice das notícias parece seguir uma sequência cronológica: no primeiro caso, há, por exemplo, “Do ano juliano”, “Da Era de César na Espanha”, “Da “Era cristã” etc., incluindo-se “Da correção gregoriana”, como forma de esclarecer que a cronologia apresentada segue os padrões estabelecidos pela reforma cristã do calendário de 1582; no segundo caso, há “Da conquista de Lisboa”, “Da total expulsão dos Mouros” etc. Uma exceção à sequência cronológica, contudo, salta aos olhos: após os tópicos “Da Regência do Príncipe N. S.” (que teve início em 1792) e “Da Restauração de Portugal, vencido o Exército Francês” (que ocorreu em 1814), o que vem é “Da chegada de Sua Majestade ao Brasil”, que, como todos sabemos, ocorreu em 1808.9 9 Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1816. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1816. Isso não ocorre no almanaque para o ano de 1811, o único anterior ao qual tivemos acesso. Ou seja, o Almanaque dá a entender que essa chegada ocorreu de forma desvinculada da invasão francesa de Portugal, não como uma fuga militar, mas como uma medida benemérita em si mesma. Uma subversão cronológica dava sentido à narrativa histórica que estava sendo escrita.

Essa subversão seria consolidada no Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1817,10 10 Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1817. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1817. cujas “Épocas gerais” agora incluiriam, entre a “Era dos mártires” e a “Correção gregoriana”, um novo ponto: “Da Égira”.

Função semelhante à dos almanaques era desempenhada pelos periódicos, também eles sem redação e impressão no Brasil antes de 1808. Os periódicos, inclusive, costumavam anunciar a edição e venda de novos almanaques. No Diário do Rio de Janeiro lia-se, em fins de 1821, o interessante anúncio de que

Estando a findar o presente ano de 1821, sem que tenha chegado para o seguinte de 1822 a costumada folhinha, (frequentes vezes procurada): avisa-se a quem nela quiser observar alguma cousa, que, em quanto a mesma não vier e visto não se lhe assemelhar outra mais recente que a de 1765, poderá dirigir-se à loja de Livros de F. L. Saturnino Viega, na rua d’Alfandega, aonde existe manuscrita: e igualmente aí saberá, a desejá-lo, tudo quanto se possa exigir a este respeito para qualquer ano ou seja antecedente, ou subsequente.11 11 Diário do Rio de Janeiro, 24 dez. 1821.

A folhinha deveria ser fixa, mas estava sujeita a interrupções; e a procura por ela, eventualmente não correspondida, motivadora no anúncio acima, mostrava a convivência entre cultura impressa, cultura manuscrita e cultura oral, típica do Rio de Janeiro e dos demais centros urbanos do Brasil da época. Igualmente, mostrava como as formas de regramento do tempo cotidiano e as visões de história aqui observadas pareciam se imiscuir na sociedade de seus leitores e consumidores.

No Diário do Governo de 25 de janeiro de 1822 - antes, ainda, do triunfo da Independência - lê-se outro anúncio bastante significativo:

Na Loja do Diário, largo do Rocio N. 33, se vendem as Folhinhas de Algibeira [almanaques de bolso] para o presente ano. Em papel 280, e brochadas a 320 rs. E se adverte aos Senhores compradores que esta folhinha, aqui impressa, além de novas eras que nas de Lisboa não se encontram, contém os dias dos Despachos dos Tribunais existentes, que inteiramente faltam naquela, assim como as suas respectivas Férias.12 12 Diário do Governo, 25 jan. 1822.

Ou seja, o almanaque estava se adaptando ao que era específico do Brasil em relação a Portugal, diferenciando aqueles impressos no Rio de Janeiro dos de Lisboa. Pouco depois, essa diferenciação iria além da dimensão cotidiana local para se converter em um componente já ligado a uma história não mais portuguesa, mas brasileira. Em um anúncio do mesmo tipo, de 13 de dezembro de 1822, lê-se:

Saiu a Folhinha de algibeira e de porta [dois tipos de almanaque de bolso], mandada imprimir por Ordem de S. M. I, onde se acham os novos dias de Gala da Corte Imperial, e os feriados únicamente designados pelo mesmo AUGUSTO SENHOR, para todos os Tribunais. Vende-se a de algibeira embrochada a 320 reis, e a de porta por 160, na loja de José Antonio da Silva, Livreiro, na Rua Direita N. 112.13 13 Diário do Rio de Janeiro, 13 dez. 1822.

Aqui, o almanaque, regulador do tempo, já inclui a menção ao novo imperador do Brasil, Pedro I, os “novos dias de Gala” de sua corte e os feriados “unicamente designados” por ele. O monarca, coroado em 1 de dezembro, surge então poucos dias depois como uma espécie de soberano do tempo social, em um contexto no qual velhos tempos herdados da monarquia portuguesa - “dias de Gala” - não são inteiramente descartados, mas atualizados e renovados. Com a formalização da Independência do Brasil, definida ao longo de 1822, ia se consolidando também como um processo de reinvenção do tempo.14 14 Um sugestivo estudo sobre questão próxima a esta, mas em momento anterior, é o de Ramos e Rodrigues (2014). Este seria um processo árduo, em consonância com outras dificuldades inerentes à construção de um Estado e de uma nação brasileiros que não existiam antes, mas que agora se beneficiariam de elementos anteriores, inclusive a diferenciação política entre Brasil e Portugal por meio de uma diferenciação de marcos temporais e de ritmos de vida cotidianos, incluindo esforços deliberados de manipulação e controle de cronologias, narrativas históricas e calendários.

Os almanaques, inclusive, poderiam contribuir para a promoção da unidade nacional brasileira e sua diferenciação de Portugal, e em 1824 já apresentariam duas seções cronológicas separadas para Brasil e Portugal: “Épocas gerais” e “Épocas particulares do Brasil”.15 15 Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1824. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1823. Essa diferenciação seria reforçada por outro anúncio de venda, do Diário do Rio de Janeiro de 6 de outubro de 1825:

A folhinha de algibeira que se acaba de publicar na Casa Plancher goza de uma estimação geral não só no Rio de Janeiro como nas Províncias do Império, e o ilustre público, pela sua concorrência, justifica o conceito que merece esta obra pequena, mas Brasileira com verdade. A folhinha será melhor para o ano. Ela irá dizendo à Europa o que não querem dizer aqueles que ou não o conheceram [o Império?], ou não ouviram senão os poucos inimigos que sobrevivem depois de tantas quedas. Se a folhinha fosse impedida por qualquer privilégio exclusivo, o povo não teria pelo preço de 280 réis notícias tão agradáveis como instrutivas.16 16 Diário do Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1825.

Nesse sentido, a revolução de independência do Brasil se alinhava a outras anteriores - e se assemelharia a outras posteriores - por meio de um esforço deliberado de manipulação de ritos, cronologias, escrita da história, calendários e outras formas de concepção e controle do tempo (Herrera Serna, 2012; Wasserman, 2008WASSERMAN, Fabio. Entre Clio y la Polis: conocimiento histórico y representaciones del passado en el Río de la Plata (1830-1860). Buenos Aires: Teseo, 2008.),17 17 Ainda sobre o México, são de grande interesse os trabalhos de María José Esparza Liberal, que, infelizmente, não puderam aqui ser devidamente incorporados. e que continuaria a ocorrer no Brasil ao longo das décadas de 1820 e 1830 com a contribuição dos almanaques, e inclusive com a atuação cada vez mais destacada do impressor francês Pierre Plancher, em atividade no Rio de Janeiro desde 1824.18 18 Pierre René François Plancher, antigo partidário de Napoleão, exilou-se no Rio de Janeiro em 1822 onde, dois anos depois, deu início à sua atividade de editor e livreiro, tornando-se inclusive “Impressor Real” (Reis, 2016).

No Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1825, as “Épocas particulares do Brasil” mencionam, sequencialmente, três marcos da Independência centrados na figura de D. Pedro I, mas nenhum deles a ela se refere explicitamente: primeiro, “Da Providentíssima Deliberação que tomou este Senhor [D. Pedro] de ficar no Brasil a requerimento dos Povos em 09 de Janeiro de 1822”; depois, “Do Oferecimento, que lhe fizeram os mesmos Povos, do Glorioso Título de Defensor Perpétuo do Brasil, em 13 de Maio de 1822”; e, finalmente, “De Sua Aclamação Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brasil, em 12 de Outubro, e da Sua Coroação, e Sagração em o 01 de Dezembro do mesmo ano”. A ruptura entre Brasil e Portugal ainda estava sendo construída como marco histórico e símbolo fundadores da nacionalidade brasileira (Souza, 1998SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo. São Paulo: EdUnesp, 1998.; Oliveira, 2009OLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Repercussões da revolução: delineamento do império do Brasil, 1808/1831. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo(Orgs.). O Brasil Imperial. v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.), e seu reconhecimento internacional apenas se desenrolava. No entanto, o mesmo Almanaque de 1825 trazia, em sua relação de “Feriados” - definidos como “Dias, que segundo as Ordens de S. M. I. são de Gala na Corte Imperial do Brasil” - o seguinte: “Setembro. 07. Dia em que S. M. I. declarou a independência do Brasil na margem do Ipiranga, na Província de São Paulo”.

Além disso, o Almanaque promovia uma subversão narrativa em relação à subversão cronológica de anos antes - o que, ademais, continuaria a ocorrer nos anos seguintes, com os almanaques sempre sintonizados com as novas conjunturas políticas -, no tocante ao caráter dado à vinda da Corte ao Brasil, acontecimento agora integrante das “Épocas particulares do Brasil”. Não era mais D. João que chegara ao Brasil, mas sim D. Pedro, como se lê no ponto: “Da chegada de S. M. o Imperador na Companhia de Seu Augusto Pai o Senhor Rei D. João VI, e mais Real Família de Portugal em 1808”.19 19 Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1825. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1824.

Novamente, reforçava-se a condição de D. Pedro I como um soberano do tempo social, nele incluída a história recente de Brasil, Portugal e do resto da Europa - em especial a França, cuja invasão a Portugal tinha precipitado os acontecimentos de 1808. E se a Independência em muitos sentidos se distanciava da radicalidade da Revolução Francesa, de décadas passadas - que como sabemos chegou a criar até mesmo uma nova forma de contagem do tempo, instituindo oficialmente um calendário revolucionário, revogado por Napoleão em 1805 (Hale, 2009HALE, Mathew Rainbow. On their tiptoes. Political time and newspapers during the advent of the radicalized French Revolution, circa 1792-1793. Journal of the Early Republic, n. 29, p. 191-218, 2009.; Perovic, 2013PEROVIC, Sanja. Year 1 and year 61 of the French Revolution: The Revolutionary Calendar and Auguste Comte. In: LORENZ, C.; BEVERNAGE, B. (Eds.). Breaking up time: negotiating the borders between present, past and future. Göttingen: Vandenhoeck and Ruprecht, 2013.) - nem por isso deixou de incentivar iniciativas como a que levou à elaboração de um altamente significativo Calendárioperpétuo e alegórico, dedicado a Sua Majestade Senhor Dom Pedro Primeiro, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, de 1826.


Calendário perpétuo e alegórico, dedicado a Sua Majestade Senhor Dom Pedro Primeiro, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, de 1826. Disponível em: http://purl.pt/944.

Pouco se sabe acerca deste notável artefato, provavelmente oferecido em 1826 ao imperador do Brasil por portugueses que aderiram à ordem nacional brasileira criada pouco antes.20 20 Uma exceção pontual: Rodrigues (12 nov. 2009). Stanislaw Herstal incluiu-o em sua monumental obra acerca da iconografia de D. Pedro I, com uma detalhada descrição, localizando exemplares na Biblioteca Nacional de Lisboa, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e no Palácio Itamaraty. Afirma ter sido “executada na segunda metade de 1826, a julgar pelos nomes dos titulares enumerados”, no que coincide com o atual registro da Biblioteca Nacional de Lisboa (Herstal, 1972, v. 2, p. 280). No arquivo do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB) há dois exemplares de um prospecto do calendário, datado de 1835, indicando que provavelmente nesse ano a peça continuava a ser impressa e vendida. Iara Lis Souza data o calendário em si como sendo de 1835, “quando toda a obra política de D. Pedro se completara” (Souza, 1998, p. 281), provavelmente confundida pelo prospecto (os autores agradecem a Douglas Guimarães Leite o acesso aos documentos do IHGB). O exemplar que está depositado na Biblioteca Nacional de Portugal21 21 Os autores agradecem as informações referentes aos detalhes formais do calendário - que endossam os de Herstal - a Silva (2013), que consultou o exemplar de Lisboa e o utilizou para a elaboração de sua monografia. é uma litografia de dimensões 57 X 42,5 cm. Entre as letras adornadas de seu topo, com o título do calendário, e a figura circular central dominante, observa-se uma espécie de colar esticado onde estão penduradas insígnias reais portuguesas e brasileiras; nas extremidades, ele é segurado por dois “gênios” - figuras semelhantes a anjos e que, tradicionalmente, se associavam a soberanos e às coletividades por eles representadas - que seguram bandeiras de Portugal (esquerda) e Brasil (direita), acima dos dizeres “In hoc signo vinces” e “Independência ou Morte”, respectivamente. Assim, Portugal e Brasil encontram-se associados, também pelos brasões que se encontram logo abaixo dos gênios, e pelos globos ainda mais abaixo, que localizam os dois países. Estabelece-se, aqui, uma clara ideia de continuidade entre o Brasil que surgira com a Independência e o Portugal do qual ele se separara. Isso como base para a representação de um tempo novo, brasileiro, que, como se vê, não era visto como completamente novo, nisso se distinguindo de outras representações de tempos revolucionários.

No Calendário perpétuo e alegórico, o ponto de partida do tempo cronológico é o ano de 1822 e a Independência, evocando um passado herdado e ao mesmo tempo projetando um futuro “controlado” - segundo os objetivos de um calendário perpétuo (Withrow, 1993WITHROW, G. J. O tempo na história: concepções do tempo da pré-história aos nossos dias. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.; Cherman; Vieira, 2008CHERMAN, Alexandre; VIEIRA, Fernando. O tempo que o tempo tem: por que o ano tem 12 meses e outras curiosidades sobre o calendário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.), mas típico de períodos que se autoentendem como revolucionários modernos - por 139 anos, isto é, até 1961. Ainda em termos alegóricos, a união entre Portugal e Brasil é completada pela presença de 28 nobres, proprietários, comerciantes e clérigos, radicados no Brasil e em Portugal, mencionados nos balões que circundam a imagem de D. Pedro I;22 22 Possivelmente tais nomes se referem àqueles que ofertaram o calendário a D. Pedro. São eles: visconde de Cachoeira, visconde de Nazaré, visconde de Maricá, visconde de Fanado, visconde de Paranaguá, visconde de Santo Amaro, visconde de Inhambupe, visconde de Baependi, visconde de Caravelas, visconde de Rezende, visconde de Queluz, barão de Itabaiana, barão de Pedra Branca, monsenhor Vidigal, J. F. Borges, J. J. Rodrigues de Bastos, J. C. Saldanha Daun, cardeal Patriarca, duque de Alafões, duque de Cadaval, conde de Funchal, marquês de Palmela, barão de Sobral, J. A. Guerreiro, J. P. Quintela, P. de Melo Prayner, Trigozo, e D. Francisco de Almeida. Sobre a centralidade da imagem de D. Pedro I na política brasileira do ano de 1826, ver Reis (2016). e, claro, principalmente pela imagem central, para a qual converge a cronologia das colunas laterais - inferior e interiormente adornadas com monogramas dos filhos do monarca, Maria da Glória e Pedro de Alcântara -, todo o tempo nela representado e, de certo modo, por ele controlado. Nesse centro da imagem, D. Pedro tem acima de si um olho, é emoldurado circularmente pelos dizeres “Pedro ensina a ser Rei aos reis do mundo”, e por uma serpente que morde o próprio rabo;23 23 Silva (2013) entende o “olho” como possível mobilização de uma simbologia maçônica, e a serpente como representação tradicional de um tempo cíclico, no qual o futuro incerto deve ser um futuro controlado. Tais interpretações parecem se coadunar bem com algumas características importantes do processo de Independência, como a associação de D. Pedro à maçonaria e a concepção generalizada - ainda que não absoluta - de uma revolução que deveria evitar os excessos de outras anteriores. do monarca, irradiam espécies de raios de luz, e a “explicação do calendário”,24 24 A “explicação” traz o seguinte texto: “Os anos colocados junto às coroas têm defronte a sua letra dominical; esta letra refere-se à sua igual na coluna esquerda indicando o primeiro dia de cada mês. Quando se tem achado o primeiro dia naquela, reporta-se à coluna da direita, que dá os dias seguintes ao resto do mês. Nos anos bissextos nos quais o mês de Fevereiro tem 29 dias há duas letras dominicais não se serve da primeira senão para Janeiro e Fevereiro a segunda é para outros meses. Exemplo: suponho o Sábado 12 Outubro 1822 a letra dominical deste ano é - vejo na coluna esquerda que o mês d’8bro começa em Terça feira, e a direita na semana da Terça feira que Sábado é efetivamente 12” (Silva, 2013; retificado pontualmente por Herstal, 1972, p. 282). no centro inferior, é adornada por símbolos do zodíaco e, novamente, por dois gênios: o português carrega os dizeres de Camões: “Julgareis qual é mais excelente se ser do mundo rei ou de tal gente”; e o brasileiro, a frase atribuída a D. Pedro no “Dia do Fico, em janeiro de 1822: “Como é para bem de todos diga ao povo que fico”. Completam esse conjunto inferior do Calendário símbolos do zodíaco e as imagens das constituições portuguesa e brasileira impressas, cruzadas em harmonia.

Em termos de sua composição formal, este calendário parece se inspirar claramente em outros calendários igualmente perpétuos e alegóricos que circulavam à época, como os revolucionários franceses criados em fins do século XVIII. Um bom exemplo é o Calendrier national: calcule pour 30 ans et presente a la Convention Nationale le 31 decémbre 1792,abaixo:


Calendário nacional: calculado para 30 anos e apresentado à Convenção Nacional em 31 de dezembro de 1792, pelo republicano J. F. Lefevre. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8411701g.

Outro exemplo disponível aparece em uma variável mais rudimentar do calendário revolucionário francês, mas talvez até mais formalmente semelhante ao que anos depois seria o Calendário perpétuo brasileiro, que é o Calendrier républican de Debucourt (1794):


Debucourt: Calendário republicano, 1794. Disponível em : https://fr.geneawiki.com/index.php/Calendrier_r%C3%A9publicain.

Para todos os efeitos, percebe-se, mais uma vez, como os tempos que estavam sendo reinventados no Brasil das décadas de 1810 e 1820 mesclavam concepções antigas e novas, promovendo continuidades e rupturas de acordo com as particularidades daquele contexto no qual, definitivamente, a Independência, personificada por D. Pedro, se constituía como uma revolução do tempo. Marcando, em diferentes ritmos, uma concepção de tempos novos, as menções aqui invocadas sugerem também a ideia de controlar o tempo futuro e instituir uma duralibilidade sobre tempos incertos, seja na chave da mudança, revolucionário em sua forma mais radicalizada (a República Francesa), seja naquela em que a tessitura das relações entre passado, presente e futuro era expressa com contundência no desejo da continuidade dinástica que se afirmava em momento de consolidação da Independência do Brasil, e de seu reconhecimento externo sob a égide de uma monarquia constitucional.

Considerações finais

As articulações entre vida material e vida intelectual aqui sugeridas apresentam componentes específicos das realidades luso-americana e brasileira; no entanto, componentes equivalentes e semelhantes se fazem presentes também em outras realidades da mesma época, inclusive hispano-americanas.25 Mais do que isso, é possível afirmar que tanto no plano material quanto no intelectual, todas essas especificidades se tornam menos específicas se olhadas como partes de unidades históricas mais amplas, como as temporais, permeadas não só por aproximações morfológicas, mas também por trânsitos, traduções e reelaborações recíprocas.

Estudos dessa natureza têm se desenvolvido de modo promissor no âmbito da história dos conceitos. A história material de formas de conceber e manipular o tempo, ao menos à época das independências, é bem menos numerosa e ainda aguarda por investigações até mesmo básicas, de caráter descritivo e informativo, e que permitam um conhecimento aproximado de dimensões da vida social ainda muito nebulosas, tais como a formação daquela consciência histórica oitocentista que, retomando as palavras iniciais de Walter Benjamin que abriram este texto, articulam - e também afastam - relógios e calendários. De todo modo, o que já existe, e o que vem sendo feito recentemente, parece autorizar o apontamento seguro para uma agenda de investigação em aberto. Uma agenda que, se não necessariamente deve se limitar à periodização dos tempos da política - que são os naturalmente preferidos nos estudos das independências -, pode ter nesse velho e persistente tema vigorosos pontos de partida e renovação.

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  • 1
    No tocante a uma história das formas de tempo no Brasil de começos do século XIX, alguns bons desenvolvimentos são: Araujo (2008)ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Hucitec, 2008.; Pereira (2011)PEREIRA, Luísa Rauter. Substituída a revolução dos homens pela revolução do tempo: uma história do conceito de povo no Brasil. Revolução e historização da linguagem política (1750-1840). Tese (Doutorado em História), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.; Fanni (2015)FANNI, Rafael. Temporalização dos discursos políticos no processo de independência do Brasil (1820-1822). Dissertação (Mestrado em História Social), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.; Escosteguy Filho (2016); Santos (2017)SANTOS, Cristiane Alves Camacho dos. Escrevendo a história do futuro: a leitura do passado no processo de independência do Brasil. São Paulo: Alameda, 2017.; Araujo; Cezar (2018). Para sua relação com periódicos e outras publicações, ver Matheus (2010).
  • 2
    Alguns exemplos de desenvolvimento nessa direção são: Jancsó (1996); Berbel; Marquese; Parron (2010); Rojas Castro (2013); Pimenta (2015PIMENTA, João Paulo. A Independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec/Fapesp , 2015.; 2017). O Proyecto Iberconceptos explorou muitas possibilidades analíticas semelhantes, no campo da história dos conceitos, ainda não devidamente aprofundadas. Um ótimo esforço é o de Zermeño Padilla (2008)ZERMEÑO PADILLA, Guillermo. História, experiência e modernidade na América ibérica. Almanack Braziliense (São Paulo). n. 7, p. 5-26, 2008..
  • 3
    Um bom e extenso balanço em Hobsbawm (1986).
  • 4
    A bibliografia latino-americana e latino-americanista acerca de tais temas é imensa. Destacamos alguns que apenas subsidiaram a síntese aqui proposta: Sodré (1958)SODRÉ, Nelson Werneck. Introdução à revolução brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958.; Palmer (1959)PALMER, Robert. The age of the democratic revolution. Princeton: Princeton University Press, 1959.; Godechot (1972); Fernandes (1975)FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.; Hobsbawm (1982); Guerra (1992GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: ensayos sobre las revoluciones hispânicas. México: FCE, 1992.); Koselleck (1993). Alguns estudos historiográficos são Pimenta (2009)PIMENTA, João Paulo. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (1780-1830). São Paulo: Intermeios, 2017.; Roura; Chust (2010).
  • 5
    Esse material foi retirado da pesquisa de iniciação científica, em andamento, de Mariane Raulino Carneiro. Calendários no Brasil: usos políticos e concepções de tempo na Independência e no Primeiro Reinado (1808-1831). São Paulo. FFLCH-USP.
  • 6
    Silva (1789). As duas definições são mantidas na edição seguinte do dicionário do mesmo autor, de 1813.
  • 7
    Grand-Carteret (1896); também Le Goff (2013, p.477 e ss).
  • 8
    De acordo com Lúcia Neves, observando os almanaques para o Rio de Janeiro anteriores a 1822, são conhecidos apenas os de 1792, 1794, 1799, 1811, 1816 e 1817, bem como um para a Bahia, de 1812 (Neves, 1994); para o período posterior, ver Ipanema; Ipanema (1980)IPANEMA, Marcelo de; IPANEMA, Cybelle de. Almanaques do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 327, p. 325-331, 1980. e, ainda, Braga (2011)BRAGA, Maria de Fátima Almeida. Livros, folhetos, jornais, calendários e folhinhas, tudo à venda na botica de Padre Tezinho: práticas sociais e práticas de leituras nos anúncios dos jornais do século XIX (1821-1831). Tese (Doutorado em História), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011..
  • 9
    Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1816. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1816. Isso não ocorre no almanaque para o ano de 1811, o único anterior ao qual tivemos acesso.
  • 10
    Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1817. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1817.
  • 11
    Diário do Rio de Janeiro, 24 dez. 1821.
  • 12
    Diário do Governo, 25 jan. 1822.
  • 13
    Diário do Rio de Janeiro, 13 dez. 1822.
  • 14
    Um sugestivo estudo sobre questão próxima a esta, mas em momento anterior, é o de Ramos e Rodrigues (2014)RAMOS, André da Silva; RODRIGUES, Thamara de Oliveira. Narrativas sobre a experiência da história contemporânea do Império Luso-Brasileiro: Hipólito da Costa e Francisco Solano Constâncio (1808-1810). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (Rio de Janeiro). n. 463, p. 13-38, 2014..
  • 15
    Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1824. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1823.
  • 16
    Diário do Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1825.
  • 17
    Ainda sobre o México, são de grande interesse os trabalhos de María José Esparza Liberal, que, infelizmente, não puderam aqui ser devidamente incorporados.
  • 18
    Pierre René François Plancher, antigo partidário de Napoleão, exilou-se no Rio de Janeiro em 1822 onde, dois anos depois, deu início à sua atividade de editor e livreiro, tornando-se inclusive “Impressor Real” (Reis, 2016REIS, Arthur Ferreira. “Anarquistas” e “servis”: uma análise dos projetos políticos do ano de 1826 no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016.).
  • 19
    Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1825. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1824.
  • 20
    Uma exceção pontual: Rodrigues (12 nov. 2009RODRIGUES, Félix. Ano Internacional da Astronomia - Dia 346. Calendário Perpétuo de D. Pedro I. Desambientado[blog], 12 nov. 2009.). Stanislaw Herstal incluiu-o em sua monumental obra acerca da iconografia de D. Pedro I, com uma detalhada descrição, localizando exemplares na Biblioteca Nacional de Lisboa, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e no Palácio Itamaraty. Afirma ter sido “executada na segunda metade de 1826, a julgar pelos nomes dos titulares enumerados”, no que coincide com o atual registro da Biblioteca Nacional de Lisboa (Herstal, 1972, v. 2, p. 280). No arquivo do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB) há dois exemplares de um prospecto do calendário, datado de 1835, indicando que provavelmente nesse ano a peça continuava a ser impressa e vendida. Iara Lis Souza data o calendário em si como sendo de 1835, “quando toda a obra política de D. Pedro se completara” (Souza, 1998, p. 281), provavelmente confundida pelo prospecto (os autores agradecem a Douglas Guimarães Leite o acesso aos documentos do IHGB).
  • 21
    Os autores agradecem as informações referentes aos detalhes formais do calendário - que endossam os de Herstal - a Silva (2013)SILVA, Mariana Leão. O tempo do calendário perpétuo dedicado a D. Pedro I. Monografia (Disciplina de História Social do Tempo), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., que consultou o exemplar de Lisboa e o utilizou para a elaboração de sua monografia.
  • 22
    Possivelmente tais nomes se referem àqueles que ofertaram o calendário a D. Pedro. São eles: visconde de Cachoeira, visconde de Nazaré, visconde de Maricá, visconde de Fanado, visconde de Paranaguá, visconde de Santo Amaro, visconde de Inhambupe, visconde de Baependi, visconde de Caravelas, visconde de Rezende, visconde de Queluz, barão de Itabaiana, barão de Pedra Branca, monsenhor Vidigal, J. F. Borges, J. J. Rodrigues de Bastos, J. C. Saldanha Daun, cardeal Patriarca, duque de Alafões, duque de Cadaval, conde de Funchal, marquês de Palmela, barão de Sobral, J. A. Guerreiro, J. P. Quintela, P. de Melo Prayner, Trigozo, e D. Francisco de Almeida. Sobre a centralidade da imagem de D. Pedro I na política brasileira do ano de 1826, ver Reis (2016).
  • 23
    Silva (2013) entende o “olho” como possível mobilização de uma simbologia maçônica, e a serpente como representação tradicional de um tempo cíclico, no qual o futuro incerto deve ser um futuro controlado. Tais interpretações parecem se coadunar bem com algumas características importantes do processo de Independência, como a associação de D. Pedro à maçonaria e a concepção generalizada - ainda que não absoluta - de uma revolução que deveria evitar os excessos de outras anteriores.
  • 24
    A “explicação” traz o seguinte texto: “Os anos colocados junto às coroas têm defronte a sua letra dominical; esta letra refere-se à sua igual na coluna esquerda indicando o primeiro dia de cada mês. Quando se tem achado o primeiro dia naquela, reporta-se à coluna da direita, que dá os dias seguintes ao resto do mês. Nos anos bissextos nos quais o mês de Fevereiro tem 29 dias há duas letras dominicais não se serve da primeira senão para Janeiro e Fevereiro a segunda é para outros meses. Exemplo: suponho o Sábado 12 Outubro 1822 a letra dominical deste ano é - vejo na coluna esquerda que o mês d’8bro começa em Terça feira, e a direita na semana da Terça feira que Sábado é efetivamente 12” (Silva, 2013; retificado pontualmente por Herstal, 1972, p. 282).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2019
  • Aceito
    28 Out 2019
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