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Constitucionalismo, autonomismos e os riscos da "mal-entendida liberdade": a gestação do liberalismo moderado em Minas Gerais, de 1820 a 1822

Constitutionalism, autonomy and the risks of "misunderstood freedom": the gestation of moderate liberalism in Minas Gerais, from 1820 to 1822

Le constitutionnalisme, l'autonomie et les risqes de la «liberté mal comprise»: la gestation du libéralisme modéré dans la province de Minas Gerais, durant les annés 1820-1822

Resumos

O presente artigo analisa os impactos e a dinâmica da apropriação do constitucionalismo na província de Minas Gerais, entre 1820 e 1822. Para tanto, focaliza as duas ordens de prioridades que, na conjuntura da crise do Antigo Regime e de sua superação, orientaram as tendências e posturas políticas dos grupos locais: respectivamente, a preservação de antigas autonomias políticas e econômicas e dos mecanismos consagrados de reiteração das hierarquias sociais. No contexto da Independência, essas prioridades foram politizadas, direcionando a formação de uma postura liberal moderada em recusa aos dois extremos, supostamente capazes de ameaçá-las: o risco do despotismo e da anarquia, cujos significados busca-se qualificar neste artigo.

Minas Gerais; constitucionalismo; liberalismo


This paper analyzes the impacts and dynamics of the appropriation of constitutionalism in the province of Minas Gerais, between 1820 and 1822. To this end, it focus on two kinds of priorities that, at the context of the Ancient Regime's crisis and its overcoming, oriented trends and political views of the local groups: respectively, the preservation of old political and economic autonomies, and the established mechanisms of reiteration of social hierarchy. At the context of Independence, these priorities have been politicized by directing the formation of a moderate liberal posture in denial to the two supposedly threatening extremes: the risk of despotism and anarchy, whose meanings are to be qualified in this article.

Minas Gerais; constitucionalism; liberalism


Cet article analyse les effets et la dynamique de l'appropriation du constitutionnalisme dans la province de Minas Gerais, durant les annés 1820-1822. À cette fin, on met en évidence deux types de priorités qui - pendant la crise de l'Ancien Régime et son dépassement - ont guidé les tendances et les attitudes politiques des groupes locaux: respectivement, la préservation des formes anciennes des autonomies politiques et économiques et la réitération des mécanismes consacrés des hiérarchies sociales. Dans le contexte de l'Indépendance, ces priorités ont été politisées, dirigeant la formation d'une opinion libérale modérée en refusant les deux extrêmes, supposément capables de les menacer: le risque de despotisme et l'anarchie, dont les significations cherchent à se qualifier dans cet article.

Minas Gerais; constitutionnalisme; libéralisme


ARTIGOS

Constitucionalismo, autonomismos e os riscos da "mal-entendida liberdade": a gestação do liberalismo moderado em Minas Gerais, de 1820 a 1822

Constitutionalism, autonomy and the risks of "misunderstood freedom": the gestation of moderate liberalism in Minas Gerais, from 1820 to 1822

Le constitutionnalisme, l'autonomie et les risqes de la «liberté mal comprise»: la gestation du libéralisme modéré dans la province de Minas Gerais, durant les annés 1820-1822

Ana Rosa Cloclet da Silva

Doutora em História pela Unicamp, pós-doutora pela USP, docente da Faculdade de História da PUC-Campinas. E-mail: ana.silva@puc-campinas.edu.br

RESUMO

O presente artigo analisa os impactos e a dinâmica da apropriação do constitucionalismo na província de Minas Gerais, entre 1820 e 1822. Para tanto, focaliza as duas ordens de prioridades que, na conjuntura da crise do Antigo Regime e de sua superação, orientaram as tendências e posturas políticas dos grupos locais: respectivamente, a preservação de antigas autonomias políticas e econômicas e dos mecanismos consagrados de reiteração das hierarquias sociais. No contexto da Independência, essas prioridades foram politizadas, direcionando a formação de uma postura liberal moderada em recusa aos dois extremos, supostamente capazes de ameaçá-las: o risco do despotismo e da anarquia, cujos significados busca-se qualificar neste artigo.

Palavras-chaves: Minas Gerais, constitucionalismo, liberalismo.

ABSTRACT

This paper analyzes the impacts and dynamics of the appropriation of constitutionalism in the province of Minas Gerais, between 1820 and 1822. To this end, it focus on two kinds of priorities that, at the context of the Ancient Regime's crisis and its overcoming, oriented trends and political views of the local groups: respectively, the preservation of old political and economic autonomies, and the established mechanisms of reiteration of social hierarchy. At the context of Independence, these priorities have been politicized by directing the formation of a moderate liberal posture in denial to the two supposedly threatening extremes: the risk of despotism and anarchy, whose meanings are to be qualified in this article.

Keywords: Minas Gerais, constitucionalism, liberalism.

RÉSUMÉ

Cet article analyse les effets et la dynamique de l'appropriation du constitutionnalisme dans la province de Minas Gerais, durant les annés 1820-1822. À cette fin, on met en évidence deux types de priorités qui – pendant la crise de l'Ancien Régime et son dépassement – ont guidé les tendances et les attitudes politiques des groupes locaux: respectivement, la préservation des formes anciennes des autonomies politiques et économiques et la réitération des mécanismes consacrés des hiérarchies sociales. Dans le contexte de l'Indépendance, ces priorités ont été politisées, dirigeant la formation d'une opinion libérale modérée en refusant les deux extrêmes, supposément capables de les menacer: le risque de despotisme et l'anarchie, dont les significations cherchent à se qualifier dans cet article.

Mots-clés: Minas Gerais, constitutionnalisme, libéralisme.

No último quartel do século XVIII, as transformações concretas que acompanharam a crise do Antigo Regime português se mostraram especialmente favoráveis à recepção e reelaboração dos novos paradigmas políticos em circulação no mundo ocidental. Informados pelo arsenal teórico-filosófico das Luzes, Estado português e elites coloniais mobilizaram-se no sentido de refletirem sobre as causas e apontarem soluções para os problemas diagnosticados, genericamente identificados ao suposto "atraso" e "decadência" do reino português, no contexto internacional.

Em breve, tal "estado crítico"1 1 KOSELLECK, R. Crítica e crise. Rio de Janeiro: Eduperj/Contraponto, 1999. passaria a informar alternativas políticas que, iniciadas como tentativa de restaurar as condições de vigência da ordem estabelecida, transitariam para rupturas qualitativas nos mecanismos até então capazes de garantir a reiteração da vida em sua normalidade, afetando os próprios fundamentos da dimensão macropolítica que, até aquele momento, servia de substância e contorno do "nacional": a Monarquia portuguesa.

Embora no mundo luso-brasileiro esse fenômeno se manifeste já a partir de meados do século XVIII – quando entra em curso uma profunda mudança nas concepções de sociedade e poder, sob influência do direito natural de base racionalista (ou jusnaturalista)2 2 Grosso modo, aquela que pressupunha a existência do "pacto fictício de vontades entre as partes" como princípio fundador dos governos e que aí se expressou primevamente em sua vertente moderada. (HESPANHA, António Manuel; XAVIER, Ângela Barreto. A representação da sociedade e do poder. In: MATTOSO, José (Org.). História de Portugal. O Antigo Regime. Rio de Mouro: Lexi Cultural, 2002. p. 145-172). –, é com a eclosão revolucionária de 1820 que se efetiva, nas formas políticas e institucionais, a ruptura com o substrato político vigente. Desde então, passa a impor-se como questão premente aos intelectuais e estadistas dos dois hemisférios a necessidade de uma redefinição das bases políticas da unidade portuguesa, sob influência do novo paradigma implantado pelos princípios liberais: "a defesa da supremacia do Legislativo e a sobrevalorização dos direitos individuais".3 3 SLEMIAN, Andréa. Sob o império da lei. Constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1822-1834). São Paulo: Hucitec, 2009. p. 57-77. Nesses termos, tornava-se urgente a confecção de um novo "pacto social", capaz de informar a estruturação dos poderes e as funções do Estado.

No movimento vintista, ainda que o meio concebido para a "regeneração" da sociedade lusitana esgarçasse um caráter "restaurador",4 4 NOBRE, Isabel Maria Guerreiro. A aprendizagem da cidadania em Portugal (1820-1823). Coimbra: Minerva, 1997. tanto o poder quanto seu exercício eram dissociados da figura real: o primeiro, ganhando um fundamento jusnaturalista, passava a residir na "Nação"; o segundo transferia-se para seus representantes, legalmente eleitos para comporem as cortes, encarregadas de confeccionarem as novas bases do pacto de união da "nação portuguesa". Nesse sentido, por mais que o projeto constitucional fosse colocado na dependência do reconhecimento do rei, aos habitantes dos dois hemisférios impunha-se, desde então, lidar com a premente definição e implementação dos critérios de cidadania, representatividade política, soberania e da própria definição do nacional, já que também não eram consensuais as posturas nesse sentido.

Em nível das partes assimétricas que, até 1822, compunham o conjunto da Monarquia portuguesa, as manifestações e formas de encaminhamento do fenômeno em curso ganham tonalidades próprias, bem como outros marcos cronológicos assumem relevo, demarcando os pontos de mutação do imaginário e das práticas políticas vigentes.5 5 Segundo Guerra, analisando o processo de desintegração do Império espanhol na América, trata-se daqueles "pontos de mutação" – ideológica e nas formas de representação política –, que abrem o processo de construção da "modernidade política" na América (GUERRA, François Xavier. Modernidad e independências. Ensayos sobre las revoluciones hispânicas. México: Mapfre, 1992).

Para o caso de Minas Gerais – à época concebida como a "menina dos olhos" da Coroa, pelas expectativas assentadas na retomada da exploração aurífera –, é notória a multiplicidade de tendências que aí conviveram à época da Independência, contrariando interpretações que tenderam a identificar a província como berço da "rebelião patriótica" e centro de "equilíbrio político do país",6 6 A questão mereceu atenção pioneira de ARRUDA, Maria A. do Nascimento. Mitologia da mineiridade. O imaginário mineiro na vida política e cultural do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990. cindida ao desfecho teleológico dos acontecimentos em curso: o adesismo ao projeto de autonomia construído em torno de D. Pedro I.

Contrariamente a essa tendência, estudos recentes vêm desvendando a diversidade inscrita na apropriação do constitucionalismo na província mineira, processo que repousa nas singularidades internas a suas microrregiões, refletindo-se nas formas de organização do espaço e modelagem das rotas de peregrinação pelos agentes, nos conjuntos e ritmos demográficos, bem como na natureza dos elementos estruturantes da coesão societária, em cada parte.7 7 SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Identidades em construção. O processo de politização das identidades coletivas em Minas Gerais (1792-1831). São Paulo: USP/Departamento de História, 2007. (Relatório final de pós-doutorado).

No momento da Independência, além da diversidade de ocupações8 8 LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista – Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988; Novas considerações sobre a protoindustrialização mineira nos séculos XVIII e XIX. Revista do Departamento de História, Belo Horizonte: UFMG, n. 9, 1989, p. 149-160; PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. Tese (Doutorado) – FFLCH/USP, jul. 1996, p. 211, Tabela 4. e tendências políticas, tal processo implicava uma complexidade social, manifesta não apenas em uma singular concentração de escravos – segundo Maxwell, 33% sobre a população total da província9 9 MAXELL, Keneth. A devassa da devassa, a Inconfidência Mineira, Brasil – Portugal, 1750-1808. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. –, mas no enorme contingente de forros e livres de cor – fruto da própria miscigenação racial e da prática de alforrias10 10 GONÇALVES, Andréa Lisly. Às margens da liberdade: alforrias em Minas Gerais na primeira metade do século XIX. LPH: Revista de História, n. 6, 1996. –, os quais encontravam, na nova conjuntura assinalada, possibilidades concretas de mobilidade ascendente.

Atento a esse quadro, o presente texto busca identificar suas possíveis implicações para a apropriação do constitucionalismo na província mineira, entre 1820 e 1822, situando aqueles elementos que pesaram no delineamento da postura liberal de suas elites. Para tanto, toma por eixo o argumento segundo o qual, na conjuntura da crise e de seu desfecho, as expectativas, os projetos e os comportamentos políticos, bem como as representações simbólicas dos grupos locais, orientaram-se por duas ordens de prioridades atreladas às tradicionais relações das elites mineiras com o poder central e ao perfil social da província. Essas ordens são, respectivamente, a preservação de antigas autonomias – vislumbradas, a partir de 1820, sob a perspectiva dos "legítimos direitos constitucionais adquiridos" – e dos mecanismos consagrados de reiteração das hierarquias sociais. Ambas estavam fincadas na possibilidade de ascensão econômica e participação política galgadas por proprietários locais, desde pelo menos a administração pombalina,11 11 Desde 1761, o marquês de Pombal tratou de envolver a plutocracia mineira em órgãos administrativos e fiscais, assumindo ainda cargos de liderança na área militar e da justiça (MAXWELL, K. Op. cit., cap. 2). ameaçadas pela Instrução de Mello e Castro ao governador Barbacena, em 1788,12 12 Fundadas na acusação a todos os níveis das autoridades locais por supostos abusos responsáveis pela "decadência" das Minas, a Instrução do então ministro do Reino e Ultramar afastava a plutocracia local dos postos administrativos, o que significava afetá-la tanto financeiramente – já que a posse de cargos era forma de participar de esquemas bem-remunerados – quanto no plano das representações simbólicas, que diferenciavam os administradores do restante da população (STUMPF, Roberta Giannubilo. Filhos das Minas, americanos e portugueses: identidades coletivas na Capitania das Minas Gerais (1763-1792). São Paulo: Hucitec, 2010. p. 150-170). reconfiguradas nos marcos do reformismo ilustrado luso-brasileiro de fins do século e cujos novos contornos e abrangências se fariam sentir a partir da transferência da corte para o Rio de Janeiro, em 1808.

Na conjuntura assinalada, essas prioridades foram politizadas, orientando as lutas e propostas alternativas de futuro externadas no espaço político da província mineira. Especificamente, converteram-se na dupla recusa aos extremos do "despotismo" – associado a qualquer tendência ou medida supostamente ameaçadora das autonomias vigentes – e da "anarquia" – expressão que aludia aos "infinitos vadios, homens brancos, mestiços, pardos cabras e crioulos forros",13 13 Carta missiva de José Fernandes de Sousa para o presidente da Assembleia Nacional, dirigida à Comissão do Ultramar, apresentando os vários pontos que haja necessidade de serem discutidos para bem do povo daquela Comarca ( Avulsos do Conselho Ultramarino – Minas Gerais, MS 544, cx. 188, rolo 174, doc. 24, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos). tradicionalmente associados aos temores de uma sublevação escrava na província.

Nesse sentido, as reflexões seguintes buscam qualificar a natureza dos argumentos que, em nome das referidas prioridades, sustentaram as posturas políticas rivais das elites de "vários tipos e planos" que, entre 1820 e 1822, encaminharam as transformações qualitativas que acompanharam a passagem "de um Império a outro", na província de Minas Gerais.

Apropriações do constitucionalismo em Minas Gerais

No caso mineiro, a mutação ideológica e nas formas de representação política, inaugurada pela Revolução do Porto, desdobrara-se em dois momentos cruciais, que demarcam a polarização das tendências e atitudes políticas na província; o primeiro, situado entre a instituição do novo regime (agosto de 1820) – quando se abre a polêmica em torno da instalação da 1ª Junta Governativa – e dezembro de 1821 – quando chegam a Minas os decretos lisboetas de 29 de setembro, interpretados como verdadeira carta "recolonizadora" do Brasil.14 14 Foi essa forma de encarar a questão brasileira que norteou os decretos de 29 de setembro e 1º de outubro de 1821, pelos quais as cortes regulamentavam os governos das províncias brasileiras – criando governadores de armas e juntas das fazendas diretamente vinculadas a Lisboa – e determinavam a volta de D. Pedro para Portugal, cuja presença no Rio de Janeiro não mais se justificaria. É importante notar que não só os decretos de 29 de setembro e 1º de outubro foram aprovados com a participação das deputações brasileiras em cortes, como havia um propósito em tais regulamentações coerente com a própria lógica do constitucionalismo: como admitir a autoridade D. Pedro no Brasil, se esta fora investida pelo rei e não pela nova forma constitucional? Como manter no Rio de Janeiro uma autoridade que, visivelmente, suscitava desconfianças quanto à verdadeira adesão ao constitucionalismo? Tal lógica que permeou os decretos lisboetas desfaz a visão consagrada pela historiografia, segundo a qual eles foram aprovados à revelia dos "interesses brasileiros", expressando um autêntico projeto recolonizador (BERBEL, Marcia Regina. A nação como artefato. São Paulo: Hucitec, 1999).

Essa fase marcou-se, em grande medida, pela tensão instalada entre D. Manuel de Portugal e Castro – no governo da Capitania desde 1814 e cuja ação foi no sentido de preservar seus amplos poderes – e as tendências liberais do Primeiro Governo Provisório, eleito em 20 de setembro de 1821, as quais reascendem em uma velocidade denunciadora de sua latência no seio da sociedade mineira, desde o desfecho da Inconfidência, em 1792.

Apoiado por autoridades civis e eclesiásticas da capital mineira, representativas do Antigo Regime, e por parcela significativa da população, Castro opôs-se à necessidade de criação de um novo governo, atribuindo aos partidários deste a pecha de "desordeiros".15 15 SANTOS, Joaquim Felicio dos. Memórias do distrito diamantino. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 362. A decisão oficiada ao príncipe regente, embora corretamente interpretada como uma "inércia de cunho absolutista", que buscava fortalecer na figura deste uma autoridade independente de Lisboa,16 16 SILVA, Wlamir. Liberais e povo: a construção da hegemonia liberal-moderada na província de Minas Gerais (1830-1834). São Paulo: Hucitec, 2009. p. 75. não significou, contudo, uma completa sincronia com a política seguida por D. Pedro, pois se opunha ao mecanismo de afirmação da autoridade deste que, naquele momento, passava por um "mínimo de legitimidade constitucional".

Assim, embora o antigo governador acabasse aderindo à convocação dos eleitores de paróquia para a escolha da deputação mineira e dos membros do Primeiro Governo Provisório – atitude essa justificada por Castro como uma "pública demonstração" de seus desejos de não se "oporem à vontade do Povo e dos Cidadãos", rogando para que fosse levada à "maior publicidade"17 17 Sobre a instalação do Governo Provisório. RAPM, v. IX, p. 586-587, 1904. –, sua guinada obedecera muito mais a um senso de conveniência política, por meio do qual garantiu sua permanência no poder, como presidente da primeira junta mineira, sem deixar de pretender "que todos os ramos da administração da Província, tanto pelo que toca ao Civil, Fazenda e Militar, como a quaisquer outras atribuições, devem ficar a cargo do Governo, pela maneira que S.A.R. determinar".18 18 Ofício de Manuel de Castro, de 30 de julho de 1821 (Vila Rica). In: Avulsos do Conselho Ultramarino, Minas Gerais, MS 544, rolo 174, doc. 27, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos.

Daí sua atuação revelar-se, progressivamente, incompatível tanto com a maioria liberal do governo – representada pelo vice-presidente Teixeira de Vasconcellos – quanto com a própria autoridade do príncipe, o que levaria a seu progressivo isolamento no seio do novo governo, culminando em seu pedido de demissão do cargo. Na sessão de 13 de novembro de 1821, tal pedido era aceito sob acusações de seus atos despóticos, por meio dos quais, "continuou e continua a ser ainda inquietada [a província] pelo mesmo orgulhoso colosso, o qual não cessa de ainda chamar partidistas, e presumir que pode desfazer ainda o que está feito".19 19 Sessão do Governo Provisional de Minas Gerais, depois de se retirarem o presidente Manuel de Portugal e Castro, e o deputado secretário, João José Lopes Mendes Ribeiro [...], de 13 de novembro de 1821. In: Avulsos do Conselho Ultramarino, Minas Gerais, MS 544, rolo 174, doc. 27, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos. "Sua conduta", afirmavam os camarários de Vila Rica, era "patenteada por vários impressos, à vista dos quais bem se pode ajuizar do inconstitucionalismo de semelhante Déspota".20 20 Ofício da Câmara de Vila Rica, de 27 de outubro de 1821. In: Avulsos do Conselho Ultramarino, Minas Gerais, MSS 544, rolo 174, doc. 27, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos.

Se com Castro o sentido de alteridade em relação às cortes, bem como de uma postura relativamente autônoma mediante a autoridade do príncipe, fundava-se na resistência aos novos princípios, após sua demissão do Governo Provisório e a chegada dos decretos lisboetas de 29 de setembro a Minas,21 21 O que ocorre em 9 de dezembro daquele ano. aprofunda-se a postura autonomista dos membros liberais da junta ouro-pretana, baseados, a partir de então, em dois polos de antagonismo: por um lado, a perspectiva da perda dos direitos constitucionais adquiridos, associada à postura supostamente recolonizadora das cortes; por outro, a ameaça de uma guinada absolutista por D. Pedro I. Para esses grupos, 1820 representou uma possibilidade concreta de ampliação de autonomias e direto acesso ao poder, o que tornava tais demandas indissociáveis da questão da representação política.

Por isso, apoiados sempre na controversa opinião pública da província e no intento de preservação dos "legítimos direitos constitucionais adquiridos", os membros do Governo Provisório acataram parcialmente as Cartas de Lei de 1º de outubro de 1821,22 22 "Pelas Quais El-Rei o Senhor D. João Sexto Mandava executar os Decretos das Cortes Gerais Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portuguesa sobre a criação de Juntas Provisionais de Governos nas diferentes Províncias do Brasil e regresso de Sua Alteza Real" (Ofício para o Soberano Congresso. Vila Rica, 7 de janeiro de 1822. RAPM, v. IX, p. 607-610, 1904). suspendendo as "Ordens a que deu princípio para se reunirem os Eleitores" para instalação de um novo governo, conforme os decretos de 29 de setembro,23 23 Id., p. 609. mas revelando certo indiferentismo quanto à partida do príncipe, conforme ofício de 5 de janeiro de 1822, no qual protestavam a "mortificante saudade" do príncipe.24 24 Ofício para o Ministro de Estado dos Negócios do Reino Francisco José Vieira, de 5 de janeiro de 1822. APM, Seção Provincial, cx. 7, p. 18. Em contrapartida, os deputados mineiros transferidos para o Rio de Janeiro passaram a capitanear a ação adesista a D. Pedro, de modo a fortalecer o bloco sulista de apoio à "ficada" do príncipe, em oposição às determinações das cortes, ocasião que aprofundara a cisão no seio do Governo Provisório, o qual entendia tal decisão como diametralmente oposta "ao Bem Geral do Brasil".25 25 Ofício para a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros, de 1º de março de 1822. RAPM, v. IX, p. 612-613, 1904.

É assim que, atendendo aos apelos de solidariedade pela "causa nacional", o vice-presidente da junta, Teixeira de Vasconcellos, seguira para o Rio de Janeiro em 5 de janeiro de 1822, emitindo seu repúdio aos "decretos das cortes de 29 de setembro", identificados à "hidra do despotismo", que teria "erguido o seu colo para os reduzir a pior estado do que aquele de que acabavam de sair, pelos atos da venturosa Regeneração Política garantida pela instalação das Cortes Gerais e Extraordinárias em Lisboa [...]". Simultaneamente, a representação associava a figura de D. Pedro ao "nosso Númeo Tutelar, que faça desviar de nós o quadro dos horrores da Anarquia e dos desastrosos males, que nos esperam, a exemplo da América Espanhola, fazendo-se credor do nosso eterno reconhecimento e das bênçãos da Posteridade, sendo finalmente V.A.R. a glória e ornamento deste vasto e riquíssimo Reino do Brasil".26 26 "Cópia em pública forma de representação enviada a D. João VI por José Teixeira da Fonseca Vasconcellos, Vice-Presidente do governo de Minas Gerais, quando o Rei regressou à Corte de Lisboa, dando conta da situação das Minas Gerais, dentro do quadro das novas orientações políticas" ( Avulsos do Conselho Histórico Ultramarino – Minas Gerais, MS 544, cx. 188, rolo 174, doc. 25, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos). No mesmo sentido de protesto às determinações lisboetas, a deputação mineira tomava a resolução de suspender sua ida a Portugal, "enquanto a revogação dos fatais decretos de 29 de setembro de 1821 não afiançar no Soberano Congresso as devidas considerações acerca deste Reino e do seu decoro".27 27 Comunicação ao Governo Provisório de Minas Gerais (1822), dos deputados eleitos pela Província às Cortes Portuguesas, de não seguirem para Lisboa e dos motivos porque assim deliberaram, de 25 de fevereiro de 1822. RAPM, v. 2, 1897.

A discordância entre os membros da junta ouro-pretana e a tendência adesista a D. Pedro não desaparece nem mesmo com o "Fico" – ao qual acatam com evidente frieza28 28 As juntas governativas e a Independência. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura/Arquivo Nacional, 1973. v. 2, p. 861. –, a partir do qual emerge com especial relevo a questão da definição dos limites da autoridade dos novos poderes locais, mediante a constituição de uma instância interna do Poder Executivo. Nesse momento, a preservação de autonomias constituídas de longa data e pretensamente consolidadas pelo sistema constitucional é ameaçada, na perspectiva dos membros do governo mineiro, pelos arranjos institucionais acalentados pelos estadistas que capitaneavam a opção por D. Pedro, cristalizados no decreto de 16 de fevereiro de 1822, o qual criava o Conselho de Procuradores Gerais das Províncias.

Assim, em termos semelhantes aos que recusaram a execução das determinações de Lisboa, valeram-se dos supostos apelos da "opinião pública" para representarem ao poder central a "impossibilidade de execução do decreto mencionado", alegando não poderem considerarem tal decreto o predicado da "garantia da Liberdade Civil firmando os limites dos diferentes Poderes".29 29 Ofício para a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros, de 22 de março de 1822. RAPM, v. IX, p. 611-612, 1904. Em seguida, pediam especificações das competências dos governos provinciais, sinalizando a premência com a qual se apresentava a preservação de autonomias locais, agora expressas em termos da definição dos limites de autoridade.

Observa-se, portanto, um progressivo delineamento da postura autonomista da junta mineira em relação a Lisboa e a D. Pedro, após a retirada de Teixeira Vasconcellos para o Rio de Janeiro,30 30 Postura liderada pelo brigadeiro José Maria Pinto Peixoto, pelo juiz da Comarca Cassiano Esperidião de Melo Matos e pelos membros da junta Manuel Inácio de Melo e Souza e João José Lopes Mendes Ribeiro. a qual se cristalizava em medidas arbitrárias,31 31 Dentre estas, as demissões e admissões que correram à revelia do poder central, a alteração do valor da moeda e mesmo sua cunhagem, a criação de um "Corpo de Tropa de Infantaria intitulado Batalhão Constitucional de Caçadores", comunicada diretamente às cortes em Ofício de 27 de fevereiro de 1822 sob alegação de "ser muito proveitosa à província" e também concorrer "para se firmar o Sistema Constitucional, cuja preservação jamais deixará o Governo de promover com os maiores esforços e sacrifícios" (IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1985. t. 2, v. 2, p. 385. bem como na determinação de que "as ordens do príncipe ou das cortes só se executariam com seu beneplácito".

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A mesma diversidade de tendências que envolveu o partido liberal mineiro, polarizando a postura autonomista da junta ouro-pretana em relação ao "adesismo" dos políticos transferidos para a órbita do poder central, marcou o processo da Independência nas outras partes da província, sinalizando com as múltiplas possibilidades de ruptura do sistema luso-brasileiro, bem como com a polissêmica ideia de "liberdade", embutida nos princípios constitucionais.

A historiografia tem sido menos atenta a essa dimensão das diversidades em causa, acostumando-se a confrontar o radicalismo da junta ao pronto-adesismo à opção por D. Pedro I, manifesto por aquelas vilas mais diretamente articuladas pelo comércio e pela política ao Rio de Janeiro: Barbacena – que primeiramente envia representação à corte –, Queluz, Sabará, Caeté, Mariana e São João Del Rei.32 32 SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada. O Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831. São Paulo: Unesp, 1999. p. 107-150. De fato, o interesse de proprietários ligados à economia agrário-mercantil do sul mineiro foi um dos elementos que pesaram no sentido de defenderem a fixação de uma instância do poder central no reino americano e, em um segundo momento, a própria ruptura com Portugal, maneira pela qual almejavam preservar a autonomia material e galgar projeção política,33 33 OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro. Bragança Paulista: Edusp/Ícone, 1999. processo esse patrocinado pelas Câmaras municipais.34 34 Id., p. 146.

A adesão, contudo, comportou sentidos outros e nem sempre foi a clave sobre a qual se processou a ruptura luso-brasileira. Se, para os proprietários contemplados pela visita do príncipe em viagem à província mineira entre março e abril de 1822 – sob pretexto de "acomodar os partidos, que era constante haver na mesma Província"35 35 Portaria, expedida por Estevão Ribeiro de Rezende de Capão Lana, a 9 de abril de 1822. RAPM, v. XIV, p. 353, 1909. –, fora possível contar com benfeitorias e outras intervenções em questões que afetavam diretamente seus interesses – mandando abrir estradas para viabilizar o comércio, fazendo concessão de terras, bem como mandando soltar escravos presos "sem legítima razão";36 36 Portaria, de 11 de abril de 1822. RAPM, v. XIV, p. 381, 1909. sem contar os agraciamentos com cargos e promoções37 37 Decreto, de 19 de abril de 1822, por Estevão Ribeiro de Rezende. RAPM, v. XIV, p. 405, 1909. –, o novo pacto assentou-se sobre princípios diversos.

Assim, ora passava pelo reconhecimento do príncipe como "Digno Sustentáculo do Sistema Constitucional",38 38 Ofício de Pedro Gomes Nogueira, Coronel de Cavalaria de Sabará, de 9 de abril de 1822. RAPM, v. XIV, p. 354, 1909. ora denunciava o apego à tradição dinástica, ao costume e a uma concepção do poder própria ao Antigo Regime, conforme os termos do documento barbacenense, no qual o protesto à retirada da "Adorada Pessoa de Vossa Alteza Real" do Brasil era feito em nome da impossibilidade de "ver à testa do seu Governo, de qualquer maneira que ele for organizado, outro indivíduo que não seja um descendente da Dinastia, que há tantos séculos ocupa o Trono Português": "uma personagem, a quem estejam acostumados a obedecer".39 39 Câmara de Barbacena, 28 de maio de 1822. In: As câmaras municipais e a Independência. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura/Arquivo Nacional, 1973, v. 2, p. 31-36.

Além de sugerir o fundamento de um projeto de Estado dinástico, a ideia da obediência fundada no costume revela o quanto, contrariando os princípios constitucionais, a autoridade permanecia fincada na pessoa do governante, visto como portador de "transcendentes qualidades",40 40 "Câmara de São Bento de Tamanduá". Id., p. 136. cujo poder emerge como natural, prescindindo do consentimento da sociedade. Por fim, cabe lembrar que as práticas e os valores arraigados ao Antigo Regime manifestaram-se, amplamente, nas diversas representações simbólicas do poder, promovidas pelas Câmaras na ocasião das "festas de entrada" de D. Pedro nas vilas mineiras.41 41 SOUZA, Iara Lis Carvalho. Op. cit., p. 237-256.

Se, aos olhos das elites prontamente adesistas a D. Pedro, a tradição mostrou-se a via mais segura para a mudança, ao focalizarmos a situação naquelas vilas mais distantes – quer da capital mineira, quer do circuito Rio-Minas –, observamos outros condicionantes do processo em curso, suscetível aos ânimos de indivíduos que, sem necessariamente aderir às cortes ou ao governo do Rio de Janeiro, esboçaram um autonomismo em outro nível.

É essa a situação que marcara o movimento da Independência na Vila de Paracatu do Príncipe,42 42 Paracatu teve sua ocupação proveniente da Bahia, via S. Romão, tendo como atividade inicial a pecuária, passando, a partir de 1744, à exploração aurífera. Sua elevação a vila só ocorreu em 1798 (embora pleiteasse esse status desde 1745), sendo, por alvará de 16 de maio de 1815, criada a comarca de Paracatu. Incluindo o rol das regiões menos dinâmicas da província, segundo classificação de Clotilde Paiva, a vila revelava uma intensa articulação política e econômica com as províncias da Bahia, Pernambuco e Goiás, mais que com a própria capital da província ou a corte (BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995. p. 336-338; PAIVA, Clotilde A. Op. cit., p. 138). conforme correspondência de seu ouvidor, Antonio da Costa Pinto, datada de 25 de fevereiro de 1822, na qual denunciava as "circunstâncias atuais" aí presentes, em que se achava "inquietado o público e impossibilitados os Magistrados de fazerem Justiça livremente, e tudo ocasionado por um homem revoltoso, que se tem levantado em Déspota, e pretende ser o árbitro dos destinos de todos". A ação é imputada a Francisco Antonio de Assis, que, com "apoio de seu Tio Vigário Joaquim de Mello Franco (que, por ter a Vara de Provisor unida à qualidade do Vigário da Igreja, não reconhecem Superior, julgando que tudo lhe é permitido) pretende governar a Terra a seu arbítrio, segundo as suas más inclinações".43 43 Movimento político em Paracatu (1822). RAPM, v. III, p. 288-290, 1898.

Segundo o denunciante, o autoritarismo de Antonio de Assis teria se manifestado já na ocasião da eleição do Governo Provisório mineiro, quando procurou,

com todo o empenho logo que chegaram aqui os Eleitores Paroquiais, inquietar os seus espíritos e movê-los a que se unissem para se Criar nesta Vila um Governo Provisório, no projeto de ser ele o Presidente, e com as suas seduções e convites particulares que fazia a alguns Oficiais de Milícias, ia causando uma grande revolução que felizmente se atalhou pela falta de união.

Entretanto, mesmo depois de instalado o Governo Provisório e de chegada a notícia à Vila de Paracatu, "ainda então aquele homem inquieto se atrevia a convidar os Eleitores [...] para nova Revolução, e Criação de novo Governo independente do legítimo [...]".44 44 Id.

Descrito nesses termos, o movimento ocorrido em Paracatu sugere a necessidade de uma melhor investigação do peso das disputas patrocinadas pelos potentados locais no jogo político da Independência, dimensão que, seguramente, influenciou a articulação da diversidade no forjamento da união.45 45 As disputas dos potentados baianos durante o processo de desagregação da América Portuguesa são contempladas no recente trabalho de: SOUZA FILHO, Argemiro Ribeiro de. A guerra de Independência na Bahia: manifestações políticas e violência na formação do Estado nacional (Rio de Contas e Caetité). Dissertação (Mestrado) – UFBA, 2003. Para o caso mineiro, ver SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Identidades em construção. Op. cit., cap. 4.

***

Comprometido por essas diversas manifestações de autonomismos e adesismos, o clima político em Minas Gerais foi adensado, ainda, pela recepção de que a ideia de "liberdade", reforçada depois do "Fico", ia grassando junto aos homens livres pobres e à própria população escrava da província. A situação assumia relevo no contexto da firmação da autoridade do príncipe, quando se expuseram diferentes demandas das camadas populares,46 46 SOUZA, Iara Lis. Op. cit., p. 150. além de inúmeras tentativas de revoltas de escravos, que, muitas vezes associados a libertos e brancos pobres, vinham desde antes perpetrando "continuados roubos, acometendo e assassinando os viandantes, e o que é mais, fazendo chegar as suas devastações às Fazendas e Vilas".47 47 Correspondência do governador da capitania, de 5 de junho de 1811. Província de Presidência (1808-1813). Arquivo Nacional. Fundo: IJJ9, cod. 468, cx. 392.

O medo era alimentado por boatos que adquiriam força de notícia, conforme aquela anunciada em um Diário Extraordinário da Europa, de 1821, segundo a qual, iniciando-se pela ocupação de Vila Rica, em "um combate furiosíssimo" pelo juramento da Constituição e da igualdade com os brancos, a revolução teria se espalhado por toda a província, desde o "País diamantino" até "Caeté, Pitangui, Tamanduá, Queluz, Santa Maria de Baependi" e "Paracatu", envolvendo, só nesta última vila, "cerca de mil negros",48 48 Notícia de uma revolução entre pretos no ano de 1821, em Minas Gerais. RAPM, v. V, p. 158-160, 1900. em públicos regozijos ao constitucionalismo. Embora a notícia não proceda, é certo que vários planos de sublevação dos escravos, associados a segmentos livres da população, pipocaram pela província no período de 1820 a 1822, com intensidade e frequência sem precedentes.

Por um lado, a nova ordem instaurara, como já mencionado, uma cisão entre os diversos grupos mineiros, impondo uma fragmentação da autoridade que, por si só, propiciava a externalização das demandas das "classes ínfimas" e, em seu bojo, das revoltas escravas.49 49 ANASTASIA, Carla M. J. Vassalos rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. Por outro, é preciso considerar que tal fragmentação se dava em um contexto de intensa divulgação das ideias de liberdade e igualdade, as quais atingiam os próprios escravos, que a elas emprestavam significados distintos e mesmo antagônicos ao atribuídos pelas elites. Por fim, os próprios escravos e livres de cor compuseram os palcos desse debate, compartilhando dos novos espaços de sociabilidade das elites.50 50 É interessante notar que não só as ideias liberais circulavam entre a escravatura, mas os próprios escravos estiveram presentes nos palcos desse debate, não se restringindo ao contexto mineiro (Relação de escravos que acompanharam o sr. Deputado às Cortes Gerais, sr. Manoel José Veloso Soares, 21 de janeiro de 1822. APM. Seção Provincial-02).

Os relatos das autoridades locais e do Governo Provincial são vários nesse sentido. Assim, da Vila do Bom Sucesso partia, em janeiro de 1822, a denúncia de que,

Em razão da mal-entendida Liberdade pela plebe ignorante, e muito especialmente pelos Cativos, tem esta Vila e Termo dado por semelhantes princípios, e ainda demonstrações de sublevação na Escravatura, demonstrando-se em partes não obedientes a seus Senhores e a pretexto de que as atuais Leis favorecem uma tal Causa, e que para os apoiar existem autoridades [...],51 51 APM. Seção Provincial, JGP1/3, cx. 1, Av (8 de janeiro de 1822).

Semelhantes mobilizações estendiam-se a outras vilas e distritos, o que talvez reforçasse a aterrorizante perspectiva de uma sublevação geral. Do distrito diamantino partia o relato do fiscal dos diamantes, Dr. Luis José, "advertido por pessoas fidedignas, que muitos cativos e alguns libertos premeditavam um levantamento para a Véspera, ou dia de Natal".52 52 Id., continuação. Da mesma forma, em sua diligência estendida para o Arraial de São Domingos, pode constatar que estava projetado um igual procedimento, em pessoas de mesma classe, tendo havido, "na noite véspera de Natal [...] tumulto de mais de duzentos negros, no qual deram-se repetidos vivas à Liberdade".53 53 Ibid.

Além da associação dos escravos a setores livres pobres da população mineira, a denúncia do fiscal dos diamantes aponta – no mesmo sentido daquela dirigida pelo coronel do 3º Regimento da Comarca do Serro Frio, Bento Sousa, aos governadores da província, em 14 de janeiro do mesmo ano54 54 Referia-se, aqui, "ao apoio que lhe faz sempre o Dr. Juiz de Fora desta Vila Caetano Ferraz Pinto". – para outro elemento potencializador das revoltas. Ambos se referiam ao fato de estas serem patrocinadas por membros da própria camada dominante, cujo intento, seguramente, estava em desbancar seus oponentes políticos, como fica claro no plano referido de expulsar alguns "moradores" da vila.

Essa estratégia parecia inquietar os membros liberais do Governo Provisório, habilmente associada à atuação do antigo governador Portugal e Castro, que, além de incompatibilizar-se com o pretendido constitucionalismo da junta – projetando "dissolver o Governo Provisional depois de legalmente instalado a votos da Província" –, fora acusado de insuflar a "anarquia" interna à província, já que vinha "promovendo, ou ao menos protegendo as facções e partidos de classes ínfimas, mulatos e negros em seu apoio".55 55 Sessão do Governo Provisional de Minas Gerais, depois de se retirarem o presidente Manuel de Portugal e Castro, e o deputado secretário, João José Lopes Mendes Ribeiro [...]. Op. cit. Inversamente, era o próprio governador que, ao aderir ao constitucionalismo – com a intenção de preservar sua posição no seio do novo arranjo institucional, conforme mencionado –, denunciava o risco de uma "perturbação popular",56 56 CASTRO, D. Manuel de Portugal e. Sobre a necessidade da instituição de um Governo Provisório em Minas, 30 de junho de 1821. RAPM, v. IX, p. 585-586, 1904. defendendo, em função disso, a instalação do Governo Provisório.

Compostos em grande parte por mulatos, pardos e negros oriundos da escravidão, esses grupos converteram-se em fator de instabilidade da ordem pública, merecendo atenção das autoridades metropolitanas e provinciais. No contexto de difusão do constitucionalismo, desenvolveram laços de solidariedade espontâneos, aderindo às tendências liberais ou conservadoras segundo interesses próprios e fluidos, funcionando como eficaz arma política das elites no processo de nomeação de seus pares e oponentes.57 57 Tendência que se aprofunda no período regencial, quando novamente o tema ganha destaque, associado à polarização das elites mineiras em "restauradores" e "liberais" (ANDRADE, Marcos Ferreira de. Rebeliões escravas na comarca de Ouro Preto. Vária História, Belo Horizonte, n. 17, p. 237-257, mar. 1997). Em uma Carta missiva dirigida por José Fernandes de Sousa à Comissão do Ultramar, em 15 de setembro de 1821, apresentando os vários pontos que precisavam ser discutidos na Assembleia Nacional "para o bem do povo" da província de Minas Gerais, o problema assinalado era referido em termos dos:

[...] infinitos vadios, homens brancos, mestiços, pardos, cabras e crioulos forros, que se não sujeitam ao trabalho, dados a horrorosos vícios, cujos fazem por isso mil desordens, furtos e assassínios, tolerando-lhes os Comandantes das Ordenanças quase todos semelhantes desatinos, e mesmo lhes é dificultoso extingui-los, pois sendo perseguidos em um distrito, mudam-se para outro, e não obstante várias ordens superiores respectivas, pouco ou nada se remedia; carecendo, portanto, as mais ativas providências de severa polícia: os quais bem podem servir no Exército e na Marinha.58 58 Carta missiva de José Fernandes de Sousa para o presidente da Assembleia Nacional, dirigida à Comissão do Ultramar. Op. cit.

Na orientação das tendências em curso, pesaram, ainda, as "notícias vindas do Norte", onde o movimento adesista às cortes assumira tom de rebeldia, conforme atestado pelos casos pernambucano, paraense e baiano. Essas serviriam como justificativa de Castro para o retardamento das eleições mineiras, que supostamente visara a evitar "as terríveis consequências de comoções populares que introduzissem a anarquia", estando "sempre à mira do que nas Províncias vizinhas se praticava", não se animando, por isso, "a desenvolver o que fervorosamente apeteciam".59 59 Ofício para o soberano Congresso. Vila Rica, 1º de outubro de 1821. RAPM, v. IX, p. 591-593, 1904. Essas mesmas notícias reverteram-se em fundamentos para sua posterior demissão, aceita pelos membros liberais do governo mineiro sob alegação de que suas intenções, "oponentes ao Sistema Constitucional", poderiam "produzir as funestas consequências da Anarquia, e gravíssimos danos que infelizmente se viu sofrer a Província de Pernambuco, por semelhantes causas".60 60 Sessão do Governo Provisional de Minas Gerais, depois de se retirarem o presidente Manuel de Portugal e Castro, e o deputado secretário, João José Lopes Mendes Ribeiro [...]. Op. cit.

Essa habilidosa "instrumentalização do medo",61 61 HIRSCHMAN, Albert. A retórica da intransigência. Perversidade, futilidade, ameaça. São Paulo: Cia. das Letras, 1992. cuja eficácia repousava em condições concretas da sociedade mineira – a economia de abastecimento, marcada pela difusão de pequenos proprietários e por uma desconcentração da posse de cativos,62 62 PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. Tese (Doutorado) – Departamento de História, USP, São Paulo, 1996. p. 211. que alargava a base de "sustentação política e social" do regime, "a despeito da existência de um maior número de não proprietários"63 63 COSTA, Iraci del Nero da. Op. cit., p. 92. –, convertia as referidas "classes ínfimas" em uma alteridade comum aos vários setores da elite mineira.

A nosso ver, esse fato interferiu nas articulações dessas elites entre si e com o poder central, selecionando as opções em jogo, e, no contexto do adesismo a D. Pedro, condicionou a postura da junta ouro-pretana, cujos membros, em Ofício de 19 de fevereiro de 1822, predispunham-se a conciliar-se com o vice-presidente José Teixeira de Vasconcellos, em troca de auxílios destinados a aplacar "algumas perturbações" que se alastravam pela província. Referiam-se, especificamente, aos fatos ocorridos no "Distrito de Minas Novas, nas vilas de Príncipe e de Tamanduá", onde "têm-se notado vários ajuntamentos de negros, espalhando vozes da liberdade, e por tais motivos tem sido necessário socorrer estes lugares de mais Tropa do Regimento de Linha [...]".64 64 As juntas governativas e a Independência. Op. cit., p. 866.

Além de contar nas articulações das elites mineiras com o poder central, a necessidade de controlar e neutralizar a ação dos novos protagonistas pesou na elaboração da "própria definição nacional", imposta aos "brasileiros" desde 1821. Sob tal enfoque, ainda que na perspectiva dos liberais da província o referencial de pertencimento político comum continuasse sendo a "Nação Portuguesa"65 65 As Câmaras Municipais e a Independência, Op. cit., p. 31. – referida aos "Portugueses de todos os Hemisférios"66 66 Id., p. 34. – e a adesão às cortes soasse como uma possibilidade de ampliar e solidificar autonomias adquiridas, já então o embate político ia delineando os contornos do "ser brasileiro". Era nesse sentido que o "caráter enérgico, pertinaz e teimoso, acostumado ao mando absoluto",67 67 SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do distrito diamantino. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. p. 361-362. do ex-governador passava a ser estendido à "prepotência dos funcionários públicos" e autoridades do período joanino, aguçando não só as rivalidades entre "portugueses europeus" e "brasileiros" no interior da província, mas, em um segundo momento, a própria associação da figura de D. Pedro à conduta denunciada.

Ainda que o antilusitanismo tenha aflorado durante o Primeiro Reinado,68 68 RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção. Identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/Faperj, 2202. a questão torna-se premente no interior da província desde a instalação do debate constitucionalista, orientando, no contexto da Independência, a portaria de D. Pedro expedida ao Governo Provisório para "não aceitar, nem dar posse a Empregado algum, Eclesiástico, Civil, ou Militar, que vier despachado de Portugal [...]".69 69 Registro de ofícios do governo ao ministério, 1821-1822. A portaria é de 5 de agosto de 1822 ( APM, SP-07, p. 65V 27 de agosto de 1822). À época do primeiro Governo Provisório, a mesma preocupação transparece nas reflexões do autor de uma Carta anônima veiculada na província mineira, o qual recomendava como "mui política a aplanização e temporária exclusão dos Europeus quanto a Empregos públicos de primeira ordem", por serem os "naturais do País que dá ouro, e brilhantes [...] mais ambiciosos que avarentos".70 70 Carta anônima que apareceu em Ouro Preto à época da eleição do 1º Governo Provisório, aludindo a uma possível guerra com Portugal, pela Independência do Brasil. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos, Coleção Minas Gerais, ref. II, 36, 05, 002.

Embora sem autoria, o documento sugere que esse incipiente antilusitanismo não só repousava nos anseios dos grupos locais em galgar projeção política no cenário nacional71 71 Na interpretação de Salles, nessa perspectiva de acesso à esfera das decisões políticas residira o apoio dos novos grupos mercantis do Centro-Sul à volta de D. João VI para Portugal, bem como da posterior instalação da Assembleia Constituinte no Brasil (OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles . A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro. Bragança Paulista: Edusp/Ícone, 1999). – "ambiciosos" que eram –, mas podia funcionar como instrumento da propaganda anticonstitucional, uma vez que, argumentava-se, a "guerra com Portugal é inevitável, mas conveniente: é ela que há de distrair os povos do afinco com que pensam em arranjos constitucionais, e só ela nos fará cair nas mãos limitáveis poderes e tropas, que ao comando de criaturas nossas, enfim, proclamarão nosso antigo sistema".72 72 Carta anônima que apareceu em Ouro Preto à época da eleição do 1 o Governo Provisório... Op. cit.

De outro modo, ao desviar os ânimos para esse nível das alteridades, forjava-se a ideia de unidade da classe proprietária, promovendo, simultaneamente, a associação simbólica entre aquele que começava a ser associado ao "estrangeiro" – o português – e as novas formas constitucionais, bem como matizando tensões de ordem social e racial aí vigentes.

No quadro da sociedade mineira da primeira metade do século XIX, essas tensões repousavam, em grande medida, no fato de haver um enorme contingente de pardos – livres e forros – que, embora integrados econômica e socialmente – ocupando predominantemente os "setores menos privilegiados", como o "artesanato, serviços em geral e jornaleiros", mas também na condição de proprietários de escravos, ligados ao comércio, ou em cargos civis e militares73 73 COSTA, Iraci Del Nero da. Arraia-miúda. Um Estudo sobre Não-Proprietários de Escravos no Brasil. São Paulo: MGSP Editores, 1992, p. 93. –, não puderam fugir ao "estigma da escravidão", inseridos que estavam em uma sociedade com forte tradição de hierarquia social, racial ou étnica.

A esse problema as autoridades locais não puderam ser alheias, e, assim como a associação do "português estrangeiro" com o "constitucionalismo" servia, na estratégia dos grupos arraigados à velha ordem, para desbaratar o adesismo às cortes, o teor das Bases da Constituição de Cádis, provisoriamente adotadas por Portugal, foi repudiado mediante a realidade social da província. Examinando "os Artigos da Constituição Espanhola que respeitam à formação das Cortes, das Juntas Eleitorais de Paróquia, Comarca e Província, com as Instruções dadas para a sua execução em Portugal e mandadas observar no Reino do Brasil pelo Decreto de 7 de Março" de 1821, o ex-governador Castro argumentava, sobre o artigo 28, que excluía os pardos e crioulos descendentes de africanos da base da representação nacional:

[...] É constante nesta Província ser o número dos pardos igual ou maior que o dos brancos e oriundos de Portugueses por ambas as linhas; excluir aqueles da representação Nacional seria fazer estes em igual ou menor número [...]; como se poderá dizer representada uma Paróquia, Comarca ou Província por uma menor parte da mesma e sem o consenso da outra parte igual ou maior? Os pardos se acham estabelecidos, uns com propriedade e bens de raiz e escravos, outros com fundos próprios negociando, e outros com escravos empregados na mineração e lavoura concorrendo com impostos e tributos para as despesas do Estado, Dízimos, Quintos, Décima, Siza [...] e outros impostos; foram os mesmos pardos elevados a consideração Política e pelos seus serviços nos Corpos e Regimentos Milicianos, onde são Oficiais e Oficiais superiores, e por outros empregos estão gozando de grandes privilégios e isenções, e se agora se removessem do foro de Cidadão Português seria privá-los sem culpa das graças e honras concedidas, revogando leis, usos e costumes da Nação; seria querer tivessem representação para satisfazer os encargos de Cidadão no pagamento dos impostos e negá-lo na fruição dos privilégios e na concorrência da administração, eleição dos administradores e representantes da Nação; seria animar escandalosas intrigas declarando-se pardo o que já pretende ser branco, e muitas vezes é reputado tal, pela distância em que se acha do tronco Africano; e de injuriar-se muitas vezes o mesmo branco [pondo-o] na necessidade de mostrar a legitimidade e qualidade de seus passados; e seria finalmente excitar o desgosto de uma grande parte ou a maior da Província, aumentar a indisposição e desconfiança de serem desprezados pelos brancos, e promover a união a outros desgostosos, e com ela ameaçarem a segurança Pública com desordens perigosas sempre ao Estado e de incerto efeito [...].74 74 CASTRO, D. Manuel de Portugal e. Sobre elei ções pa. Const. Portuguesa. Vila Rica, 21 de abril de 1821. ( APM. Fundo Secretaria de Governo (SG), Avulsos, cx. 121, pac. 22, 4 fls) (grifos meus). APM, Fundo Secretaria de Governo (SG), Avulsos, cx. 121, pac. 22, fls. 1-2.

Por isso, propunha declarar-se o referido artigo "alterado nesta Província e considerar como Cidadão Português natural e havido por natural dos Domínios Portugueses proprietários e com representação e privilégios concedidos pelas Leis" os pardos e livres de cor, com exceção dos "mendigos e os que estiverem quase nas mesmas circunstâncias".75 75 APM. Fundo Secretaria de Governo (SG), Avulsos, cx. 121, pac. 22, fl. 2.

Se levarmos em conta que as Bases da Constituição política da Monarquia portuguesa foram aprovadas em 9 de março de 1821 e enviadas à América juntamente com o decreto para a eleição dos deputados, após a adesão de D. João, em abril daquele ano, é provável que a argumentação de Castro tenha ignorado a alteração fundamental nas Bases constitucionais portuguesas: a adaptação das instruções eleitorais espanholas, com a supressão das distinções estabelecidas em Cádis para a concessão da cidadania.76 76 BERBEL, Márcia; MARQUESE, Rafael de Bivar; PARRON, Tamis. Escravidão e política. Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: Hucitec, 2010. p. 151-152.

Nesse sentido, sua recusa aos critérios de cidadania aprovados na Espanha em 1812 pode ter significado uma habilidosa estratégia de convencimento das elites mineiras, no sentido da recusa ao constitucionalismo, propositalmente associado a uma concepção de representação nacional desestabilizadora da ordem social e, embora não explicitamente mencionado, a uma paridade de direitos desvantajosa para os brasileiros. De outro modo, antecipando procedimento comum aos liberal-moderados após 1831 – quando será abertamente reconhecida a importância social dos pardos livres, tornando-os objeto específico de sua pedagogia política77 77 SILVA, Wlamir. Op. cit., p. 277-282. –, gerava-se o repúdio dos próprios pardos e livres de cor à nova ordem, que supostamente ameaçava suas condições de "estabelecidos".

De qualquer modo, tendo ou não conhecimento das Bases portuguesas, o argumento de Castro acenava com aquela dupla preocupação das elites mineiras: garantir a ordem social na província, bem como as amplas autonomias, nesse momento traduzidas na reivindicação da paridade de direitos em termos da representação nacional. Assim, quanto mais alargadas as bases desta – o que implicava, no caso americano, a inclusão de mulatos e livres de cor na condição de cidadãos –, maior o poder de barganha da deputação brasileira em Lisboa.78 78 Nesse sentido, o dilema dos deputados brasileiros reavivava a disputa presente já nas cortes de Cádis (1810-12), entre americanos e espanhóis, o qual esteve na base da inviabilização do novo pacto nacional (BERBEL, Márcia Regina. Cortes de Cádiz: entre a unidade da nação espanhola e as independências americanas. In: PAMPLONA, A. Marco; MÄDER, Maria Elisa (Orgs.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas. Nova Espanha. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. v. 2, p. 17-48).

Simultaneamente, a assimilação dos pardos em uma sociedade pretensamente branca funcionava como poderoso instrumento para diluir seus vínculos com o cativeiro e, portanto, com uma comum origem escrava, rememorada quer pelo estigma da cor, quer pelo pertencimento a esferas de sociabilidade fundadas nos padrões hierárquicos da sociedade mineira colonial. Com isso, isolavam-se, em um extremo oposto, aqueles segmentos que, consensualmente, não deveriam figurar na sociedade civil, representando antes o risco da "anarquia": os escravos e livres marginais. A estes, a recomendação do liberal Antonio Paulino Limpo de Abreu, dirigida ao presidente e deputados do Governo Provisório, em 14 de fevereiro de 1822, a propósito da "revolução dos negros profetizada no Brasil por tantos Escritores", preconizava o próprio "silêncio da Lei", uma vez que, "a simples menção deles pode suscitar a ideia de os perpetrar".79 79 APM, Seção Provincial, JGP1/6, cx. 1, Avulsos, de 14 de fevereiro de 1822.

Em nível dos debates que envolveram nossos primeiros legisladores, desde 1823, a decisão final sobre a definição dos critérios de cidadania pautou-se em uma habilidosa demarcação das diferenças entre o cidadãos "passivos" (portadores apenas dos direitos civis) e "ativos" (aptos a votar nas assembleias primárias, conforme critério econômico).80 80 SLEMIAN, Andrea. Seriam todos cidadãos? Os impasses na construção da cidadania nos primórdios do constitucionalismo no Brasil (1823-1824). In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005. p. 829-848. Apesar dessa distinção conveniente aos grupos políticos que pretendiam isolar a participação política da população livre pobre, majoritariamente de cor,81 81 Em Minas Gerais, essa distinção constitucional não eliminou a perpetuação de práticas cotidianas excludentes voltadas aos mestiços, pardos livres e brancos pobres da província. Essas práticas eram moldadas pela intenção das autoridades públicas de enquadrar esses segmentos no "ideal de trabalho", justificando diversas posturas municipais que proibiam "pedir esmolas, quando se podem com o trabalho adquirir meios de subsistência", não estando descartadas medidas que visavam a seu confinamento e separação do corpo social, conforme denuncia o plano de construção de uma "casa de correção para vadios e ociosos", mencionado pelo Conselho Geral da Província de Minas Gerais, em sessão de 1828 (SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Identidades em construção. O processo de politização das identidades coletivas em Minas Gerais (1798-1831). São Paulo: USP/Departamento de História, 2007. cap. 3. (Relatório final de pós-doutorado). as formas constitucionais implicaram novos instrumentos de reivindicação para esses setores, desde então cidadãos, passíveis de reivindicarem a lei e as novas instituições modernas a favor de suas demandas.

Esse fato evidencia-se na província de Minas Gerais, onde assumia relevo pela representação numérica dessa população, levando aos inúmeros apelos das autoridades locais pela contenção da "populaça desenfreada", que exorbitaram "de toda a prudência, chegando a se expelir a alguns Juízes de Paz de seus Termos somente por serem Europeus".82 82 PP 1/18, cx. 336, doc. 52, fls. 18 e 18v. (Vila do Bonsucesso, 8 de junho de 1831).

É o que ilustram os acontecimentos ocorridos nos distritos de Itacambira e de Nossa Senhora da Piedade, Termo de Minas Novas, nos quais os respectivos juízes de paz "pediram demissão" do cargo, em virtude dos ataques sofridos. Nesta última localidade, o juiz de paz – o capitão José da Silva Mares – relatou às autoridades provinciais ter sido "acometido de uma insurreição da plebe do seu Distrito, em número de mais de vinte pessoas que se diz[em], autorizada[s] por dois, ou três homens de consideração", tendo sido "ameaçado com a morte, com o arrombamento da porta principal" de sua casa.83 83 Id. Luis Manoel Soares de Castro Juiz Suplente de Paz no Distrito de N. Sra. da Piedade. Apavorado com tais ameaças – agravadas, em seu caso, por "ser Brasileiro adotivo, contra quem a canalha mais se enfurece"84 84 Id. –, o juiz fora obrigado a "cativar os pardos", assinando a Constituição do Império. Mostrava-se por isso indignado, pois, embora "eleito legalmente pelos Cidadãos a quem as Leis, Ordem, e Instruções autorizam para votar, e ser autorizado por pessoas a quem a Lei exclui de votar [...], estes em número prevalecem, e suas arbitrariedades formam Lei", expondo-se o suplicante a "uma Liberdade diferenciada".85 85 Idem, fl. 7v.

Considerações finais

A constatação da diversidade externada no espaço político da província mineira, no contexto de 1821-1822, desfaz a ideia tradicionalmente consagrada por uma dada historiografia segundo a qual, ao verificar-se a Independência, "a Província está de tal modo vinculada a D. Pedro e ao processo emancipador que tudo se desenrola em paz".86 86 IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. Op. cit., p. 387. Na verdade, se aquele fato político imprimia nos agentes coevos a certeza do afastamento do que era interpretado como o "despotismo" das cortes lisboetas – que insistiam em subtrair ao Brasil uma sede do Executivo –, não eram claros os caminhos a serem trilhados na sedimentação da condição de "Nação livre e independente" da "Gente Brasileira",87 87 "Felicitações pela coroação de V.M.I., pelo desembargador intendente geral dos diamantes, Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque", Tejuco, 1823 ( ANRJ, IJJ9, PAC 758). na passagem do "vassalo" a "cidadão", "de um povo colonial a uma Nação livre e independente".88 88 "Oração gratulatória que por ocasião do juramento da Constituição Brasiliense recitou no ato de sua solenidade na Imperial cidade de Ouro Preto e Capelados Terceiros do Carmo, a 8 de abril do corrente ano o Vigário Antônio Franco Cônego da Rocha, Ex-Deputado por esta Província à Assembleia Geral do Império", Ouro Preto, 1824 ( APM, SP, Presidência de Província, cx. 4, doc. 3, p. 4).

Do ponto de vista dos grupos mais diretamente vinculados ao Rio de Janeiro, que sustentaram a opção por D. Pedro em 1822, a convicção do novo que despontava a partir de então vinha, indiscutivelmente, atrelada à figura de D. Pedro, vislumbrado como "um centro de força e união". Era nesse sentido que apoiavam sua investidura no título de imperador, empossando-o nos plenos direitos para "promover e aumentar as forças de uma Nação"89 89 Representação da Câmara de Baependi, a 2 de outubro de 1822. In: As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., p. 10. que "já é livre" – o que se tornava inviável "estando o Príncipe Regente como Delegado de El-Rei; e constando além disso, que o Senhor Dom João Sexto se acha em estado de coação"90 90 Ata da Câmara de Caeté, de 12 de outubro de 1822. In: As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., v. 2, p. 61. –, bem como proceder ao "reconhecimento dos bons, conversão dos incrédulos e confusão dos malvados".91 91 Representação da Câmara de Barbacena. In: As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., p. 39.

A adesão ao monarca, contudo, não era incondicional. Consagrada em 1822 mediante o estabelecimento de um vínculo contratual entre o príncipe e a sociedade,92 92 SOUZA, Iara Lis Carvalho. Op. cit. os limites à sua autoridade estavam dados, desde aquele momento, pelo indissociável binômio "Imperador & Constituição".93 93 SILVA, Wlamir. Op. cit., p. 203. Desse modo, por mais que as Câmaras continuassem referindo-se às "transcendentes"94 94 Câmara de Tamanduá, vereança de 22 de outubro de 1822. In: As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., p. 136. e "inatas virtudes" que ornam a "sagrada pessoa de SMI",95 95 Livro de Acórdãos da Câmara de Baependi, aos 10 de novembro de 1822. In: As Câmaras Municipais e a Independênci. Op. cit., p. 20. fincavam a adesão naquela "esperança bem fundada de que a melhor das Constituições levantará o Império do Brasil ao mais alto grau de prosperidade". Este, acreditava-se, "será o passo firme, que nos conduza à mais elevada grandeza; será a mais firme coluna, que sustente o Trono Imperial, em que com tanta felicidade Vossa Majestade se Acha Sentado".96 96 Felicitações pela coroação de V.M.I., pelo desembargador intendente geral dos diamantes, Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque. Op. cit.

Em uma sugestiva representação da Câmara da Vila de Barbacena, seus representantes afirmavam aderir a "uma Constituição que lhes traga a prosperidade e o sossego; e não uma Constituição que pondo-os em moto contínuo traga consigo, ou a Anarquia, ou Democracia; e com elas todos os males que produzem os tumultos populares".97 97 Câmara de Barbacena, em vereação de 20 de janeiro de 1823. In: As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., p. 52 (grifos meus). Que, em outro extremo, afugentasse "o despotismo e as arbitrariedades", garantindo os "sagrados direitos da Segurança Individual, e de propriedade, e da imunidade da casa do Cidadão".98 98 Descrição dos Festejos Públicos de Caeté por ocasião do Restabelecimento da Saúde de Sua Majestade Imperial, do Desenvolvimento do Seu Espírito Constitucional, e da Restauração da Bahia. In: As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., p. 72.

Observa-se, desse modo, o delineamento de uma postura liberal moderada na província mineira, iniciando o processo de convencimento da população acerca de seus ideais, valores e projetos políticos específicos, a qual, a exemplo de sua congênere europeia, definia-se como supostamente capaz de garantir o "justo equilíbrio"99 99 Segundo Morel, a expressão "liberalismo moderado", antes de ser usada no Brasil, fazia parte do vocabulário político da Península Ibérica, significando determinada concepção de organização do Estado inspirada nos girondinos de 1791 (a revolução com o rei) e no parlamentarismo inglês de 1688. Assim, em sua vertente espanhola, buscava o "equilíbrio entre a autoridade monárquica e o Parlamento". No caso português, caracterizava-se pelo predomínio da soberania monárquica, coabitando com a representação das Câmaras. No caso brasileiro, expressava-se em sua vertente conservadora – queriam "conservar a ordem social e trazer algumas transformações à ordem política" –, o que impunha, na conjuntura do Primeiro Reinado, afastar os extremos dos absolutistas e dos exaltados. Daí o dilema em pretender-se "fundar uma nova ordem e evitar a ruptura de uma revolução nacional" (MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos. Imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005. p. 117-127). entre os extremos do "demagogismo" e do "absolutismo".100 100 Congratulação da Câmara de Ouro Preto a V.M.I. pela visita realizada à Província de Minas Gerais, em 1831. ( ANRJ, IJJ9, pac. 758).

Manifesto predominantemente em sua vertente conservadora, o liberalismo moderado buscava sempre "conservar a ordem social e trazer algumas transformações à ordem política", o que impunha, na conjuntura do Primeiro Reinado, afastar absolutistas e exaltados.101 101 Ibid. Assim, aludindo ao "perigo das revoluções", o termo anarquia associava-se ao demagogismo, "qualificativo de pessoas que se proclamavam defensores do 'povo' em benefício próprio", utilizando-se, para tanto, de meios contrários ao sistema constitucional e que, por tal motivo, eram ainda associados ao despotismo/absolutismo, verdadeira "escravidão política".

Desse modo, embora se apresentasse como comum a toda a sociedade – e, nesse sentido, forjasse a imagem de Minas como "berço da unidade" e do "patriotismo" nacional102 102 É interessante notar a consensual resposta que as Câmaras mais diretamente vinculadas a D. Pedro manifestaram, por ocasião do encerramento da devassa mandada instaurar em algumas vilas mineiras, pelo ministro do Império, José Bonifácio de Andrada e Silva, em 11 de novembro de 1822, acerca do clima reinante na província, afirmando "não haver facções ou partidos", antes tendo-se observado serem todos "amantes da causa do Brasil" ( As Câmaras Municipais e a Independência, p. 310, 164, 119). –, o vocabulário político em voga, assim como a própria postura liberal dos vários grupos que se embateram no palco provincial, só podem ser decifrados à luz do contexto, dos atores e de suas práticas diversificadas, conforme procurou-se demonstrar com base na conjuntura marcada pelas primeiras apropriações do constitucionalismo nas Minas Gerais, entre 1820 e 1822.

Artigo recebido em 24/02/2012 e aprovado para publicação em 13/07/2012

  • 1 KOSELLECK, R. Crítica e crise. Rio de Janeiro: Eduperj/Contraponto, 1999.
  • 2Grosso modo, aquela que pressupunha a existência do "pacto fictício de vontades entre as partes" como princípio fundador dos governos e que aí se expressou primevamente em sua vertente moderada. (HESPANHA, António Manuel; XAVIER, Ângela Barreto. A representação da sociedade e do poder. In: MATTOSO, José (Org.). História de Portugal. O Antigo Regime. Rio de Mouro: Lexi Cultural, 2002. p. 145-172).
  • 3 SLEMIAN, Andréa. Sob o império da lei. Constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1822-1834). São Paulo: Hucitec, 2009. p. 57-77.
  • 4 NOBRE, Isabel Maria Guerreiro. A aprendizagem da cidadania em Portugal (1820-1823). Coimbra: Minerva, 1997.
  • 5 Segundo Guerra, analisando o processo de desintegração do Império espanhol na América, trata-se daqueles "pontos de mutação" ideológica e nas formas de representação política , que abrem o processo de construção da "modernidade política" na América (GUERRA, François Xavier. Modernidad e independências. Ensayos sobre las revoluciones hispânicas. México: Mapfre, 1992).
  • 7 SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Identidades em construção. O processo de politização das identidades coletivas em Minas Gerais (1792-1831). São Paulo: USP/Departamento de História, 2007. (Relatório final de pós-doutorado).
  • 8 LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988; Novas considerações sobre a protoindustrialização mineira nos séculos XVIII e XIX. Revista do Departamento de História, Belo Horizonte: UFMG, n. 9, 1989, p. 149-160;
  • PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX Tese (Doutorado) FFLCH/USP, jul. 1996, p. 211, Tabela 4.
  • 9 MAXELL, Keneth. A devassa da devassa, a Inconfidência Mineira, Brasil Portugal, 1750-1808. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
  • 10 GONÇALVES, Andréa Lisly. Às margens da liberdade: alforrias em Minas Gerais na primeira metade do século XIX. LPH: Revista de História, n. 6, 1996.
  • 12 Fundadas na acusação a todos os níveis das autoridades locais por supostos abusos responsáveis pela "decadência" das Minas, a Instrução do então ministro do Reino e Ultramar afastava a plutocracia local dos postos administrativos, o que significava afetá-la tanto financeiramente já que a posse de cargos era forma de participar de esquemas bem-remunerados quanto no plano das representações simbólicas, que diferenciavam os administradores do restante da população (STUMPF, Roberta Giannubilo. Filhos das Minas, americanos e portugueses: identidades coletivas na Capitania das Minas Gerais (1763-1792). São Paulo: Hucitec, 2010. p. 150-170).
  • 14 Foi essa forma de encarar a questão brasileira que norteou os decretos de 29 de setembro e 1ş de outubro de 1821, pelos quais as cortes regulamentavam os governos das províncias brasileiras criando governadores de armas e juntas das fazendas diretamente vinculadas a Lisboa e determinavam a volta de D. Pedro para Portugal, cuja presença no Rio de Janeiro não mais se justificaria. É importante notar que não só os decretos de 29 de setembro e 1ş de outubro foram aprovados com a participação das deputações brasileiras em cortes, como havia um propósito em tais regulamentações coerente com a própria lógica do constitucionalismo: como admitir a autoridade D. Pedro no Brasil, se esta fora investida pelo rei e não pela nova forma constitucional? Como manter no Rio de Janeiro uma autoridade que, visivelmente, suscitava desconfianças quanto à verdadeira adesão ao constitucionalismo? Tal lógica que permeou os decretos lisboetas desfaz a visão consagrada pela historiografia, segundo a qual eles foram aprovados à revelia dos "interesses brasileiros", expressando um autêntico projeto recolonizador (BERBEL, Marcia Regina. A nação como artefato. São Paulo: Hucitec, 1999).
  • 15 SANTOS, Joaquim Felicio dos. Memórias do distrito diamantino. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 362.
  • 16 SILVA, Wlamir. Liberais e povo: a construção da hegemonia liberal-moderada na província de Minas Gerais (1830-1834). São Paulo: Hucitec, 2009. p. 75.
  • 22 "Pelas Quais El-Rei o Senhor D. João Sexto Mandava executar os Decretos das Cortes Gerais Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portuguesa sobre a criação de Juntas Provisionais de Governos nas diferentes Províncias do Brasil e regresso de Sua Alteza Real" (Ofício para o Soberano Congresso. Vila Rica, 7 de janeiro de 1822. RAPM, v. IX, p. 607-610, 1904).
  • 24 Ofício para o Ministro de Estado dos Negócios do Reino Francisco José Vieira, de 5 de janeiro de 1822. APM, Seção Provincial, cx. 7, p. 18.
  • 25 Ofício para a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros, de 1ş de março de 1822. RAPM, v. IX, p. 612-613, 1904.
  • 28As juntas governativas e a Independência. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura/Arquivo Nacional, 1973. v. 2, p. 861.
  • 29 Ofício para a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros, de 22 de março de 1822. RAPM, v. IX, p. 611-612, 1904.
  • 31 Dentre estas, as demissões e admissões que correram à revelia do poder central, a alteração do valor da moeda e mesmo sua cunhagem, a criação de um "Corpo de Tropa de Infantaria intitulado Batalhão Constitucional de Caçadores", comunicada diretamente às cortes em Ofício de 27 de fevereiro de 1822 sob alegação de "ser muito proveitosa à província" e também concorrer "para se firmar o Sistema Constitucional, cuja preservação jamais deixará o Governo de promover com os maiores esforços e sacrifícios" (IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1985. t. 2, v. 2, p. 385.
  • 32 SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada. O Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831. São Paulo: Unesp, 1999. p. 107-150.
  • 33 OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro. Bragança Paulista: Edusp/Ícone, 1999.
  • 42 Paracatu teve sua ocupação proveniente da Bahia, via S. Romão, tendo como atividade inicial a pecuária, passando, a partir de 1744, à exploração aurífera. Sua elevação a vila só ocorreu em 1798 (embora pleiteasse esse status desde 1745), sendo, por alvará de 16 de maio de 1815, criada a comarca de Paracatu. Incluindo o rol das regiões menos dinâmicas da província, segundo classificação de Clotilde Paiva, a vila revelava uma intensa articulação política e econômica com as províncias da Bahia, Pernambuco e Goiás, mais que com a própria capital da província ou a corte (BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995. p. 336-338;
  • 43 Movimento político em Paracatu (1822). RAPM, v. III, p. 288-290, 1898.
  • 48 Notícia de uma revolução entre pretos no ano de 1821, em Minas Gerais. RAPM, v. V, p. 158-160, 1900.
  • 49 ANASTASIA, Carla M. J. Vassalos rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.
  • 56 CASTRO, D. Manuel de Portugal e. Sobre a necessidade da instituição de um Governo Provisório em Minas, 30 de junho de 1821. RAPM, v. IX, p. 585-586, 1904.
  • 61 HIRSCHMAN, Albert. A retórica da intransigência. Perversidade, futilidade, ameaça. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
  • 62 PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. Tese (Doutorado) Departamento de História, USP, São Paulo, 1996. p. 211.
  • 67 SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do distrito diamantino. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. p. 361-362.
  • 68 RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção. Identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/Faperj, 2202.
  • 73 COSTA, Iraci Del Nero da. Arraia-miúda. Um Estudo sobre Não-Proprietários de Escravos no Brasil. São Paulo: MGSP Editores, 1992, p. 93.
  • 76 BERBEL, Márcia; MARQUESE, Rafael de Bivar; PARRON, Tamis. Escravidão e política. Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: Hucitec, 2010. p. 151-152.
  • 78 Nesse sentido, o dilema dos deputados brasileiros reavivava a disputa presente já nas cortes de Cádis (1810-12), entre americanos e espanhóis, o qual esteve na base da inviabilização do novo pacto nacional (BERBEL, Márcia Regina. Cortes de Cádiz: entre a unidade da nação espanhola e as independências americanas. In: PAMPLONA, A. Marco; MÄDER, Maria Elisa (Orgs.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas. Nova Espanha. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. v. 2, p. 17-48).
  • 80 SLEMIAN, Andrea. Seriam todos cidadãos? Os impasses na construção da cidadania nos primórdios do constitucionalismo no Brasil (1823-1824). In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005. p. 829-848.
  • 99 Segundo Morel, a expressão "liberalismo moderado", antes de ser usada no Brasil, fazia parte do vocabulário político da Península Ibérica, significando determinada concepção de organização do Estado inspirada nos girondinos de 1791 (a revolução com o rei) e no parlamentarismo inglês de 1688. Assim, em sua vertente espanhola, buscava o "equilíbrio entre a autoridade monárquica e o Parlamento". No caso português, caracterizava-se pelo predomínio da soberania monárquica, coabitando com a representação das Câmaras. No caso brasileiro, expressava-se em sua vertente conservadora queriam "conservar a ordem social e trazer algumas transformações à ordem política" , o que impunha, na conjuntura do Primeiro Reinado, afastar os extremos dos absolutistas e dos exaltados. Daí o dilema em pretender-se "fundar uma nova ordem e evitar a ruptura de uma revolução nacional" (MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos. Imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005. p. 117-127).
  • 1
    KOSELLECK, R.
    Crítica e crise. Rio de Janeiro: Eduperj/Contraponto, 1999.
  • 2
    Grosso modo, aquela que pressupunha a existência do "pacto fictício de
    vontades entre as partes" como princípio fundador dos governos e que aí se expressou primevamente em sua vertente moderada. (HESPANHA, António Manuel; XAVIER, Ângela Barreto. A representação da sociedade e do poder. In: MATTOSO, José (Org.).
    História de Portugal. O Antigo Regime. Rio de Mouro: Lexi Cultural, 2002. p. 145-172).
  • 3
    SLEMIAN, Andréa.
    Sob o império da lei. Constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1822-1834). São Paulo: Hucitec, 2009. p. 57-77.
  • 4
    NOBRE, Isabel Maria Guerreiro.
    A aprendizagem da cidadania em Portugal (1820-1823). Coimbra: Minerva, 1997.
  • 5
    Segundo Guerra, analisando o processo de desintegração do Império espanhol na América, trata-se daqueles "pontos de mutação" – ideológica e nas formas de representação política –, que abrem o processo de construção da "modernidade política" na América (GUERRA, François Xavier.
    Modernidad e independências. Ensayos sobre las revoluciones hispânicas. México: Mapfre, 1992).
  • 6
    A questão mereceu atenção pioneira de ARRUDA, Maria A. do Nascimento.
    Mitologia da mineiridade. O imaginário mineiro na vida política e cultural do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990.
  • 7
    SILVA, Ana Rosa Cloclet da.
    Identidades em construção. O processo de politização das identidades coletivas em Minas Gerais (1792-1831). São Paulo: USP/Departamento de História, 2007. (Relatório final de pós-doutorado).
  • 8
    LIBBY, Douglas Cole.
    Transformação e trabalho em uma economia escravista – Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988; Novas considerações sobre a protoindustrialização mineira nos séculos XVIII e XIX.
    Revista do Departamento de História, Belo Horizonte: UFMG, n. 9, 1989, p. 149-160; PAIVA, Clotilde Andrade.
    População e economia nas Minas Gerais do século XIX. Tese (Doutorado) – FFLCH/USP, jul. 1996, p. 211, Tabela 4.
  • 9
    MAXELL, Keneth.
    A devassa da devassa, a Inconfidência Mineira, Brasil – Portugal, 1750-1808. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
  • 10
    GONÇALVES, Andréa Lisly. Às margens da liberdade: alforrias em Minas Gerais na primeira metade do século XIX.
    LPH: Revista de História, n. 6, 1996.
  • 11
    Desde 1761, o marquês de Pombal tratou de envolver a plutocracia mineira em órgãos administrativos e fiscais, assumindo ainda cargos de liderança na área militar e da justiça (MAXWELL, K. Op. cit., cap. 2).
  • 12
    Fundadas na acusação a todos os níveis das autoridades locais por supostos abusos responsáveis pela "decadência" das Minas, a
    Instrução do então ministro do Reino e Ultramar afastava a plutocracia local dos postos administrativos, o que significava afetá-la tanto financeiramente – já que a posse de cargos era forma de participar de esquemas bem-remunerados – quanto no plano das representações simbólicas, que diferenciavam os administradores do restante da população (STUMPF, Roberta Giannubilo.
    Filhos das Minas, americanos e portugueses: identidades coletivas na Capitania das Minas Gerais (1763-1792). São Paulo: Hucitec, 2010. p. 150-170).
  • 13
    Carta missiva de José Fernandes de Sousa para o presidente da Assembleia Nacional, dirigida à Comissão do Ultramar, apresentando os vários pontos que haja necessidade de serem discutidos para bem do povo daquela Comarca (
    Avulsos do Conselho Ultramarino – Minas Gerais, MS 544, cx. 188, rolo 174, doc. 24, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos).
  • 14
    Foi essa forma de encarar a questão brasileira que norteou os decretos de 29 de setembro e 1º de outubro de 1821, pelos quais as cortes regulamentavam os governos das províncias brasileiras – criando governadores de armas e juntas das fazendas diretamente vinculadas a Lisboa – e determinavam a volta de D. Pedro para Portugal, cuja presença no Rio de Janeiro não mais se justificaria. É importante notar que não só os decretos de 29 de setembro e 1º de outubro foram aprovados com a participação das deputações brasileiras em cortes, como havia um propósito em tais regulamentações coerente com a própria lógica do constitucionalismo: como admitir a autoridade D. Pedro no Brasil, se esta fora investida pelo rei e não pela nova forma constitucional? Como manter no Rio de Janeiro uma autoridade que, visivelmente, suscitava desconfianças quanto à verdadeira adesão ao constitucionalismo? Tal lógica que permeou os decretos lisboetas desfaz a visão consagrada pela historiografia, segundo a qual eles foram aprovados à revelia dos "interesses brasileiros", expressando um autêntico projeto recolonizador (BERBEL, Marcia Regina.
    A nação como artefato. São Paulo: Hucitec, 1999).
  • 15
    SANTOS, Joaquim Felicio dos.
    Memórias do distrito diamantino. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 362.
  • 16
    SILVA, Wlamir.
    Liberais e povo: a construção da hegemonia liberal-moderada na província de Minas Gerais (1830-1834). São Paulo: Hucitec, 2009. p. 75.
  • 17
    Sobre a instalação do Governo Provisório.
    RAPM, v. IX, p. 586-587, 1904.
  • 18
    Ofício de Manuel de Castro, de 30 de julho de 1821 (Vila Rica). In:
    Avulsos do Conselho Ultramarino, Minas Gerais, MS 544, rolo 174, doc. 27, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos.
  • 19
    Sessão do Governo Provisional de Minas Gerais, depois de se retirarem o presidente Manuel de Portugal e Castro, e o deputado secretário, João José Lopes Mendes Ribeiro [...], de 13 de novembro de 1821. In:
    Avulsos do Conselho Ultramarino, Minas Gerais, MS 544, rolo 174, doc. 27, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos.
  • 20
    Ofício da Câmara de Vila Rica, de 27 de outubro de 1821. In:
    Avulsos do Conselho Ultramarino, Minas Gerais, MSS 544, rolo 174, doc. 27, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos.
  • 21
    O que ocorre em 9 de dezembro daquele ano.
  • 22
    "Pelas Quais El-Rei o Senhor D. João Sexto Mandava executar os Decretos das Cortes Gerais Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portuguesa sobre a criação de Juntas Provisionais de Governos nas diferentes Províncias do Brasil e regresso de Sua Alteza Real" (Ofício para o Soberano Congresso. Vila Rica, 7 de janeiro de 1822.
    RAPM, v. IX, p. 607-610, 1904).
  • 23
    Id., p. 609.
  • 24
    Ofício para o Ministro de Estado dos Negócios do Reino Francisco José Vieira, de 5 de janeiro de 1822.
    APM, Seção Provincial, cx. 7, p. 18.
  • 25
    Ofício para a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros, de 1º de março de 1822.
    RAPM, v. IX, p. 612-613, 1904.
  • 26
    "Cópia em pública forma de representação enviada a D. João VI por José Teixeira da Fonseca Vasconcellos, Vice-Presidente do governo de Minas Gerais, quando o Rei regressou à Corte de Lisboa, dando conta da situação das Minas Gerais, dentro do quadro das novas orientações políticas" (
    Avulsos do Conselho Histórico Ultramarino – Minas Gerais, MS 544, cx. 188, rolo 174, doc. 25, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos).
  • 27
    Comunicação ao Governo Provisório de Minas Gerais (1822), dos deputados eleitos pela Província às Cortes Portuguesas, de não seguirem para Lisboa e dos motivos porque assim deliberaram, de 25 de fevereiro de 1822.
    RAPM, v. 2, 1897.
  • 28
    As juntas governativas e a Independência. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura/Arquivo Nacional, 1973. v. 2, p. 861.
  • 29
    Ofício para a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros, de 22 de março de 1822.
    RAPM, v. IX, p. 611-612, 1904.
  • 30
    Postura liderada pelo brigadeiro José Maria Pinto Peixoto, pelo juiz da Comarca Cassiano Esperidião de Melo Matos e pelos membros da junta Manuel Inácio de Melo e Souza e João José Lopes Mendes Ribeiro.
  • 31
    Dentre estas, as demissões e admissões que correram à revelia do poder central, a alteração do valor da moeda e mesmo sua cunhagem, a criação de um "Corpo de Tropa de Infantaria intitulado Batalhão Constitucional de Caçadores", comunicada diretamente às cortes em
    Ofício de 27 de fevereiro de 1822 sob alegação de "ser muito proveitosa à província" e também concorrer "para se firmar o Sistema Constitucional, cuja preservação jamais deixará o Governo de promover com os maiores esforços e sacrifícios" (IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.).
    História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1985. t. 2, v. 2, p. 385.
  • 32
    SOUZA, Iara Lis Carvalho.
    Pátria coroada. O Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831. São Paulo: Unesp, 1999. p. 107-150.
  • 33
    OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles.
    A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro. Bragança Paulista: Edusp/Ícone, 1999.
  • 34
    Id., p. 146.
  • 35
    Portaria, expedida por Estevão Ribeiro de Rezende de Capão Lana, a 9 de abril de 1822.
    RAPM, v. XIV, p. 353, 1909.
  • 36
    Portaria, de 11 de abril de 1822.
    RAPM, v. XIV, p. 381, 1909.
  • 37
    Decreto, de 19 de abril de 1822, por Estevão Ribeiro de Rezende.
    RAPM, v. XIV, p. 405, 1909.
  • 38
    Ofício de Pedro Gomes Nogueira, Coronel de Cavalaria de Sabará, de 9 de abril de 1822.
    RAPM, v. XIV, p. 354, 1909.
  • 39
    Câmara de Barbacena, 28 de maio de 1822. In:
    As câmaras municipais e a Independência. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura/Arquivo Nacional, 1973, v. 2, p. 31-36.
  • 40
    "Câmara de São Bento de Tamanduá". Id., p. 136.
  • 41
    SOUZA, Iara Lis Carvalho. Op. cit., p. 237-256.
  • 42
    Paracatu teve sua ocupação proveniente da Bahia, via S. Romão, tendo como atividade inicial a pecuária, passando, a partir de 1744, à exploração aurífera. Sua elevação a vila só ocorreu em 1798 (embora pleiteasse esse
    status desde 1745), sendo, por alvará de 16 de maio de 1815, criada a comarca de Paracatu. Incluindo o rol das regiões menos dinâmicas da província, segundo classificação de Clotilde Paiva, a vila revelava uma intensa articulação política e econômica com as províncias da Bahia, Pernambuco e Goiás, mais que com a própria capital da província ou a corte (BARBOSA, Waldemar de Almeida.
    Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995. p. 336-338; PAIVA, Clotilde A. Op. cit., p. 138).
  • 43
    Movimento político em Paracatu (1822).
    RAPM, v. III, p. 288-290, 1898.
  • 44
    Id.
  • 45
    As disputas dos potentados baianos durante o processo de desagregação da América Portuguesa são contempladas no recente trabalho de: SOUZA FILHO, Argemiro Ribeiro de.
    A guerra de Independência na Bahia: manifestações políticas e violência na formação do Estado nacional (Rio de Contas e Caetité). Dissertação (Mestrado) – UFBA, 2003. Para o caso mineiro, ver SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Identidades em construção. Op. cit., cap. 4.
  • 46
    SOUZA, Iara Lis. Op. cit., p. 150.
  • 47
    Correspondência do governador da capitania, de 5 de junho de 1811. Província de Presidência (1808-1813).
    Arquivo Nacional. Fundo: IJJ9, cod. 468, cx. 392.
  • 48
    Notícia de uma revolução entre pretos no ano de 1821, em Minas Gerais.
    RAPM, v. V, p. 158-160, 1900.
  • 49
    ANASTASIA, Carla M. J.
    Vassalos rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.
  • 50
    É interessante notar que não só as ideias liberais circulavam entre a escravatura, mas os próprios escravos estiveram presentes nos palcos desse debate, não se restringindo ao contexto mineiro (Relação de escravos que acompanharam o sr. Deputado às Cortes Gerais, sr. Manoel José Veloso Soares, 21 de janeiro de 1822.
    APM. Seção Provincial-02).
  • 51
    APM. Seção Provincial, JGP1/3, cx. 1, Av (8 de janeiro de 1822).
  • 52
    Id., continuação.
  • 53
    Ibid.
  • 54
    Referia-se, aqui, "ao apoio que lhe faz sempre o Dr. Juiz de Fora desta Vila Caetano Ferraz Pinto".
  • 55
    Sessão do Governo Provisional de Minas Gerais, depois de se retirarem o presidente Manuel de Portugal e Castro, e o deputado secretário, João José Lopes Mendes Ribeiro [...]. Op. cit.
  • 56
    CASTRO, D. Manuel de Portugal e. Sobre a necessidade da instituição de um Governo Provisório em Minas, 30 de junho de 1821.
    RAPM, v. IX, p. 585-586, 1904.
  • 57
    Tendência que se aprofunda no período regencial, quando novamente o tema ganha destaque, associado à polarização das elites mineiras em "restauradores" e "liberais" (ANDRADE, Marcos Ferreira de. Rebeliões escravas na comarca de Ouro Preto.
    Vária História, Belo Horizonte, n. 17, p. 237-257, mar. 1997).
  • 58
    Carta missiva de José Fernandes de Sousa para o presidente da Assembleia Nacional, dirigida à Comissão do Ultramar. Op. cit.
  • 59
    Ofício para o soberano Congresso. Vila Rica, 1º de outubro de 1821.
    RAPM, v. IX, p. 591-593, 1904.
  • 60
    Sessão do Governo Provisional de Minas Gerais, depois de se retirarem o presidente Manuel de Portugal e Castro, e o deputado secretário, João José Lopes Mendes Ribeiro [...]. Op. cit.
  • 61
    HIRSCHMAN, Albert.
    A retórica da intransigência. Perversidade, futilidade, ameaça. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
  • 62
    PAIVA, Clotilde Andrade.
    População e economia nas Minas Gerais do século XIX. Tese (Doutorado) – Departamento de História, USP, São Paulo, 1996. p. 211.
  • 63
    COSTA, Iraci del Nero da. Op. cit., p. 92.
  • 64
    As juntas governativas e a Independência. Op. cit., p. 866.
  • 65
    As Câmaras Municipais e a Independência, Op. cit., p. 31.
  • 66
    Id., p. 34.
  • 67
    SANTOS, Joaquim Felício dos.
    Memórias do distrito diamantino. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. p. 361-362.
  • 68
    RIBEIRO, Gladys Sabina.
    A liberdade em construção. Identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/Faperj, 2202.
  • 69
    Registro de ofícios do governo ao ministério, 1821-1822. A portaria é de 5 de agosto de 1822 (
    APM, SP-07, p. 65V 27 de agosto de 1822).
  • 70
    Carta anônima que apareceu em Ouro Preto à época da eleição do 1º Governo Provisório, aludindo a uma possível guerra com Portugal, pela Independência do Brasil. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos, Coleção Minas Gerais, ref. II, 36, 05, 002.
  • 71
    Na interpretação de Salles, nessa perspectiva de acesso à esfera das decisões políticas residira o apoio dos novos grupos mercantis do Centro-Sul à volta de D. João VI para Portugal, bem como da posterior instalação da Assembleia Constituinte no Brasil (OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles
    . A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro. Bragança Paulista: Edusp/Ícone, 1999).
  • 72
    Carta anônima que apareceu em Ouro Preto à época da eleição do 1 o Governo Provisório... Op. cit.
  • 73
    COSTA, Iraci Del Nero da.
    Arraia-miúda. Um Estudo sobre Não-Proprietários de Escravos no Brasil. São Paulo: MGSP Editores, 1992, p. 93.
  • 74
    CASTRO, D. Manuel de Portugal e. Sobre elei ções pa. Const. Portuguesa. Vila Rica, 21 de abril de 1821. (
    APM. Fundo Secretaria de Governo (SG), Avulsos, cx. 121, pac. 22, 4 fls) (grifos meus).
    APM, Fundo Secretaria de Governo (SG), Avulsos, cx. 121, pac. 22, fls. 1-2.
  • 75
    APM. Fundo Secretaria de Governo (SG), Avulsos, cx. 121, pac. 22, fl. 2.
  • 76
    BERBEL, Márcia; MARQUESE, Rafael de Bivar; PARRON, Tamis.
    Escravidão e política. Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: Hucitec, 2010. p. 151-152.
  • 77
    SILVA, Wlamir. Op. cit., p. 277-282.
  • 78
    Nesse sentido, o dilema dos deputados brasileiros reavivava a disputa presente já nas cortes de Cádis (1810-12), entre americanos e espanhóis, o qual esteve na base da inviabilização do novo pacto nacional (BERBEL, Márcia Regina. Cortes de Cádiz: entre a unidade da nação espanhola e as independências americanas. In: PAMPLONA, A. Marco; MÄDER, Maria Elisa (Orgs.).
    Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas. Nova Espanha. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. v. 2, p. 17-48).
  • 79
    APM, Seção Provincial, JGP1/6, cx. 1, Avulsos, de 14 de fevereiro de 1822.
  • 80
    SLEMIAN, Andrea.
    Seriam todos cidadãos? Os impasses na construção da cidadania nos primórdios do constitucionalismo no Brasil (1823-1824). In: JANCSÓ, István (Org.).
    Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005. p. 829-848.
  • 81
    Em Minas Gerais, essa distinção constitucional não eliminou a perpetuação de práticas cotidianas excludentes voltadas aos mestiços, pardos livres e brancos pobres da província. Essas práticas eram moldadas pela intenção das autoridades públicas de enquadrar esses segmentos no "ideal de trabalho", justificando diversas posturas municipais que proibiam "pedir esmolas, quando se podem com o trabalho adquirir meios de subsistência", não estando descartadas medidas que visavam a seu confinamento e separação do corpo social, conforme denuncia o plano de construção de uma "casa de correção para vadios e ociosos", mencionado pelo Conselho Geral da Província de Minas Gerais, em sessão de 1828 (SILVA, Ana Rosa Cloclet da.
    Identidades em construção. O processo de politização das identidades coletivas em Minas Gerais (1798-1831). São Paulo: USP/Departamento de História, 2007. cap. 3. (Relatório final de pós-doutorado).
  • 82
    PP 1/18, cx. 336, doc. 52, fls. 18 e 18v. (Vila do Bonsucesso, 8 de junho de 1831).
  • 83
    Id. Luis Manoel Soares de Castro Juiz Suplente de Paz no Distrito de N. Sra. da Piedade.
  • 84
    Id.
  • 85
    Idem, fl. 7v.
  • 86
    IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. Op. cit., p. 387.
  • 87
    "Felicitações pela coroação de V.M.I., pelo desembargador intendente geral dos diamantes, Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque", Tejuco, 1823 (
    ANRJ, IJJ9, PAC 758).
  • 88
    "Oração gratulatória que por ocasião do juramento da Constituição Brasiliense recitou no ato de sua solenidade na Imperial cidade de Ouro Preto e Capelados Terceiros do Carmo, a 8 de abril do corrente ano o Vigário Antônio Franco Cônego da Rocha, Ex-Deputado por esta Província à Assembleia Geral do Império", Ouro Preto, 1824 (
    APM, SP, Presidência de Província, cx. 4, doc. 3, p. 4).
  • 89
    Representação da Câmara de Baependi, a 2 de outubro de 1822. In:
    As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., p. 10.
  • 90
    Ata da Câmara de Caeté, de 12 de outubro de 1822. In:
    As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., v. 2, p. 61.
  • 91
    Representação da Câmara de Barbacena. In:
    As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., p. 39.
  • 92
    SOUZA, Iara Lis Carvalho. Op. cit.
  • 93
    SILVA, Wlamir. Op. cit., p. 203.
  • 94
    Câmara de Tamanduá, vereança de 22 de outubro de 1822. In:
    As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., p. 136.
  • 95
    Livro de Acórdãos da Câmara de Baependi, aos 10 de novembro de 1822. In:
    As Câmaras Municipais e a Independênci. Op. cit., p. 20.
  • 96
    Felicitações pela coroação de V.M.I., pelo desembargador intendente geral dos diamantes, Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque. Op. cit.
  • 97
    Câmara de Barbacena, em vereação de 20 de janeiro de 1823. In:
    As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., p. 52 (grifos meus).
  • 98
    Descrição dos Festejos Públicos de Caeté por ocasião do Restabelecimento da Saúde de Sua Majestade Imperial, do Desenvolvimento do Seu Espírito Constitucional, e da Restauração da Bahia. In:
    As Câmaras Municipais e a Independência. Op. cit., p. 72.
  • 99
    Segundo Morel, a expressão "liberalismo moderado", antes de ser usada no Brasil, fazia parte do vocabulário político da Península Ibérica, significando determinada concepção de organização do Estado inspirada nos girondinos de 1791 (a revolução com o rei) e no parlamentarismo inglês de 1688. Assim, em sua vertente espanhola, buscava o "equilíbrio entre a autoridade monárquica e o Parlamento". No caso português, caracterizava-se pelo predomínio da soberania monárquica, coabitando com a representação das Câmaras. No caso brasileiro, expressava-se em sua vertente conservadora – queriam "conservar a ordem social e trazer algumas transformações à ordem política" –, o que impunha, na conjuntura do Primeiro Reinado, afastar os extremos dos absolutistas e dos exaltados. Daí o dilema em pretender-se "fundar uma nova ordem e evitar a ruptura de uma revolução nacional" (MOREL, Marco.
    As transformações dos espaços públicos. Imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005. p. 117-127).
  • 100
    Congratulação da Câmara de Ouro Preto a V.M.I. pela visita realizada à Província de Minas Gerais, em 1831. (
    ANRJ, IJJ9, pac. 758).
  • 101
    Ibid.
  • 102
    É interessante notar a consensual resposta que as Câmaras mais diretamente vinculadas a D. Pedro manifestaram, por ocasião do encerramento da devassa mandada instaurar em algumas vilas mineiras, pelo ministro do Império, José Bonifácio de Andrada e Silva, em 11 de novembro de 1822, acerca do clima reinante na província, afirmando "não haver facções ou partidos", antes tendo-se observado serem todos "amantes da causa do Brasil" (
    As Câmaras Municipais e a Independência, p. 310, 164, 119).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      24 Fev 2012
    • Aceito
      13 Jul 2012
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