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O adolescente no contexto da saúde pública brasileira: reflexões sobre o PROSAD

The teenager in the context of public health in Brazil: reflections on the PROSAD

El adolescente en el contexto de la salud pública brasileña: reflexiones sobre el PROSAD

Resumos

Este estudo constitui-se de uma reflexão sobre o histórico das políticas públicas em saúde voltadas para adolescentes e jovens brasileiros. Discutiu-se, especialmente, sobre o Programa Saúde do Adolescente (PROSAD), com atenção para a população-alvo, o direcionamento das ações para atender os adolescentes, a variabilidade das metas propostas e a equipe disponível para intervir na população. Este estudo apresenta uma revisão narrativa da literatura sobre políticas públicas na saúde para adolescentes e jovens e análise crítica do documento PROSAD. A discussão teórica foi organizada em três eixos temáticos: (1) Os adolescentes e jovens nas políticas públicas de saúde; (2) Programa Saúde do Adolescente (PROSAD); e (3) o PROSAD e o atendimento ao adolescente na prática. Os principais resultados indicam que o programa não tem atendido todos os adolescentes brasileiros. A articulação de ações para contemplar o público-alvo apresentou fragilidades, principalmente quanto ao protagonismo dos adolescentes nas ações em saúde e à pouca variabilidade de metas. O PROSAD reconheceu a importância da capacitação profissional para o atendimento qualificado ao adolescente, porém enfrentou desafios ligados ao reconhecimento do adolescente como ativo e participativo. Estes resultados indicam a necessidade de avaliações com rigor metodológico para subsidiar a correção de rumos e a (re)orientação de estratégias de ação em saúde voltadas ao público adolescente.

Políticas públicas; saúde; adolescente


This study sought to reflect the history of public health policies aimed at teenagers and young Brazilians. It was discussed , especially, the Adolescent Health Program (PROSAD), with attention to: target population, directing actions to attend teens, variability of proposed goals and staff available to intervene in the population. This study presents a narrative review of the literature on public policy in health for adolescents and youth and the critical analysis of the document PROSAD. The theoretical discussion is organized into three themes: (1) Teenagers and young people in public health policies; (2) Program Adolescent Health (PROSAD) and (3) PROSAD and care to adolescents in practice. The main results indicate that the program not answered all Brazilian adolescents. The joint actions to contemplate the audience submitted fragility referring, mainly, to the protagonism of adolescents in health actions and low variability of goal. The PROSAD recognized the importance of professional training for skilled care to adolescents, however, faced challenges linked to the recognition of adolescent as active and participative. These results indicate the need for reviews with methodological rigor to subsidize path corrections and (re) orientation of strategies for health action aimed at teenager audiences.

Public policies; health; teenagers


Este estudio buscó reflexionar el histórico de las políticas públicas en salud dirigidas a las adolescentes y jóvenes brasileños. Se discutió, sobre todo, sobre el Programa Salud del Adolescente (PROSAD), con atención: a la población-objetivo, al encaminamiento de las acciones para atender a los adolescentes, a la variabilidad de las metas propuestas y el personal disponible para intervenir en la población. Este estudio presenta una revisión narrativa de la literatura sobre las políticas públicas en la salud para adolescentes y jóvenes, y el análisis crítico del documento PROSAD. La discusión teórica fue organizada en tres ejes temáticos: (1) Los adolescentes y jóvenes en las políticas públicas de salud; (2) Programa Salud del Adolescente (PROSAD) y (3) PROSAD y la atención al adolescente en la práctica. Los principales resultados indican que el programa no atendió a todos los adolescentes brasileños. La articulación de acciones para contemplar al público-objetivo presentó fragilidad refiriéndose, principalmente, al protagonismo de los adolescentes en las acciones en salud y la baja variabilidad de las metas. El PROSAD reconoció la importancia de la capacitación profesional para la atención calificada al adolescente, sin embargo, enfrentó retos con relación al reconocimiento del adolescente como activo y participativo. Estos resultados indicaron la necesidad de evaluaciones con rigor metodológico para auxiliar la corrección de los rumbos y la (re)orientación de estrategias de acción en salud dirigidas al público adolescente

Política pública; salud; adolescentes


ARTIGOS

O adolescente no contexto da saúde pública brasileira: reflexões sobre o PROSAD

The teenager in the context of public health in Brazil: reflections on the PROSAD

El adolescente en el contexto de la salud pública brasileña: reflexiones sobre el PROSAD

Márcia Elisa JagerI; Fernanda Altermann BatistaII; Cláudia Maria PerroneIII; Samara Silva dos SantosIV; Ana Cristina Garcia DiasV

IPsicóloga, bolsista CAPES/DS no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria

IIPsicóloga, discente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria

IIIPsicóloga, doutora, docente no curso de Graduação em Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria

IVPsicóloga, doutora, docente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria

VPsicóloga, doutora, docente no curso de Graduação em Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Márcia Elisa Jager Rua Venâncio Aires, 641, ap. 102 Centro - Santa Maria-RS, Brasil CEP 97.010-001 E-mail: marciajager@yahoo.com.br

RESUMO

Este estudo constitui-se de uma reflexão sobre o histórico das políticas públicas em saúde voltadas para adolescentes e jovens brasileiros. Discutiu-se, especialmente, sobre o Programa Saúde do Adolescente (PROSAD), com atenção para a população-alvo, o direcionamento das ações para atender os adolescentes, a variabilidade das metas propostas e a equipe disponível para intervir na população. Este estudo apresenta uma revisão narrativa da literatura sobre políticas públicas na saúde para adolescentes e jovens e análise crítica do documento PROSAD. A discussão teórica foi organizada em três eixos temáticos: (1) Os adolescentes e jovens nas políticas públicas de saúde; (2) Programa Saúde do Adolescente (PROSAD); e (3) o PROSAD e o atendimento ao adolescente na prática. Os principais resultados indicam que o programa não tem atendido todos os adolescentes brasileiros. A articulação de ações para contemplar o público-alvo apresentou fragilidades, principalmente quanto ao protagonismo dos adolescentes nas ações em saúde e à pouca variabilidade de metas. O PROSAD reconheceu a importância da capacitação profissional para o atendimento qualificado ao adolescente, porém enfrentou desafios ligados ao reconhecimento do adolescente como ativo e participativo. Estes resultados indicam a necessidade de avaliações com rigor metodológico para subsidiar a correção de rumos e a (re)orientação de estratégias de ação em saúde voltadas ao público adolescente.

Palavras-chave: Políticas públicas; saúde; adolescente.

ABSTRACT

This study sought to reflect the history of public health policies aimed at teenagers and young Brazilians. It was discussed , especially, the Adolescent Health Program (PROSAD), with attention to: target population, directing actions to attend teens, variability of proposed goals and staff available to intervene in the population. This study presents a narrative review of the literature on public policy in health for adolescents and youth and the critical analysis of the document PROSAD. The theoretical discussion is organized into three themes: (1) Teenagers and young people in public health policies; (2) Program Adolescent Health (PROSAD) and (3) PROSAD and care to adolescents in practice. The main results indicate that the program not answered all Brazilian adolescents. The joint actions to contemplate the audience submitted fragility referring, mainly, to the protagonism of adolescents in health actions and low variability of goal. The PROSAD recognized the importance of professional training for skilled care to adolescents, however, faced challenges linked to the recognition of adolescent as active and participative. These results indicate the need for reviews with methodological rigor to subsidize path corrections and (re) orientation of strategies for health action aimed at teenager audiences.

Keywords: Public policies; health; teenagers.

RESUMEN

Este estudio buscó reflexionar el histórico de las políticas públicas en salud dirigidas a las adolescentes y jóvenes brasileños. Se discutió, sobre todo, sobre el Programa Salud del Adolescente (PROSAD), con atención: a la población-objetivo, al encaminamiento de las acciones para atender a los adolescentes, a la variabilidad de las metas propuestas y el personal disponible para intervenir en la población. Este estudio presenta una revisión narrativa de la literatura sobre las políticas públicas en la salud para adolescentes y jóvenes, y el análisis crítico del documento PROSAD. La discusión teórica fue organizada en tres ejes temáticos: (1) Los adolescentes y jóvenes en las políticas públicas de salud; (2) Programa Salud del Adolescente (PROSAD) y (3) PROSAD y la atención al adolescente en la práctica. Los principales resultados indican que el programa no atendió a todos los adolescentes brasileños. La articulación de acciones para contemplar al público-objetivo presentó fragilidad refiriéndose, principalmente, al protagonismo de los adolescentes en las acciones en salud y la baja variabilidad de las metas. El PROSAD reconoció la importancia de la capacitación profesional para la atención calificada al adolescente, sin embargo, enfrentó retos con relación al reconocimiento del adolescente como activo y participativo. Estos resultados indicaron la necesidad de evaluaciones con rigor metodológico para auxiliar la corrección de los rumbos y la (re)orientación de estrategias de acción en salud dirigidas al público adolescente

Palabras-clave: Política pública, salud, adolescentes.

A população brasileira ultrapassa 190 milhões de pessoas, segundo o Censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011). Deste grupo, 45.932.295 pessoas têm entre zero e catorze anos de idade; 34.236.060 encontram-se entre 15 e 24 anos; 46.737.506, entre 25 e 39 anos; 34.983.120 entre 40 e 54 anos; 14.785.338 entre 55 a 64 anos; e 14.081.480 estão com mais de 65 anos de idade. Assim, os adolescentes e jovens representam mais de 20% de toda a população brasileira (IBGE, 2011). Esses dados mostram a relevância demográfica deste grupo e revelam a necessidade de discutir e criar políticas públicas que atendam às diferentes demandas e focalizem os processos de vulnerabilização a que esta população pode estar exposta (Santos & Ressel, 2013; Oliveira & Lyra, 2010).

Considera-se neste trabalho a referência da Organização Mundial de Saúde (OMS) (1986) para o período etário da adolescência e juventude. Para este órgão, a adolescência é o período entre os 10 e 19 anos, e a juventude, o período entre 15 e 24 anos de idade. O Ministério de Saúde compartilha desta referência. Delimitado o período etário foco deste trabalho, destaca-se que o governo brasileiro, especialmente nas duas últimas gestões, vem se esforçando para garantir a formulação de políticas públicas de saúde que considerem adolescentes e jovens como sujeitos de direitos e cidadãos capazes de tomar decisões responsáveis no que se refere aos seus direitos sexuais e reprodutivos. Este esforço se deve, em grande parte, à pressão de setores da sociedade civil organizada, como o movimento feminista, o LGBT e o de Juventude (Oliveira & Lyra, 2010).

Neste contexto de políticas públicas destinadas aos adolescentes (e jovens), destaca-se que a primeira política de saúde criada para este público foi o Programa Saúde do Adolescente (PROSAD), em 1989. Este foi um dos desdobramentos da 42ª Assembléia Mundial de Saúde, promovida pela OMS. Este programa apresentou uma proposta de atenção integral que privilegie a atenção primária, devendo atender e problematizar necessidades específicas dos adolescentes como gravidez, doenças sexualmente transmissíveis, álcool e outras drogas (Leão, 2005).

O PROSAD foi o primeiro programa a se preocupar de forma específica com a saúde dos adolescentes, o que representou um avanço em termos de saúde pública destinada a essa população; contudo, alguns aspectos do Programa foram se mostrando contraditórios em relação às diretrizes e focos de ação do Sistema Único de Saúde (SUS). Gradativamente, a atenção em saúde foi descentralizada e buscou se aproximar da ideia de saúde como direito social, entendendo que os jovens são sujeitos de direitos. Nesse sentido, observou-se uma reorientação do PROSAD para a Atenção Básica (AB), através da efetivação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde dos Adolescentes (Oliveira & Lyra, 2010).

Leão (2005) indicou que a importância do PROSAD foi a inclusão do adolescente em uma política de saúde; no entanto o Programa foi marcado por desencontros, como a cobertura focalizada e a demanda espontânea. O objetivo deste estudo é discutir, ainda que brevemente, o histórico das políticas públicas em saúde voltadas para adolescentes e jovens brasileiros, com atenção especial ao Programa Saúde do Adolescente (PROSAD), uma vez que esse foi um marco nesse contexto. Discute-se, especialmente: população-alvo, direcionamento das ações para atender os adolescentes, variabilidade de metas propostas e equipe disponível para intervir na população.

MÉTODO

Este estudo apresenta uma revisão narrativa de literatura. Este tipo de revisão apresenta uma temática mais aberta, em que dificilmente se parte de uma questão específica bem definida, não exigindo um protocolo rígido para sua confecção. Esta revisão constitui-se, basicamente, da análise da literatura publicada em livros, artigos de revista impressas e/ou eletrônicas e na interpretação e análise crítica pessoal do autor. A revisão narrativa de literatura não apresenta as fontes de informação utilizadas, nem o método para busca das referências, nem os critérios utilizados na avaliação e seleção de trabalhos (Bernardo, Nobre, & Janete, 2004). Este tipo de revisão é apropriada para discutir um determinado assunto do ponto de vista teórico ou contextual (Rother, 2007). Para a realização deste estudo foram consultados livros e alguns artigos descritos nas referências bibliográficas de artigos consultados. Analisou-se também o documento desenvolvido pelo Ministério da Saúde sobre as Bases Programáticas do PROSAD. Obteve-se o download completo do documento original na Biblioteca Virtual em Saúde (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd03_05.pdf).

A discussão teórica foi organizada em três eixos temáticos: (1) Os adolescentes e jovens nas políticas públicas de saúde; (2) Programa Saúde do Adolescente (PROSAD); e (3) PROSAD e o atendimento ao adolescente na prática. No eixo 1 desenvolve-se um breve histórico das políticas públicas voltadas para adolescentes e jovens brasileiros; no eixo 2 o PROSAD é discutido de forma específica: suas diretrizes e ações prioritárias; e no eixo 3 discute-se a população-alvo do programa, a articulação das ações para atender os adolescentes brasileiros, a variabilidade de metas e a equipe disponível para realizar intervenções em saúde, além de alguns desdobramentos nas políticas posteriores destinadas aos adolescentes. Esta discussão é construída com base na visão dos autores do artigo e argumentada com ideias publicadas por outros pesquisadores.

OS ADOLESCENTES E JOVENS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE BRASILEIRAS

Atualmente, as políticas públicas de saúde no Brasil são desenvolvidas de acordo com o modelo de atenção à saúde proposto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), criado em 1990. O modelo de atenção à saúde anterior ao SUS era vinculado ao Ministério da Previdência Social e destinado à população economicamente ativa, que recebia um atendimento predominantemente assistencial e privatista. A mudança na forma de pensar e fazer saúde pública foi decorrente de movimentos sociais como, por exemplo, a Reforma Sanitária. A VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS-1986) ficou conhecida como o marco deste movimento. Seu relatório final continha as diretrizes para a formulação de um novo sistema de atenção à saúde no país: que fosse universal, equitativo e de fácil acesso e que oferecesse um atendimento integral à saúde através da descentralização do atendimento (Oliveira & Lyra, 2010). Este percurso histórico revela particularidades no atendimento ao adolescente e jovem brasileiro, e sua análise torna-se um dispositivo para a reflexão crítica das políticas em saúde.

As políticas públicas em saúde voltadas ao adolescente e ao jovem brasileiro estiveram historicamente vinculadas aos significados sociais desta parcela da população (Medrando-Dantas, 2002). Assim, de uma concepção de adolescência e juventude associada a problemas sociais e delinquência, passou-se a uma concepção, ainda tímida, caracterizada por sua capacidade de transformação positiva e autonomia nas decisões políticas (Kerbauy, 2005). Um elemento central nas técnicas de governo das populações foi discutido por Medrado-Dantas (2002) através da problematização da noção de curso de vida do indivíduo. A institucionalização da adolescência estabeleceu a sua governamentalidade como a idade de risco, justificando o uso de estratégias de controle (Medrado-Dantas, 2002).

No Brasil, os primeiros serviços voltados especificamente a essa população surgiram na década de 1970. Estes serviços tinham caráter assistencial e estavam associados às universidades. Exemplos desses serviços são os desenvolvidos nos Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e no Departamento de Clínica Médica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) (Dias & Oliveira, 2009). Anteriormente a esse período, apenas um programa incluá a população adolescente e jovem: o programa de proteção à maternidade, à infância e adolescência. Este programa foi instituído durante o período do Estado Novo (1937-1945) (Ministério da Saúde, 2011).

A partir da década de 80, surgiram comitês que se preocupavam com a saúde do adolescente. Estes comitês estavam vinculados às Sociedades de Pediatria Regionais e impulsionaram a área da Medicina do Adolescente. Essa década foi marcada por um grande número de organizações não governamentais (ONGs) e movimentos civis que buscavam sensibilizar a sociedade e o governo para incluir o adolescente e o jovem nas políticas públicas e desmitificar sua concepção vinculada à criminalização e violência. Em 1986, o Estado, através do Ministério da Saúde, englobou a assistência primária à saúde desta população. As primeiras ações de programas aos adolescentes e jovens, na área da saúde, caracterizaram-se pelo foco nas doenças sexualmente transmissíveis, HIV e AIDS, drogadição, acidentes de trânsito e gravidez precoce (Ministério da Saúde, 2011). Essas ações eram destinadas aos segmentos jovens considerados vulneráveis e que se encontrassem em situação de risco social. As ações eram baseadas em concepções de adolescência e juventude associadas ao risco, sendo adotada uma visão assistencial e curativa de saúde (Horta & Senna, 2010; Medrado-Dantas, 2002).

A década de 90 é considerada um marco histórico para as políticas públicas para os adolescentes através da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA, juntamente com os ordenamentos jurídicos da Constituição Federal de 1988 e as Leis Orgânicas de Saúde, proporcionou a criação e legitimação de um novo paradigma e compreensão do adolescente na sociedade. Os adolescentes passaram a ser considerados sujeitos sociais e autônomos, devendo ser inseridos nas decisões do Estado (Kerbauy, 2005; Leão, 2005).

No período entre 1995 e 2002 houve um aumento das políticas públicas para adolescentes e jovens. Esse período diz respeito, principalmente, ao segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, no qual os programas voltados para a juventude estavam divididos entre oito ministérios. Estes programas eram executados de forma isolada e as ações se desenvolviam de forma não articulada (Horta & Sena, 2010). As ações eram voltadas à criminalidade a partir de uma perspectiva de salvação da adolescência/juventude dos riscos a que estavam expostos, como o crime, o tráfico e a violência. A perspectiva subjacente de adolescência e juventude que orientava as ações e programas estava vinculada à ideia de problema social, que não estimulava a participação desses atores na implantação e avaliação das políticas (Horta & Sena, 2010; Kerbauy, 2005; Leão, 2005).

Por outro lado, o governo Fernando Henrique Cardoso também foi marcado pelas parcerias com a sociedade civil e com o Terceiro Setor, que buscaram realizar intercâmbios de informações, negociações e cooperações entre os diversos atores sociais. Essas parcerias foram e são importantes quando se enfrentam questões como, por exemplo, a descentralização das políticas públicas brasileiras; contudo, cabe ponderar que o estabelecimento de parcerias com a sociedade civil não deve significar a desresponsabilização do Estado pela prestação de serviços a essa população. Esta é uma questão delicada até o momento presente. A função da sociedade civil é facilitar e abrir espaços para intervenções públicas de setores negligenciados ou até sem atendimento algum.

Seguindo as diretrizes de descentralização e de territorialização das ações e dos serviços de saúde do SUS, a saúde do adolescente foi redirecionada para a Atenção Básica, em que foram utilizadas algumas das principais estratégias desse âmbito, entre elas o Programa de Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Esse redirecionamento também ampliou a perspectiva de intervenção, incorporando os jovens entre 20 e 24 anos. Esse processo desencadeou a necessidade de elaborar documentos e diretrizes que estivessem de acordo com o novo contexto histórico e governamental do presidente Lula (Lyra & Sobrinho, 2010).

Lyra e Sobrinho (2010), ao descreverem o processo de elaboração dos documentos, observam que estes são fruto de alianças e disputas, e, embora importantes, não substituem a necessidade de estabelecer uma agenda de atendimento a adolescentes e jovens em saúde. Foi elaborado o texto "Políticas de Atenção à Saúde de Adolescentes e Jovens", fruto da primeira reunião, realizada em fevereiro de 2004, com representantes de diversos e diferentes segmentos de atores envolvidos nesse campo. Em novembro daquele ano o Ministério da Saúde promoveu a I Oficina de Elaboração do Marco Teórico-Referencial da Sexualidade e Saúde Reprodutiva de Adolescentes e Jovens. Esses documentos foram impulsionados pelos movimentos sociais, incorporando a participação dos jovens na criação da política.

Nesse cenário destaca-se a criação de ações por instituições que trabalhavam com adolescentes e jovens (Projeto Juventude do Instituto Cidadania), a Comissão de Políticas Públicas de Juventude da Câmara de Deputados (CEJUVENT) e o Grupo Interministerial de Juventude (Brenner, Lânes, & Carrano, 2005). As discussões sobre as políticas públicas de adolescentes e jovens são promovidas pelo Conselho Nacional de Juventude (CNJ) e pela Política Nacional de Juventude (PNJ) do Governo Federal. O CNJ e a PNJ foram criados pela Secretaria Nacional da Juventude, em 2005. O CNJ tem como uma de suas atribuições formular e propor diretrizes voltadas às políticas públicas de juventude, desenvolver estudos e pesquisas sobre a realidade socioeconômica dos jovens e promover o intercâmbio entre organização juvenis nacionais e internacionais. A PNJ veio mostrar que a juventude é um segmento social estratégico, com direito a políticas específicas capazes de atender às suas necessidades (Horta & Sena, 2010; Silva & Silva, 2011).

Esses órgãos, em suas discussões, procuraram sanar as lacunas existentes em relação à inclusão efetiva de jovens na criação, execução e avaliação das políticas públicas na área da saúde. Assim, esse processo de formulação e implementação de políticas para os adolescentes e jovens foi marcado por um debate complexo, envolvendo sentidos e concepções sobre questões que eram consideradas demandas e problemas dessa população (Horta & Senna, 2010; Lyra & Sobrinho, 2011). Além disso, em 2005, seguindo na ideia de participação efetiva dos atores sociais, foram lançados o "Marco Legal da Saúde dos Adolescentes" (Brasil, 2005a) e "Saúde Integral de Adolescentes e Jovens - orientações para a organização dos serviços de saúde" (Brasil, 2005b). Estes documentos embasaram-se nas concepções: a) a saúde como um direito dos adolescentes; e b) o atendimento do adolescente realizado de forma integral, resolutiva e participativa.

Em junho de 2006 o Ministério da Saúde publicou a versão preliminar do "Marco Teórico e Referencial da Sexualidade e Saúde Reprodutiva de Adolescentes e Jovens", com dados e informações sobre essa população e suas necessidades específicas. Esse documento problematizou a situação de grupos específicos de adolescentes. Todos esses movimentos convergiram para a criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens, que contou com a ampla participação dos movimentos sociais e se encontra em consonância com a Constituição Federal e o ECA.

Observa-se, a partir desse percurso histórico, que o modo de entender a adolescência e juventude, em cada período, interferiu na construção das políticas públicas. Houve o foco em ações de assistência, na inclusão de jovens carentes e na aplicação de medidas para evitar a violência, porém houve pouca visibilidade nos desenhos e conteúdos teórico-metodológicos que guiaram a implantação dessas ações. Além disso, houve pouca articulação e valorização da intersetorialidade, necessária à eficácia das ações para o público adolescente e jovem. Consequentemente, houve certa dificuldade em concretizar e dar continuidade a políticas públicas voltadas a esse segmento populacional (Leão, 2005; Spóstio & Carrano, 2003).

Destaca-se, também, a falta de incentivo ao protagonismo de adolescentes e jovens, ou seja, não se observa a efetiva participação desse público na construção, execução e avaliação dos programas. Apesar de o ECA ter reconhecido o adolescente como um sujeito de direitos, essa parcela da população não é visualizada nas políticas públicas como protagonista de sua história, com identidade própria (Leão, 2005; Kerbauy, 2005). Os aspectos culturais/sociais vividos pelos adolescentes e questões de gênero, que mostram diferenças nas vivências de adolescentes, frequentemente não são considerados no planejamento das ações em saúde (Dias & Oliveira, 2009).

Além disso, as políticas públicas destinadas a esta população foram caracterizadas por uma assistência em saúde permeada, predominantemente, por práticas profissionais verticais, baseadas em uma lógica tradicional e tecnicista, na qual o saber técnico predomina sobre a compreensão integral do indivíduo. Esta postura coloca o adolescente que procura o serviço de saúde em uma posição de inferioridade e passividade (Dias & Oliveira 2009; Leão, 2005; Santos & Ressel, 2013).

PROGRAMA SAÚDE DO ADOLESCENTE

O Programa governamental "Saúde do Adolescente" (PROSAD), instituído pela Portaria do Ministério da Saúde, nº 980/GM em 21/12/1989, foi o primeiro programa criado para intervir na prevenção de doenças e promoção da saúde de todos os adolescentes de idade entre 10 e 19 anos. Nasceu para atender aos novos direitos do adolescente à saúde instituídos pelo ECA, em 1990. Teve suas diretrizes e ações revisadas em 1996 e uma finalidade de promover, integrar, apoiar e incentivar práticas em prevenção de doenças e promoção da saúde nos locais onde o Programa fosse implantado (estados, municípios, universidades, ONGs ou outras instituições). Suas ações se concentravam nos aspectos promoção da saúde, identificação dos grupos de risco, detecção precoce dos agravos, tratamento adequado e reabilitação dos indivíduos (Ministério da Saúde, 1996).

O PROSAD é um programa que definiu uma série de diretrizes e ações a serem implantadas e realizadas na saúde dos adolescentes brasileiros. Suas diretrizes preconizavam que todas as ações deveriam partir de uma visão de adolescência como um fenômeno socialmente construído. Neste sentido, deveriam considerar o desenvolvimento, os processos de saúde-doença, as características pessoais dos adolescentes resultantes de interações biológicas, psicológicas e sociais em diferentes contextos. Os princípios das ações reconheciam que nessa fase da vida o adolescente passa por transformações físicas, psíquicas e sociais que conduzem à definição da identidade (Ministério da Saúde, 1996).

Neste contexto, as ações direcionadas a este público eram embasadas nos princípios básicos do SUS: equidade, resolubilidade, acessibilidade e integralidade. Assim, todo adolescente deveria ter direito igual à saúde integral e ao acesso aos serviços de saúde pública, nos quais os profissionais deveriam ser capazes de resolver seus problemas, evitando a transferência de responsabilidade profissional. Com base nessas concepções, as atividades realizadas pelo programa buscavam contemplar intervenções capazes de promover a saúde integral dos adolescentes através de ações que incluíam diferentes áreas temáticas: o crescimento e o desenvolvimento, a sexualidade, a saúde bucal, mental, reprodutiva e escolar, a prevenção de acidentes, a abordagem da violência e dos maus-tratos, a família, o trabalho, a cultura, o esporte e o lazer. Estas ações deveriam ser dirigidas e executadas por profissionais capacitados a prestar serviços de qualidade na promoção de saúde dos adolescentes (Ministério da Saúde, 1996).

Não obstante, embora as ações prioritárias do PROSAD considerassem o atendimento integral da saúde do adolescente, é importante destacar que suas ações se concentravam na sexualidade e na saúde reprodutiva desta população. Isto foi consequência de uma visão de feminino pautada na reprodução que caracterizou programas anteriores voltados à saúde da mulher brasileira, como evidencia, por exemplo, o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), criado em 1983 (Osis, 1998).

Assim, o foco na sexualidade e na reprodução durante a adolescência não nasce, necessariamente, com o PROSAD e não foi uma inovação, uma vez que preocupações relacionadas à área já haviam sido demarcadas em outros programas voltados especificamente para a saúde da mulher e da criança. A condução dessas questões, em termos de políticas públicas, foi influenciada pela IV Conferência Mundial de População e Desenvolvimento, realizada em 1994 na cidade do Cairo. Esta Conferência apontou a necessidade de se abordar a saúde sexual e reprodutiva a partir da perspectiva dos direitos humanos. Além disso, foi destacado que os jovens deveriam ser a população-alvo, por exemplo, de campanhas que destacassem a importância da igualdade de gênero ou que estivessem voltadas à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.

A partir das diretrizes do PROSAD, de suas reformulações e do controle social exercido pela participação da sociedade civil organizada, nesse debate sobre afirmação dos direitos humanos e igualdade de gênero foi possível gradualmente incorporar a uma visão de promoção de saúde e de direitos sexuais e reprodutivos na formulação e execução de políticas públicas de saúde. Isto se configurou como inovador, gerando uma nova perspectiva, na qual os adolescentes e jovens são sujeitos de direitos (Oliveira & Lyra, 2010).

O programa reconheceu a necessidade de um preparo "estrutural" dos serviços de saúde, no sentido de proporcionar um espaço para discussões de assuntos de interesse dos adolescentes (Ministério da Saúde, 1996). Estas discussões poderiam acontecer individualmente, em grupo, na comunidade ou na escola. No âmbito da Educação essas discussões tiveram respaldo nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Estes parâmetros entendiam a orientação sexual como um tema transversal que deveria ser trabalhado em todas as disciplinas escolares (Ministério da Educação, 1997). A justificativa para tal ação era que a participação do adolescente como promotor de saúde junto a seus pares seria um meio efetivo de promover conhecimentos, detectar situações e discutir o fenômeno da adolescência, levando em consideração sua multiplicidade.

O Ministério da Saúde (1996) definiu algumas estratégias para a efetividade do Programa: incentivo às práticas em saúde que viam o adolescente como um ser integral; adequação das ações à cultura local; aumento da cobertura de maneira que as ações estivessem disponíveis a todos; aperfeiçoamento dos sistemas de referências; capacitação de profissionais para atuar conforme as diretrizes do Programa; promoção da participação do adolescente em ações educativas que lhe permitam se conhecer melhor, tanto individualmente quanto como parte de seu contexto sociocultural; criação de fóruns de debates sobre os direitos dos adolescentes; supervisão e avaliação constantes do programa através de indicadores institucionais, percepções da comunidade e dos adolescentes/usuários. Cabe ressaltar que essas estratégias correspondem a uma proposta de atenção à saúde baseada num modelo centralizado (de média e alta complexidade), especializado e multidisciplinar. Com a incorporação das ações do PROSAD no modelo de atenção básica à saúde, via Estratégia de Saúde da Família, algumas reformulações foram necessárias a fim de preservar os eixos transversais da universalidade, integralidade e equidade, em um contexto de descentralização e controle social da gestão.

O PROSAD E O ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE NA PRÁTICA

A população-alvo do PROSAD constitui-se de todos os adolescentes brasileiros. As ideias expressas nas normativas do programa reconhecem, teoricamente, a adolescência como um fenômeno socialmente construído, e destacam a necessidade de considerar as características das diferentes realidades locais. Não obstante, a análise global das ações do programa permitiu identificar que na esfera sexual e reprodutiva, por exemplo, o programa desconsiderou que a gestação, a maternidade e a paternidade durante o período poderiam ser planejadas. Apesar de isto não estar descrito no documento, as ações propostas derivaram da concepção de que toda e qualquer gravidez ocorrida durante a adolescência é precoce e indesejada e, inevitavelmente, traz problemas biopsicossociais para a/o jovem.

Prevenir a gestação durante a adolescência é importante, uma vez que gestar durante este período da vida pode trazer problemas biopsicossociais para as adolescentes, embora, em alguns casos, a gestação e a maternidade possam fazer parte de um projeto de vida familiar e social de algumas adolescentes e representar amadurecimento pessoal. Em alguns contextos sociais, principalmente os populares, a maternidade pode fazer parte de um projeto de vida que possibilita a inserção da adolescente no mundo adulto e uma realização feminina (Dias, Jager, Patias, & Oliveira, 2013). No caso dos meninos amparados familiar e socialmente, a situação de paternidade pode significar crescimento e amadurecimento pessoal (Lyra, 1997). A percepção de que a gravidez e maternidade na adolescência traziam repercussões biopsicossociais essencial e predominantemente negativas para as adolescentes contribuiu para justificar intervenções estritamente preventivas e, por vezes, punitivas, que dificultavam a adoção de estratégias de promoção de saúde junto a essa população. A ausência de diretrizes claras e objetivas sobre o atendimento em saúde pública no contexto de gravidez e maternidade na adolescência constitui um quadro de precariedade do atendimento preventivo e assistencial às adolescentes comumente observado nas Unidades Básicas de Saúde (Teixeira, Silva, & Teixeira, 2013).

Por outro lado, é possível visualizar mudanças gradativas na compreensão das experiências sexuais e/ou reprodutivas dessa população, se compararmos documentos do PROSAD com outras ações baseadas em políticas públicas de saúde brasileira destinadas aos adolescentes. Estas mudanças se referem, principalmente, ao reconhecimento das particularidades contextuais que caracterizam a forma de perceber e viver o exercício da sexualidade durante a adolescência (Leão, 2005).

Outro aspecto que revelou que as ações do programa não contemplavam todos os jovens brasileiros foi o atendimento prestado ao adolescente do sexo masculino. Este adolescente aparece apenas timidamente em considerações sobre a saúde sexual e reprodutiva, uma vez que o programa o reconhece como corresponsável pela gravidez da adolescente. Apesar da existência de ações que incluíam essa população, havia dificuldades em reconhecer a diversidade das vivências dos adolescentes e discutir su a participação efetiva como sujeitos ativos no desenvolvimento de ações prioritárias (Oliveira & Lyra, 2010). O não reconhecimento da adolescência em suas múltiplas dimensões gerou tanto uma não legitimação de políticas públicas como certa fragilidade na identificação das demandas reais dos adolescentes brasileiros. Estes aspectos se estendem às políticas públicas brasileiras voltadas aos jovens de uma forma geral (Lopez & Moreira, 2013).

Quanto à variabilidade de metas consideradas importantes na avaliação de programas (Minayo, Assis, & Souza, 2005), observa-se que existiu uma preocupação particular do PROSAD com a saúde reprodutiva e sexual dos adolescentes. O predomínio excessivo, no programa, de ações voltadas à sexualidade e reprodução demonstrou pouca variabilidade de metas, apesar de o PROSAD prescrever atenção a outras esferas da saúde do adolescente, como, por exemplo, a saúde bucal, a família e o trabalho. Além disso, cabe lembrar que o PROSAD foi criado na década de 1980, quando o governo estava preocupado em criar programas e ações para a área de saúde sexual e reprodutiva, tendo em vista a necessidade de oferecer resposta ao impacto da epidemia do HIV/AIDS que atingia adolescentes brasileiros a partir dos quinze anos de idade (Ministério da Saúde, 2003). Este aspecto pode justificar o foco das ações definido em 1989, uma vez que o contexto político, econômico e social influencia o direcionamento das ações de programas sociais (Minayo, Assis, & Souza, 2005); entretanto, após o controle da epidemia, levando-se em consideração que as diretrizes do programa foram revistas em 1996, este foco deveria ter sido (re)avaliado e redimensionado, dando espaço para ações voltadas à saúde integral.

Destaca-se que a preocupação com questões relacionadas à vida sexual e reprodutiva dos jovens é válida, uma vez que o principal motivo que leva os adolescentes a buscar os serviços de saúde são questões ligadas à sexualidade e reprodução; porém o foco não deve restringir-se a estes aspectos, pois os adolescentes podem demandar outros cuidados em saúde, uma vez que são sujeitos de direito e devem ser percebidos em sua integralidade (Santos & Ressel, 2013).

Outro aspecto discutido foi a articulação de ações para contemplar o público-alvo. Essas ações foram frágeis, especialmente no que se refere ao protagonismo. As políticas públicas em saúde, no geral, incluindo o PROSAD, dificilmente rompem com a visão estigmatizada da condição juvenil e acabam não promovendo a participação de adolescentes e jovens na construção de sua cidadania (Kerbauy, 2005). Algumas ações negligenciam as necessidades específicas dos adolescentes, pois não abrem espaço para escutá-los, seja na elaboração e execução seja nos processos de avaliação das ações (Lopez & Moreira, 2013).

Neste sentido, o PROSAD apresentou pressupostos teóricos interessantes, mas enfrentou, na prática, o desafio da mudança real do enfoque do adolescente "problema-passivo" para o adolescente "solução-ativo". Considera-se que esta mudança é possível através do incentivo à participação dos adolescentes nos serviços e nas atividades de promoção da saúde na comunidade e no processo de avaliação dos programas (Bursztyn & Ribeiro 2005).

Cabe lembrar ainda que as ações em saúde são colocadas em prática através de uma equipe de intervenção capaz de atender às demandas da população-alvo. A disponibilidade destes profissionais é uma das principais ferramentas para tornar as ações de um programa reais, eficazes e eficientes (Minayo, Assis, & Souza, 2005). O PROSAD reconheceu a importância da capacitação profissional para o atendimento qualificado ao adolescente, mas ainda hoje se reconhece que existe carência de profissionais de saúde que se disponibilizem, motivem-se e estejam capacitados para o trabalho com adolescentes. Observa-se que muitos profissionais que realizam trabalhos educativos com adolescentes possuem uma visão estigmatizante sobre o adolescente. Esta perspectiva é intensificada quando se fala em educação e em intervenções na esfera da sexualidade adolescente, uma vez que a sexualidade nesta fase do desenvolvimento humano é percebida por muitos profissionais como negativa (Oliveira & Lyra, 2010). Neste sentido, o foco nas mudanças de conceitos dos profissionais em relação aos adolescentes e às particularidades desenvolvimentais desse período e sua capacitação para esse trabalho devem ser atividades prioritárias e sistemáticas em programas que busquem ser efetivos com essa população (Leão, 2005). É fundamental que o adolescente, ao buscar o serviço de saúde, sinta-se acolhido e perceba o profissional de saúde como um mediador importante para o cuidado de sua saúde e bem-estar (Leão, 2005; Santos & Ressel, 2013). No modelo de Atenção Básica, a Estratégia de Saúde da Família configura-se como a porta de entrada no sistema de saúde. Neste sentido, é importante articular ações e relações que favoreçam o acolhimento e a territorialização da atenção, transformando os profissionais e locais de atendimento em uma referência para o cuidado em saúde (Oliveira & Lyra, 2010).

Constata-se que o Ministério da Saúde (Área Técnica de Saúde do Adolescente e do Jovem) vem procurando orientar e capacitar profissionais que trabalham no atendimento ao adolescente nas unidades de saúde. Isto se dá por meio da divulgação de programas e materiais como: "A saúde de Adolescentes e Jovens - uma metodologia de autoaprendizagem para equipes de atenção básica de saúde: módulo básico" (Ministério da Saúde, 2007), a "Caderneta de Saúde do adolescente" (Ministério da Saúde, 2009a, 2009b) e o "Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - Pró-Saúde -", do Ministério da Saúde (2005).

Estes materiais fornecidos pelo Ministério da Saúde são ferramentas importantes na capacitação de profissionais, mas por si sós não garantem a efetividade das ações em saúde. Os materiais abordam os principais aspectos do crescimento e o desenvolvimento puberal, e orientam a prática profissional no atendimento em saúde. A visão de saúde, nestes materiais, não alcança sua definição ampliada (bem-estar físico, psíquico e social), conforme preconiza o SUS, uma vez que as questões relativas à cultura, ao lazer e à educação, por exemplo, não são suficientemente exploradas. Os materiais partem de uma abordagem biologista e de procedimentos médico-biológicos, prescrições e orientações que direcionam, de forma reducionista, a promoção e a prevenção de saúde (Hüning & Luz, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi refletir, ainda que brevemente, sobre o histórico das políticas públicas em saúde voltadas aos adolescentes e jovens brasileiros. Discutiu-se especialmente o Programa Saúde do Adolescente (PROSAD), com atenção para a população-alvo, o direcionamento das ações para atender os adolescentes, a variabilidade das metas propostas e as estratégias de trabalho para intervir na saúde da população.

Os resultados indicam que o programa não tem atendido, de fato, todos os adolescentes brasileiros e foi contraditório em relação às diretrizes do Sistema Único de Saúde. A articulação de ações para contemplar o público-alvo apresentou fragilidades referentes, principalmente, ao protagonismo dos adolescentes nas ações em saúde e pouca variabilidade de metas. O PROSAD reconheceu a importância da capacitação profissional para o atendimento qualificado ao adolescente, entretanto não enfrentou, de forma efetiva, os desafios ligados ao reconhecimento efetivo do adolescente como um ser ativo e participativo.

É importante ressaltar que, mesmo com as limitações apontadas, o PROSAD teve um importante papel na incorporação do adolescente como ator da política. Neste sentido, o público-alvo desestabilizou o lugar em que foi colocado na política social de receber uma ação do Estado para reivindicar um direito sobre o qual deve opinar em termos de efetividade e qualidade.

Quanto à avaliação dos programas de saúde, o PROSAD nunca foi efetivamente implantado, se pensarmos apenas na eficácia dos produtos acabados; porém desencadeou um processo catalisador de fatos e experiências e colocou em cena a presença de atores, lutas e tensionamentos que geraram o contexto para a criação de políticas mais efetivas para a adolescência e a juventude. Neste sentido ele foi parte de um movimento de mudança, ainda inconcluso. Um aspecto da avaliação em saúde é registrar exatamente este movimento processual histórico. Foi isto que motivou as discussões e problematizações apresentadas neste artigo.

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Recebido em 06/08/2013

Aceito em 20/05/2014

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      06 Ago 2013
    • Aceito
      20 Maio 2014
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