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Potencialidade de uso do resíduo da scheelita em sistemas de cobertura de aterro de resíduos

Potential use of scheelite mining residue in landfill cover systems

RESUMO

O aproveitamento de resíduos de mineração em cadeias produtivas como a da construção civil é uma importante solução ambiental para a gestão das atividades de mineração. Pesquisadores têm demonstrado que diferentes tipos de resíduos de mineração podem ser incorporados a alguns tipos de obras geotécnicas cumprindo a função de barreira hidráulica. Nesse cenário, a utilização do resíduo da scheelita em obras de aterro de resíduos poderia ser uma solução ambientalmente sustentável para esse material. Tendo isso em vista, este trabalho tem como objetivo avaliar a viabilidade técnica do emprego dos resíduos da mineração da scheelita como revestimento compactado, visando atender à função de barreira hidráulica em sistemas de cobertura de aterros de resíduos. Para tanto, primeiramente foram coletadas amostras dos resíduos finos e grossos gerados durante o beneficiamento da scheelita na Mina Brejuí, em Currais Novos (Rio Grande do Norte). Posteriormente, foram definidos quatro materiais a serem estudados, um composto exclusivamente do resíduo fino (F100) e outros três formados pela mistura entre os dois resíduos coletados (F75G25, F50G50 e F25G75). Em seguida, foram realizados, em cada amostra, ensaios de caracterização física, compactação, condutividade hidráulica em permeâmetros de parede flexível, fluorescência de raios X/ difratometria de raios X e microscópio eletrônico de varredura. Como resultados dos testes, os valores da permeabilidade saturada obtidos para F100 e F75G25, por serem, respectivamente, 2,18x10−8 e 7,07x10−8 m.s, atenderam às exigências de normativas internacionais e, assim, demonstram-se viáveis à aplicação como barreira hidráulica de cobertura de resíduos. Quanto aos demais compósitos, embora não se tenham mostrado aptos à utilização pretendida, poderiam ser aplicados com outras finalidades em um aterro de resíduos, como em camadas de regularização e/ou proteção. Dessa forma, os resultados obtidos demonstram a viabilidade técnica do uso pretendido para o material.

Palavras-chave:
sistema de cobertura; aterro de resíduos; resíduo de mineração; sustentabilidade; condutividade hidráulica

ABSTRACT

ABSTRACT: The use of mining residues within production chains, such as civil construction, is an important environmental solution for the management of mining activities. Researchers have shown that different types of mining residues can be incorporated into some types of geotechnical works, fulfilling the function of hydraulic barrier. In this scenario, the use of scheelite residue in landfill works could be an environmentally sustainable solution for this material. This work aimed to evaluate the technical viability of using scheelite mining residues as a compacted coating with hydraulic barrier function in waste landfill covering systems. For this, samples of fine and coarse residues generated during the scheelite processing were collected at the Brejuí Mine, in Currais Novos (Rio Grande do Norte). Subsequently, four materials were defined to be studied, one composed exclusively by the fine residue (F100) and three others formed by mixing the two collected residues (F75G25, F50G50, and F25G75). After that, physical characterization, compaction, hydraulic conductivity tests on flexible wall permeameters, X-ray Flourescence Spectroscopy/X-ray Powder Diffraction and Scanning electron microscope were performed on each sample. As a result of the tests, the saturated permeability values obtained for F100 and F75G25, being 2.18x10−8 and 7.07x10−8 m.s, respectively, comply with the requirements of international standards, and, thus, proved to be viable for the intended application as hydraulic barrier in landfill covering. As for the other composites, although they have not been successful in their intended use, they could be applied for other purposes within a waste landfill, as regularization and/or protection layers. The results obtained demonstrate the technical viability of the intended use of the material.

Keywords:
cover system; landfill; mining residue; sustainability; hydralic conductivity

INTRODUÇÃO

Na Região Nordeste do Brasil, nos depósitos de scheelita (tungstato de cálcio —CaWO4), mineral formado em processos de metamorfismo de contato, processos hidrotermais de alta temperatura e em pegmatitos graníticos (Dana, 1978DANA, J.D. Manual de Mineralogia. Rio de Janeiro: LTC, 1978.), localiza-se uma das mais importantes jazidas de tungstênio do país. Estima-se que, em 2013, as reservas lavráveis de scheelita no Estado do Rio Grande do Norte tenham totalizado 25,4 mil toneladas de tungstênio contido, com teores de WO3 variáveis entre 0,04 e 2,40% (DNPM, 2014Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Sumário Mineral: Tungstênio, 2014. Disponível em: http://www.dnpm.gov.br/dnpm/sumarios/tungstenio-sumario-mineral-2014. Acesso em: 14 jan. 2020.
http://www.dnpm.gov.br/dnpm/sumarios/tun...
). O maior depósito da região fica situado na cidade de Currais Novos e engloba as quatro principais minas da província. São elas: Brejuí, Barra Verde, Boca de Laje e Zangarelhas.

Segundo Machado (2012MACHADO, T.G. Estudo da adição de resíduo de scheelita em matriz cerâmica: formulação, propriedades físicas e microestrutura. 2012. 143 f. Tese (Doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012.), estima-se que no entorno da cidade de Currais Novos existam mais de 4,5 milhões de toneladas de resíduo disposto a céu aberto. Diante dessa quantidade significativa de resíduo produzido na região, faz-se necessária a existência de uma solução ambiental que vise ao aproveitamento desse material, a fim de garantir, em longo prazo, o desempenho ambiental dessa atividade mineradora.

Uma das soluções ambientais encontradas para o aproveitamento desses resíduos de scheelita foi sua utilização em obras de engenharia. Por outro lado, a crescente dificuldade de encontrar materiais naturais de baixa permeabilidade para emprego na construção civil local justifica a busca e o estudo de materiais que substituam os normalmente empregados, garantindo, de igual modo, a viabilidade técnica de sua utilização, principalmente para uso como barreira hidráulica.

No caso da Mina Brejuí, estão concentradas em seu entorno apenas as atividades de lavra e beneficiamento da scheelita. Esse beneficiamento tem como finalidade a preparação granulométrica, concentração e purificação para a obtenção do produto de interesse, a saber, o tungstênio.

A utilização de resíduos de mineração vem-se tornando uma prática bastante incentivada pelo setor da mineração. Do ponto de vista de gestão desses resíduos, seu armazenamento, normalmente feito em grandes pilhas ou barragens de material, representa um desafio ambiental para as empresas mineradoras.

No que diz respeito aos resíduos produzidos após o beneficiamento da scheelita, na Mina Brejuí, são obtidos dois tipos: um resíduo de textura arenosa, denominado de resíduo grosso, e um resíduo de textura siltosa, designado de resíduo fino. Desses dois tipos, o resíduo grosso é o mais comumente estudado em pesquisas que propõem o reúso desse tipo de material. Nesse contexto, é possível observar seu reúso em aplicações rodoviárias como reforço de subleito, base arenosa impregnada de ligante hidráulico, ou até mesmo como material aplicado em base e sub-base de pavimentos (Andrade et al., 2019ANDRADE, S. S. F., BATISTA, L. S., MACHADO, W. S., MEDEIROS, J. K. S., SOUZA, T. L. Análise da viabilidade da utilização de resíduos da mineração para fins de pavimentação com base na caracterização e avaliação mecânica. In: 5º Congresso Sul-americano de Resíduos Sólidos e Sustentabilidade, 2., 2019. Anais … Foz do Iguaçu: Corensol. 2019.; Santos et al., 2019SANTOS, C.J.R.; BATISTA, L.S.; ASSIS, D.P.M.; ANDRADE, S.S.F.; LEAL, J.P.C. Estudo do comportamento mecânico de concreto para pavimento com substituição parcial do agregado miúdo natural por resíduo da scheelita. In: 5º Congresso Sul-americano de Resíduos Sólidos e Sustentabilidade, 2., 2019. Anais … Foz do Iguaçu: Corensol, 2019.; Silva et al., 2019SILVA, A.L.A.; BATISTA, L.S.; ANDRADE, S.S.F.; LEAL, J.P.C.; COSTA, D.B. Estudo da reutilização de rejeito de scheelita em substituição do agregado miúdo na composição de misturas asfálticas. In: 2º Congresso Sul-americano de Resíduos Sólidos e Sustentabilidade, 2., 2019. Anais … Foz do Iguaçu: Corensol, 2019.; Souza et al., 2016SOUZA, R.A.; MORAIS, A.D.; FRANÇA, F.A.N.; SANTOS JÚNIOR, O.F. Aplicação do Resíduo Fino do Beneficiamento da Scheelita em Obras Geotécnicas. In: XVIII Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, 18., 2016. Anais … Belo Horizonte: COBRAMSEG/SBMR, 2016.). No entanto, de modo geral, ainda assim a utilização de ambos os resíduos é pequena.

Na geotecnia ambiental, o emprego de resíduos de mineração na execução de revestimentos para aterros de resíduos é mais comum para materiais de textura fina- argilosa, pois eles tendem a apresentar baixa permeabilidade quando compactados. Diversos autores, como Rakotonimaro et al. (2017RAKOTONIMARO, T.V.; NECULITA, C.M.; BUSSIÈRE, B.; BENZAAZOUA, M.; ZAGURY, G. Recovery and reuse of sludge from active and passive treatment of mine drainage-impacted waters: a review. Environmental Science and Pollution Research, v. 24, p. 73-91, 2017. https://doi.org/10.1007/s11356-016-7733-7
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), Mbonimpa et al. (2016MBONIMPA, M.; MÉRDARD, B.; DEMERS, I.; BENZAAZOUA, M.; BOIS, D.; GAGNON, M. Preliminary geotechnical assessment of the potencial use of mixtures of soil and acid mine drainage neutralization sludge as materials for the moisture retention layer of covers with capilary barrier effects. Canadian Geotechnical Journal, v. 53, n. 5, p. 828-838, 2016. https://doi.org/10.1139/cgj-2014-0319
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), Mudd et al. (2007MUDD, G.M.; CHAKRABARTI, S.; KODIRKARA, J. Evaluation of engineering properties for the use of leached brown coal ash in soil covers. Journal of Hazardous Materials, v. 139, n. 3, p. 409-412, 2007. https://doi.org/10.1016/j.jhazmat.2006.02.056
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) e Benzaazoua et al. (2006BENZAAZOUA M., FISET J. F., Bussière B., VILLENEUVE M., PLANTE B. Sludge recycling within cemented paste backfill: Study of the mechanical and leachability properties. Minerals Engineering, v. 19, p. 420-432, 2006. https://doi.org/10.1016/j.mineng.2005.09.055
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), vêm estudando a aplicação de diferentes resíduos da mineração com a finalidade de barreira hidráulica. Essas pesquisas sugerem que a inserção de um material de granulometria fina, em que pelo menos 10% das partículas tenham tamanho inferior a 0,002 mm, pode contribuir para um material compósito em que a condutividade hidráulica seja consideravelmente reduzida.

Em vista disso, na construção de coberturas de aterros de resíduos, os materiais mais empregados são aqueles que apresentam baixa permeabilidade quando compactados e baixa retração volumétrica — condição alcançada, por exemplo, pela mistura de solos arenosos e argilosos (Yamusa et al., 2018YAMUSA, B.Y.; NOR ZURAIRAHETTY, M.Y.; KAMARUDIN, A.; NORHAN, A.R.; RADZUAN, S. Effects of fines content on hydraulic conductivity and morphology of laterite soil as hydraulic barrier. E3S Web of Conferences, v. 34, p. 01005, 2018. https://doi.org/10.1051/e3sconf/20183401005
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). Para atingir essas condições satisfatórias de permeabilidade, no Brasil, a norma brasileira (NBR) 13896 (ABNT, 1997Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 6508/17: grãos de pedregulho retidos na peneira de abertura 4,8 mm – determinação da massa específica, da massa específica aparente e da absorção de água. Rio de Janeiro: ABNT, 2017) estabelece os critérios exigíveis para o revestimento de aterros de resíduos não perigosos, determinando que tal camada deve possuir coeficiente de permeabilidade inferior ao do solo natural onde se localiza o aterro, bem como apresentar coeficiente de permeabilidade mínimo inferior a 10−8 m.s.

Segundo Shackelford (1997 apud DIAS, 2014DIAS, M.C.C. Viabilidade do uso de solo tropical e resíduos de construção civil em sistemas de cobertura de aterro sanitário. 2014. 114 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2014.), para que uma camada de solo argiloso compactado tenha bom funcionamento como barreira hidráulica em coberturas de aterros, o que significa dificultar o fluxo de água para dentro do depósito, o ideal é que essa camada tenha condutividade hidráulica igual ou inferior a 1x10−9 m/s. Ainda em relação a isso, Kuokkanen et al. (2008KUOKKANEN, T.; NURMESNIEMI, H.; PÖYKIÖ, R.; KUJALA, K.; KAAKINEN, J.; KUOKKANEN, M. Chemical and leaching properties of paper mill sludge. Chemical Speciation & Bioavailability, v. 20, n. 2, p. 111-122, 2008. https://doi.org/10.3184/095422908X324480
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) citam os padrões legais relativos à condutividade hidráulica estabelecidos pela União Europeia, os quais definem que o material de barreira hidráulica em subleitos e coberturas de aterros de resíduos devem atender aos seguintes parâmetros: ≤10−7 m.s para aterro de resíduos não perigosos; e ≤10−9 m.s para aterro de resíduos perigosos.

Nesse sentido, percebe-se que o padrão da condutividade hidráulica é influenciado pela ação de diferentes fatores, principalmente os morfológicos. Esses fatores vêm sendo estudados no intuito de relacionar sua influência sobre o valor da condutividade hidráulica dos materiais ensaiados. Em geral, a condutividade hidráulica depende muito do conteúdo de finos, de modo que o aumento do teor de partículas finas tende a diminuir a condutividade hidráulica (Fuentes et al., 2018FUENTES, W.M.; HURTADO, C., LASCARRO, C. On the influence of the spatial distribution of fine content in the hydraulic conductivity of sand-clay mixtures. Earth Sciences Research Journal, v. 22, n. 4, p. 239-249, 2018. https://doi.org/10.15446/esrj.v22n4.69332
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). Com isso, pode-se, então, mencionar que a microestrutura do material, a forma dos grãos e a quantidade e os tipos dos poros têm a capacidade de influenciar a permeabilidade de materiais compactados (Çellek, 2019ÇELLEK, S. Comparison of Grain Size Distribution and Grain Shape of Various Sand Samples. Geotechnical and Geological Engineering, v. 37, p. 5019-5033, 2019. https://doi.org/10.1007/s10706-019-00959-1
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; Zięba, 2017Zięba, Z. Influence of soil particle shape on saturated hydraulic conductivity. Journal of Hydrology and Hydromechanics, v. 65, n. 1, p. 80-87, 2017. https://doi.org/10.1515/johh-2016-0054
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; Cabalar et al., 2016CABALAR, A.F.; AKBULUT, N. Evaluation of actual and estimated hydraulic conductivity of sands with different gradation and shape. SpringerPlus, v. 5, n. 1, p. 820, 2016. https://doi.org/10.1186/s40064-016-2472-2
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; Heineck et al., 2002HEINECK, K.S.; LEMOS, R.G.; FLORES, J.A.A.; CONSOLI, N.C. Influence of Particle Morphology on the Hydraulic Behavior of Coal Ash and Sand. Geotechnical and Geological Engineering, v. B95, p. 107-124, 2002.).

Construtivamente, a cobertura de um aterro de resíduos pode ser composta de diferentes camadas com distintas propriedades (separação, drenagem, proteção, barreira hidráulica e regularização). Entre elas está a camada de barreira hidráulica, que é a responsável pelo isolamento da célula de resíduos ao contato com a água precipitada. Por isso, a barreira hidráulica é uma camada fundamental para que as coberturas de aterros de resíduos cumpram sua função ambiental.

Nesse sentido, segundo Benson et al. (2003BENSON, C.G.; ALBRIGHT, W.H.; GEE, G.W.; ABICHOU, T.; ROESLER, A.C.; ROCK, S.A. Examining the alternatives. Civil Engineering, p. 70-75, 2003.), em situações específicas, como aquelas em que há elevada incidência solar e ventos fortes, aliados a uma baixa precipitação anual e condições hidrogeológicas desfavoráveis, tais qual a que ocorre no Nordeste brasileiro, coberturas alternativas poderiam ser consideradas.

Baixos valores de permeabilidade são encontrados na literatura quando é adicionado algum tipo de resíduo às camadas de solo compactado. No entanto, não há grande número de trabalhos que analisem a substituição integral de um material natural, que é normalmente empregado em aterros de resíduos (solos de comportamento argiloso), por um resíduo de mineração com a finalidade de barreira. Diante dessa lacuna sobre o tema, o presente trabalho objetiva avaliar a viabilidade do emprego integral dos resíduos da mineração da scheelita como barreira hidráulica na cobertura de aterro de resíduos.

METODOLOGIA

Características dos resíduos

Foram coletadas amostras dos resíduos finos e grossos gerados durante o beneficiamento da scheelita na Mina Brejuí, em Currais Novos (RN).

Quanto ao resíduo fino, no fim do beneficiamento, ele é bombeado hidraulicamente até diques de deposição de lama para evaporação e sedimentação. Já o resíduo grosso apresenta uma textura arenosa, o que possibilita que seja realizada sua disposição em grandes pilhas de material.

Determinação das misturas ensaiadas

A caracterização do material foi realizada em quatro tipos de amostras formadas com os resíduos obtidos (Figura 1). A primeira constitui-se, exclusivamente, no resíduo fino, diferente das outras três amostras que são formadas pela mistura do resíduo fino e grosso, variando entre eles teores uniformes de massa do resíduo grosso. Desse modo, as quatro amostras diferenciam-se pelo percentual de constituintes em cada uma, ficando organizadas e nomeadas da seguinte forma:

  1. Amostra F100, 100% da massa de resíduo fino;

  2. Amostra F75G25, 75% da massa de resíduo fino e 25% da massa de resíduo grosso;

  3. Amostra F50G50, 50% da massa de resíduo fino e 50% da massa de resíduo grosso; e

  4. Amostra F25G75, 25% da massa de resíduo fino e 75% da massa de resíduo grosso.

Figura 1
Amostras de cada material ensaiado.

Caracterização física

Os ensaios de caracterização física seguiram as recomendações de preparação das amostras determinadas pela NBR 6457 (ABNT, 2016aAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 6457/16: amostras de solo – Preparação para ensaios de compactação e ensaios de caracterização. Rio de Janeiro: ABNT, 2016a.). Essa preparação deu-se, primeiramente, com a secagem prévia da amostra, que foi feita ao ar, para, posteriormente, serem realizados o destorroamento e a homogeneização. As análises granulométricas foram efetuadas conforme as recomendações da NBR 7181 (ABNT, 2016dAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 7181/16: solo – análise granulométrica. Rio de Janeiro: ABNT, 2016d.), a massa específica dos grãos à luz da NBR 6508 (ABNT, 2017Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 6508/17: grãos de pedregulho retidos na peneira de abertura 4,8 mm – determinação da massa específica, da massa específica aparente e da absorção de água. Rio de Janeiro: ABNT, 2017), o limite de liquidez (LL) e o limite de plasticidade (LP) de acordo com a NBR 6459 (ABNT, 2016bAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 6459/16: solo – determinação do limite de liquidez. Rio de Janeiro: ABNT, 2016b.) e a NBR 7180 (ABNT, 2016cAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 7180/16: solo – determinação do limite de plasticidade. Rio de Janeiro: ABNT, 2016c.), respectivamente.

Ensaios de compactação

Os ensaios de compactação foram realizados em cada uma das amostras propostas, seguindo os procedimentos descritos na NBR 7182 (ABNT, 2016eAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 7182/16: solo – ensaio de compactação. Rio de Janeiro: ABNT, 2016e.), na energia Proctor Normal, para se obterem as curvas de compactação, os teores de umidade ótima e seus respectivos pesos específicos aparentes secos. Todos os ensaios foram realizados sem reúso do material amostrado.

Ensaios de condutividade hidráulica

Preparação das amostras

Todas as amostras ensaiadas foram preparadas e compactadas manualmente com a umidade 1% acima da ótima. A água utilizada durante todos os procedimentos de preparação das amostras e ensaios foi a proveniente da rede de abastecimento, conforme as indicações da ASTM D5084 (2016)American Society for Testing and Materials (ASTM). D5084: Standard test method for measurement of hydraulic conductivity of saturated porous materials using a flexible wall permeameter:. Philadelphia, 2016. 8 p..

Para os ensaios de condutividade hidráulica, a preparação das amostras foi conduzida da seguinte forma: primeiramente, os materiais foram pesados nas proporções predefinidas; depois, foram misturados; e, por fim, compactados dinamicamente em quatro camadas dentro de um molde tripartido de 50 mm de diâmetro por 100 mm de altura.

Logo após a moldagem, os corpos de prova foram pesados, com precisão de 0,01 g; medidos, com precisão de 0,01 cm; aferiu-se a umidade pós-compactação; e foram, imediatamente, instalados no permeâmetro de parede flexível. Para o teor de umidade, foi adotada tolerância de até +3%, sendo desconsideradas umidades no ramo seco da curva de compactação.

Procedimentos de ensaio

Os ensaios de condutividade hidráulica foram realizados em permeâmetro de parede flexível, o qual foi efetuado em célula triaxial a carga constante, conforme procedimentos estabelecidos na ASTM D5084 (2016)American Society for Testing and Materials (ASTM). D5084: Standard test method for measurement of hydraulic conductivity of saturated porous materials using a flexible wall permeameter:. Philadelphia, 2016. 8 p.. A configuração das linhas de pressão na célula triaxial foi adaptada, em consonância com as orientações de Head (1986HEAD, K.H. Manual of soil laboratory testing. Vol. 3. London: John Wiley & Sons, 1986.).

Nesse esquema, foram utilizadas três linhas de pressão no aparelho de compressão triaxial, quais sejam: duas linhas de contrapressão, uma delas ligada à base e a outra ao topo do corpo de prova; e uma outra linha responsável pela pressão de confinamento.

O método estabelece um controle de pressões induzidas na base (p1), no topo (p2) e de confinamento (σ3), todas elas com os seguintes critérios:

  1. p1 > p2, para gerar um fluxo ascendente; e

  2. σ3 > p1, para que não ocorresse ruptura da amostra por poropressão.

Dessa forma, durante o procedimento, a condição σ3 > p1 > p2 foi sempre respeitada.

A primeira etapa do ensaio correspondeu à fase de saturação, em que as amostras foram saturadas por contrapressão em incrementos das tensões aplicadas. O estágio inicial deu-se por percolação de água no corpo de prova, com aplicação de uma contrapressão na base (p1) de 10 kPa e uma tensão de confinamento na amostra (σ3) de 20 kPa, de modo que a tensão efetiva ficasse em, aproximadamente, 10 kPa. Nesse caso, a base inicialmente ficou conectada ao reservatório de água, e o topo, à pressão ambiente (p2), para que houvesse fluxo.

No estágio seguinte, tendo sido percolado, anteriormente, um volume equivalente a três vezes o volume de vazios do corpo de prova, a saturação foi monitorada em incrementos de tensão em σ3, p1, p2. Isso fez com que a tensão confinante efetiva fosse mantida em aproximadamente 10 kPa até que fossem atingidos valores de parâmetro B de, pelo menos, 0,92 para todas as amostras.

O parâmetro B, largamente empregado na mecânica dos solos, foi usado para avaliar a saturação do corpo de prova antes do ensaio. Ele pode ser inferido pelo seguinte procedimento: aplica-se no corpo de prova uma tensão hidrostática confinante (Δσ3) e mede-se o acréscimo da pressão na água dos poros (Δu) provocada pela tensão confinante. O parâmetro B é definido como a relação Δu/Δσ3. Isso significa que, quando o material ensaiado está saturado e a água dos vazios é impedida de drenar, o acréscimo de poropressão é igual ao incremento de tensão confinante e, assim, o parâmetro B é igual a 1.

Um vez atingido o critério de parâmetro B ≥ 0,92, procedeu-se ao adensamento do corpo de prova para uma pressão confinante efetiva (σ’33-u) de 30 kPa, conforme recomenda Daniel (1994DANIEL, D.E. State-of-the-art: laboratory hydraulic conductivity tests for saturated soils. Hydraulic Conductivity and Waste Contaminant Transport in Soil. Philadelphia: American Society for Testing and Materials, p. 30-78, 1994.). Nesse padrão, a pressão confinante efetiva mostrou-se consistente na retenção de fluxo entre a membrana e a superfície lateral do corpo de prova. Ressalta-se que, com o intuito de minimizar alterações na microestrutura do material, nenhuma pressão confinante adicional aos 30 kPa foi aplicada para simular possíveis condições de campo.

A etapa final consistiu na mensuração da condutividade hidráulica. Nela, mediram-se sucessivamente os volumes percolados pelo tempo, de maneira acumulada, para ambas as variáveis. O ensaio foi considerado válido quando se puderam aferir cinco medidas consecutivas em que a razão do volume pelo tempo era variável em até ±5% da medida anterior. Sendo assim, pode-se dizer que houve estabilidade do fluxo a partir do momento em que, graficamente, a variação do volume de água percolado (Vol) no intervalo de tempo acumulado (t) conformou um trecho linear do gráfico obtido.

Os ensaios foram realizados para três distintos valores de gradientes hidráulicos, a saber: 5, 8 e 10. Em todos eles foram mantidas inalteradas a tensão confinante e a contrapressão afluente, aumentando-se, apenas, a contrapressão na extremidade influente. Isso permitiu atingir os gradientes propostos e uma melhor distribuição da tensão ao longo da amostra, de acordo com o padrão americano.

O cálculo final da condutividade é realizado pela média da condutividade hidráulica dos três diferentes gradientes hidráulicos, com base na Equação 1 a seguir:

(1) k ( m / s ) = Q m 3 / s i A m 2

Em que:

k: condutividade hidráulica;

Q: vazão de percolação referente ao trecho linear do gráfico;

i: gradiente hidráulico do ensaio [h/L=(p1-p2)/L];

A: área da seção transversal do corpo de prova.

Controle da saturação do corpo de prova pós-ensaio

O controle do grau de saturação dos corpos também foi feito após o ensaio de condutividade hidráulica, mais especificamente depois de ter sido realizada a desmontagem da célula triaxial, como medida para confirmar o grau de saturação final do corpo de prova.

Caracterização química e mineralógica

Para a determinação da composição química e mineralógica, foram realizados ensaios de fluorescência de raios X (FRX) e difratometria de raios X (DRX). O microscópio eletrônico de varredura (MEV) foi utilizado para a identificação visual em nível microscópico dos materiais. Imagens de MEV em diferentes níveis de ampliação foram realizadas nos resíduos puros e soltos, bem como nas quatro misturas ensaiadas (F100, F75G25, F50G50, F25G75) após a compactação do corpo de prova para a análise dos principais atributos morfológicos pertinentes a elas. É importante ressaltar que, na etapa de preparação da amostra para o MEV, a lâmina de material amostrado passou, preliminarmente, pelo processo de metalização a vácuo por ouro.

Classificação dos poros no microtecido estrutural

A Tabela 1 apresenta a classificação dos poros pelo diâmetro equivalente (deq), conforme a classificação proposta por Brewer (1964BREWER, R. Fabric and mineral analysis of soils. New York: John Wiley & Sons, 1964.).

Tabela 1
Classe de poros de acordo com o diâmetro equivalente dos poros.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Classificação dos resíduos quanto a seus riscos potenciais ao meio ambiente e à saúde do homem

Os resíduos estudados correspondem à Classe II B – não perigoso e inerte (NBR 10004) (ABNT, 2004Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 10004/04: resíduos sólidos – Classificação. Rio de Janeiro: ABNT, 2004).

Caracterização física

A Figura 2 apresenta as curvas granulométricas de cada material obtidas por peneiramento das amostras ensaiadas.

Figura 2
Curvas granulométricas dos materiais ensaiados.

O resíduo grosso apresentou predominância de partículas de textura arenosa, correspondendo ao total de 96,4% do peso das partículas. Por outro lado, o resíduo fino apresentou maior fração argilosa se comparado ao resíduo grosso, representando o total de 10% do peso em partículas argilosas. Já as misturas em diferentes proporções de resíduo grosso e de resíduo fino variaram suas características físicas entre esses dois espectros, sofrendo maior influência daquele resíduo em maior proporção. Os demais parâmetros físicos dos materiais ensaiados são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Parâmetros físicos dos materiais.

De acordo com a Unified Soil Classification System (ASTM D2487, 2017American Society for Testing and Materials (ASTM). D2487: Standard test method for classification of soils for engineering purposes (unified soil classification system):. Philadelphia, 2017. 10 p.), é possível classificar o resíduo fino como material de textura areia-siltosa e o resíduo grosso como areia mal graduada. Mesmo com diferentes classificações, ambos os resíduos apresentam, em sua forma, partículas angulares e subangulares, heterogêneas e com morfologia complexa.

Apesar da classificação acima mencionada, os materiais estudados não podem ser definidos como um solo. Isso acontece porque, no caso em questão, os resíduos são gerados por processos industriais que lhes conferem propriedades físicas específicas e, logo, um comportamento geotécnico próprio. Exemplos disso são os elevados valores de massa específica dos sólidos encontrados para os resíduos fino e grosso, os quais foram, respectivamente, 2,93 e 2,98 g.cm3. Esses valores tendem a ser mais elevados que aqueles encontrados nos solos típicos da região.

Ensaios de compactação

Os ensaios de compactação foram realizados na energia Proctor Normal (ABNT, 2016eAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 7182/16: solo – ensaio de compactação. Rio de Janeiro: ABNT, 2016e.). A massa específica seca máxima e o teor ideal de água encontram-se descritos na Figura 3, que apresenta as condições de compactação dos materiais na condição ótima. Observa-se que as curvas de compactação das misturas F50G50 e F25G75 estão plotadas uma bem próxima à outra, indicando, desse modo, um estado de compacidade máxima similar entre as duas misturas. Diante disso, dada as massas específicas secas similares nessas misturas, acredita-se que a porcentagem de finos existente nelas possa preencher de maneira semelhante os vazios correspondentes ao contato grão a grão entre as partículas maiores.

Nas demais curvas (F100 e F75G25), a presença de partículas finas é superior em relação às misturas anteriormente citadas, e, dessa forma, mais influente na compactação. Isso faz com que as curvas de F100 e F75G25 estejam apresentadas mais à direita, no canto inferior da Figura 3, de modo a denotar que quanto maior a presença de partículas de textura fina menor é a compacidade.

A Tabela 3 resume os principais índices físicos de cada material compactado, seus parâmetros ótimos de compactação e a determinação da quantidade de finos presente em cada material.

Tabela 3
Índices físicos do material compactado na umidade ótima.

Os resultados dos índices de vazios e porosidade nas misturas entre o resíduo grosso e o fino demonstram similitude quanto aos volumes de vazios existentes nesses materiais. Como não há correlação direta entre a porosidade e o tamanho dos poros, acredita-se que em cada um desses materiais haja conformações microestruturais diferentes umas das outras, mesmo que as partículas finas preencham os vazios das partículas maiores.

Pode-se perceber que o volume de vazios é maior na amostra unicamente composta de resíduo fino (F100), uma vez que ela apresenta maior teor de partículas finas (< 0,075 mm) em comparação com as demais amostras. Analisada a influência desse parâmetro quando o material ensaiado é composto de fração do resíduo grosso, nota-se que há uma alteração considerável. Entretanto, quando esse teor de resíduo grosso, em massa, supera 50% da massa total do compósito, passa a haver semelhanças no resultado dos volumes de vazios. Nesse sentido, a uniformidade das partículas de textura siltosa deve uniformizar um nível de compactação semelhante entre os compósitos F50G50 e F25G75.

Ensaios de condutividade hidráulica

Os resultados dos ensaios de condutividade hidráulica, bem como os índices físicos das amostras na condição de ensaio, são apresentados na Tabela 4.

Tabela 4
Propriedades físicas iniciais dos corpos de prova e resultado de K20.

Percebe-se, pelos resultados obtidos nos ensaios de condutividade hidráulica, que há uma mudança de duas ordens de grandeza entre os compósitos de menor e maior porcentagem de partículas finas. Em relação ao valor da condutividade hidráulica saturada a 20°C (k20) percebido por F25G75, é possível entender que tal resultado pode defini-lo como um material de permeabilidade compatível com a de uma areia, o que faz com que seja considerado mais permeável. Quanto à amostra F100, os resultados demonstram que se trata de um resíduo de permeabilidade compatível com a de um material de característica siltosa, o que o faz ser considerado como de baixa permeabilidade.

Segundo Fuentes et al. (2018FUENTES, W.M.; HURTADO, C., LASCARRO, C. On the influence of the spatial distribution of fine content in the hydraulic conductivity of sand-clay mixtures. Earth Sciences Research Journal, v. 22, n. 4, p. 239-249, 2018. https://doi.org/10.15446/esrj.v22n4.69332
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), o valor da condutividade hidráulica de compósitos formados pela mistura de solos de textura arenosa com argilosa é influenciado por diferentes fatores, tais como: quantidade em massa de cada material e da mineralogia dos minerais componentes. Esses fatores conformam tecidos estruturais que determinarão diretamente a massa específica e a porosidade do compósito, o que se reflete na forma de interconexão entre as partículas e os vazios formados no solo (diâmetro de poros).

Dessa forma, a análise da variação de k20 para as amostras ensaiadas sob a mesma ótica dos fatores anteriormente citados também é bastante válida, mesmo em se tratando de um resíduo. Observadas as particularidades do material estudado, ele apresenta comportamento geotécnico próprio, e, por isso, os fatores físicos ganham ainda mais importância na determinação da condutividade hidráulica.

Uma vez que a diferença na quantidade de finos existentes em cada amostra ensaiada demonstra exercer pouca influência sobre a porosidade, mas grande influência sobre a condutividade hidráulica, entende-se que o tecido microestrutural organizado pela quantidade de finos existente atua condicionando a composição dos poros formados. Por isso, a incorporação de maiores teores de finos nas amostras ensaiadas deve proporcionar um entrosamento entre as partículas, de forma a criar um maior número de poros de tamanhos mais reduzidos, sem alterar a porosidade.

Nesse caso, a progressiva redução da condutividade hidráulica parece estar relacionada a fatores morfológicos que desencadeiam uma alteração no tecido estrutural, com o aumento no número de microporos de menor diâmetro efetivo, aumentando a tortuosidade do fluido percolante durante a infiltração.

A Figura 4 apresenta os efeitos exercidos pela quantidade de finos na condutividade hidráulica dos materiais estudados. Como se pode observar, à medida que o teor de finos aumentou, houve redução da permeabilidade sob um ajuste exponencial. Dessa forma, a influência da quantidade de partículas finas pôde ser considerada relevante, partindo de 1,76x10−6 m.s na amostra com menor teor de finos para 2,18x10−8 m.s na amostra com maior teor de finos.

Figura 4
Efeito da quantidade de finos na condutividade hidráulica.

Caracterização química e mineralógica

Ambos os resíduos estudados (fino e grosso) apresentaram composição química similar, sendo compostos de cálcio, silício, alumínio e ferro em maiores proporções; com menores teores de magnésio, potássio, manganês, titânio, enxofre, estrôncio, cobre, zinco e zircônio.

A Tabela 5 resume as características químicas e mineralógicas dos resíduos fino e grosso na condição solta, bem como mostra as imagens por MEV e os resultados de DRX para tais resíduos. As amostras analisadas são caracterizadas quimicamente pelos grupos silicato e carbonato. Os dois tipos de resíduos estudados apresentam basicamente as mesmas fases mineralógicas. Assim, os minerais presentes em ambos são: quartzo (silicato-tectossilicato), anortita (silicato-tectossilicato), andradita (silicato-nesossilicato) e calcita (carbonato de cálcio). Ainda, o resíduo fino apresenta o mineral epídoto (silicato-sorossilicato). Essa composição está de acordo com a citada na literatura para o tipo de depósitos estudado (Bucher et al., 2011BUCHER K.; GRAPES R. Petrogeneses of metamorphic rocks. Berlin: Ed. Springer, 2011.)

Tabela 5
Propriedades físicas, imagens de microscópio eletrônico de varredura e análises de difratometria de raios X dos resíduos estudados.

O caráter essencialmente primário dos minerais confere ao material um comportamento geotécnico particular, que o difere do comportamento esperado em um solo residual de rochas cálcio-silicáticas (normalmente apresentando algum tipo de mineral secundário — argilomineral).

Caracterização morfológica dos poros nas amostras compactadas

A Figura 5 mostra uma imagem de MEV com os quatro materiais ensaiados, na condição compactada, em 500 ampliações. É possível perceber a agregação entre grãos maiores e menores, sobretudo na amostra F100, de forma que as partículas menores apresentaram entrosamento com as partículas maiores. Esse entrosamento demonstra que, no tecido estrutural, houve o preenchimento dos contatos entre grãos maiores pelos finos.

Figura 5
Microscópio eletrônico de varredura das amostras compactadas: 500x. 1 F100; 2 F75G25; 3 F50G50; 4 F25G75.

Esse preenchimento propiciou a formação de poros de menor diâmetro equivalente. Para F100, uma boa predominância de partículas inferiores a 0,075 mm faz com que esse material apresente um tecido estrutural diferenciado se comparado aos outros, de tal forma que a predominância de ultramicroporos se torna mais influente.

A Figura 6 apresenta uma ampliação de 1.500x para os mesmos materiais compactados da Figura 5. Com uma análise a esse nível de ampliação, podem-se identificar os maiores tamanhos de poros irregulares, que variam de cerca de 5,6 μm (em F25G75) a 1,6 μm (em F100).

Figura 6
Microscópio eletrônico de varredura das amostras compactadas: 1.500x. 1 F100; 2 F75G25; 3 F50G50; 4 F25G75.

Na Figura 6 é possível observar que, com 1.500x de ampliação, as classes de microporos maiores puderam ser percebidas com maior notoriedade nas amostras com menor porcentagem de partículas finas. Dessa maneira, as imagens apresentadas corroboram a conclusão de que o aumento da permeabilidade tem relação com a tortuosidade promovida pelo tecido estrutural.

Quanto à amostra F100, uma boa predominância de partículas inferiores a 0,075 mm faz com que esse material apresente um tecido estrutural diferenciado em comparação aos outros, de modo que a predominância de ultramicroporos nele é mais evidente.

CONCLUSÕES

A potencialidade do emprego de materiais como barreira hidráulica na cobertura de aterros de resíduos é sempre avaliada, primordialmente, quanto a sua eficiência na retenção do fluxo de água por uma camada impermeabilizante. Outras considerações quanto à textura dos grãos componentes e teor de finos (partículas inferiores a 0,075 mm) são de fundamental importância na aplicabilidade de um material com tal finalidade.

Tendo isso em vista, mediante os ensaios realizados neste trabalho, concluiu-se que os materiais F100 (100% da massa de resíduo fino) e F75G25 (75% da massa de resíduo fino e 25% da massa de resíduo grosso) atenderam aos requisitos estabelecidos por distintas normativas e recomendações internacionais para emprego em camadas de coberturas superficiais como barreira hidráulica. Por outro lado, as amostras F50G50 (50% da massa de resíduo fino e 50% da massa de resíduo grosso) e F25G75 (25% da massa de resíduo fino e 75% da massa de resíduo grosso) não atingiram os critérios necessários quanto à condutividade hidráulica para que sejam empregados em coberturas de aterros de resíduos. Apesar disso, os materiais dessas amostras poderiam ser empregados em coberturas com outras finalidades menos nobres, como em camadas de regularização e/ou de proteção.

As características físicas do material em que a quantidade de resíduo fino foi superior a 50% são condizentes com o tipo de aplicação proposta. Em relação à composição mineralógica parecida entre os dois resíduos, ela tende a manter o mesmo comportamento das misturas compostas dos dois materiais.

Quanto às características geotécnicas dos materiais ensaiados, percebe-se que eles apresentaram um comportamento próprio se comparados a solos naturais. Esse comportamento próprio deve-se ao tipo de beneficiamento que a rocha mãe sofre na mina, o qual compreende processos físicos de redução granulométrica que não alteram quimicamente a mineralogia do material em relação à rocha matriz, diferentemente do que ocorre com um solo cujo processo de formação se deve ao intemperismo das rochas. Desse modo, durante o beneficiamento dos materiais ensaiados, são conservadas as características mineralógicas da rocha, de forma a não serem identificados minerais secundários, frutos de processos de intemperismo.

No âmbito deste estudo, pode-se afirmar que o teor de finos influenciou decisivamente os parâmetros de permeabilidade obtidos; sua maior incidência tende a reduzir significativamente a condutividade hidráulica a padrões considerados ótimos. Essa mudança de condutividade hidráulica ocorre em razão das alterações da microestrutura do material compactado, da forma dos grãos e do tamanho dos poros existentes.

Por fim, a pouca mudança na porosidade do material demonstra que não houve variação significativa no volume de vazios existente nas amostras ensaiadas, de sorte que entre a amostra mais permeável e a menos permeável ocorreu uma alteração das classes dos poros existentes. Com essa mudança, os poros passaram da situação de poros de maior diâmetro efetivo para um maior número de poros de menor diâmetro efetivo, afetando, assim, a condutividade hidráulica por aumento da tortuosidade.

  • Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil – Código de Financiamento 001.
  • Reg. ABES: 20200763

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Brasil (CAPES) — Código de Financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2020
  • Aceito
    23 Set 2021
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